COMO A INTERCONEXÃO DE GÊNERO E RAÇA CONTRIBUI PARA A REPRODUÇÃO DO ASSÉDIO MORAL ENTRE AS/OS TELEOPERADORAS/ES 1

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1 COMO A INTERCONEXÃO DE GÊNERO E RAÇA CONTRIBUI PARA A REPRODUÇÃO DO ASSÉDIO MORAL ENTRE AS/OS TELEOPERADORAS/ES 1 Aline Silva Rodrigues Advogada, Mestranda pelo PPGNEIM/UFBA Bolsista Fapesb alinerodrigues.adv@hotmail.com Resumo A precarização social do trabalho é demonstrada na terceirização ilegal feita pelos bancos na contratação de mão de obra nos call centers para realização do serviço bancário pelo cliente pelo telefone, com remuneração inferior e supressão de todos os benefícios da categoria bancária para as/os teleoperadoras/es. A escolha do capital por parte da classe trabalhadora para ser super explorada obedece a critérios específicos como gênero, raça e geracional. Antunes diz que no Brasil, em 2011 o contingente de infoproletários ultrapassava a casa de 1 milhão de trabalhadores, com predominância do trabalho feminino. E o perfil do público pesquisado é composto majoritariamente por mulheres negras e jovens. Foram entrevistadas/os ex-funcionárias/os de uma empresa de call center de Salvador, que presta serviço para um Banco de crédito. De acordo aos relatos das/os trabalhadoras/as estas/es sofreram assédio moral com a imposição de metas inatingíveis e principalmente com a prática gerencial abusiva de humilhações e pressões constantes visando uma alta produtividade. Destacam-se as ameaças e perseguições às mulheres teleoperadoras, desde as limitações das idas ao banheiro até as demissões de grávidas, apesar da estabilidade prevista em lei. A pesquisa pretende discutir como os aspectos de gênero e raça contribuem para a reprodução do assédio moral na categoria profissional analisada. PALAVRAS CHAVE: precarização, assédio moral, teleoperadoras, gênero, raça. INTRODUÇÃO Na contemporaneidade a precarização social do trabalho é um processo hegemônico dentro do novo padrão de desenvolvimento capitalista a acumulação flexível isto no contexto de mundialização do capital e das políticas de cunho neoliberal. Na era da acumulação flexível há uma reorganização do processo do trabalho cuja finalidade essencial, real, é a da intensificação das condições de exploração da força de trabalho (ANTUNES, p.29). Desse modo, a empresa modelo é a que tem menor contingente de trabalhadores e maiores índices de produtividade. 1 Este artigo é parte da minha pesquisa para a dissertação de Mestrado sobre o Assédio Moral às mulheres teleoperadoras em Salvador/BA.

2 Há outras repercussões dessas mudanças no processo produtivo como a imposição de condições de trabalho precárias, ameaça de desemprego estrutural, desregulamentação dos direitos trabalhistas e terceirização do trabalho humano. Segundo Druck (2013, p.3) no plano empírico a precarização social do trabalho se manifesta através dos Padrões de gestão e organização do trabalho que tem levado a condições extremamente precárias, através da intensificação do trabalho (imposição de metas inalcançáveis, extensão da jornada de trabalho, polivalência, etc.) sustentados na gestão pelo medo, na discriminação criada pela terceirização, que tem se propagado de forma epidêmica; e nas formas de assédio moral (...) Nas recentes pesquisas sobre a divisão sexual do trabalho os indicadores do trabalho precário apontam que as mulheres são mais numerosas que os homens, tanto no trabalho informal quanto no trabalho em tempo parcial. Desta forma, foram usados três indicadores em pesquisas de âmbito internacional segundo Hirata (2007, p. 26): 1) ausência de proteção social e direitos sociais, inclusive de direitos sindicais; 2) horas reduzidas que resultam em salários reduzidos, o que resulta em precariedade; 3) níveis baixos de qualificação, ausência de qualificação formal. Mulheres são particularmente atingidas pela precarização social do trabalho em razão do lugar singular que ocupam entre os assalariados de hoje, elas são maioria no comércio e serviços, portanto a precarização deve então ser correlacionada à sua composição sexuada (Hirata, 2007). Observa-se uma participação crescente das mulheres no mercado de trabalho, no setor formal e informal, bem como no setor de serviços. No entanto, é importante fazer um destaque que entre os países do Norte e Sul estabelece-se um polo constituído por mulheres executivas de profissões intelectuais superiores, e de outro, mulheres que ocupam funções tradicionalmente femininas no magistério, na saúde, no cuidado e nos serviços domésticos. O que aprofunda as desigualdades entre as próprias mulheres. Neste cenário de trabalho precarizado e desregulamentado segundo Antunes (2011, p.197) vivencia-se um aumento significativo do trabalho feminino, que atinge mais de 40% da força de trabalho nos países avançados, e que tem sido absorvido

3 preferencialmente pelo capital. O que significa um impacto negativo para as mulheres com a intensificação do trabalho, remuneração inferior, redução de direitos e práticas gerenciais abusivas como o assédio moral tudo isso será verificado na categoria analisada na pesquisa. VIOLÊNCIA LABORAL O assédio moral revela-se na atualidade como fenômeno social grave, muitas vezes ignorado e encoberto pela vergonha e pelo medo, decorre das relações de trabalho marcadas pelo autoritarismo e traz consequências para a saúde dos trabalhadores que, por muitas vezes, doentes e humilhados acabam demitidos e desempregados. Esta violência vem marcando o atual universo do trabalho tanto no Brasil quanto em outros países, e diante da sua relevância vem sendo tema de estudo em diversas áreas do conhecimento humano (AGUIAR, 2006, p. 21). Vale destacar que uma das pesquisas pioneiras do fenômeno, realizada com 350 vítimas de diversos países por Hirigoyen (2011, p. 65) que chegou ao indicador bastante expressivo de que 70% das vítimas de assédio são mulheres, o que demonstra a predominância desta violência sutil entre o sexo feminino numa escala mundial. No contexto de exploração acentuada se dá a intensificação do trabalho através da imposição de metas aos trabalhadores, independente da carga horária de trabalho, assim há bonificações ou penalidades impostas aos que não atingirem tais objetivos traçados para o grupo. Na empresa de telemarketing analisada que presta serviço para um banco de crédito há meta para as/os funcionárias/os com TMA tempo médio de atendimento, venda de produtos e serviços do banco e padrão de atendimento dentro do script. Em princípio não haveria problema algum com a fixação de metas, não fosse a forma de gerir as pessoas e cobrar o cumprimento delas. A empresa a qualquer custo impõe a/ao operador/a o cumprimento das metas, à custa de humilhações e pressão, assim se dá o assédio moral. Marie France Hirigoyen (2011, p.65) conceitua como assédio moral como Toda conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento ou atitude) que atenta,

4 por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, colocando em perigo seu emprego ou degradando seu ambiente de trabalho. Há duas características importantes do assédio moral, primeira: a regularidade, é uma violência sistemática, há uma constância de ações de assédio, ou seja, não pode ser um fato isolado, e como consequência desta, a segunda que é a intenção de desestabilizar a vítima para afastá-la do trabalho. Definido também como violência moral ou tortura psicológica, assediar moralmente, segundo Barreto (2006, p. 2), é uma: Exposição prolongada e repetitiva a condições de trabalho que, deliberadamente, vão sendo degradadas. Surge e se propaga em relações hierárquicas assimétricas, desumanas e sem ética, marcadas pelo abuso de poder e manipulações perversas. São condutas e atitudes cruéis de um(a) superior(a) contra o(a) subordinado(a) ou, mais raramente entre os colegas. Soma-se a esta situação o medo de perder o emprego, e nesta luta pela manutenção do emprego como meio de sobrevivência de si e dos familiares transformou-se, para aqueles que ainda trabalham, em prioridade máxima e fonte de sofrimento. Pois, o desemprego produz sentimentos de vazio, inutilidade, mal-estar, vergonha e fracasso (BARRETO, 2006, p. 109). Preocupação sobretudo para as mulheres, pois o número das que chefiam famílias brasileiras dobrou em uma década, saltando de 9,048 para 18,617 milhões, segundo o Censo 2010 do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, indicando que aquelas reconhecidas como responsáveis pela casa passaram de 22,2% para 37,3% entre 2000 e No relato das funcionárias na relação com a supervisão são advertidas se fizerem pausas para irem ao banheiro durante o atendimento, assim como se demorarem mais que o tempo estipulado para os intervalos intrajornada; são punidas se apresentarem atestados médicos pois perdem remuneração por produtividade; são pressionadas para atenderem no TMA e venderem produtos sob pena de demissão; e ameaçadas a todo momento com a possibilidade de demissão por justa causa se não cumprirem as metas. A maioria delas não conceitua como assédio moral, acha que é prática do(a) supervisor(a) e não uma política da empresa para produtividade. Algumas dizem que

5 suportaram um tempo e outras que se rebelaram desde o princípio porque não era justo, trabalhava certo e nunca era reconhecida. Uma reflexão importante é que o assédio moral não é uma conduta perversa individual do gestor e sim uma escolha da empresa, um modelo de gestão inserido num contexto mais amplo de intensificação da exploração do(a) trabalhador(a), de cobrar metas inatingíveis, de esgotar as possibilidades de produção no menor intervalo de tempo. PERFIL DA CATEGORIA PROFISSIONAL Numa descrição genérica, os profissionais de telemarketing são predominantemente mulheres, recebem pouco mais de um salário mínimo, possuem curso secundário ou são alunas/os de faculdades particulares, possuem competência para uso de computador, moram em bairros periféricos, maioria jovens e negras. O atendimento é realizado em ilhas de atendimento onde são alocados computadores e head sets, neste posto de trabalho as pessoas se mantém por até seis horas, com dois intervalos de 10 e um de 20 minutos. A forma de atendimento no caso da empresa pesquisada é receptivo, em que o cliente liga para fazer serviços. Todo atendimento do banco de crédito é realizado pelo telefone com os operadores: aumento de limite, pedido de cartão adicional, informação de perda ou roubo, reclamações e elogios, cancelamento e retenção, etc. É um típico caso de terceirização ilegal, pois a categoria realiza a atividade fim do banco, as/os teleoperadoras/es são de fato e de direito bancárias/os, mas são remuneradas a menor e com a supressão de benefícios previstos na convenção coletiva da categoria dos bancários, enfim é um clássico caso de precarização do trabalho. O que chama a atenção é o perfil do público, são selecionadas preferencialmente mulheres para o serviço e quem busca o primeiro emprego. Um caso relatado por uma ex funcionária da empresa que foi demitida por justa causa mesmo grávida foi o seguinte: que estava passando mal e falou com a supervisora que precisava ir ao banheiro, esta disse que não era permitido e colocou um balde de lixo para que ela vomitasse ali mesmo na operação, na frente de todos, o que foi extremamente

6 humilhante. Após várias perseguições foi demitida por justa causa arbitrariamente, mesmo protegida pela estabilidade legal. A fala comum delas é a de que os/as supervisores/as diziam que fora da empresa tinha muita gente querendo o trabalho deles, ou seja a ameaça do desemprego era constante, este é um tensionamento cotidiano. CONCLUSÃO Segundo diversas pesquisas em escala global a precarização do trabalho atinge primordialmente mulheres, jovens e negros por serem mais vulneráveis na relação de trabalho com o capital, seja pela falta de proteção legal, pela falta de formação profissional, ou pela disponibilidade de mão de obra do exército de reserva conforme Marx. Os bancos quando escolhem terceirizar o serviço, e o fazem barateando custos, também escolhem um alvo específico na classe trabalhadora, mulheres jovens e negras da periferia para se submeterem a gestões de trabalho humilhantes com metas abusivas e inatingíveis, salários medíocres e ameaças constantes de desemprego. A discussão de gênero se impõe no mundo do trabalho com destaque e não é por acaso, a categoria dos teleoperadores, por exemplo, é majoritariamente composta por mulheres e por isso pode-se dizer que suas demandas são questões de gênero. Atuando na advocacia trabalhista em Salvador/BA percebi que nesta categoria profissional havia um recorte de gênero nessa demanda jurídica, pois o relato dos clientes é comum quanto à forma de gestão da empresa de call center: pressão, humilhação e possível demissão são recursos usados para cobrar resultados na atividade. Nem sempre é possível na ação trabalhista provar o assédio moral, falta a previsão legal, faltam provas muitas vezes, e principalmente falta a razoabilidade de quem julga para perceber que não é algo que está no plano subjetivo somente, mas que atinge objetivamente a dignidade da/o trabalhador/a. Entretanto, há muitos juristas que acreditam que esta forma de gerir à base do assédio está dentro do que a lei prevê que é o poder de direção e/ou hierárquico da empresa, algo que o/a empregado/a está sujeito/a, e

7 por isso em tese estaria legitimado para fazê-lo. Então, por muitas vezes advogar para o assediado é tarefa inglória, pois que encontra magistrados legalistas, conservadores e a priori pró capital. Por isso a decisão de ouvir as trabalhadoras, seu relato de vida profissional, avaliar como percebem a relação promovida pela empresa para com elas, do discurso de quem supervisiona suas atividades e de como respondem a isso. Acredito que é mais do que o que estaria nos autos dos processos, é saber de como funciona a relação de trabalho com o olhar e o sentir da mulher, negra e da periferia dito, e por que não, ouvido, por ela mesma. REFERÊNCIAS AGUIAR, André Luiz de Souza. Assédio Moral: o direito à indenização pelos maus tratos e humilhações sofridos no ambiente de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTR, ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho. 15. ed. São Paulo: Cortez, As novas formas de acumulação de capital e as formas contemporânea do estranhamento (alienação) Caderno CRH Salvador, n. 37, p , jul./dez BARRETO, Margarida M. S. Uma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC, DRUCK, Graça. BANCÁRIO: Um emprego de múltiplos riscos Caderno CRH Salvador, n.37, p , jul./dez Flexibilização e Precarização: formas contemporâneas de dominação do trabalho Caderno CRH Salvador, n.37, p , jul./dez Precarização social do trabalho. Verbete do Dicionário Temática Desenvolvimento e Questão Social, IVO Anete (Coord.) et. al. Ed. Annablome, FIGUEREDO, Patrícia. Assédio moral contra mulheres nas organizações. São Paulo, Cortez, GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.

8 GODOY, A. S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. In: Revista de Administração de Empresas. São Paulo: v.35, n.2, p , abril 1995 HARVEY, David. A condição pós moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola,1992. HIRATA, Helena. A Precarização e a Divisão Internacional e Sexual do Trabalho Sociologias Porto Alegre, ano 11, n. 21, p.24-41, jan./jun Nova divisão sexual do trabalho? Um olhar voltado para a empresa e a sociedade. São Paulo: Boitempo, HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, MARTINS, Gilberto de A., THEÓPHILO, Carlos R.. Metodologia da Investigação Científica para Ciências Sociais Aplicadas. 2. ed. São Paulo: Atlas, SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mitos e realidades. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, SOUZA LOBO, Elisabeth. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência. 2 ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2011.