Mídia e Representações Sociais Indígenas: Caso do ataque ao acampamento Guarani Kaiowá

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1 1 Mídia e Representações Sociais Indígenas: Caso do ataque ao acampamento Guarani Kaiowá ¹Déborah Minardi Resumo: Trabalho apresentado na modalidade de Artigo Científico na VIII Conferência Brasileira de Mídia Cidadã. O presente trabalho busca analisar de forma sucinta a representação social do índio no conteúdo jornalístico da web, observando se essas representações contribuem com a aproximação de sua identidade, representam suas histórias. Os conceitos de representações sociais, mídia e enquadramento foram escolhidos para nortear a discussão com intuito de pensar possibilidades de garantir voz e que permita que os índios usufruam de seus direitos como cidadão brasileiro. Para isso, foram analisados três textos sobre o caso do ataque ao acampamento da etnia Guarani-Kaiowá, no dia 18 de novembro de 2011, localizado no Mato Grosso do Sul, onde o cacique Nísio Gomes foi morto segundo relato dos familiares. O caso, até maio de 2012 era relatado pela mídia como não solucionado, pois sob a investigação do MP, Nísio permanecia desaparecido porque não havia vestígios do corpo. Para tal, utilizaremos como base da análise os conceitos de representação social, mídia e enquadramento. Palavras Chaves índio; representações sociais; mídia; enquadramento ¹Pós graduada em Comunicação Empresarial pelo Universidade Federal de Juiz de Fora MG. Graduada em Relações Públicas Comunicação Integrada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias. deborahkarina@gmail.com

2 2 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho busca realizar uma pequena análise de como o índio é representado na mídia e se, de alguma forma, a produção midiática vem gerando conteúdo de real informação, contribuindo para a redução de problemas vividos por essa população. Também questionaremos a possibilidade dos representantes indígenas utilizarem as ferramentas de comunicação disponíveis para produção própria, no intuito de validar fatos de relevância no seu contexto social. A pesquisa é norteada pelos conceitos de representação social, enquadramento e meios de comunicação. Faz-se necessário que se desenvolva pesquisas nessa linha para contribuir na redução de conflitos sobre a questão indígena. Este trabalho configura-se com um estudo de caso, circulando de forma breve por questões muito complexas que há anos vem sendo debatidas. Para ilustrar o trabalho foram selecionadas três notas disponibilizadas na internet sobre o caso do ataque ao acampamento Guayviry MT, onde Nísio Gomes, cacique representante da etnia Guarani-Kaiowá, desapareceu no dia 18 de novembro de A primeira matéria escolhida é produzida por jornalista de um jornal eletrônico, Campo Grande News ( do município de Amambai- MS, no qual ocorreu o episódio e tem como fonte principal o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e pequenos trechos sobre os relatos de testemunhas indígenas com informações colhidas no dia e no local do desaparecimento do cacique Nísio Gomes. A segunda matéria analisada foi lançada na web no dia 22 de dezembro pelo jornal ( assinada pelo jornalista Ademar Cardoso, com o título: Índios viajaram na maionese e Polícia Federal indicia até filho do cacique desaparecido e denunciado como morto. O conteúdo relata o indiciamento do próprio filho de Nísio por calúnia e coloca como fonte principal a nota da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal em Mato Grosso do Sul, onde é apresentado como principal argumento que o sangue não era suficiente para causar a morte do índio. O outro texto analisado trata-se de uma nota produzida por lideranças indígenas da assembleia Guarani-Kaiowá Aty Guasu, seis meses depois do ocorrido. É uma nota do conselho de representação dos índios em resposta ao resultado da representação da mídia sobre o caso e a omissão do Estado em contribuir com a resolução do problema seis meses

3 3 depois. Nessa nota, o produtor da notícia são os próprios indígenas, sendo seus modos de vida apresentados, argumentando a impossibilidade de Nísio Gomes estar foragido e sem a mediação de um autor externo. Para esse breve estudo das representações sociais indígenas, ressaltarmos que a escolha reduzida em analisar três matérias é em decorrência ao curto prazo para realizar uma análise mais profunda em cima das matérias originadas do caso. 2.DESENVOLVIMENTO 2.1.Índio, mídia e representações sociais É difícil pensarmos no brasileiro, no que diz respeito à sua formação e estrutura, sem refletir sobre o tema índio e sua relação com a história. À medida que buscamos memórias das origens da sociedade brasileira, percebemos inúmeras combinações de características herdadas da cultura dos povos indígenas, tais como, sua identidade, arquitetura, música, vestuário, e medicina. Nesse grupo social encontramos uma diversidade cultural múltipla, em que existem imaginários específicos, tradições próprias e modos de vida diferentes da ideia usual do índio presente no senso comum. Serge Moscovici (2011) cita a ancoragem e a objetivação como mecanismos utilizados para gerar as representações sociais, pois fornecem subsídios necessários à classificação de algo. Nesse caso, ao pensarmos na representação do índio em nossa sociedade, reproduzimos um modo de ver e pensar o indígena herdado de tempos coloniais. ¹A maioria das matérias sobre o caso Nísio Gomes retrata a versão oficial, recorrem às declarações do CIMI, instituição que representa os testemunhos dos índios. Outras fontes escutadas são a FUNAI, o Ministério Público e a Polícia Federal. Entre as matérias analisadas, destacamos a matéria da BBC ( onde foram escutadas as fontes indígenas e apresentadas suas versões do ocorrido. Outra matéria de destaque é da Revista Sina, de Cuiabá MT ( onde o caso foi comparado ao assassinato de outra liderança Guarani, Marçal de Souza, em Aqui, a mídia insinua que a família dos indígenas forjam um assassinato desaparecendo com o corpo a fim de chamar atenção das autoridades para resolução de problemas de divisão de terras.

4 4 O primeiro mecanismo tenta ancorar ideias estranhas, reduzi-las a categorias e imagens comuns, colocá-las em um contexto familiar [...] O objetivo do segundo mecanismo é objetivá-los, isto é, transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferir o que está presente na mente em algo que exista no mundo físico (MOSCOVICI, 2011, p. 61). Das poucas informações que chegam ao grande público, percebemos a cultura indígena sendo abordada pelos meios de comunicação com temas bastante específicos, entre eles, destacamos a violência, invasões, desalojamentos e datas de comemoração. Se observarmos como os índios são apresentados na sociedade, entendemos que é atribuída uma visão do índio como o diferente, o preguiçoso, suprimido pela economia vigente, muitas vezes reforçando a visão dos antigos colonizadores em relação à força de trabalho indígena que fora posteriormente substituída pelos negros. Denise Jodelet (2001) apresenta uma possível caracterização das representações sociais em que a comunidade científica está de acordo: É uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada. Com o objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do conhecimento científico. Entretanto, é tida como um objeto de estudo tão legítimo quanto este, devido à sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais. (JODELET, P 22) Os sistemas de classificação e descrições que circulam dentro de uma sociedade, mesmo estas últimas sendo descrições científicas, implicam em um elo de prévios sistemas e imagens, uma estratificação na memória coletiva e uma reprodução na linguagem que reflete um conhecimento anterior que quebra as amarras com a informação presente. De acordo com Moscovici (2011): Longe de refletir, seja o comportamento ou a estrutura social, uma representação muitas vezes condiciona ou até mesmo responde a elas. Isso é assim, não porque ela possui uma origem coletiva, ou porque ela se refere a um objeto coletivo, mas porque, como tal, sendo compartilhada por todos e reforçada pela tradição (MOSCOVICI, 2011, p. 41).

5 5 O jornalista recorre a essas representações sociais para tornar legítima uma determinada visão hegemônica a respeito dos índios. Segundo Moscovici, na verdade, qualquer pessoa que tenha sido jornalista, sociólogo ou psicólogo clínico, sabe como a representação de tal ou qual gesto, ocorrência ou palavra, pode confirmar uma notícia ou um diagnóstico (MOSCOVICI, 2011, p. 64). No caso indígena, observamos que são raras as vezes que encontramos as vozes de lideranças sendo efetivamente representadas e suas reivindicações pautadas pelos meios de comunicação. Os porta-vozes indígenas são, em sua maioria, instituições, organizações não governamentais, que assumem a lacuna deixada pelo Estado e mídia, no que diz respeito à garantia dos direitos indígenas. Direitos esquecidos por se tratar de assuntos de um grupo social desprivilegiado. A representação social é definida por estereótipos, sendo a reafirmação de uma comunicação dominante. Mídia e índio geram temas conflituosos. Consideramos válido estudar assuntos ligados ao tema em questão com o objetivo de preparar os futuros profissionais para garantir que sua função de oferecer informação à sociedade seja respeitada, garantindo assim os direitos dessa população e contribuindo com sua sobrevivência. A forma como a mídia representa os índios influencia na maneira como eles mesmos são vistos pela sociedade. Infelizmente, na maioria dos casos a representação social do índio apresentada pela mídia distorce fatos, excluindo testemunhas indígenas para privilegiar interesses políticos. Uma vez que essas vozes indígenas são escutadas e apresentadas sem interferências externas, pode ser possível que as reivindicações e necessidades indígenas sejam atendidas. Dentre os interesses e reivindicações desse grupo, podemos destacar o desejo pela inclusão social, autonomia, liberdade, cidadania, direito à terra e à preservação de suas tradições. Essa representação baseada no censo comum, se referindo à antiga visão romântica do índio e bastante utilizada em livros didáticos na escola, reforça uma característica de distanciamento cultural e contribui para problematizar ainda mais as disputas por terras indígenas. Muitos fazendeiros tem o poder de influenciar a mídia local, no intuito de denegrir a imagem do índio, descaracterizando-o e diminuindo sua identidade, consequentemente o seu direito à terra. Outra dificuldade que encontramos é o fato da maioria de seus representantes não dominarem a língua portuguesa, dificultando a valorização e registro de suas culturas. Para citar um exemplo, num levantamento das línguas faladas pelas comunidades indígenas,

6 6 realizado pelo professor Aryon Dall'Igna Rodrigues, do Laboratório de Línguas Indígenas da Universidade de Brasília (UnB), foram catalogadas cerca de 180 línguas diferentes, passadas por tradição oral e que, mesmo tendo o reconhecimento oficial de importância na contribuição da formação da identidade nacional, ainda não tem a merecida atenção.¹ Vamos agora a analisar, sob a perspectiva de enquadramentos jornalísticos, onde por meio de ênfases é possível delinear, mesmo que de maneira breve, a representação social do índio na mídia. 2.2 Enquadramento e Meios de Comunicação Social Se partirmos do princípio que a realidade que temos a cerca do mundo é construída a partir das informações que nos chegam da mídia, vemos a importância de analisar o processo de elaboração das informações sobre o mundo, como forma de entender a própria realidade. Como afirma Luiz Gonzaga Mota (2005), são as notícias que tornam o complexo e desordenado mundo no qual vivemos menos caótico para cada um de nós, que nos ajudam a selecionar, priorizar, organizar e, compreender e ordenar os acontecimentos da nossa realidade imediata (MOTA, 2005, p. 2). O tema índio e o que nos remete sua ideia, geralmente não interessa à mídia comercial, ora por complicações políticas, ora por desinteresse em relação aos problemas que eles enfrentam, pois se trata de uma minoria marginalizada. Por esse motivo, consideramos importante entender um pouco do funcionamento dos bastidores de redações, no intuito de compreender como são estabelecidas e priorizadas as escolhas pelas informações centrais de uma notícia, ou seja, suas fontes, suas ênfases e recortes. Em geral, no cotidiano das redações, os jornalistas são orientados a cobrir assuntos exclusivos e recortando informações de interesse da classe dominante. Mauro Porto (2011) afirma que: ¹Uma tentativa de valorização dessas línguas e culturas dá no exemplo do material exclusivo sobre o Programa Bolsa Família (PBF) em 33 diferentes línguas indígenas, elaborado no intuito de ampliar o acesso das famílias indígenas beneficiárias às informações e benefícios do programa.

7 7 A luta para assegurar a circulação livre de informação é essencial para as democracias contemporâneas, mas ignorar a esfera da interpretação e dos enquadramentos contribui para obscurecer importantes problemas das suas estruturas políticas e comunicacionais. [...] A mídia é uma das instituições mais importantes na formação do conjunto de alternativas nos limites em que as decisões são tomadas. Neste processo, grupos privilegiados freqüentemente têm êxito no enquadramento das alternativas de forma a sustentar suas próprias posições de poder, ativando, assim, o consenso ativo dos grupos subalternos. A construção de uma posição política hegemônica depende, em grande parte, de como a mídia enquadra as alternativas políticas. (PORTO, 2011, p. 41). O jornalista se apropria das palavras do senso comum, formatando as informações sob sua percepção em relação à sua experiência de mundo com conceitos e ideias predeterminadas, delimitadas e classificadas. Os enquadramentos - ou pontos de vista - que são construídos pela mídia, organizam o mundo tanto para os jornalistas que escrevem relatos sobre ele, como também, em um grau importante, para nós que recorremos às suas notícias. Os meios de comunicação são um sistema no qual agentes ativos com objetivos específicos estão constantemente engajados em um processo de construção de significado. Em lugar de pensá-los como um conjunto de estímulos aos quais os indivíduos respondem, devemos pensá-los como a arena de uma disputa simbólica complexa sobre qual interpretação irá prevalecer. Este sistema cultural encontra indivíduos pensantes e a consciência política emerge a partir da intercessão destes dois níveis. (PORTO, 2007, p.108) O jornalista, ao buscar a constituição dos fatos, procura significar, classificar, resignificar, seja pela busca na memória coletiva, ou por sua compreensão sob o tema para propiciar a assimilação do receptor. Nesse sentido, vemos o índio ser representado por características impostas pelo senso comum, sem a oportunidade dessas representações serem discutidas e pensadas. Assim, relatos apresentados pela mídia que tem como fontes lideranças indígenas nem sempre trazem os significados que os índios realmente querem mostrar para a sociedade. Quem detém o controle da mídia são os grandes empresários, as pessoas ligadas ao agronegócio e aos grandes empreendimentos, enxergando nos índios um retrocesso em relação ao desenvolvimento econômico. Portanto, as matérias com a temática do índio, em sua maioria, representam-no como preguiçoso, violento, confuso e em alguns momentos até como ex-índio, diminuindo sua identidade e consequentemente seus direitos como cidadão

8 8 brasileiro. Achamos conveniente relacionar o conceito de enquadramento com o de representações sociais, por considerar que os enquadramentos realizados pelos jornalistas quando se refere à questão indígena é influenciado pela caracterização de uma representação social sobre a classe indígenas já difundida e interiorizada pela sociedade. Sendo assim, a maneira como são abordadas as notícias sobre os problemas do índio influencia sua imagem dentro da sociedade. Conforme Giltlin, Enquadramentos da mídia são padrões persistentes de cognição, interpretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão, através dos quais os manipuladores de símbolos organizam o discurso, seja verbal ou visual, de forma rotineira. (GILTLIN, apud PORTO, 2007, p. 80). Essas ênfases e recortes nem sempre são fiéis a real representatividade do índio e nem sempre contribuem para que suas reivindicações sejam atendidas, embora possa situar o leitor sobre o assunto tratado. 3 Análise Passamos à análise do material selecionado no intuito de enriquecer a discussão e refletir sobre o papel dos meios de comunicação na contribuição de geração de informações que resolvam conflitos e problemas indígenas. O ataque à tribo Guarani Kaiowá aconteceu por volta de 6:30 da manhã do dia 18 de novembro de 2011, sexta-feira, sendo a primeira matéria que escolhemos foi publicada na web às 14:30 da tarde do mesmo dia pelo portal A matéria, Líder indígena foi executado em ataque contra acampamento em Amambai foi elaborada pelo jornalista Fabiano Arruda, do Jornal Campo Grande News, um jornal web da cidade de Campo Grande, MS. O próprio título chama atenção para a questão da violência indígena. Trata-se de um acontecimento em uma zona de identificação de terras indígenas, outro assunto pauta quando a mídia trata de problemas relacionados ao índio. A principal fonte escutada é o CIMI representando os índios. A segunda matéria escolhida, Índios viajaram na maionese e Polícia Federal indicia até filho do cacique desaparecido e denunciado como morto, emitida no dia 22 de dezembro através do Portal Portal UH News ( e assinada pelo jornalista Ademar

9 9 Cardoso, deixa claro evidências de que o enquadramento foi utilizado em prol de favorecer os fazendeiros da região. A seguinte frase mais uma vez um caso rumoroso que projetou o Mato Grosso do Sul para o Brasil como terra de conflitos entre fazendeiros e índios revela a incidência de acontecimentos similares e a não resolução desses problemas locais. Nessa matéria, o índio poderia estar vivo e encontrava-se na data foragido, pois segundo a polícia ele teria realizado um saque em um caixa eletrônico de Brasília no dia 14 de dezembro. Segundo nota da PF apresentada na íntegra, foram contratados seguranças por fazendeiros para forçar a retirada dos indígenas do local. Segundo laudo, a quantidade de sangue encontrada era pouco para se confirmar o assassinato. Nota-se aqui uma representação do índio como uma fonte desvalorizada. Foi relatado na nota, que um dos agressores fora atingido por Nísio Gomes com um machado com veneno de sapo, segundo informações indígenas. Ou seja, a apresentação da PF sobre os fatos revela um recorte na violência contra os agressores, fato que evidência um enquadramento malicioso. A matéria segue apresentando a aversão da PF com informações que confundem o leitor. Apresenta-se que o filho do Nísio num requerimento que contraria a primeira versão, de que, os agressores chegaram ao local com caminhonetes. Os agressores relataram que foram a pé. Resta-nos aqui a dúvida em relação à veracidade dos fatos, tanto dos relatos do filho de Nísio, que por diversos motivos devia estar confuso no momento do inquérito, quanto das autoridades que pela nota em questão usou todas as pistas para indiciar o filho do Nísio e retirar a responsabilidade do ataque dos verdadeiros agressores. O trecho a seguir, retirado da segunda matéria analisada, Restou evidencia de que os indígenas tinham conhecimento antecipado da investida e ficaram aguardando, todos pintados e também com armas (espingardas, machados e facas)., comprova que houve um aumento da responsabilidade dos índios pelo ataque, isentando os verdadeiros agressores. Infelizmente, a ênfase da comunicação da PF do Mato Grosso do Sul se apresenta de forma confusa, persuadindo os leitores a uma interpretação onde o índio é representado como violento e mentiroso. A nota é finalizada afirmando que restam mais evidências de que Nísio estaria vivo do que morto. Conclusão que contribui para confundir a sociedade e atrasar a resolução do fato.

10 10 Partindo para a terceira e última nota do site lançada em resposta a omissão dos órgãos responsáveis na resolução do caso, publicada na internet dia 25 de maio, seis meses após o episódio. A nota, último texto analisado, ilustra através da fala dos próprios indígenas uma representatividade social original, sem interferência de outras vozes, expondo os elementos de sua cultura, como as funções irrenunciáveis assumidos pelo rezador-suporte-líder da família extensa guarani-kaiowá, onde seria impossível Nísio estar foragido depois de seis meses com inúmeras responsabilidades. O crescimento da interação indígena com as tecnologias sociais possibilitou uma ampla circulação de produção textual permitindo que, como nas palavras de Eliete Pereira organizações e sujeitos indígenas atuem e (re) elaborem discursos sobre si, condizentes, assim, com a participação de indígenas enquanto usuários e produtores do conteúdo da informação. (Pereira, 2007, p.02). Pode-se notar nesse trecho retirado da nota: A nossa conclusão está fundamentada nos depoimentos de todos parentes sanguíneos de Nisio Gomes e nas investigações próprias de todas as lideranças indígenas das terras indígenas de Mato Grosso do Sul que foram apresentadas no seio de três grandes assembleias Aty Guasu Guarani-aiowá. O trecho deixa claro que os próprios indígenas realizaram a suas investigações com base nas suas testemunhas chaves e nas suas tradições. Ao analisar essa nota vemos uma oportunidade de espaço de produção, onde além de conseguirem expor uma representatividade social mais próxima da sua realidade, essas lideranças conseguem expor suas opiniões sobre o episódio, trocar informações com outras aldeias e cobrar das autoridades uma responsabilidade de resolução do caso. Abaixo um quadro baseado nas funções e objetivos do conceito framing news de Robert Entman, produzido para facilitar a análise: Título/ Data/ 1- Líder indígena foi 2- Índios viajaram na 3- Sobre o Caso do Responsável executado em ataque maionese e Polícia Nísio Gomes Nota contra acampamento em Federal indicia até filho das Lideranças da Aty Amambai/ / do cacique desaparecido Guasu/ / Fabiano Arruda e denunciado como Lideranças da Aty morto/ / Guasu Ademar Cardoso

11 11 Veículo Portal web Campo Grande Portal UH News Portal Índios On line News Definição de Problema Líder indígena foi executado a tiros em acampamento Índios exageram numa disputa comum por terras. Nísio pode estar vivo. Fonte Principal CIMI Superintendência Regional do Departamento da Polícia Federal do Mato Grosso do Sul Identificação de causa Área de conflito por Disputa política de / Agente disputa de terras Terras Transmitir o Problemas de disputa de Problemas de disputa de julgamento moral terras são resolvidos com terras são resolvidos violência com violência Enquadramento A matéria apresenta a Desvalorização do índio central versão da testemunha como fonte, ênfase nas indígena. Ênfase na provas de acusação dos violência índios Líder Nísio Gomes teria sido assassinado e seu corpo escondido por agressores mandados pelos fazendeiros Testemunhas indígenas e Liderenças da Aty Guasu Identidade Cultural - Tentativa de exercer sua cidadania Exercício de Cidadania Tentativa de garantir direito a voz e a à justiça Ênfase na luta pela justiça Considerações Finais O enquadramento dado pelo jornalista na matéria, em que a chamada fala que os índios viajaram na maionese e a Polícia Federal indicia o filho do seu, ilustra uma possível tendência a escutar e dar voz à aqueles que de fato tem força política dentro da mídia. Revela também um preconceito contra a figura do índio pela nossa sociedade. Reconhecemos que em meio à complexidade dos problemas que envolvem o tema Índio, o presente estudo pincela sobre a questão da sua representação social dentro da mídia e reflete a possibilidade deles exercerem sua cidadania através da utilização da internet como veiculo de comunicação com conteúdo próprio. O espaço possibilitado através da internet,

12 12 como o exemplo do apresentado como terceira nota analisada, surge como oportunidade de troca de informações entre as tribos e afirmação das culturas indígenas, na sua origem e fala, além de servir como acervo e registro de suas tradições. Faz-se necessário um aprofundamento do estudo sobre a forma como a mídia representa a imagem do índio e até que ponto essas representações interferem na maneira como a sociedade lida com os problemas dessa população. À medida que estudos nessa direção são aprofundados, podem auxiliar na organização de conteúdos midiáticos que represente-os interesses dessa população. Referências Bibliográficas: GOMES, W. Maia, R. C. M Comunicação e Democracia: problemas e perspectivas. Paulus. São Paulo. HECK, Egon As violências contra os povos indígenas em Mato Grosso do Sul: E as resistências do Bem Viver por uma Terra Sem Males. Campo Grande - MS JODELET, Denise As representações sociais Ed. UERJ. Rio de Janeiro. MOSCOVIVI, Serge Representações sociais: investigações em psicologia social. 8 ed.. RJ: Vozes. Petrópolis. MOTTA, Luiz Gonzaga O trabalho simbólico da notícia. Líbero (FACASPER). PEREIRA, Eliete da Silva Ciborgues indígenas.br : A presença nativa no ciberespaço. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)- UNB- Brasília PORTO, Mauro Pereira Televisão e política no Brasil: a Rede Globo e as interpretações da audiência. Autor, Mauro Pereira Porto. Editora, Editora E-papers. ROBERT, M. Entman Projections of Power: Framing News, Public Opinion, and U.S. Foreign Policy. University of Chicago Press. Chicago.