Título: A Improvisação Física e Experimental i
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- Giovanni Chaves Taveira
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1 IV Reunião Científica de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas 1 Título: A Improvisação Física e Experimental i Luiz Carlos de Almeida Garrocho(UFMG) GT: Territórios e Fronteiras Palavras-chave: improvisação, teatro físico, experimentação O que chamo de improvisação física e experimental constitui uma conjunção de questões cênico-corpóreas, organizando-se em exercícios que, por sua vez, trabalham como estudos de composição. Entre os espaços de criação e de treinamento, nos quais o teatro delineia a produção de seus conhecimentos e técnicas, encontra-se a modalidade do que chamo de treinamento em e como criação. E para situar, portanto, as contribuições dessa prática-pensamento, elejo alguns conceitos e procedimentos principais, procurando antes explicitar os contextos nos quais deu-se a pesquisa, situando também os possíveis diálogos com a cena contemporânea. A improvisação física e experimental desenvolveu-se simultaneamente em dois contextos, sendo que um deles pode ser nomeado como profissionalizante ii e, o segundo, relativo a uma iniciação artística iii. No primeiro caso foram cursos e oficinas voltados à formação técnica do ator, posteriormente incluindo bailarinos. Já no segundo caso, o desejo era trabalhar com a apropriação do ato criativo. Nessa perspectiva, ocorreu uma inversão de paradigmas: não se tratava mais de ensinar teatro à criança, mas de fazer da infância e do lúdico uma virada em direção a um teatro corporal, dotado de um pensamento sensorial e não hierárquico quanto à organização dos seus elementos. Ainda nesse âmbito não profissionalizante, realizei oficinas com adolescentes com deficiência visual e com adultos usuários do sistema de saúde mental. Esses dois públicos participantes provocaram o pensamento emergente de uma improvisação física e experimental, tornando indiscerníveis algumas das fronteiras historicamente estabelecidas do fazer teatral. Tais procedimentos encontram ressonâncias com as pesquisas iniciais do encenador Robert Wilson (GALIZIA,1986), quando este, por exemplo, trabalhava com autistas, adolescentes surdos e pessoas comuns, contribuindo para a configuração da cena contemporânea. No que diz respeito ao estado da arte da cena contemporânea, a improvisação física e experimental faz conexões com os seguintes campos: a) dança pós-moderna ou dança contemporânea; b) teatros físicos e experimentais, sob a ótica da análise realizada por Hans-Thies Lehmann (2006) a respeito do teatro pós-dramático, incluindo os procedimentos de criação cênica working in progress (COHEN, 1998); e c) performance art (COHEN, 1989, 1998).
2 IV Reunião Científica de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas 2 Tais campos apontam para uma cena que produz hibridizações, espaços entre meios e contaminações entre as linguagens artísticas. A pesquisa em improvisação física e experimental encontra, ainda, conexões e ressonâncias com o pensamento conceitual dos pensadores Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995a, 1995b, 1996, 1997a, 1997b), não para fundamentar seus procedimentos, mas para alimentar os meios que provocam seu movimento próprio. Mas por que chamar de improvisação física? Toda improvisação em teatro não seria uma experiência física? É preciso dizer que nem toda improvisação é física, pelo menos no sentido apontado pela pesquisa. Na sua análise dos teatros físicos, Lúcia Romano (2005) mostra que a fisicalidade concerne à materialidade do evento cênico, em termos de algo que estaria conectado ao corpo. Também na análise de Lehmann (2006) sobre os teatros pós-dramáticos, como sendo aqueles que quebram o vínculo interno entre teatro e drama, a fisicalidade desempenha um papel importante. No trabalho do drama, caracterizado principalmente pela relação entre caracterização e lugar, pelo conflito intersubjetivo e pelo desdobramento linear e não compartilhado do tempo com o público, o que justamente deve ficar de fora é a fisicalidade. Já num teatro pós-dramático, a fisicalidade assumiria, principalmente através da intromissão do real no discurso cênico, um fator predominante. Nessa direção, a improvisação, ao tornar-se física, define outros planos de criação, já que parte dos traços de materialidade cênica e não de uma situação dramática. Os planos que compõem os exercícios de improvisação, em termos de uma materialidade cênica que se faz discurso são: corpo, espaço, tempo e objeto. Poderia, ainda, ser questionado se toda improvisação, pela sua própria natureza, não seria de certo modo uma experimentação. Antes disso, é preciso clarear em que sentido se emprega o conceito de experimentação. Para tanto, faço uso das definições de Richard Schechner (1994), que nomeia os movimentos da segunda metade do século, principalmente nos EUA, de vanguarda experimental. O termo experimental teria o sentido de ex-peril, aquilo que sai do perímetro e se aventura no desconhecido. John Cage, um dos artistas que mais contribuiu para os movimentos de experimentação em arte, incluindo o teatro (MARINIS, 1998) é uma peça-chave para a constituição desse plano, afirmando, por exemplo, que o universo onde vai ocorrer a ação não é predeterminado (TERRA, 2000, p. 96). Cage proporciona, desse modo, um espaço de indeterminação para a criação artística. Exemplo disso são as operações de acaso, procedimento muito utilizado no contexto da dança improvisacional contemporânea. Isso significa que os estudos compositivos mediante o exercício improvisacional implicam em espaços de indeterminação. Para tanto, é preciso distinguir entre uma estética de acasos e uma estética de decisões. A última implica, quando se trata, por exemplo, da performance como improvisação, numa cena em que a fruição estética encontra-se
3 IV Reunião Científica de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas 3 focalizada na habilidade de tomar decisões, ao vivo, diante do público. A fruição do espetáculo improvisacional conta, desse modo, com a exposição de tais habilidades. No caso de uma estética de acasos, o foco coloca-se antes sobre o que pode emergir no campo da percepção. Ou seja, sobre a indeterminação em que Cage nos convida ao exercício criativo iv. Em função do exposto, a improvisação física e experimental precisa encontrar procedimentos que potencializem seu caráter de estudos compositivos. Para tanto, apropria-se, entre outras, de duas ferramentas conceituais de Deleuze e Guattari (1995a; 1997a): a cartografia e o ritornelo. A cartografia ou mapa é o modo como pensa a improvisação física e experimental: desde a configuração de seus planos conceituais aos seus exercícios. Um processo de pensamento que se dá por multiplicade e abertura conectiva. Para Deleuze e Guattari (1995a, p.22), o mapa pode ser rasgado, revertido, adaptado para os propósitos de outro, para uma montagem de qualquer natureza : pode-se desenhá-lo numa parede, concebê-lo como obra de arte, construí-lo como uma ação política ou como uma meditação. Um mapa não reproduz seu território, mas antes exercita-se como espaço de experimentação. Pensar a improvisação cartograficamente é tomá-la no seu caráter conectivo, aberto e processual. Isso significa que as composições são passíveis de serem transformadas continuamente e conectadas em relações heterogêneas. Não há hierarquias: o corpo artista treinado ou não treinado, objetos, sons, imagens, luz, recepção e criação, não são entidades fixas. Antes disso, são traços de uma cartografia cênico-corpórea. Quanto ao ritornelo (DELEUZE e GUATTARI, 1997a), este é um conceito oriundo da música, associado à repetição. No pensamento de Deleuze e Guattari, o ritornelo tem a característica de ser não a repetição do idêntico, mas da diferença: o retorno nunca é igual. Num ritornelo desenvolvem-se motivos e contrapontos e isso é muito importante, na apropriação que faço dessa ferramenta conceitual, para a criação de seqüências de movimento. Poderia, ainda, ser traçada uma analogia com as chamadas partituras de movimento, mas tal utilização não contribui para a instauração de um plano de estudos compositivos mediante os exercícios de improvisação. Quando se pede para um ator e/ou bailarino para que realize seus próprios ritornelos, trata-se muito mais do que lhe pedir que monte uma seqüência de movimentos. Com os ritornelos o que se busca, antes de tudo, são os motivos e os contrapontos de um processo pensante da criação cênicocorporal. O estudo compositivo via improvisação envolverá a criação de um campo de forças que se avizinha do caos e que toma a abertura perceptiva como tarefa primeira. Em vez de ser uma estrutura que congela ou delineia um traçado, um ritornelo, como ferramenta de composição, sempre pensa através de uma improvisação e de uma experimentação. Ou seja, não sendo uma improvisação apenas para encontrar material a ser posteriormente fixado, haverá sempre, no
4 IV Reunião Científica de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas 4 ritornelo um grau de indeterminação. Os ritornelos constituem, para o performer, uma provisão de criações, sempre comportando algum grau de ruído, interferência, errância e modificação. Estará, ainda, dialogando com os acasos, incorporando justaposições e realizando conexões não hierárquicas. Ou seja, fazendo sempre incidir sobre as composições um pensamento cartográfico, um fator de improvisação e de experimentação. Notas i A presente comunicação tem por base a dissertação de mestrado intitulada Cartografias de uma improvisação física e experimental, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Artes na Área de Concentração Arte e Tecnologia da Imagem, na Linha de Pesquisa Criação e Crítica da Imagem em Movimento, sob a orientação do professor Doutor Fernando Antonio Mencarelli, fazendo parte da banca examinadora os professores doutores Fernando Mencarelli (UFMG) Fernando Antonio Pinheiro Villar de Queiroz (UNB), Sara Del Carmen Rojo de La Rosa UFMG ii Belo Horizonte: a) Curso de Formação de Ator da Fundação Clóvis Salgado no período de 1994 a 1998, e de 2000 a 2004; b) Oficinas extra-curriculares, a partir das quais começam a participar também bailarinos, nos anos de 2000 a 2004 e c) Curso de Artes Cênicas da Escola de Belas Artes da UFMG, de 2002 iii Belo Horizonte: a) Escola Balão Vermelho, de 1974 a 1998 oficinas com crianças de 03 a 06 anos de idade e, posteriormente, nos anos 80, com crianças de 07 a 10 anos; b) de 1984 a 1996, com pré-adolescentes, de 11 a 13 anos, na Escola Albert Einstein; c) no Instituto São Rafael, em 1999, com adolescentes deficientes visuais, c) no Centro Cultural Arthur Bispo do Rosário do Hospital Dia do Instituto Raul Soares, de 2000 a 20001, com usuários do sistema de saúde mental; c) no Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado, de 1989 a 1992, nos Curso de Iniciação Teatral I (para crianças de 10 a 12 anos) e II (para adolescentes de 13 a 15 anos). Referências Bibliográficas: COHEN, Renato. Performance como linguagem: criação de um tempo-espaço de experimentação. São Paulo: Perspectiva, Working in progress na cena contemporânea. São Paulo: Perspectiva, DELEUZE, G. e GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Volume 1. Tradução de Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995a. e. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol.2 Tradução de Aurélio Guerra e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1997b. e. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 3. Tradução de Aurélio Guerra Neto et. alii. Rio de Janeiro: Editora 34, e. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 4. Tradução de Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34, 1997b. e. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 5. Tradução de Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa São Paulo: Editora 34, 1997c.
5 IV Reunião Científica de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas 5 GALIZIA, Luiz Roberto. Os Processos Criativos de Robert Wilson: Trabalhos de Arte Total para o Teatro Americano Contemporâneo. São Paulo: Perspectiva,1986. LEHMANN, Hans-Thies. Postdramatic Theatre. Translated and Introduction by Karen Jürs-Munby. Routledge: New York, MARINIS, Marco de. El nuevo teatro: Traducción de Beatriz. E. Anastasi y Susana Spiegler. Barcelona/Buenos Aires: Editoria Paidós, TERRA, Vera. Acaso e Aleatório na Música, um estudo da indeterminação nas poéticas de Cage e Boulez. São Paulo: Educ, SCHCHNER, Richard. Ocaso e caída de la vanguarda. In: CEBALLOS, Edgar (Director). Máscara: Cuaderno IberoAmericano de Reflexión sobre Escenologia. Traducción y notas: Antonio Pietro Stambaugh. n , Año 4, 1994.
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