A PLATAFORMA CONTINENTAL DO MUNICÍPIO DE SALVADOR:
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- Geraldo Clementino Coimbra
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1 37 A PLATAFORMA CONTINENTAL DO MUNICÍPIO DE SALVADOR: Geologia, Usos Múltiplos e Recursos Minerais Série ARQUIVOS ABERTOS 2011
2 GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA SECRETARIA DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO E MINERAÇÃO - SICM COMPANHIA BAIANA DE PESQUISA MINERAL - CBPM SÉRIE ARQUIVOS ABERTOS 37 A PLATAFORMA CONTINENTAL DO MUNICÍPIO DE SALVADOR: GEOLOGIA, USOS MÚLTIPLOS E RECURSOS MINERAIS José Maria Landim Dominguez João Maurício Figueiredo Ramos Renata Cardia Rebouças Alina Sá Nunes Lizandra Carvalho Ferreira de Melo Salvador, 2011
3 GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA SECRETARIA DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO E MINERAÇÃO Jaques Wagner Governador James Silva Santos Correia Secretário da Indústria, Comércio e Mineração CBPM - COMPANHIA BAIANA DE PESQUISA MINERAL Hari Alexandre Brust Diretor Presidente Rafael Avena Neto Diretor Técnico Vinícius Neves Almeida Diretor Administrativo e Financeiro Augusto José Pedreira Gerente de Publicações D719 Dominguez, José Maria Landim A plataforma continental do município de Salvador: geologia, usos múltiplos e recursos minerais / José Maria Landim Dominguez... [et al]. Salvador, CBPM, p. : il. color.: mapas (Série Arquivos Abertos, 37). ISBN Plataforma continental - Salvador. 2. Geologia marinha. 3. Arqueologia Marinha. I. Ramos, João Maurício Figueiredo II. Companhia Baiana de Pesquisa Mineral. III. Título. IV. Série. CDU: (814.2) CDD: ii
4 APRESENTAÇÃO O conhecimento detalhado dos substratos marinhos e dos recursos naturais da plataforma continental são fundamentais para o planejamento, resolução de conflitos e gestão do ambiente costeiro, particularmente em frente às grandes metrópoles litorâneas. Devido à amplitude e variedade das intervenções no fundo marinho e nas áreas vizinhas aos grandes centros metropolitanos é fundamental se atingir um nível de conhecimento deste substrato, equiparável às informações disponíveis para a área costeira emersa, permitindo a integração, sem perda de resolução, entre a representação dos ambientes continentais e marinhos e seu manejo integrado. Este aspecto se torna ainda mais relevante quando se leva em conta que diferentes setores da sociedade, tais como exploração de petróleo, pesca, explotação de recursos minerais, atividades de conservação etc., normalmente competem pelo uso dos mesmos espaços na plataforma continental. Deste modo, mapas do fundo marinho e seus diferentes usos estão se tornando tão comuns e corriqueiros, quanto os mapas de uso do solo, amplamente utilizados no manejo de áreas urbanas e rurais. Assim sendo, o Arquivo Aberto 37 apresenta os resultados de um trabalho pioneiro, no Estado da Bahia e até mesmo no Brasil, de mapeamento do fundo marinho da plataforma continental em frente a Salvador, utilizando ferramentas geológicas e geofísicas, realizado pelo prof. José Maria Landim Dominguez, do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia, e seus colaboradores. Os resultados, aqui apresentados, suprem uma crescente demanda por trabalhos que representem as principais características do ambiente físico submarino, oferecendo uma visão integrada necessária para a gestão do ambiente costeiro/plataformal. Este trabalho apresenta também uma avaliação do potencial mineral desta região, identificando as principais jazidas de granulados siliciclásticos, que, num futuro próximo, terão importância estratégica para a recuperação das praias da orla de Salvador, ameaçadas pela subida do nível do mar, decorrente do aquecimento global. A CBPM espera que essa publicação constitua a inspiração para outras iniciativas desta natureza, fundamentais para a gestão e aproveitamento dos recursos naturais do ambiente marinho. Hari Alexandre Brust Diretor Presidente iii
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6 AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer à CBPM, pelo entusiasmo e apoio com que abraçou a proposta de publicação deste trabalho no formato Arquivos Abertos. Agradecimentos são também extensivos ao apoio gerencial da Petrobras, gerências UO-BA/EXP e UO-BA/EXP/ABIG, pelo acesso aos dados sísmicos, e ao geólogo Oscar P. de A. C. Neto pelas críticas e sugestões durante a interpretação sísmica. O CNPq e a Fapesb ofereceram os recursos financeiros que possibilitaram os levantamentos de campo. Pedro M. S. Pereira, Elisa Nunes S. da Silva, Esmeraldino A. Oliveira Junior, e Raissa H. Simões Campos contribuiram de maneira decisiva durante os levantamentos geofísicos em campo. v
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8 RESUMO A PLATAFORMA CONTINENTAL DO MUNICÍPIO DE SALVADOR: Geologia, Usos Múltiplos e Recursos Minerais A Plataforma Continental em frente a cidade do Salvador (PCS) é a mais estreita do Brasil e tem sido amplamente utilizada para a pesca, disposição de esgotos domésticos e de sedimentos dragados dos portos de Aratu e Salvador, recreação (mergulhos), além do interesse que desperta em arqueologia submarina. A PCS apresenta importantes jazidas de granulados siliciclásticos de importância estratégica para a recuperação das praias de sua orla marítima, ameaçadas pela futura subida do nível do mar em decorrência do aquecimento global. Este trabalho apresenta uma síntese do conhecimento existente sobre a geologia da PCS, seu arcabouço estrutural e evolução geológica e os diferentes tipos de substratos aí existentes. Estas informações são utilizadas para contextualizar os diferentes usos atuais e futuros da plataforma, constituindo assim, no ponto de partida para a gestão do ambiente marinho, para a mediação dos conflitos decorrentes deste usos, e para a avaliação preliminar dos impactos decorrentes de futuros empreendimentos. A sedimentação na PCS é essencialmente carbonática. Estes sedimentos constituem uma cobertura pouco espessa recobrindo parcialmente os substratos consolidados que aumentam em expressividade na sua porção externa. Sedimentos siliciclásticos ocorrem em uma faixa muito estreita bordejando descontinuamente a linha de costa. Estes sedimentos entretanto, alcançam grande expressividade na região do banco do Santo Antônio e na entrada da baía de Todos os Santos, constituindo assim uma importante jazida de granulados siliciclásticos prontamente disponível para utilização na recuperação das praias da cidade. A fisiografia da plataforma é controlada fortemente pelo arcabouço estrutural da margem continental e pela exposição subaérea prolongada durante o Quaternário. Esta herança geológica até hoje exerce uma influência marcante na sedimentação plataformal. Os resultados aqui apresentados ilustram a necessidade de avaliações integradas das áreas emersa e submersa da zona costeira e suprem uma crescente demanda por mapas que representem de forma integrada as características do ambiente físico. vii
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10 ABSTRACT THE CONTINENTAL SHELF OFF SALVADOR: Geology, Multiple Uses and Mineral Resources The continental shelf off Salvador (PCS) is the narrowest in Brazil. It has been intensively used for fishing, disposal of domestic effluents and sediments dredged from the Aratu and Salvador ports, recreation (scuba diving), besides an increasing interest in submarine archaeology. The PCS has also important accumulations of siliciclastic sands, which are strategic for future nourishment of urban beaches threatened by sea-level rise induced by global warming. This work presents a synthesis of the current geologic knowledge for the PCS, its structural framework, geologic evolution and marine substrates. These informations provide a background against which actual and future uses of the marine environment are presented. They also provide a starting point for environmental management, mediation of conflicts and preliminary analysis of future interventions. Sedimentation at the PCS is essentially bioclastic. These sediments form a thin veneer that partially covers the hard substrates which increase in importance toward the outer shelf. Siliciclastic sediments form a narrow belt discontinuously bordering the present day shoreline, except for the Santo Antônio bank and the entrance of the Todos os Santos bay, where important accumulations are found, thus constituting important sources of sands, readily available for beach nourishment projects. The physiography of the shelf is strongly controlled by the structural framework of the continental margin and the prolonged sub-aerial exposure during the Quaternary. This geologic heritage exerts a marked influence on the present day shelf sedimentation. The results presented herein illustrate the urgent need for integrated continent-ocean evaluations, and meet an increasing demand for maps depicting integrated informations of the physical environment. ix
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12 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO... iii RESUMO... vii ABSTRACT... ix 1. INTRODUÇÃO DEFINIÇÕES IMPORTÂNCIA DE SE CONHECER OS SUBSTRATOS DA PLATAFORMA CONTINENTAL Substratos e Comunidades Bentônicas Riscos Ambientais FONTES DE DADOS BATIMETRIA E PARÂMETROS AMBIENTAIS Batimetria Parâmetros Ambientais ARCABOUÇO ESTRUTURAL DA MARGEM CONTINENTAL E SUA EVOLUÇÃO Estágio Pré-Rifte Estágio Drifte Estágio Drifte I Estágio Drifte Il A Expressão da Herança Geológica na Plataforma Continental Sínteses da Evolução Geológica SEDIMENTOS SUPERFICIAIS TEXTURA E COMPOSIÇÃO Textura do Sedimento Superficial de Fundo Composição do Sedimento Superficial de Fundo Fácies Texturais Controles na Distribuição dos Sedimentos Superficiais EVOLUÇÃO QUATERNÁRIA Regressão Pleistocênica e o Último Máximo Glacial A Subida do Nível Eustático Após o Último Máximo Glacial O Nível de Mar Alto Atual RECURSOS MINERAIS USOS DA PLATAFORMA CONTINENTAL DE SALVADOR Disposição de Resíduos Descarte de Materiais Dragados Implantação de Cabos Submarinos Recreação e Arqueologia Submarina Pesca CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS APÊNDICE A. Série Arquivos Abertos B. Volumes já Publicados da Série Arquivos Abertos ANEXO GEOLOGIA E PRINCIPAIS USOS ATUAIS E FUTUROS DA PLATAFORMA CONTINENTAL DE SALVADOR xi
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14 Arquivos Abertos 37 CBPM 1. INTRODUÇÃO No Brasil o último grande esforço de caracterização do fundo marinho da Plataforma Continental foi durante a realização do Projeto Remac (Reconhecimento da Margem Continental), nas décadas de (Damuth & Hayes, 1977; Xavier & Costa, 1979; Zembruscki, 1979, Palma, 1979; Chaves et al, 1979; França, 1979; Kowsman & Costa, 1979). Na última década verifica-se um renascimento do interesse no estudo da plataforma, principalmente devido aos seguintes fatos: (i) submissão pelo Brasil, junto à Unclos (United Nations Convention of the Law of the Sea conhecida em português como Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar - CNUDM) da proposta de delimitação da Plataforma Continental Brasileira, resultado do trabalho conjunto entre a Petrobras e a Marinha do Brasil (Projeto Leplac - Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira), (ii) expansão das atividades humanas para o ambiente marinho, tais como exploração de petróleo, implantação de emissários submarinos, dutos e cabos, e descartes de operações de dragagem, (iii) crescente preocupação com a conservação da vida marinha (baleias, tartarugas, recifes de coral, etc), (iv) renovação do interesse na atividade mineral com a reativação da divisão de Geologia Marinha da CPRM e a sua missão de avaliar os recursos minerais da nossa plataforma, e (v) necessidade geopolítica de marcar a presença brasileira no Atlântico Sul Ocidental. Entretanto, diversas das atividades mencionadas têm sido desenvolvidas sem um conhecimento mínimo dos substratos presentes na plataforma continental. No caso particular do Estado da Bahia, apesar de o mesmo incluir o trecho de plataforma continental mais longo de todo o Brasil, o conhecimento dos tipos de substratos é essencialmente nulo, limitado em grande parte ao que foi feito ainda à época do Projeto Remac. A partir do início deste século, atividades de pesquisa em parte patrocinadas pela CBPM, e realizadas no Centro de Pesquisa em Geofísica e Geologia da UFBA, permitiram uma coleta quase que sistemática de amostras de sedimento na plataforma continental baiana, melhorando bastante o conhecimento sobre esta região, o qual se encontra sumariado no capítulo XVIII do livro Geologia da Bahia (Dominguez et al, no prelo). O trabalho agora apresentado na forma deste Arquivo Aberto, sintetiza em maior detalhe o conhecimento sobre a plataforma continental confrontante à cidade do Salvador, a qual tem sido intensamente utilizada para a pesca, disposição de esgotos domésticos (emissários do Rio Vermelho e de Jaguaribe ou Boca do Rio), disposição de sedimentos dragados nos portos de Aratu e Salvador, além de atividades de recreação (mergulhos em naufrágios) e o interesse em arqueologia marinha. Adicionalmente este trabalho apresenta uma primeira avaliação dos recursos minerais deste trecho da plataforma baiana, principalmente no que diz respeito aos granulados marinhos (siliciclásticos e bioclásticos). Este é um aspecto importante, pois tendo em vista a fisiografia e o histórico de ocupação da cidade, as praias urbanas são muito estreitas e algumas até já desapareceram. Com a perspectiva de uma subida do nível do mar nas próximas décadas, em decorrência do aquecimento global, obras de recuperação de praias como as que já têm sido feitas em outros lugares do mundo e do Brasil (p.ex. Marataízes e Conceição da Barra, no estado do Espírito Santo), se farão também necessárias nas praias de Salvador. Para tal, é fundamental encontrar na plataforma continental jazidas de granulados siliciclásticos que possam funcionar como áreas de empréstimo para esta atividade. 13
15 CBPM Arquivos Abertos DEFINIÇÕES A plataforma continental é uma região aproximadamente plana de baixa declividade que bordeja o continente (Friedman et al, 1992). Pode-se considerar que a mesma é normalmente limitada por duas rampas íngremes: (i) a face litorânea ( shoreface ) representa o limite interno da plataforma. Trata-se de uma superfície côncava, relativamente íngreme, esculpida pelas ondas, que constitui a transição entre o sistema praial e a plataforma continental e (ii) o talude que constitui o limite externo, modelado essencialmente pela ação da gravidade e cujo contato com a plataforma é brusco e representado pela quebra da plataforma (Figura 1). Esta definição geológica é bastante diferente das conceituações jurídicas estabelecidas na Convenção das Nações Unidas para Direito do Mar (Unclos). A seguir são reproduzidas algumas definições importantes constantes na Convenção para Direito do Mar (Figura 2): Mar Territorial (MT) possui uma largura de 12 milhas náuticas (m.n.) contadas a partir das linhas de base. As linhas de base correspondem a um traçado mais simplificado da linha de costa. A soberania do Estado costeiro (p. ex. o Brasil) neste espaço é irrestrita, sendo um espaço marítimo em continuação ao seu território. Observar que o mar territorial brasileiro de 200 m.n. instituído pelo Decreto-lei nº 1.098, de 25 de março de 1970 passou a ser de 12 m.n., com a vigência da Lei nº 8.617, de 4 de janeiro de Figura 1 - A plataforma continental e os principais processos oceanográficos Figure 1 - The continental shelf and the major oceanographic processes 14
16 Arquivos Abertos 37 CBPM Figura 2 - Limites do Mar Territorial, Zona Contígua, Zona Econômica Exclusiva, e Plataforma Continental de acordo com o estabelecido pelo Unclos Figure 2 - Limits of the Territorial Sea, Contiguous Zone, Economic Exclusive Zone and Continental Shelf as established by UNCLOS Zona Contígua (ZC) seu limite é uma faixa de 24 m.n. contadas a partir das linhas de base. A jurisdição do Estado costeiro neste espaço é limitada a evitar e reprimir agressões aos seus regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários. Zona Econômica Exclusiva (ZEE) seu limite é de 200 m.n. contadas a partir das linhas de base. Neste espaço o estado costeiro tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo. Plataforma Continental (PC) - compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do mar territorial, até a borda exterior da margem continental, ou até uma distância de 200 m.n. das linhas de base, nos casos em que a borda exterior da margem continental não atinja essa distância. O limite da PC além das 200 m.n. é definido por meio de dois critérios alternativos: (i) até a distância de 60 m.n. do pé do talude continental; ou (ii) até o local onde a espessura das rochas sedimentares corresponda a 1% da distância deste local ao pé do talude continental. Os limites exteriores da plataforma continental não poderão ultrapassar 350 m.n. das linhas de base ou 100 m.n. da isóbata de metros. Na plataforma continental o estado costeiro possui direitos de soberania no que diz respeito ao aproveitamento e exploração dos recursos naturais do solo e subsolo marinho (os recursos minerais e outros recursos não vivos, além dos recursos vivos, espécies sésseis ou aquelas que se movem em contato físico com o leito do mar). O Brasil, como resultado do projeto Leplac apresentou à Unclos, sua proposta de limites da Plataforma Continental em 17 de maio de 2004 (Figura 3). Convém enfatizar que o trabalho agora apresentado restringe-se apenas à plataforma continental segundo a sua definição geológica (Figura 1). 15
17 CBPM Arquivos Abertos 37 Figura 3 - Proposta brasileira de delimitação da sua plataforma continental submetida ao Unclos Figure 3 - Brazilian proposal for the limits of the continental shelf as submitted to UNCLOS 16
18 Arquivos Abertos 37 CBPM 3. IMPORTÂNCIA DE SE CONHECER OS SUBSTRATOS DA PLATAFORMA CONTINENTAL No continente a caracterização do ambiente é relativamente simples utilizando-se técnicas de mapeamento clássico e de sensoriamento remoto. No ambiente marinho, o sensoriamento remoto convencional pode ser utilizado apenas na zona costeira emersa. A visualização do fundo marinho com a mesma resolução e cobertura espacial não é possível. Entretanto, informações detalhadas sobre a topografia submarina e a distribuição dos diferentes tipos de substratos, são fundamentais para a prática de uma ampla variedade de atividades humanas, tais como navegação, defesa nacional, manejo de estoques pesqueiros, análise de impactos, licenciamento ambiental, levantamento de recursos minerais e mineração submarina, dragagem e descarte, implantação de cabos, dutos e outras estruturas submarinas, avaliação de riscos ambientais (erosão costeira, estabilidade do fundo marinho, sedimentos contaminados, etc), gestão e conservação ambiental, identificação e proposição de Áreas Marinhas Protegidas, etc. O conhecimento detalhado dos substratos marinhos e dos recursos naturais associados são assim fundamentais para o planejamento e resolução de conflitos e gestão do ambiente costeiro particularmente em frente às grandes metrópoles litorâneas. Deste modo, devido à amplitude e variedade das intervenções no fundo marinho, nas áreas vizinhas aos grandes centros metropolitanos, é fundamental se atingir um nível de conhecimento deste fundo equiparável às informações disponíveis para a área costeira emersa, permitindo a integração sem perda de resolução, entre a representação dos ambientes continentais e marinhos e seu manejo integrado. Este aspecto se torna ainda mais relevante quando se leva em conta que diferentes setores da sociedade normalmente competem pelo uso dos mesmos espaços na plataforma continental, tais como exploração de petróleo, pesca, explotação de recursos minerais, atividades de conservação, etc. Mapas do fundo marinho e seus diferentes usos estão se tornando tão comuns e corriqueiros, quanto os mapas de uso do solo, amplamente utilizados no manejo de áreas urbanas e rurais. A este respeito deve-se chamar a atenção, que no Brasil, em número crescente, tem sido proposta a criação de unidades de conservação marinhas. Grandes áreas do fundo marinho têm sido alocadas para fins de conservação sem qualquer informação sobre a sua geomorfologia e os seus hábitats. Os processos e substratos geológicos são fundamentais na determinação destes hábitats e suas comunidades. Assim, por exemplo, locais caracterizados por transporte ativo de sedimentos apresentam uma baixa diversidade de espécies em comparação aos fundos consolidados onde assembleias bentônicas mais diversificadas estão normalmente presentes. Estas informações são cruciais para a gestão e conservação das áreas marinhas, permitindo uma concentração de esforços naquelas áreas ambientalmente mais importantes, reduzindo conflitos de uso com outras atividades e permitindo um estabelecimento mais adequado e preciso dos limites das unidades de conservação marinhas. Praticamente todas as tomadas de decisão relacionadas ao uso e manejo dos recursos do fundo marinho podem ser endereçadas por três elementos ambientais básicos (Pickrill, R.A. e Todd, B.J., 2003): A profundidade e a morfologia do fundo marinho; A textura e a composição do sedimento na superfície do fundo marinho e imediatamente abaixo (subfundo); A flora e a fauna que constituem as comunidades bentônicas. Assim, o presente trabalho objetiva apresentar uma síntese sobre o conhecimento dos substratos marinhos da plataforma continental de Salvador, e suas implicações para a avaliação dos seus recursos naturais (minerais e comunidades bentônicas), seu manejo e a gestão integrada da plataforma e zona costeira associada. 17
19 CBPM Arquivos Abertos SUBSTRATOS E COMUNIDADES BENTÔNICAS Os habitats bentônicos são primariamente determinados pelos tipos de substratos (sedimento ou rochas), que refletem processos físicos passados e atuais. O substrato determina em grande extensão a presença ou ausência de uma espécie bentônica particular como também modifica o efeito de distúrbios nas comunidades bentônicas (Kostylev et al, 2001). Vários autores ilustraram as relações existentes entre a textura e a composição dos sedimentos que recobrem o fundo marinho e a distribuição e a abundância das espécies bentônicas (Todd & Greene, 2008; Harris & Baker, 2011). Para endereçar este aspecto uma cooperação estreita entre geólogos marinhos e biólogos é necessária. Nos últimos 10 anos, progressos nas tecnologias de mapeamento incluindo sonografia de varredura lateral, sonografia multifeixe, navegação e amostragem com precisão locacional, sistemas fotográficos e técnicas de visualização científica tiveram lugar, satisfazendo antigas demandas da comunidade de biólogos marinhos. A integração de mapeamentos de alta resolução do ambiente físico com a distribuição de espécies bentônicas permite estabelecer as relações entre estes substratos e as comunidades bentônicas e mapear, deste modo, os hábitats essenciais para várias espécies de organismos comercialmente importantes, como peixes demersais, camarão e lagosta. Estas informações são de vital importância na exploração destes recursos, não só para aumentar a eficiência da captura, como também possibilitar mudanças nas práticas de pesca, redução do impacto ambiental com a diminuição do distúrbio nas áreas do fundo, melhoria do manejo dos recursos pesqueiros em uma escala espacial mais detalhada, assim como do manejo de estoques múltiplos em áreas relativamente reduzidas. Ao longo da última década, a geologia marinha esteve cada vez mais envolvida na caracterização dos hábitats bentônicos como resultado direto de avanços significativos na resolução e acurácia das tecnologias de mapeamento. Os primeiros mapas do fundo marinho eram geralmente inadequados para atender às demandas da comunidade biológica por não apresentarem detalhe suficiente para uma correlação direta entre tipos de fundo e os hábitats (Kenny et al, 2003). Os seguintes atributos geológicos são considerados de relevância ecológica: (i) microrelevo (centímetros a decímetros rugosidade), (ii) macrorelevo (metros a centenas de metros), (iii) textura, composição e porosidade do sedimento, (iv) dinâmica/processos, formas de leito, trajetórias de transporte de sedimentos, (v) espessura do sedimento, (vi) cenário regional, (vii) história geológica e (viii) feições antropogênicas. O mapeamento dos habitats marinhos é o primeiro passo para a gestão científica dos recursos do mar, para o monitoramento das mudanças ambientais e para a avaliação dos impactos dos distúrbios antropogênicos nos organismos bentônicos. Muitas destas informações estão disponibilizadas neste trabalho e espera-se que a sua publicação sirva de estímulo para a comunidade de biólogos marinhos realizar o detalhamento das comunidades bentônicas associadas aos diferentes tipos de fundo aqui identificados. 3.2 RISCOS AMBIENTAIS Estruturas de engenharia, tais como dutos, emissários, plataformas de exploração de petróleo, cabos de fibra ótica, etc. devem ser projetados para suportar as condições ambientais sem comprometer sua integridade estrutural. O transporte de sedimentos sob a ação combinada de ondas, correntes e marés pode ter o potencial para prejudicar fundações e fluidizar o assoalho marinho, como já foi registrado em várias regiões do mundo (Harris e Coleman, 1998; Porter-Smith et al, 2004). Informações sobre os tipos de sedimento que recobrem o fundo marinho e as formas de leito associadas fornecem dados importantes sobre a capacidade de carga e remobilização dos mesmos. Estas informações devem ser quantificadas e incorporadas em soluções de engenharia ambientalmente sustentáveis. Dados sobre a textura do sedimento integrados a dados de clima de ondas, correntes e batimetria podem ser utilizados para calcular a mobilidade dos sedimentos na plataforma continental. Os resultados obtidos têm aplicação imediata no manejo ambiental. Assim, ambientes de baixa energia são de especial interesse para gestores ambientais por causa da sua capacidade limitada de dispersar e diluir contaminan- 18
20 Arquivos Abertos 37 CBPM tes antropogênicos. Estes resultados fornecem um arcabouço preditivo, baseado na compreensão de processos dos sistemas sedimentares plataformais com aplicação direta em projetos de engenharia e em estudos regionais de dispersão e acumulação de poluentes (Harris e Coleman, 1998), além de fornecer uma base preditiva para a natureza espacial e temporal dos hábitats bentônicos, cuja distribuição é controlada, além da composição e textura dos sedimentos, também pelas taxas de transporte de sedimentos e pela frequência da ressuspensão destes sedimentos durante eventos de tempestade e correntes (Harris e Coleman, 1998). Em nível mundial, só muito recentemente, pesquisadores se deram conta do grande potencial que o estudo da mobilidade de sedimentos na plataforma continental tem para responder questões, não apenas relacionadas a riscos ambientais, como também a aspectos mais acadêmicos como a classificação das plataformas continentais orientada para processos (Porter-Smith et al, 2004). No Brasil iniciativas deste tipo, têm-se concentrado, principalmente em ambientes de baías e estuários, onde os resultados têm sido igualmente limitados, justamente pela falta de informações detalhadas do fundo marinho e sua cobertura sedimentar. Uma das poucas exceções é o trabalho de Campos & Dominguez (2010), sobre a mobilidade de sedimentos na plataforma continental confrontante ao município de Conde, litoral norte do Estado da Bahia. 4. FONTES DE DADOS A base de dados utilizada neste trabalho inclui (Figura 4): (i) um conjunto de 463 amostras de sedimento superficial coletadas com busca-fundo desde a entrada da Baía de Todos os Santos até a localidade de Itapuã; (ii) 205km de levantamento com perfilador de subfundo tipo chirp; (iii) 174km de levantamento com sonar de varredura lateral; (iv) dados compilados de teses e dissertações, cartas náuticas, relatórios, etc., incluindo a localização de emissários submarinos, cabos de comunicação, naufrágios, locais de descarte de operações de dragagem, levantamentos batimétricos, etc. Estes dados foram integrados e interpretados em um Sistema de Informações Geográficas, também utilizado para a geração dos mapas aqui apresentados. 5. BATIMETRIA E PARÂMETROS AMBIENTAIS 5.1 BATIMETRIA A plataforma continental baiana é a mais estreita de todo o território nacional possuindo uma largura média de 14km. Localmente, como em frente à cidade de Salvador, a quebra da plataforma se encontra a menos de 8km de distância da atual linha de costa. As feições fisiográficas da plataforma continental de Salvador (PCS) são caracterizadas a seguir (Figura5): Na entrada da baía de Todos os Santos está localizado um canal de aproximadamente 20m de profundidade, alinhado no sentido N-S, o Canal de Salvador. A feição mais proeminente da PCS é o Banco de Santo Antônio (BSA). Esta feição apresenta um comprimento de aproximadamente 12,7km e largura média entre 3 e 3,5km, com orientação aproximada N-S. 19
21 CBPM Arquivos Abertos 37 Figura 4 - Principais fontes de dados utilizadas neste trabalho Figure 4 - Major data sets used in this work Figura 5 - Principais feições da batimetria da área de estudo Figure 5 - Major bathymetric features of the study area 20
22 Arquivos Abertos 37 CBPM O topo do banco é muito raso, com cerca de 5m de profundidade, e exibe grandes ondas de areia, visíveis em imagens de satélite (Figura 6). A face oeste do banco é suave apresentando declividade em torno de 0,35, enquanto a face leste apresenta uma declividade mais acentuada, em torno de 5. No sentido de costa afora, o BSA aumenta sua largura e as declividades ficam mais suaves (Rebouças, 2008). O BSA é separado da costa por um canal, alinhado no sentido lesteoeste, com profundidade máxima de 50m, preenchido parcialmente por sedimentos arenosos, que se estende até a plataforma média. Aproximadamente na porção central da PCS ocorre uma feição positiva orientada SE-NO aqui denominada de Alto da Pituba, que se estende desde próximo à linha de costa até a quebra da plataforma. O limite oriental da PCS é também um alto topográfico denominado de Alto de Itapuã (Figura 5). A região baixa situada entre estes dois altos é denominada de Baixo da Boca do Rio (Pereira, 2009). A plataforma interna estende-se até a isóbata de 20m, enquanto a plataforma externa abrange a região entre as isóbatas de 30 e 50m. Na plataforma interna, próximo a linha de costa, são encontrados afloramentos rochosos (Rebouças, 2008). A transição da plataforma interna para a plataforma externa exibe um gradiente acentuado (Figura 5). A plataforma externa exibe uma declividade mais suave, com um relevo relativamente plano (Nunes, 2002). A plataforma externa também é caracterizada por numerosos afloramentos rochosos. Figura 6 - Banco de Santo Antônio, principal feição topográfica da Plataforma Continental de Salvador. A: Carta Batimétrica da DHN sobreposta ao sombreamento da batimetria. B: Imagem de satélite mostrando o Banco de Santo Antônio Figure 6 - Santo Antonio bank, a major topographic feature of the Salvador continental shelf. A: Bathymetric chart over 3D rendering of the bathymetry. B: Satellite image showing the shallow portion of the bank 21
Figura 2.1. Baía de Todos os Santos (Grupo de Recomposição Ambiental/ Gérmen).
18 2 Área de Estudo A Baía de Todos os Santos (BTS) (figura 2.1), localizada no estado da Bahia, considerada como área núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica é a maior Baía do Brasil, com cerca
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