APLICAÇÕES DE FOTOGRAMETRIA EM ENGENHARIA CIVIL
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- João Lucas Arruda Rocha
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1 APLICAÇÕES DE FOTOGRAMETRIA EM ENGENHARIA CIVIL Jónatas Miguel de Almeida Valença * Correio electrónico: jonatas@dec.uc.pt Eduardo Nuno Brito Santos Júlio Correio electrónico: ejulio@dec.uc.pt Hélder de Jesus Araújo Correio electrónico: helder@isr.uc.pt Resumo Com a divulgação da fotografia digital, a fotogrametria, método desenvolvido no início do século XIX, apresenta potencialidades extremamente interessantes no campo do levantamento geométrico de construções, assim como na área da monitorização de deformações em grandes obras. O Grupo de Reabilitação do Espaço Construído da Universidade de Coimbra encontra-se a realizar estudos no sentido de desenvolver uma metodologia de aplicação deste método à engenharia civil. Neste artigo, apresentam-se uma breve resenha histórica do método e alguns resultados relativos à sua aplicabilidade (a) na construção de modelos 3D de edifícios com vista ao registo de anomalias e medição/orçamentação de áreas a reparar; (b) no controle de deformações de vigas de grande porte; e (c) na geração de malhas de elementos discretos para análise estrutural de construções em alvenaria de pedra aparelhada. Apresentam-se algumas conclusões relativamente às condicionantes e às potencialidades do método, sendo de salientar o aumento de rapidez e de precisão obtidos e a diminuição de custos, face aos métodos tradicionais. Palavras-chave: Fotogrametria, levantamento geométrico, monitorização, registo de anomalias. 1 Introdução A intervenção numa estrutura existente deve ser sempre precedida de uma inspecção técnica da mesma. Como, regra geral, não existem peças desenhadas * Mestrando, Universidade de Coimbra. Prof. Auxiliar, Universidade de Coimbra Prof. Associado com Agregação, Universidade de Coimbra PATORREB
2 ou, quando existem, nem sempre coincidem com a realidade construída, é sempre necessário efectuar um levantamento geométrico da construção. Quando esta apresenta anomalias, torna-se igualmente necessário proceder ao seu registo, medição, diagnóstico, concepção da intervenção a efectuar e orçamentação. Estes procedimentos, quando realizados por métodos topográficos, podem tornar-se bastante morosos e/ou ser efectuados com pouco rigor. Para estruturas de grande porte, como pontes e barragens, a monitorização do seu comportamento em serviço é essencial. Também para estas situações são habitualmente utilizados métodos topográficos para medição da evolução de deformações no tempo. Do mesmo modo, em testes laboratoriais, é de extrema importância registar deformações, seleccionando-se normalmente pontos chave nos modelos ensaiados nos quais são colocados transdutores de deslocamentos e inclinómetros, entre outros. Em ambos os casos, os resultados são escassos por terem de ser obtidos por processos morosos ou que implicam instrumentação. No caso de se pretender efectuar a análise do comportamento estrutural das construções, o levantamento da sua geometria pode revelar-se particularmente fastidioso, sobretudo se esta for em alvenaria de pedra aparelhada e a análise for realizada utilizando o método dos elementos discretos, o que implica a determinação das coordenadas dos vértices de cada um dos blocos. Em qualquer um dos exemplos indicados, podem ser utilizados levantamentos fotogramétricos com vantagem, quer em termos de rapidez de execução, como de precisão de resultados e com custos significativamente menores. O objectivo do estudo apresentado nesta comunicação é desenvolver uma metodologia de aplicação deste método a problemas de engenharia civil como os anteriormente referidos. Apresentam-se três casos de estudo: (1) o levantamento geométrico e renderização da Capela de S. Jorge de Aljubarrota; (2) a monitorização de ensaios de rotura de vigas de grande porte; e (3) o levantamento geométrico de uma ponte de pedra em Vila Fria. 2 Levantamentos fotogramétricos A técnica consiste em obter as coordenadas espaciais de um dado ponto, calculadas a partir das coordenadas bidimensionais deste em várias fotografias obtidas de diferentes pontos de vista [1]. 2.1 Sinopse histórica A palavra fotogrametria, deriva de três palavras de origem grega, com o seguinte significado: luz, descrição e medidas. É uma ciência aplicada que pode ser definida como a técnica e a arte de extrair a forma, as dimensões e a posição dos objectos contidos em fotografias métricas. 804 PATORREB 2006
3 Existem trabalhos publicados sobre fotogrametria desde o início do século XIX, mesmo antes da invenção da fotografia. Em 1760, Lambert estabeleceu os fundamentos teóricos para resolver o problema da reconstituição perspectiva. A sua evolução conheceu três grandes etapas [2]: (1) Em 1858, Laussedat conseguiu obter planos exactos de edifícios e de pequenas extensões de terreno, a partir de fotografias destes fotogrametria ordinária este método foi utilizado até ao século XX. O seu maior inconveniente é a identificação de um mesmo ponto em duas fotografias, tomadas de pontos de vista distintos. Este processo apresentava-se muito moroso pois a reconstituição de um ponto implicava uma grande quantidade de cálculos; (2) Em 1901, Pulfrich aplicou o princípio da visão em relevo para efectuar medidas estereoscópicas, por meio de uma invenção sua que apelidou de estereocomparador, que determina as coordenadas ponto a ponto estereofotogrametria; (3) Em 1909, Von Orel construiu o estereoautografo, primeiro aparelho utilizado para construção e obtenção automática de planos, que consagrou em definitivo a fotogrametria terrestre. Com o desenvolvimento da aviação e com a necessidade das duas partes intervenientes na I Guerra Mundial em obter fotografias aéreas dos campos inimigos, tentaram optimizar-se os processos e os aparelhos estereofotogrametria automática. Com a massificação dos computadores pessoais e da fotografia digital, o estudo da fotogrametria adquire um novo interesse. De facto, os levantamentos fotográficos podem ser efectuados através da utilização de máquinas comerciais, sem qualquer especificação adicional devido ao fim a que se destinam, e todos os cálculos matemáticos podem ser resolvidos de uma forma extremamente expedita. 2.2 Material fotográfico utilizado O material fotográfico, utilizado nos casos de estudo apresentados no ponto seguinte, foi seleccionado de um leque restrito de equipamento disponível, em função da especificidade de cada projecto. Nos dois primeiros casos de estudo, foi utilizada uma câmara fotográfica digital Nikon D70 com uma resolução de pixels. No primeiro caso utilizou-se uma lente de 50 mm e, no segundo projecto, uma lente de 24 mm de distância focal. No terceiro caso de estudo, utilizou-se uma câmara fotográfica digital Sony Cybershot DSC V1, com uma resolução de pixels, com um zoom mm. 2.3 Metodologia adoptada A metodologia utilizada no levantamento fotogramétrico, independentemente do objectivo definido para cada caso, consistiu na aplicação sequencial dos passos a seguir enumerados: PATORREB
4 1. Colocação de miras em pontos de controlo, dos quais existe informação obtida através de outro processo, para aferir e validar o modelo 3D gerado; 2. Colocação de miras em pontos notáveis - vértices e contornos do objecto de estudo, assim como pontos com boa visibilidade e bem demarcados da sua envolvente; 3. Colocação de miras noutros pontos da construção, de forma a facilitar a marcação e a referenciação dos mesmos, aumentando a precisão do método; 4. Tomadas fotográficas de vários pontos de vista; 5. Construção de um projecto fotogramétrico, com software específico; marcação e referenciação de pontos; processamento e verificação da informação introduzida, com vista à detecção atempada de possíveis erros. Trata-se de um processo iterativo que se vai refinando à medida que se adiciona mais informação; 6. Atribuição de um factor de escala ao modelo, que pode ser definido utilizando os pontos de controlo. Este procedimento, quando efectuado com precisão, e aliado a uma rigorosa calibração do equipamento fotográfico utilizado, resulta numa rápida convergência dos resultados para a solução correcta. Pode ser efectuado durante o ponto anterior; 7. Atribuição de restrições ao modelo, caso existam. A informação relativa aos pontos de controlo pode igualmente ser utilizada com este fim; 8. Atribuição de orientação ao modelo, através da marcação da origem dos eixos coordenados e duas das suas direcções; 9. Adição de novos pontos, após a convergência do modelo, com vista à modelação de detalhes, os quais podem ser posteriormente incluídos no processamento, caso se pretenda; 10. Exportação (DFX) e renderização (definição de layers, definição de materiais, atribuição de texturas, etc.) do modelo 3D gerado. 2.4 Parâmetros de controlo A precisão do levantamento efectuado pode ser controlada através dos designados parâmetros de controlo do projecto fotogramétrico. Um desses parâmetros é o ângulo máximo definido entre os raios de um dado ponto, obtidos a partir de diferentes fotografias, que não deve ser inferior a 30º nem superior a 90º, sendo o raio de um dado ponto de uma dada fotografia, o vector definido pelo próprio ponto e o centro da lente da câmara fotográfica. Atendendo a que cada ponto é uma abstracção matemática de uma realidade física, materializada por uma mira colocada no objecto em análise, existe sempre um erro associado à sua marcação. O parâmetro que mede esse erro designa-se por qualidade da intersecção dos raios, sendo tanto mais baixo quanto maior for a precisão. 806 PATORREB 2006
5 A área de convergência da fotografia contabiliza a percentagem de área da fotografia, relativamente à sua área total, em que existe informação relevante, ou seja, em que são marcados pontos. Quanto mais elevado for o valor deste parâmetro, maior a precisão. O resíduo quantifica a distância entre a marcação de um dado ponto em cada uma das fotografias consideradas e o seu posicionamento final, após processamento e convergência do projecto. Quanto menor for este valor, maior será a precisão. 3 Casos de Estudo 3.1 Capela de S. Jorge de Aljubarrota A Capela de S. Jorge de Aljubarrota, apesar de não apresentar anomalias no exterior, foi utilizada para testar o material fotográfico e a eficácia da metodologia adoptada na geração de modelos 3D, exportação em formato DXF e renderização. Sendo a área envolvente da capela plana, ampla e praticamente livre de obstáculos, foi possível utilizar o denominado método do anel, em que as estações fotográficas são colocadas em torno do objecto de estudo (Fig. 1). Figura 1: Levantamento fotográfico aplicação do método do anel. Foram construídos três projectos fotogramétricos: (1) um projecto geral, em que foi realizado o modelo tridimensional da estrutura; (2) um projecto de pormenor, em que foram modelados com maior detalhe alguns aspectos da fachada principal; e (3) um projecto obtido com a inclusão do segundo no primeiro, após a convergência de ambos. Os modelos foram construídos a partir da marcação de pontos notáveis, contornos e aberturas, assim como de miras PATORREB
6 coladas nas fachadas. As distâncias entre estas foram medidas à fita para poderem ser utilizadas como pontos de controlo. Na Figura 2, apresentam-se os valores que os parâmetros de controlo assumem em cada um dos modelos. De referir que os valores médios do resíduo são sempre inferiores a 8 Pixels. Na Figura 3, apresentam-se uma perspectiva do modelo 3D gerado e exportado no formato DXF e uma perspectiva do modelo renderizado com atribuição de textura. Valores Médios Valores Médios do Resíduo [Pixels] P. Geral (1) P. Fachada (2) P. Total (3) 0.00 P. Geral (1) P. Fachada (2) P. Total (3) Angulos Intersecção (º) Área de convergência (%) RMS Figura 2: Parâmetros de controlo do Caso de Estudo 1. Figura 3: Modelo 3D gerado; (a) em DXF; (b) renderizado. 3.2 Ensaios de vigas de grande porte Foram realizados ensaios à rotura de vigas com 20.0 m de vão, no âmbito de uma tese de doutoramento [3]. A evolução das flechas com o carregamento foi determinada em várias secções das vigas, através de transdutores de deslocamentos. A configuração deformada das vigas foi obtida com levantamentos 808 PATORREB 2006
7 fotogramétricos, realizados durante várias fases dos ensaios, para testar a eficácia desta técnica e da metodologia adoptada na monitorização de deformações em estruturas. Estando as vigas colocadas junto a uma parede do laboratório, o levantamento fotográfico foi efectuado por varrimento perpendicular ao plano de interesse (Fig. 4). Foram colocadas miras de precisão tanto nas vigas como na sua área envolvente, nomeadamente na parede do laboratório. Os vários projectos, cada um correspondendo a uma determinada fase do ensaio, têm em comum o facto de possuírem as mesmas miras fixas. Os resultados obtidos, exportados em formato DXF, foram sobrepostos tendo por base estes pontos (Fig. 5). Figura 4: Levantamento fotográfico varrimento perpendicular ao plano de interesse. Figura 5: Deformada da estrutura em várias fases do ensaio (DXF). Considerando como pontos de controlo algumas secções das vigas onde estão colocados transdutores de deslocamentos, é possível determinar a precisão do levantamento efectuado através dos parâmetros de controlo. Observa-se uma precisão muito elevada com valores médios do resíduo inferiores a 1 Pixel. PATORREB
8 Na Figura 6, apresentam-se os valores medidos com os transdutores de deslocamentos, sobrepostos com os resultados obtidos através dos levantamentos fotograméticos, para diferentes fases de carregamento, desde o início do ensaio até uma posição do actuador igual a 700 mm. Regista-se uma coincidência de valores, com uma diferença média de 1.1%. Deformada [mm] L (m) F0 F150 F250 F425 F500 F700 F0* F150* F250* F425* F500* F700* Figura 6: Resultados fotogramétricos versus transdutores de deslocamentos (*). 3.3 Ponte de Vila Fria A ponte de Vila Fria é uma ponte de alvenaria de pedra aparelhada construída recentemente. Foi seleccionada para testar a eficácia da fotogrametria e da metodologia adoptada na geração de modelos de análise estrutural pelo método dos elementos discretos. O procedimento adoptado neste caso consistiu na construção de projectos individuais, para cada um dos arcos (Fig. 7), e de projectos gerais, com vistas de montante e de jusante, contendo apenas os pontos de controlo e os contornos da estrutura. Registou-se uma precisão elevada com valores médios do resíduo entre 0.76 e 3.98 Pixels nos arcos. Como os modelos criados pelos projectos individuais não reproduzem o arco na sua totalidade, devido à presença dos contrafortes e quebra rios, mas como é visível a imposta do arco no seu intradorso, as aduelas não visíveis puderam ser reconstituídas em AutoCad (Fig. 8). Posteriormente, os projectos individuais foram inseridos nos dois projectos gerais, tendo-se obtido um projecto global para cada lado da ponte. Um projecto total, englobando toda a estrutura, foi construído considerando os dois projectos globais à distância da largura da via (Fig. 9). Relativamente aos vãos dos arcos, a diferença de valores entre o projecto de execução e a fotogrametria é, em média, de 1.2%. 810 PATORREB 2006
9 Figura 7: Exemplo da construção de um projecto individual. Figura 8: Construção das aduelas não visíveis. Figura 9: Modelo 3D gerado (DXF). Na geração da malha de elementos discretos, a partir do levantamento fotogramétrico, é necessário que a exportação dos modelos em DXF tenha em consideração as entidades utilizadas pelo programa de cálculo adoptado. No que se refere às propriedades dos objectos (material, grupo/layer), estas devem ser exportadas noutro formato, uma vez que se observou que o formato DXF é adequado para armazenar informação referente à geometria do objecto em análise mas limitado na partilha de outro tipo de dados. PATORREB
10 4 Conclusões O levantamento fotogramétrico revelou-se bastante eficaz, relativamente aos métodos topográficos standard, nas três situações estudadas. Com a metodologia adoptada consegue-se efectuar, com maior rapidez e precisão, o levantamento geométrico do exterior de construções. Adicionalmente, a geração de modelos 3D renderizados representa um meio de grande utilidade no registo e análise de anomalias. De salientar, contudo, a dificuldade em efectuar levantamentos no interior de espaços reduzidos. Na monitorização do comportamento em serviço de estruturas de grande porte, assim como em ensaios laboratoriais, esta técnica apresenta como vantagens: a rapidez, a facilidade de aplicação e o baixo custo com que se obtém um número elevado de resultados com grande precisão, inigualável pelos métodos tradicionais. Concluiu-se que, para obter resíduos desprezáveis, é necessário utilizar miras de precisão e ângulos médios adequados entre fotos. Apesar de, neste caso de estudo, a área de convergência das fotografias ser apenas razoável, conseguiram-se variações médias entre os resultados obtidos por fotogrametria e os medidos com os transdutores de deslocamentos pouco superiores a 1 %. A geração de modelos de elementos discretos de estruturas em alvenaria de pedra aparelhada pode ser realizada com a metodologia adoptada, num tempo incomparavelmente mais reduzido do que por métodos tradicionais. De referir que se encontra em desenvolvimento o software de interface que permitirá automatizar completamente a transferência de dados entre o projecto fotogramétrico e o programa de cálculo estrutural. 5 Agradecimentos Os autores agradecem ao Professor Aníbal Costa os dados fornecidos referentes à Ponte de Vila Fria. 6 Bibliografia [1] FU, K.S., GONZALEZ, R.C., Lee, C.S.G. Robotics Control, Sensing; Vision, and Intelligence. McGraw-Hill International Edition, [2] AMERICAN SOCIETY of PHOTOGRAMMETRY (ASP). Manual of photogrammetry. 4.ed. Falls Church, VA; Chester C., [3] FERNANDES, P. A. L. Vigas de Grande Vão Pré-Fabricadas em Betão de Alta Resistência Pré-Esforçado Viabilidade, Dimensionamento, Fabrico e Comportamento. Tese de Doutoramento em Engenharia Civil, especialidade de Estruturas, Universidade de Coimbra (a aguardar provas). 812 PATORREB 2006
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