Mônica Armond Serrão 1
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- Ana Lívia do Amaral Bentes
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1 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 97 Os impactos socioambientais e as medidas mitigadoras/compensatórias no âmbito do licenciamento ambiental federal das atividades marítimas de exploração e produção de petróleo no Brasil Mônica Armond Serrão 1 Licenciamento ambiental: uma decisão de Estado O licenciamento ambiental é uma atribuição exclusiva do Estado e um instrumento de gestão ambiental, por meio do qual os órgãos ambientais autorizam a instalação e operacionalização de grandes empreendimentos econômicos (minerações, siderurgias, indústria de celulose etc.) ou de infraestrutura (estradas, portos, hidrelétricas, entre outros). Ao determinar essa distribuição espacial de grandes obras e empreendimentos, grande parcela da população passa a conviver com os impactos socioambientais que tais empreendimentos causam. Quando se decide que certo empreendimento pode ser instalado em uma determinada região, os técnicos responsáveis por essa tomada de decisão estarão impondo um determinado grau de risco àquelas populações que lá residem. São os técnicos, baseados em um conhecimento perito, que decidem se aquele risco é aceitável ou não. Contudo, os grupos sociais que estarão sujeitos aos impactos e riscos que ali se instalarão não participam, de fato, da decisão a respeito da localização do empreendimento. O poder da decisão está na mão do Estado. No caso do licenciamento ambiental, a legislação determina a realização de audiências públicas antes de o empreendimento obter a licença ambiental. Todavia, as audiências são apenas fóruns consultivos, com limitação de tempo para a exposição de dúvidas por parte da população e, portanto, não é um fórum de decisão. Essa acontece a posteriori e é restrita aos órgãos ambientais. Dessa 1 Geóloga, especialista em Educação Ambiental Mestre e Doutoranda em Ecologia Social. Analista Ambiental da Coordenação Geral de Petróleo e Gás, CGPEG/DILIC/IBAMA, desde Os itens iniciais desse trabalho que discorrem sobre licenciamento ambiental estão baseados no artigo de minha autoria com Tatiana Walter e Anderson Vicente: Educação ambiental no licenciamento ambiental - duas experiências no litoral baiano, publicado no livro Educação ambiental no contexto de medidas mitigadoras e compensatórias de impactos ambientais: a perspectiva do licenciamento. Salvador: IMA, p:
2 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 98 forma, na maioria das vezes, muito pouco, ou nada, dos anseios e medos das populações da área de influência dos empreendimentos é incorporado ao processo de licenciamento. Fica inteiramente sob a responsabilidade dos técnicos governamentais, e em alguns casos, das próprias empresas, a definição de projetos ambientais que serão implementados com o objetivo de mitigar ou de compensar os impactos e riscos aos quais aqueles grupos sociais estarão submetidos com a chegada do empreendimento. Portanto, no contexto do licenciamento, um determinado grupo social (técnicos governamentais) aceita o risco ambiental em nome de outros grupos sociais que serão afetados pelo empreendimento, sem que se conheça em profundidade suas necessidades, sua percepção de risco e sem levar em conta seus medos e ansiedades sobre o que aquele empreendimento causará em suas vidas. Isso ocorre em nome de que e de quem? A quem essas decisões de Estado de fato beneficiam? A quem de fato o Estado está atendendo? Quem fica com o ônus, representado pelos impactos e riscos socioambientais, e quem fica com os benefícios, dessa distribuição que vem sendo estabelecida pelo Estado brasileiro? Nesse contexto, caracterizado por uma desigualdade estrutural entre os diferentes grupos sociais que compõem a sociedade brasileira, o Estado, na maioria das vezes, acaba por favorecer aos grupos econômicos, em nome de um modelo de desenvolvimento que prioriza o crescimento econômico, em prol das demais dimensões do desenvolvimento (social, ambiental, cultural, etc). Diante desse quadro, como promover o empoderamento dos grupos sociais historicamente excluídos dos processos decisórios que afetam suas vidas, tendo em vista que, pela legislação vigente, as decisões tomadas no licenciamento cabem exclusivamente ao órgão ambiental? Que instrumentos poderiam ser utilizados para propiciar uma real participação dos grupos sociais que serão afetados pelos empreendimentos? Até que ponto o próprio licenciamento ambiental poderá prever estratégias de fortalecimento desses grupos sociais para que se tornem sujeitos atuantes na gestão ambiental de seus territórios? Ou seja,
3 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 99 será o licenciamento capaz de contribuir para o desenvolvimento socioambiental e não apenas para o crescimento econômico do país? Na tentativa de responder tais questões, será feita uma apresentação dos impactos socioambientais relativos às atividades marítimas de exploração e produção de óleo e gás, bem como das medidas mitigadoras e /ou compensatórias demandadas pelo IBAMA às empresas petroleiras, no âmbito do licenciamento ambiental federal, que constituem condicionantes das licenças concedidas. Dentre tais medidas, destacam-se as que vêm sendo implementadas por meio de programas de educação ambiental, cujas diretrizes estão pautadas em processos participativos que visam à organização social dos grupos impactados pelos empreendimentos, em situação de vulnerabilidade socioambiental, historicamente excluídos dos processos decisórios no país. O licenciamento ambiental das atividades de petróleo Com a sanção da Lei Federal nº 9.478/98, ocorreu, em 1998, a quebra do monopólio da exploração e produção do petróleo no Brasil, permitindo-se, dessa forma, que outras empresas, além da Petrobras, atuassem no país. Em 1999, para atender à nova demanda por licenciamento ambiental da atividade de petróleo e em cumprimento à legislação ambiental, foi criada uma unidade específica no âmbito do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBAMA 2. (Walter et al, 2004) O arcabouço legal 3 que respalda o licenciamento em geral, pauta suas exigências na análise dos riscos e na avaliação dos impactos ambientais oriundos da atividade licenciada. Os riscos e os impactos são conseqüências das características dos empreendimentos, aliadas aos aspectos socioambientais dos locais em que estes serão instalados. (Walter et al, 2004) 2 A Unidade do IBAMA criada naquele momento denominava-se Escritório de Licenciamento das Atividades de Petróleo e Nuclear ELPN. Em 2006, foi criada a Coordenação Geral de Petróleo e Gás CGPEG, em substituição ao ELPN (Decreto n /2006). A CGPEG integra a Diretoria de Licenciamento Ambiental do IBAMA e possui a atribuição de coordenar, controlar, supervisionar, normatizar, monitorar, executar e orientar a execução das ações referentes ao licenciamento ambiental, nos casos de competência federal, quanto às atividades de exploração, produção e escoamento de petróleo e gás no mar. 3 O detalhamento da legislação que embasa o licenciamento ambiental dos empreendimentos marítimos de petróleo e gás encontra-se em Walter et al., (2004).
4 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 100 A atividade de petróleo está subdividida em duas etapas na fase de exploração (pesquisa sísmica e perfuração exploratória) e duas etapas na fase de produção (perfuração de desenvolvimento e produção). As atividades de pesquisa sísmica, de perfuração e de produção são distintas, originando impactos ambientais distintos 4. Conseqüentemente, o licenciamento ambiental é específico para cada uma das três atividades (sísmica, perfuração e produção). Na etapa de produção são considerados os impactos da instalação do empreendimento, da produção de óleo ou gás e do sistema de escoamento da produção. (Walter et al, 2004) As atividades de pesquisa sísmica e de perfuração, em geral, têm duração entre um mês e um ano, podendo chegar, em casos excepcionais, a dois anos. Já a atividade de produção pode chegar a ter uma duração de décadas. Os impactos da atividade marítima de exploração e produção de óleo e gás e as medidas mitigadoras e compensatórias exigidas no licenciamento ambiental Os principais impactos da atividade marítima de petróleo são: i) aumento da taxa de imigração e alteração dos padrões de uso e ocupação do solo; ii) degradação ambiental marinha e costeira; iii) potencial de acidentes com derramamento de óleo; iv) restrição e exclusão de áreas marítimas utilizadas por outras atividades econômicas, principalmente a navegação e a pesca artesanal; e v) mudança do comportamento das espécies marinhas em virtude da presença das estruturas físicas, como exemplo, as plataformas e dutos. A mudança na dinâmica das pescarias 5, a percepção dos atores sociais em virtude da presença de outra atividade e a incorporação dessas transformações em seu cotidiano necessitam, também, ser observadas. De maneira geral, tanto a previsão do recebimento de royalties, quanto a do aumento na geração de serviços são compreendidas como impactos positivos pela 4 As características de cada uma das etapas (sísmica, perfuração e produção) e seus impactos sobre a pesca artesanal encontram-se em Walter et al. (2004). 5 Na Bacia de Campos, por exemplo, há um tipo de pescaria denominado pesca de plataforma, resultante do efeito atrator das estruturas físicas sobre espécies de importância econômica.
5 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 101 população local, contudo, é necessário levar em conta que o processo de desenvolvimento regional é extremamente desigual e as diferenças sociais tendem a se aprofundar quando esses recursos são distribuídos na região. Isso porque, raramente os grupos detentores do poder político e econômico aplicam tais recursos com o objetivo de promover melhorias reais para a qualidade de vida das populações locais. Soma-se a isso o fato de que a atividade de petróleo caracteriza-se por sua pouca capacidade de geração de empregos na região onde se instala, um vez que utiliza mão de obra com alta qualificação técnica, oriunda, geralmente, de outras regiões do Brasil e de outros países. O licenciamento avalia, a partir da análise de Estudos Ambientais EA 6, a viabilidade socioambiental do empreendimento em questão. Quando cabível, de acordo com a legislação, essa análise é complementada com a realização de Audiências Públicas. Se o empreendimento for considerado viável, é concedida uma licença ambiental que define condições gerais e específicas para que ele seja implementado as condicionantes de licença, pautadas principalmente nas informações do Estudo Ambiental e, em alguns casos, nas informações obtidas em vistorias prévias e/ou na Audiência Pública. Tais condições devem ser cumpridas pela empresa durante toda a validade da licença e seu cumprimento é acompanhado pelo IBAMA. Caso haja descumprimento das condições estabelecidas na licença, há uma série de sanções previstas na legislação brasileira. Os Estudos exigidos no licenciamento dos empreendimentos de petróleo são estruturados de maneira que sejam informadas: as características do empreendimento; o diagnóstico ambiental da área onde a atividade pretende ser realizada; os impactos que serão gerados, à luz das metodologias de Avaliação de 6 A legislação ambiental, de forma geral, pauta o licenciamento na exigência de Estudos de Impacto Ambiental EIA e de seu relatório resumido Relatório de Impacto Ambiental RIMA, bem como na realização de Audiências Públicas como mecanismo de consulta. Entretanto, para as atividades de exploração e produção de petróleo, as Resoluções CONAMA nº 23/94 e 350/04 definem outros tipos de Estudos que podem ser exigidos em substituição ao EIA. Também são previstas outras formas de consulta pública, como exemplo, a Reunião Técnica. Uma vez que os Estudos e Reuniões possuem as mesmas prerrogativas e se pautam pelas mesmas exigências, no presente trabalho, todo tipo de Estudo será considerado como sendo Estudo Ambiental EA e todo tipo de consulta à sociedade sobre o licenciamento como sendo Audiência Pública.
6 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 102 Impactos Ambientais; e a proposição de medidas de monitoramento ambiental e projetos que mitiguem tais impactos ou os compensem, no caso daqueles impactos não mitigáveis. Uma série de normativas define o conteúdo mínimo a ser apresentado nos Estudos e, a critério do órgão ambiental e com base nos impactos gerados pela atividade, podem ser definidos projetos mínimos, contendo diretrizes específicas. Geralmente as empresas contratam empresas de consultoria, universidades ou organizações não-governamentais tanto para a elaboração dos Estudos, como para a implementação dos projetos exigidos como condicionantes das licenças. Medidas mitigadoras e compensatórias no licenciamento das atividades marítimas de exploração e produção de óleo e gás Para minimizar os impactos constatados pela análise do EA ou compensá-los, cabe ao órgão licenciador exigir das empresas que implementem Projetos Ambientais, os quais são condicionantes das licenças concedidas. Dentre os projetos exigidos à atividade de petróleo têm-se: i) a estruturação da área em termos de equipamentos e recursos humanos para o combate a qualquer emergência relacionada à atividade; ii) o monitoramento ambiental; iii) a promoção da educação ambiental dos trabalhadores da empresa, iv) o controle dos poluentes gerados pela atividade; v) a estruturação de mecanismos de comunicação social que informem à população situada na área afetada pela atividade sobre seus riscos e medidas implementadas para minimizá-los; vi) a promoção da educação ambiental junto às comunidades da área de influência do empreendimento; e vii) o fortalecimento da pesca artesanal como medida compensatória devido aos impactos causados a esta atividade. Cada projeto é embasado e estruturado fazendo uso de legislação específica. As medidas de Controle da Poluição, Monitoramento Ambiental, Plano de Emergência, Projeto de Educação Ambiental dos Trabalhadores interagem indiretamente com o Projeto de Educação Ambiental. Pois, à medida que asseguram que existe um controle sobre o empreendimento e que seus resultados são divulgados por meio do Projeto de Comunicação Social, aumentam a
7 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 103 confiança em torno da Empresa e do órgão regulador, melhorando as ações educativas. É possível, ainda, que outros projetos ambientais sejam exigidos como medidas mitigadoras quando são demandados pela população local ou quando o órgão ambiental entende ser necessário. A educação no processo de gestão ambiental Em um movimento de fortalecimento da gestão pública no país, existe atualmente em desenvolvimento no âmbito do licenciamento ambiental federal, uma proposta na qual o espaço da gestão ambiental vem sendo utilizado para se desenvolver ações educativas de caráter crítico e transformador. O processo de educação no processo de gestão ambiental, iniciado por José Silva Quintas no IBAMA, vem sendo construído há mais de quinze anos naquela instituição e, ao longo desse tempo, promoveu experiências que resultaram no fortalecimento de grupos sociais envolvidos em conflitos de uso de espaços e de recursos naturais, instrumentalizando-os no sentido de aumentar o seu poder de participação nas decisões afetas à gestão ambiental de seus territórios. A proposta de educação no processo de gestão ambiental parte do princípio de que cabe ao Estado criar as condições para que o espaço da gestão ambiental seja um espaço público, evitando que as decisões tomadas privilegiem os atores sociais com mais visibilidade e influência na sociedade e deixem de fora outros atores, geralmente, os mais impactados negativamente. Portanto, é o Estado que media os interesses e conflitos entre atores sociais, definindo os modos de destinação dos recursos ambientais na sociedade. (Quintas, 2009) Quando um órgão ambiental licencia um empreendimento ou nega o seu licenciamento, ele estará definindo também quem ganha e quem perde com tal decisão, que se configura como um ato de gestão ambiental. Portanto, a gestão ambiental nunca é neutra. O Estado quando assume uma determinada postura diante de um problema ou conflito ambiental, define como se distribuirão os custos e os benefícios decorrentes daquele processo decisório. (Quintas, 2009)
8 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 104 A gestão ambiental é um processo de mediação de interesses e conflitos entre atores sociais que agem sobre o meio físiconatural e construído. Esse processo de mediação define e redefine, continuamente, o modo como os diferentes atores sociais, por meio de suas práticas, alteram a qualidade do meio ambiente, e, também, como se distribuem os custos e os benefícios decorrentes da ação desses agentes. (QUINTAS, 2002:14). Diante disso, a proposta de educação ambiental em questão pressupõe que o Estado deve criar as condições necessárias ao controle social da gestão ambiental, incorporando a participação de amplos setores da sociedade nos processos decisórios sobre a destinação dos recursos ambientais. A construção dessa proposta, denominada Educação no Processo de Gestão Ambiental, iniciou-se na Coordenação Geral de Educação Ambiental do IBAMA CGEAM, nos anos 90, e propõe que o espaço da gestão ambiental pública seja o ponto de partida para a organização de processos de ensino-aprendizagem, construídos com os sujeitos neles envolvidos. Para Quintas (2009:55), buscar a mitigação de assimetrias, pelo menos no plano simbólico, é uma das tarefas primordiais de uma educação ambiental com centralidade na gestão ambiental pública, uma vez que injustiça e desigualdade são inerentes à ordem social vigente. (...) Assumir este pressuposto significa admitir que a gestão ambiental não se esgota em suas dimensões administrativas e técnicas, mas é estruturada e permeada por relações políticas e econômicas que situam as próprias escolhas técnicas (Loureiro, 2009) A proposta em questão é um processo educativo eminentemente político, que, segundo Layrargues (apud Quintas, 2009:58) visa o desenvolvimento, nos educandos, de uma consciência crítica acerca das instituições, atores e fatores sociais geradores de riscos e respectivos conflitos socioambientais. Para Layrargues (2009:27) fazer educação ambiental com compromisso social significa reestruturar a compreensão de educação ambiental para estabelecer a conexão entre justiça ambiental, desigualdade e transformação social. De acordo com o autor, trabalhar com processos pedagógicos voltados para os grupos sociais
9 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 105 em condições de risco e vulnerabilidade ambiental permite uma abordagem educativa contextualizadora, complexa e crítica. Ainda de acordo com Layrargues (2009), a educação ambiental com compromisso social deve politizar o debate ambiental, propiciando que os atores sociais envolvidos nos processo pedagógicos percebam as contradições da realidade vivida, as situações de desigualdade, de vulnerabilidade e de risco ambiental, auxiliando-os a se instrumentalizar para a defesa de seus direitos e interesses, motivando-os a reagir e a participar, como sujeitos políticos, da gestão ambiental pública. Quando pensamos em educação no processo de gestão ambiental estamos desejando o controle social na elaboração e execução de políticas públicas, por meio da participação permanente dos cidadãos, principalmente de forma coletiva, na gestão do uso dos recursos ambientais e nas decisões que afetam à qualidade do meio ambiente. (QUINTAS, 2002:9). As lutas em torno de questões concretas são importantes não somente porque as vitórias parciais são úteis por si mesmas, mas também porque contribuem para uma tomada de consciência e favorecem a atividade e a auto-organização dos grupos em maior situação de vulnerabilidade socioambiental. Segundo Layrargues (2009:21), quando a política ambiental é formulada com o compromisso de combater a injustiça ambiental, emerge potencialmente como uma questão de justiça distributiva e, nesse caso, tal intencionalidade poderia contribuir para o enfrentamento da desigualdade materializada pelos conflitos socioambientais. (grifos do autor) A proposta de EA no âmbito do licenciamento ambiental Ao longo da década de 1990 até o ano de , a Coordenação Geral de Educação Ambiental do IBAMA (CGEAM), formulou pressupostos teóricos e metodológicos que embasaram a proposta da educação no processo de gestão ambiental, e as ações 7 Em 2007 a Coordenação Geral de Educação Ambiental CGEAM - foi extinta da estrutura do IBAMA por um ato da então Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que criou na mesma ocasião o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade.
10 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 106 promovidas pela CGEAM possibilitaram um acúmulo pedagógico que serviu de referência para a elaboração da proposta teórico-metodológica desenvolvida no âmbito do licenciamento ambiental federal. Por conta dessa iniciativa, há hoje no país, um conjunto de instrumentos jurídicos, teóricos e metodológicos que norteiam a educação ambiental no licenciamento, sob uma perspectiva crítica e socioambiental 8. Mas quais seriam as especificidades da educação ambiental no licenciamento? O que há de novo nessa proposta que tem suscitado tanto interesse ultimamente em vários estados do país? Por que essa proposta estaria sendo considerada por vários educadores ambientais como estratégica para a gestão ambiental? Segundo Loureiro (2009:20) essas respostas podem ser dadas de um modo bem direto: a educação ambiental no licenciamento atua fundamentalmente na gestão dos conflitos de uso e distributivos ocasionados por um empreendimento e, objetiva garantir: (1) a apropriação pública de informações pertinentes; (2) a produção de conhecimentos que permitam o posicionamento responsável e qualificado dos agentes sociais envolvidos; (3) a ampla participação e mobilização dos grupos afetados em todas as etapas do licenciamento e nas instâncias públicas decisórias. Para o autor o ineditismo da proposta estaria pautado numa perspectiva de educação ambiental com forte impacto nas políticas públicas e nas relações de poder entre os grupos sociais que possuem diferentes interesses em relação aos processos produtivos licenciados. No entanto, alerta Loureiro (2009:21), para que ocorram impactos nas políticas publicas, os projetos desenvolvidos deverão ir além de ações pontuais e devem desenvolver processos educativos que abordem as características, os impactos e os riscos do empreendimento, o qual deve ser o foco motivador da ação educativa. 8 Entre os documentos norteadores elaborados pelo IBAMA estão: as Orientações pedagógicas do Ibama para elaboração e implementação, de Programas de Educação Ambiental, no Licenciamento de Atividades de Produção e Escoamento de Petróleo e Gás Natural, de 2005 e a Nota Técnica CGPEG/DILIC/IBAMA N O 001/10, de 2010.
11 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 107 Assim, o mesmo autor ressalta que a Educação Ambiental não deve reproduzir e dar sentido universal a modos de vida e a valores de grupos dominantes e observa que é comum o desenvolvimento de projetos de Educação Ambiental que levam grupos sociais em situação de exclusão a aceitarem padrões culturais e comportamentais previamente estabelecidos e a assumirem certos problemas como prioritários. (Loureiro, 2004:4) O autor chama atenção para o fato de que estes projetos deveriam, fundamentalmente, estabelecer processos participativos de ação consciente e integrada, fortalecendo o sentido de responsabilidade cidadã e de pertencimento a uma determinada localidade. Considerando que todos são sujeitos da transformação individual e coletiva, não podendo haver passividade diante do mundo. (Loureiro, 2004:5) Segundo Loureiro (2004:5) educar é agir conscientemente em processos sociais que se constituem conflitivamente por atores sociais que possuem projetos distintos de sociedade, que se apropriam material e simbolicamente da natureza de modo desigual. Para o autor, não se deve admitir que um projeto de EA no licenciamento, por exemplo, seja pautado por atividades com crianças em escolas ou visitações em áreas preservadas sem que se leve em consideração o objeto central do processo: o empreendimento e seus efeitos. Até porque a atribuição educativa própria da gestão ambiental é a educação não-formal. (Loureiro, 2009) A EA no âmbito do licenciamento das atividades marítimas de exploração e produção de óleo e gás Como já apresentado, as ações de Educação Ambiental no licenciamento das atividades marítimas de óleo e gás são obrigatórias e visam minimizar os riscos e os impactos da atividade sobre os grupos sociais afetados por ela. Desde 2004, o IBAMA tem proposto diretrizes para o desenvolvimento de projetos de educação ambiental que visam ao empoderamento desses grupos, de maneira a diminuir sua
12 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 108 vulnerabilidade. No caso da atividade de petróleo, principal atenção tem sido dada aos pescadores artesanais 9, uma vez que estes são considerados os mais afetados por esse tipo de empreendimento. De acordo com Loureiro (2009), o público prioritário de qualquer projeto no contexto do licenciamento devem ser os grupos afetados pelos empreendimentos, e os espaços de atuação dos educadores aqueles onde se manifestam os conflitos de uso. Em consonância com tais princípios, foram propostas pelo IBAMA, ações de Educação Ambiental para a fase de exploração da atividade petrolífera (etapas de sísmica e de perfuração), que ocorrem no âmbito de um projeto denominado Plano de Compensação da Atividade Pesqueira PCAP e para a etapa de produção, o projeto de Projeto de Educação Ambiental PEA. Ambos os projetos estão orientados para os processos pedagógicos nos espaços não formais da educação, ou seja, aqueles que ocorrem em reuniões, nos sindicatos, nas associações, ou seja, no inter-relacionamento das pessoas. As ações do PEA devem proporcionar meios para a produção e aquisição de conhecimentos e habilidades e contribuir para o desenvolvimento de atitudes visando à participação individual e coletiva na gestão do uso sustentável e na conservação dos recursos ambientais, bem como, na concepção e aplicação de decisões que afetam a qualidade ambiental (meios físico-natural e sociocultural). 9 A definição de pesca artesanal utilizada pelo IBAMA considera que essa atividade contempla tanto as capturas com objetivo comercial associadas à subsistência das famílias dos participantes, quanto àquelas com objetivo essencialmente comercial. Destaca-se como uma grande fornecedora de proteína de ótima qualidade para as populações locais, é multiespecífica (captura diversas espécies de peixe), utiliza grande variedade de aparelhos e, em geral, a maioria das embarcações não é motorizada. Geralmente, os meios de produção (petrechos de pesca) são confeccionados pelo grupo familiar ou em bases comunitárias e o saber-fazer orienta as pescarias e a divisão das tarefas do grupo. O pescador artesanal exerce sua atividade de maneira individual, em pares ou em grupos de quatro a seis indivíduos e está sob o efeito de pressões econômicas que governam sua estratégia de pesca, selecionando os peixes de maior valor. Sua relação com o mercado é caracterizada pela presença de intermediários. A relação de trabalho parte de um processo baseado na unidade familiar ou no grupo de vizinhança e tem como fundamento o fato de que os produtores ou parte deles são proprietários do seu meio de produção (DIEGUES, 1983).
13 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 109 O PEA é elaborado conforme os princípios básicos da educação ambiental definidos pela Lei 9.795/99 e é construído e implementado em conjunto com os grupos sociais afetados pela atividade, fazendo uso de metodologias participativas. Conseqüentemente, o processo educativo se inicia desde a etapa de diagnóstico e as decisões, ou ações prioritárias, são sempre escolhidas coletivamente, a partir da negociação entre os grupos sociais, empresa e IBAMA. O PEA e o PCAP possuem duas etapas. A primeira refere-se a um diagnóstico participativo realizado com os grupos afetados pelo empreendimento, o qual resulta na proposição de projetos que compõem uma agenda ambiental comunitária 10. A segunda etapa consiste na escolha e implementação de um ou mais projetos propostos na primeira etapa. O(s) projeto(s) selecionado deve promover ações coletivas, atender às exigências legais e buscar mecanismos de sustentabilidade. Considerações finais Diante do que foi apresentado a respeito dos projetos de educação ambiental enquanto medidas mitigadoras / compensatórias dos impactos socioambientais da atividade marítima de petróleo e gás, como saber se os projetos de caráter participativo trarão resultados verdadeiros e serão eficazes no alcance dos objetivos de empoderamento e de construção de alternativas reais de desenvolvimento para aquelas comunidades? Como verificar se os impactos socioambientais provocados pelos empreendimentos licenciados foram minimizados e/ou compensados? Como medir os resultados obtidos? Esse é sempre um grande desafio ao se tratar de ações de caráter qualitativo. Tentar descobrir em que medida esses projetos de educação ambiental são instrumentos de empoderamento e emancipação dos grupos sociais ou são apenas instrumentos que manterão o status quo das comunidades, gerando ações tuteladas pelas empresas em atendimento às exigências do Estado é o desafio atual dos analistas ambientais da CGPEG/IBAMA. 10 Não necessariamente o produto final da primeira etapa é uma agenda ambiental comunitária. Mas, o termo será aqui utilizado, pois o resultado gerado é um diagnóstico comunitário e um conjunto de ações de curto, médio e longo prazo, necessário para desenvolver a comunidade e diminuir sua vulnerabilidade aos empreendimentos.
14 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 110 Do que se observou até o momento das experiências de projetos de educação ambiental relacionados a processos de licenciamento ambiental federal das atividades marítimas de exploração e produção de petróleo em andamento no país, é a existência de um limite muito tênue entre ações emancipatórias e tuteladas, sendo necessária uma reflexão contínua sobre até onde ir e o que se pode exigir. A adoção de premissas e de diretrizes claras para nortear os projetos de educação ambiental exigidos como medidas mitigadoras e compensatórias do licenciamento ambiental, por exemplo, é uma condição necessária, para que o Estado cumpra seu papel de gestor, as empresas implementem projetos comprometidos com a transformação da realidade socioambiental das comunidades e estas sejam coautoras dos projetos e exerçam seus direitos e deveres na gestão de seu espaço de vida. Portanto, ainda que os projetos de educação ambiental busquem o fortalecimento das organizações sociais e o apoio dos movimentos sociais, é necessário que sejam acompanhados, avaliados e sistematizados, gerando informações que subsidiem a formulação de políticas públicas que visem institucionalizá-los como ações obrigatórias no campo da gestão ambiental. Neste contexto, o IBAMA, no licenciamento de petróleo e gás, tem desenvolvido um conjunto de procedimentos que, recentemente, foram consolidados na elaboração da Nota Técnica N o 001/10, voltada para articular diferentes PEAs desenvolvidos em uma mesma região impactada pela cadeia produtiva do petróleo, tendo por principais objetivos direcionar diferentes linhas de ação de modo que venham a convergir para uma efetiva gestão ambiental regional e garantir que os processos educativos estejam voltados para a mitigação / compensação dos impactos da atividade licenciada. Dentre as linhas de ação propostas na referida Nota Técnica, está prevista a elaboração de PEAs que desenvolvam ações voltadas para a (i) organização comunitária para a participação no licenciamento ambiental, o (ii) controle social
15 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 111 da aplicação de royalties e de participações especiais da produção de petróleo e gás natural, o (iii) apoio à elaboração, à democratização, à discussão pública e à fiscalização do cumprimento das diretrizes de Planos Diretores municipais e o (iv) apoio à discussão e ao estabelecimento de acordos para a gestão compartilhada das atividades na zona marítima. Os processos educativos propostos para o licenciamento de petróleo pretendem realizar um papel de mediação junto aos grupos e movimentos sociais impactados, contribuindo para que os sujeitos envolvidos no processo educativo sejam capazes de desvelar a realidade vivida, em todos os seus aspectos, incluindo as contradições, as causas da desigualdade, da vulnerabilidade socioambiental e dos riscos a que estão sendo submetidos. Espera-se dessa forma, instrumentalizá-los, tornando-os aptos a defender seus diretos e interesses, motivando-os a reagir e a participar como sujeitos políticos dos espaços públicos de decisão. (Layrargues, 2009) Dessa forma, acredita-se que o fortalecimento da proposta de educação no processo de gestão ambiental no interior das dinâmicas do licenciamento, possibilitará ao Estado ampliar o seu papel de mediador de conflitos e promotor de políticas socioambientais de caráter público e universalizante. Referências Bibliográficas: IBAMA. Nota Técnica CGPEG/DILIC/IBAMA N O 001/10. Rio de Janeiro: CGPEG / IBAMA, LAYRARGUES, P.P. Educação ambiental com compromisso social: o desafio da superação das desigualdades. In: Carlos Frederico Bernardo Loureiro, Philippe Pomier Layrargues, Ronaldo Souza de Castro (Orgs.) Repensar a educação ambiental: um olhar crítico São Paulo: Cortez, p: LOUREIRO, C. F. B In: Educação ambiental no licenciamento: aspectos legais e teóricometodológicos. In: Carlos Frederico Loureiro (Org.) Educação ambiental no contexto de medidas mitigadoras e compensatórias de impactos ambientais: a perspectiva do licenciamento. Salvador: IMA, p: LOUREIRO, C. F. B.. Educação Ambiental e Gestão Participativa na Explicitação e Resolução de Conflitos. In: Gestão em Ação. v.7, n o 1, jan./abr. Salvador, p. Disponível em: QUINTAS, J.S. Educação no processo de gestão pública: a construção do ato pedagógico. In: Carlos Frederico Bernardo Loureiro, Philippe Pomier Layrargues, Ronaldo Souza de Castro (Orgs.) Repensar a educação ambiental: um olhar crítico São Paulo: Cortez, p:
16 Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 112 SERRÃO, M.A., WALTER, T. VICENTE, A. Educação ambiental no licenciamento ambiental- duas experiências no litoral baiano. In: Carlos Frederico Loureiro (Org.) Educação ambiental no contexto de medidas mitigadoras e compensatórias de impactos ambientais: a perspectiva do licenciamento. Salvador: IMA, p: WALTER, T. & MENDONÇA, G. Pode o licenciamento ambiental promover o desenvolvimento local? Uma reflexão a partir do Baixo Sul BA. IN: Anais do Seminário de Comemoração dos 30 anos do CPDA, 2007.
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