A lenda de Itararé. LÍNGUA portuguesa LIVRO 6 capítulo 1 avaliação 1 A cultura nossa de cada dia

Transcrição

1 Leia uma lenda, recolhida pelo folclorista Luís da Câmara Cascudo, muito comum na divisa dos estados de São Paulo e Paraná, para responder ao que se pede. A lenda de Itararé Em tempos idos a nação indígena que vivia às margens do Paranapanema resolveu abandonar a região, escapando assim às atrocidades praticadas pelos brancos invasores. Uma noite, porém, já em viagem, quando despertaram, estavam os índios completamente cercados e só à força de tacape conseguiram abrir caminho por entre os adversários; mas, na fuga, uma das mulheres mais formosas da aldeia Jaíra caiu sob o poder do chefe do bando contrário, homem forte e valoroso. Reuniram-se as nações indígenas convocadas, e durante uma lua inteira se prepararam para a guerra. Efetuaram a festa do preparo do curare, também chamado uirari. Era a mulher mais velha da aldeia quem tinha a honra de preparar o veneno; vestia-se com penas vermelhas, escutava o canto dos pajés e partia para o mato, de onde voltava carregada de ervas. Quando o curare ficava pronto, os vapores da panela subiam; ela os aspirava e caía morta. Assim se fez. Depois de esfriado o curare, começou a dança em torno à panela, ervando todos os guerreiros as suas flechas. Antes de se iniciar a batalha, chegou um velho de muito longe e entrou a aconselhar, secretamente, os pajés: na guerra contra os brancos, que usavam armas de fogo, só deviam esperar a morte; eles eram muitos e sabiam defender-se; o que deviam fazer era o seguinte: Um dos nossos ocultará, perto do acampamento inimigo, filtros de amor que conhecemos, a fim de o chefe ficar apaixonado por Jaíra, e após deverá apresentar-se aos brancos como desertor da aldeia, para trabalhar com eles. Assim terá oportunidade de falar com ela e entregar-lhe drogas preparadas. E um dia, quando todos estiverem adormecidos pelo ariru, servido no banquete, os guerreiros indígenas, em massa, atacarão subitamente os inimigos, de tacape em punho. Não escapará nenhum dos brancos, cujos cadáveres serão lançados aos corvos. Tal plano foi feito pelos pajés. No dia seguinte partiu o guerreiro, levando os filtros de amor, mas os índios em vão esperaram (como estava combinado) pelo canto da saracuara, três vezes em noite de lua nova. É que o chefe se apaixonara pela linda bugra, e Jaíra também se apaixonara pelo moço, de modo que o guerreiro enviado regressou sem nada haver conseguido. O tenente Antônio de Sá (assim chamava o chefe) era casado e residia em Santos, e quando sua esposa soube do amor que o ligava a Jaíra, fez que seu pai a conduzisse ao acampamento dos brancos, onde ela chegou, uma tarde, com muitos pajens e comitiva luzida. Houve disputa entre os esposos, e, no dia seguinte, Jaíra, muito desgostosa, resolveu partir, dizendo ao tenente que ia esperá-lo à beira do rio Itararé, a fim de fugirem, à noite, pela floresta. E rematou: Quando a lua for descendo pelos morros azuis eu cantarei três vezes como a araponga branca, e, se você não comparecer ao lugar de espera, ligarei os pés com um cipó e me atirarei ao rio. E pôs-se a caminho, deixando, em lágrimas, o moço. À noite, ouviu-se três vezes o canto da araponga branca, mas o chefe dos brancos não foi procurar Jaíra. Medonha e súbita tempestade revolucionou, então, aquela região, caindo raios numerosos que vitimaram muitos bois, reduzindo bastante os animais do tenente Antônio de Sá. Ao amanhecer, o chefe foi a cavalo, acompanhado por um pajem, à pedra indicada por Jaíra, mas só achou ali a roupa da infeliz criatura, com uma coroa de flores de maracujá do mato, em cima. O tenente soltou um grito de desespero, e ficou tão alucinado, que se lançou à corrente e não veio mais a terra. A senhora branca soube do ocorrido, dirigiu-se a cavalo ao rio, onde só viu a roupa de Jaíra e o lugar em que sucumbira o esposo, e em prato, a vociferar, amaldiçoou o rio em que cuspiu três vezes. Então as águas cavaram o solo e se esconderam no fundo da terra, os peixes ficaram cegos, a mata fanou-se e morreu!... Contam que quem descia, de noite, à gruta de Itararé veria Jaíra, vestida de branco, com a grinalda de flores de maracujá, tendo ao colo o corpo do moço que morrera por ela. Às vezes, a sua sombra vinha à beira da estrada, matava os viajantes, tirava-lhes o sangue e com ele ia ver se reanimava o seu morto querido.

2 Dizem, em época mais recente, que a penitência já se acabou; e um dia, quando menos se esperar, as águas do rio hão de abrir de novo as suas margens e hão de espalhar-se pela terra, para refletir, à noite, o fulgor de todas as estrelas. Fonte: Luís da Câmara Cascudo. Lendas brasileiras para jovens. 2. ed. São Paulo: Global, p Observando o contexto em que as palavras aparecem no texto, faça a correspondência adequada entre a palavra e o seu sentido. 1. Atrocidades ( ) falar com cólera 2. Tacape ( ) veneno retirado de um cipó 3. Curare ( ) crueldades 4. Desertor ( ) mutilou-se 5. Ariru ( ) arma indígena 6. Saracuara ( ) aquele que abandona um grupo 7. Vociferar ( ) brilho intenso 8. Fanou-se ( ) entorpecente vegetal 9. Fulgor ( ) saracura, frango aquático 2. A partir da leitura do texto, marque V para as afirmações verdadeiras e F para as afirmações falsas. a) ( ) As lendas indígenas podem apresentar, muitas vezes, elementos ligados ao sobrenatural e, em A lenda de Itararé, a morte dos viajantes pela sombra de Jaíra na beira da estrada é um exemplo desse mundo fantástico. b) ( ) Para compreender A lenda de Itararé, é fundamental que o leitor perceba o esquema de rimas, já que elas ajudam as pessoas a memorizar o texto, que pertence à tradição oral. c) ( ) Jaíra pode ser considerada a anti-heroína da narrativa, pois se sacrifica pelo seu amado, contribuindo assim para o sucesso de sua tribo no combate com os homens brancos. d) ( ) A linguagem usada para construir a A lenda de Itararé tende para a formalidade e a ausência de expressões idiomáticas é uma prova disso. 3. Que trecho corresponderia, na lenda, à situação inicial de equilíbrio? 4. Qual pode ser considerado o primeiro conflito da história? Que expressão usada no texto confirma sua resposta? 5. Qual era o plano dos chefes indígenas para derrotar o homem branco? Esse plano funciona? Explique. 6. Que novo conflito aparece na história de Jaíra? Como ele se resolve? 7. Qual o desfecho da narrativa? 8. Por pertencerem à tradição oral, as lendas costumam apresentar uma imprecisão na marcação do tempo. Identifique o trecho que melhor representa tal imprecisão. a) Em tempos idos b) Uma noite c) No dia seguinte d) Ao amanhecer

3 9. Releia. [...] Houve disputa entre os esposos, e, no dia seguinte, Jaíra, muito desgostosa, resolveu partir, dizendo ao tenente que ia esperá-lo à beira do rio Itararé, a fim de fugirem, à noite, pela floresta. E rematou: Quando a lua for descendo pelos morros azuis eu cantarei três vezes como a araponga branca, e, se você não comparecer ao lugar de espera, ligarei os pés com um cipó e me atirarei ao rio. [...] a) Reescreva o trecho, transformando o discurso direto em indireto. b) Qual dos dois trechos apresenta maior dramaticidade? Por quê? 10. Releia. [...] É que o chefe se apaixonara pela linda bugra, e Jaíra também se apaixonara pelo moço, de modo que o guerreiro enviado regressou sem nada haver conseguido. [...] a) Que palavras são usadas para se referir ao chefe branco e à índia aprisionada, respectivamente? b) Por que é importante o uso de tal estratégia na construção do texto?

4 Respostas 1. (7) falar com cólera (3) veneno retirado de um cipó (1) crueldades (8) mutilou-se (2) arma indígena (4) aquele que abandona um grupo (9) brilho intenso (5) entorpecente vegetal (6) saracura, frango aquático 2. a) Verdadeira. b) Falsa. c) Falsa. d) Verdadeira. 3. O primeiro parágrafo, em que o leitor toma conhecimento da decisão dos índios de abandonar as margens do rio Paranapanema em função das maldades do homem branco. 4. O primeiro conflito da história é o momento em que os índios, ao despertarem, se encontram cercados pelos homens brancos e fogem, mas Jaíra fica em seu poder. O trecho Uma noite sinaliza o início do conflito. 5. O plano dos chefes indígenas era infiltrar um índio junto aos homens brancos, dizendo-se desertor, para que ele entregasse à Jaíra o ariru. A droga seria consumida pelos homens brancos, que ficariam dopados, permitindo que os índios os atacassem com os tacapes. O plano não funciona porque Jaíra e o chefe branco estavam apaixonados um pelo outro. 6. A chegada da esposa branca do tenente Antônio de Sá, que residia em Santos, que toma conhecimento do amor de seu marido pela índia. Chegando ao acampamento dos brancos, a esposa faz um escândalo e provoca o desgosto de Jaíra. A índia, após a briga entre os esposos, abandona o acampamento e diz para o amado encontrá-la à beira do rio. O tenente não cumpre o combinado e Jaíra se lança ao rio. Ao ver, mais tarde, o que havia acontecido com seu amor indígena, o chefe branco se desespera e também se lança no rio. 7. A esposa, ao saber da morte do marido, amaldiçoa o rio, que desaparece no solo, escondendo-se no fundo da terra, formando uma gruta. Reza a lenda que Jaíra, durante certo tempo, assombrava os viajantes tentando ressuscitar seu amado tenente Antônio de Sá. 8. Alternativa a. Em tempos idos. 9. a) Houve disputa entre os esposos, e, no dia seguinte, Jaíra, muito desgostosa, resolveu partir, dizendo ao tenente que ia esperá-lo à beira do rio Itararé, a fim de fugirem, à noite, pela floresta. E rematou dizendo que quando a lua fosse descendo pelos morros azuis, cantaria três vezes como a araponga branca e, se ele não comparecesse ao lugar de espera, ela ligaria os pés com um cipó e se atiraria ao rio.

5 Respostas b) O original, porque o discurso direto torna a cena mais viva, já que o leitor tem a impressão de ver as palavras saírem da boca da própria Jaíra, mostrando seu desespero com a situação. 10. a) Chefe, moço; bugra, Jaíra. b) É importante porque usar outras palavras para se referir a um mesmo elemento evita repetições desnecessárias ao longo do texto, tornando-o menos cansativo.