O BABADO DO XIRÊ E DA GIRA: GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL NAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

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1 O BABADO DO XIRÊ E DA GIRA: GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL NAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS Resumo SILVA, R. F. 1 SEED Grupo de trabalho Ensino religioso Agência Financiadora: não contou com financiamento O texto abordará um dos temas mais debatidos em âmbito político e religioso na atualidade. As questões relacionadas às diferenças entre os gêneros e a diversidade sexual e a relação desses sujeitos dentro das religiões afro-brasileiras, mesmo diante da predominância de princípios da colonização portuguesa do catolicismo, essas discussões ainda causam muitas dúvidas, precisando ser contextualizadas diante de tantos atos de preconceito e discriminação que atingem mulheres, travestis, transexuais e homossexuais em nossa sociedade ocidental contemporânea, com base em textos da Bíblia cristã e sem fundamento legal. Face a essa problemática, Ruth Landes (1947), aponta que o Candomblé tem origens matriarcais, embora o homem tenha uma relevante importância. Por esse motivo, nos rituais do Candomblé não só na tradição Yorubá, mas também nas de Caboclo, que é o culto a Orixás e entidades de ancestrais ameríndias e na Umbanda, a cosmovisão africana está embutida, e as pessoas são olhadas a partir de suas personalidades e de seu compromisso com a religião e não a partir de seus órgãos genitais e rótulos pré estabelecidos por normas hegemonicamente heterossexuais. A noção de pecado religioso é comum no judaico-cristianismo que não existia da mesma forma em África, consequentemente influenciou as religiões afro-brasileiras, e isso se reflete na não condenação da orientação sexual e identidade de gênero dentro do Candomblé e da Umbanda. Dentre as diversas considerações, cabe ressaltar a importante presença da mulher nos cargos de liderança nas religiões afro-brasileiras, bem como, o ambiente igualitário que estas proporcionam. As fontes consistem em Leis, textos extraídos de sites da internet, em pesquisas, em livros e em documentários. Palavras- Chave: Religiões Afro-brasileiras. Discriminação. Mulher. Homossexualidade. Introdução É nítido para a sociedade que toda/o a/o sujeita/o que se apresenta diferente das normas de conduta, postura e religiosidade impostas desde a colonização portuguesa do 1 Professor da Rede Pública Estadual de Educação do Paraná, Licenciado em Matemática, Tecnólogo em Processos Gerenciais, Pós-graduado em Psicopedagogia Clínica e Institucional, Pós-graduando em Educação Matemática Comparada, Bacharel em Teologia Livre, Mestre em Teologia Livre.

2 29149 catolicismo no Brasil, sofre das mais variadas formas de discriminação, violência e preconceito. As noções de moral que vieram de uma cultura enraizada nos princípios judaicocristãos herdadas da Europa deram origem a esta forma de lidar com a sexualidade, como sendo permitido apenas com o consentimento da Igreja através do casamento entre homem e mulher. Segundo o site da Revista Época, uma pesquisa do IBOPE faz revelações importantes sobre mudanças que a sociedade está passando em respeito às doutrinas da Igreja Católica: A maioria dos jovens católicos, entre 18 e 29 anos, acha tudo isso e mais ainda. Dizem que, mesmo praticando o oposto do que a doutrina prega, são bons católicos. É a Igreja, na opinião deles, que está atrasada. Essa é a conclusão de uma pesquisa exclusiva do Ibope, realizada a pedido da ONG: Católicas pelo Direito de Decidir, com jovens católicos em 315 municípios. Ela revela que a Igreja prega uma coisa e os jovens fazem outra: 88% acreditam que uma pessoa pode usar métodos anticoncepcionais e continuar sendo boa católica; 96% são a favor do uso de camisinha para evitar gravidez e doenças sexualmente transmissíveis; 79% discordam de fazer sexo só depois do casamento. (BRUM; SANCHES, [2012?]) Jesuítas se basearam na moral sexual determinada pelo catolicismo, que considerava a homossexualidade como a doença da anormalidade, segundo a bíblia cristã, eram considerados atos sexuais contra a natureza humana, conforme é relatado em Levítico, 18. Criou-se uma lógica simples, mal fundamentada de que o sexo só pode ser concebido para gerar filhos, onde o prazer e as paixões são consideradas como pecado. Até hoje, esta mesma regra é válida, tanto para homossexuais como para heterossexuais com o mesmo peso de pecado, mas a sociedade hipócrita condena apenas os atos sexuais cometidos entre pessoas do mesmo sexo. Até o século XIX a palavra mais utilizada para designar as relações entre pessoas do mesmo sexo era a expressão latina sodomia, que se origina do relato do Antigo Testamento no Livro do Génesis (PRESTES; VIANNA 2007, p.316). Todo ato sexual que não tinha por finalidade a procriação, era condenado. No Brasil e em outras localidades da América do Sul meridional, antes da chegada dos europeus, existiam relações homossexuais entre aborígenes brasileiros que eram socialmente aceitos. Entre os Tupinambás, que ocupavam a maior parte da costa brasileira, os indígenas gays eram chamados de tibira, e as lésbicas de çacoaimbeguira. Mott, (1994. p.4).

3 29150 Ameríndios luxuriosos, colonos insaciáveis, negros lascivos, mulatas desinquietas, senhores desregrados, sinhás enciumadas, o pecado estava em todas as gentes e lugares. A todos, sem exceção cabia portanto intimidar, ameaçar, castigar - foi o que pensaram os seguidores de Trento no ultramar português. (VAINFAS,1989, p. 38) Nesta pesquisa, verificamos que o candomblé sempre foi uma forma de resistência cultural perante aos valores morais predominantes dos brancos europeus aos mecanismos de dominação do cristianismo que marginalizou os negros e os mestiços mesmo após a abolição da escravatura. (Prandi, 2004 p.1). O candomblé tornou-se uma religião que permite possibilidades de uma universalidade e de igualdade perante as diferenças. Festas religiosas, como as de Iemanjá e de Oxum que são amplamente cultuadas no país bem como as demais festas ou formas de manifestação cultural, incluindo as paradas da diversidade, são rebatidas e sofrem toda demanda de ataques de emissoras de TV e líderes religiosos. Fica nítida a necessidade do reconhecimento destas manifestações por parte do poder público, que tende, por exemplo, a dificultar o acesso dessas manifestações aos pontos mais valorizados das cidades. Por muito tempo, neste país, alimentamos o furor de um racismo hipócrita fazendo de conta que isso não existia por aqui, fingindo que não temos problema racial. Hoje, poucos apregoam a democracia racial brasileira. Mas agora nos defrontamos com um triste casamento de racismo com intolerância religiosa. Ora, convém lembrar que racismo é crime e intolerância religiosa também. Representam um desacato a nossas leis maiores, a começar pela própria Constituição Brasileira (MARTINELLI, 2012). É preciso que aqueles sujeitos à discriminação, seja por orientação sexual, por identidade de gênero, racismo, sexismo, e a intolerância religiosa, se unam, com o compromisso de luta pela valorização de sua identidade religiosa e cultural e, a garantia de direitos humanos fundamentais como educação, saúde, exercício da cidadania e a segurança com estratégias que possam mobilizar nossos governantes para o reconhecimento dos festejos religiosos e manifestações culturais no calendário das cidades. A Homossexualidade nas Casas de Axé O relacionamento entre a homossexualidade e a religião varia de um lugar para outro e de épocas para épocas. Nem todas as religiões reprovam abertamente a homossexualidade. Algumas simplesmente omitem considerações a respeito.

4 29151 Conforme Oggioni, 2013, em sua pesquisa, nas igrejas com maior número de fiéis em diferentes linhas doutrinárias, levando em conta dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE podemos ter uma base de como o fato é tratado por estas: Na Assembleia de Deus, a igreja evangélica pentecostal mais representativa no país, com mais de 12 milhões de fieis, a doutrina é notoriamente contrária a homossexualidade. Em um artigo assinado pelo pastor José Wellington Bezerra da Costa, presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, e publicado na página da igreja na internet, a homossexualidade é colocada como uma perversão satânica dos instintos sexuais do ser humano. Para o líder, A Bíblia não classifica a homossexualidade como doença qualquer, pelo contrário, afirma claramente que se trata de uma deliberada desobediência a Deus e aos seus mandamentos, escreveu (OGGIONI, 2013). Ao longo da história, o sexo entre pessoas do mesmo sexo (especialmente homens) era tolerado e também instituído em rituais religiosos da Babilônia e Canaã, além de serem enaltecidos na religião da Grécia antiga. A mitologia grega é uma rica fonte de histórias de amor e sexo entre figuras do mesmo sexo. Na religião muçulmana em países árabes a homossexualidade é punida com a morte. Já na Turquia, podem até frequentar uma Mesquita, desde que não sejam maltrapilhos. Segundo Oggioni, (2013): O Islamismo com pouco mais de 35 mil praticantes no Brasil também é categórico ao condenar a homossexualidade. O sheikh Mohamad Al Bukai, diretor de Assuntos Religiosos da União Nacional Islâmica, afirma que o alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, considera a prática proibida. Para ele, os gays precisam de instrução, mas sem preconceito com o cidadão. Não podemos discriminar. Temos que ajudar e orientar essas pessoas, diz Al Bukai (OGGIONI, 2013). No Brasil, este tema é muito debatido entre religiosos de todo o país. Apenas religiões como o Espiritismo de Alan Kardec, a Umbanda e o Candomblé, que acreditam no espírito (que não possui forma nem sexo), conseguem tratar de forma simples questões como esta. No espiritismo de Allan Kardec, cada qual pode usar seu livre arbítrio. Não existe nenhuma oposição para que homossexuais frequentem suas reuniões. Deus criou espíritos e estes não tem sexo. Então, tanto podemos encarnar em um corpo masculino como feminino. Quando estamos desencarnados, no plano espiritual, geralmente, conservamos a aparência da última encarnação. Muitos optam pela aparência da encarnação que foi mais marcante. Quando estamos encarnados, interpretamos papéis, como artistas num filme ou novela. Um homem, por exemplo, não É homem, ele ESTÁ interpretando o papel de homem, porque veste um corpo masculino. Assim ocorre em relação à mulher. Na próxima encarnação não sabemos em que sexo reencarnaremos. (Grupo de Estudo Allan Kardec, 2010).

5 29152 A maioria das igrejas evangélicas pentecostais e fundamentalistas são radicalmente contra a homossexualidade, considerada por estas uma aberração, uma doença que pode ser tratada, uma opção de pessoas sem valores, ação de demônios, entre outros. A maioria dos evangélicos é radicalmente contra união estável e adoção de crianças por casais do mesmo sexo. O fundamentalismo religioso e a intolerância religiosa, acontecem de forma significativa em nosso país. Para tanto, sabemos que toda ação anti-discriminatória deveria ser um compromisso dos líderes religiosos que se julgam detentores do conhecimento dos desejos de Deus e dever dos Governos no país, com foco nos Direitos Humanos. Diante do exposto, cabe ressaltar que a ação das religiões que discriminam a homossexualidade, também se reflete desta forma com povo de santo, historicamente estigmatizado. Em diversos estados do país, vem sendo discutidas e realizadas diversas ações contra a discriminação por orientação sexual, identidade de gênero, racismo e reacionário em relação a condição da mulher (machismo). Muitos projetos de leis são contrários a esta prorrogativa, prejudicando a garantia dos direitos de Travestis, Transexuais, Lésbicas, Gays, Bissexuais, negros e adeptos das religiões de matriz africana, assim como existem leis que não são cumpridas, como a que regulamenta o ensino de história da África nas escolas. A Secretaria de Estado da Educação do Paraná mantém coordenações de educação que trabalham com estas especificidades. Dentre estas coordenações está a Coordenação da Educação das Relações de Gênero e Diversidade Sexual. Uma das únicas do país, com uma missão árdua e muitas vezes mal vista por muitos profissionais, que ainda insistem em excluir dos espaços escolares qualquer pessoa que não esteja conforme as normas da moral cristã estabelecida. É preciso olhar as pessoas com outro foco, num lugar onde são respeitadas, onde todos tem o mesmo direito de exercer cargos, inclusive de líderes. Nesse contexto, a dezenas de anos, temos os terreiros de Umbanda e Candomblé no Brasil, que trabalham bem com as questões relacionadas à sexualidade. Por este motivo, vem sendo vítimas de mais uma perseguição preconceituosa, a de que toda/o sacerdotisa/e de Umbanda e Candomblé é lésbica, gay, travesti ou transexual.

6 29153 As mulheres e homossexuais são os que mais bem se adaptam as religiões afrobrasileiras segundo a antropóloga americana Ruth Landes (1947). Frases de diversos autores como a citada e manifestações contrárias ocorrem, devido às religiões de afro-brasileiras possuírem muitos adeptos homossexuais, porque não há (ou pelo menos não deveria haver) nenhum tipo de preconceito em relação à sexualidade ou ao gênero. Dentro dos terreiros, não se faz diferença entre o homossexual e o heterossexual. O mesmo acontece entre o pobre ou o rico, entre o faxineiro e o presidente da multinacional. Todos vestem branco, todos batem a cabeça no chão em sinal de humildade, todos são dignos de respeito. Pelo menos assim deveria ser em qualquer terreiro, mas não podemos ser hipócritas ao afirmar que realmente isto acontece em todas as casas de axé. Ao respeitar a homossexualidade, o gênero e a identidade de gênero, estas religiões fazem com que homossexuais, travestis e transexuais visualizem nesses espaços, a possibilidade de serem reconhecidos socialmente, terem possibilidades de vir a ser líder de uma comunidade, terem proximidades e relações com personalidades do poder público. A discriminação, seja ela por qual motivo for, é uma prática contrária aos mais básicos princípios da Umbanda como diz Pai Alberto: fazer o bem sem olhar a quem (BAYER, 2012). Infelizmente, embora sejam poucos casos, ainda predomina em alguns terreiros os princípios cristãos sobre a homossexualidade, como é o caso dos católicos-umbandistas que vemos aos montes por ai, e que espalham nos Terreiros as doutrinas e orientações do Vaticano. Não encontramos em relatos sobre a personalidade de Deus, que este faz distinção entre as pessoas, sejam os homossexuais, os heterossexuais, os democratas, republicanos, corintianos ou são paulinos. O ódio é uma emoção humana, e é difícil crer que um ser que é a causa de tudo que conhecemos, despreze ou odeie qualquer uma de suas criaturas. Se analisarmos, Deus é tão amoroso, que não odeia nem mesmo aqueles que em seu nome, pregam a violência e o preconceito. No Brasil, as religiões afro-brasileiras acabaram criando modos e formas de convivência com homossexuais, travestis e transexuais, onde possam coexistir, pois a mitologia africana cria essas possibilidades. Contudo é importante enfatizar que os orixás

7 29154 nada têm haver com a sexualidade humana. Apesar das divindades terem influência sobre seus omo-orixás (filhos de santo) no que diz respeito ao seu comportamento na sociedade. Conforme relato do Pai Jorge no site vetorial.net, Logunedé é tido como andrógeno, patrono dos homossexuais, orixá iorubano, tendo como elemento terra e água dominando rios, cachoeiras e matas. Apesar de sua história, é preciso esclarecer que Logun Edé não muda de sexo a cada seis meses, ele é um orixá do sexo masculino. Sua dualidade se dá em nível comportamental, já que em determinadas ocasiões pode ser doce e benevolente como Oxum e em outras, sério e solitário como Odé. Nada leva a crer que um iniciado ao culto de candomblé tenha tendências homossexuais ou distúrbios da identidade de gênero, influenciadas por algum orixá, seja ele masculino ou feminino. O que vale na realidade é a personalidade individual de cada pessoa, e isso não interfere nos cultos religiosos, ou seja, independente da orientação sexual dos adeptos do candomblé, a religião não interfere na intimidade sexual de seus seguidores. Os orixás sempre foram importantes na sociedade africana, sendo eles reis e rainhas e tendo por sua vez um caráter imaculado e digno de ser imitado por seus sacerdotes e seguidores. Sabemos que a homossexualidade está presente em todas as religiões, mas devido ao preconceito da sociedade esses casos são tratados com discriminação, o que inflige a legislação do nosso país que diz que todas as pessoas devem ser tratadas com respeito e dignidade. Relações de Gênero nas Religiões Afro-brasileiras Ao contrário da maioria das religiões mundiais, as relações entre os gêneros no Candomblé e na Umbanda sempre se deram com igualdade de direitos, sendo ambos respeitados em suas funções. Tanto homens quanto mulheres podem trabalhar como pais e mães de santo, Babalorixás e Iyalorixás, o maior cargo dentro destas religiões, com um mesmo grau hierárquico, o que pode mudar são as tarefas que cada um deve exercer em diferentes rituais.

8 29155 Historicamente, os homens dominam a produção do que é sagrado nas diversas sociedades. Discursos e práticas religiosas têm a marca dessa dominação. Normas, regras, doutrinas são definidas por homens em praticamente todas as religiões conhecidas. As mulheres continuam ausentes dos espaços definidores das crenças e das políticas pastorais e organizacionais das instituições religiosas. O investimento da população feminina nas religiões dá-se no campo da prática religiosa, nos rituais, na transmissão, como guardiãs da memória do grupo religioso (ROSADO e NUNES, 2005, p. 363). Os cultos, tanto da Umbanda quanto do Candomblé, são conhecidos também pelos oráculos e adivinhações, praticado por pessoas de ambos os sexos. Esses oráculos se baseiam nos mitos de fatos que ocorreram com deuses africanos, como é o caso do jogo de búzios. O terreiro Ilê Iyá Nassô (Casa de Mãe Nassô), é conhecido popularmente como Casa Branca do Engenho Velho, localizado em Salvador. Este terreiro, até onde se sabe, foi fundado no século passado por três ex-escravas iorubas, cujos nomes africanos eram Adetá, Iyakala e Iyanassô, vindas da cidade de Keto (SILVA, 1994, p. 59). Conforme texto extraído do Blog Olhos D'água da D'oxum, ao contrário da maioria das outras religiões, no Candomblé, por exemplo, existem cargos que não podem ser dados a homens e vice-versa. Sendo assim, nesta religião a mulher tem papel fundamental. Citamos aqui o cargo de Yabassé, a mulher responsável pela comida dos santos, a Ekédi, que exerce a função de Dama de Honra do Orixá regente da Casa. É dela a função de zelar, acompanhar, dançar, cuidar das roupas e apetrechos do Orixá da Casa, além dos demais Orixás, dos filhos e até mesmo dos visitantes. É uma espécie de noiva que atua sempre ao lado do Orixá e que também cuida dos objetos pessoais do Babalorixá ou Iyalorixá. Segundo o site mundo dos orixás, o cargo de Ekedi é muito importante, pois será ela a condutora dos Orixás incorporados no Egbê (barracão ou sala de festividades) e dela é a responsabilidade de recolhê-los e desvirá-los, observando as condições físicas daqueles que desviraram. As mulheres das comunidades-terreiros, do povo de Axé, vão se caracterizar por um passado de luta, determinação e resistência passando a simbolizar a mulher (...) que enfrenta adversidades e problemas de qualquer ordem, possibilitando uma autoimagem e uma auto definição: mulheres sem papas na língua, de raça, que não tem medo de nada (THEODORO, 1986, p. 183). Por conta da ampla participação feminina e negra nas religiões de matrizes africanas em geral, o discurso de ser uma religião matriarca é muito recorrente, sobretudo por que estas são lideranças religiosas e chefes de família.

9 29156 Landes (2005) foi pioneira ao falar em seu livro cidade das mulheres, sobre o matriarcado e homossexualidade nas religiões afro-brasileiras, trazendo importantes e inovadoras contribuições à época. A autora foi duramente criticada por sugerir que o Candomblé fosse uma religião de feministas e homossexuais, além de aspectos que fugiam dos cânones morais da época. Podemos imaginar o desgosto de Arthur Ramos ao ver a religião pela qual tanto lutou para preservar das variadas formas de preconceito, além de ter que suportar vêla conhecida pejorativamente como religião de negros, passar também a ser referida como religião de homossexuais (BIRMAN, 2005, p. 405). Hoje vemos na maioria das religiões, que a grande maioria da participação é feminina. No entanto, a estas não são dados cargos de chefia ou liderança, historicamente devido a um machismo que a centenas de anos se estabeleceu devido a escrituras feitas por homens que para ditar normas de controle dos povos, para serem seguidas pela sociedade da época. Por mais incrível que pareça, mesmo diante do machismo institucionalizado, as maiores religiões ainda são seguidas até os dias de hoje. Se o público de fiéis que engrossam as fileiras das instituições religiosas é majoritariamente feminino, como explicar que às mulheres ainda seja vetada a participação como ministras ordenadas na Igreja Católica e em um sem número de igrejas protestantes clássicas e pentecostais? (ORTNER E WHITEHEAD, 1981, p. 16 apud SEGATO, 2000, p. 88). As igrejas cristãs, afirmam que seus fundamentos, baseiam-se em escritas feitas por Deus e que não podem ser alteradas. Hoje os seguidores destas escrituras quando se dirigem para outras pessoas com suas formas de pensar, logo citam com frases prontas, como: está escrito que.... Frases como essa, são ditas como se aquilo que elas/eles acreditam, fosse uma lei obrigatória a todas as pessoas, inclusive aquelas que não seguem estas escrituras. Os homens, não há dúvida, podem constituir famílias, construir relações consanguíneas e de aliança a partir da assunção do estatuto de pai, mas vão depender da presença das mulheres para constituir o terreiro como um grupo doméstico, que possa abrigar seus filhos e filhas, além de ser o local onde se realizam todos os ritos e obrigações (BIRMAN, 1995, p ). Apesar do aumento de homens como sacerdotes nas lideranças, vemos ainda que as mulheres são a maior parte dos fiéis e são elas que conferem às casas a imagem das baianas que remetem às tradições. As mulheres oferecem a organização e apresentam a respeitabilidade necessária nos templos, Birman (1995).

10 29157 Mesmo em casas dirigidas por homens ou com a presença expressiva de homossexuais masculinos, as mulheres exercem o papel da organização e do cuidado com os Orixás. Também vale reforçar que independentemente de a liderança ser masculina ou feminina, os espaços dos terreiros, como são chamados os templos de tradições afrobrasileiras, são agregadores de mulheres e homens, heterossexuais e homossexuais, que manifestam sua sexualidade sem medo e sem culpa, para uma melhor forma de relacionamento com essas condições. No entanto, é importante frisar que a divisão do trabalho é organizada obedecendo à ordem de construção dos gêneros e não a orientação sexual. Reforçando as representações sociais dos papéis de gênero, ou seja, gays terão cargos masculinos, lésbicas terão cargos femininos. Em muitos terreiros do país, já se respeita também a identidade de gênero, ou seja, uma mulher transexual var exercer cargos femininos e vice-versa. Considerações Finais Este artigo designou-se a apresentar ao longo do texto, a história da presença de homossexuais nas religiões afro-brasileiras. Estes sujeitos foram excluídos do meio religioso ao longo da história, devido a influencia de valores judaico-cristãos. Verificou-se como esta influência aconteceu e porque conseguiram o respeito através de seu caráter e fidelidade à religião, sem serem vistos a partir de sua sexualidade. A maioria das casas de religião afro-brasileira, se baseiam em valores diferentes do judaico-cristão. A partir da ótica africana sobre o que são os valores éticos e religiosos, nessas casas não há influência machista nos cargos e funções. Não há nenhuma restrição para que homossexuais, travestis e transexuais possam ou não participar e serem praticantes destas religiões, isto explica o porquê de ser uma religião tão frequentada não só por homossexuais, que ao contrário do que se pensa, são pessoas muito religiosas, mas também por toda diversidade de pessoas, independente da classe social, raça, etnia, orientação sexual e identidade de gênero. Além dessas considerações, cabe ressaltar a importante presença da mulher nos cargos de liderança nas religiões afro-brasileiras, bem como, o ambiente igualitário que estas proporcionam.

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