Profissão Perpétua. Seminário Nossa Senhora de Fátima 13 de Setembro de 2014

Transcrição

1 Profissão Perpétua Seminário Nossa Senhora de Fátima 13 de Setembro de 2014 Primeira Leitura: Gen. 12, 1-4a Salmo: Sl. 39, 2ab e 4ab.7-8a.8b-9.10 e 12 Segunda Leitura: Ef. 1, 3-14 Evangelho: Lc. 11, Uma resposta que assenta na fé HOMILIA Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai par a terra que Eu te indicar... Abraão partiu como o Senhor lhe tinha ordenado (Primeira Leitura). Logo de seguida o texto bíblico refere que Abraão tinha 75 anos. Como é que se compreende que Abraão, depois de uma vida longa, possuindo uma família, rebanhos, escravos, uma casa, uma terra para viver, bens em abundância, deixe tudo e se meta a caminho do desconhecido para uma terra que Deus lhe há-de indicar? A resposta encontramos séculos mais tarde, na Carta aos Hebreus: Pela fé, Abraão, ao ser chamado, obedeceu e partiu para um lugar que havia de receber como herança e partiu sem saber para onde ia. Pela fé, Abraão estabeleceu-se como estrangeiro na Terra Prometida, habitando em tendas, tal como Isaac e Jacob, co-herdeiros da mesma promessa, pois esperava a cidade bem alicerçada, cujo arquitecto e construtor é o próprio Deus. Pela fé, Abraão, quando foi posto à prova, ofereceu Isaac, e estava preparado para oferecer o seu único filho, ele que tinha recebido as promessas e a quem tinha sido dito: Por meio de Isaac será assegurada a tua descendência (Heb. 11, 8-17). Foi, portanto, a fé que fez Abraão abandonar-se completamente nas mãos de Deus. Abraão tinha apenas uma garantia: a bênção de Deus para si e para os seus: Abençoar-te-ei ; abençoarei aqueles que te abençoarem ; todas as famílias da terra serão em ti abençoadas. E havia também uma promessa: Farei de ti um grande povo. Porém, uma promessa impossível de se concretizar aos olhos humanos: Abraão tinha 75 anos e Sara, sua esposa, era também de idade avançada... Pela narrativa bíblica sabemos que Isaac, o filho da promessa, nasceu 25 anos mais tarde...

2 Tudo isto só é possível pela fé. A mesma Carta aos Hebreus dá-nos uma bela definição de fé: A fé é garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se vêem (Heb. 11, 1). Foi na certeza destas garantias invisíveis ao olhar humano que Abraão aceitou o mandato do Senhor e decidiu pôr-se a caminho. Estamos hoje aqui reunidos nesta celebração onde os nossos confrades Antonino, Igor e Jorge vão fazer a Profissão Perpétua. Um acontecimento importante na vida destes jovens que nós vamos testemunhar, viver intensamente esta celebração e rezar por eles. Há uns anos atrás o Senhor passou no caminho das vossas vidas. Na altura éreis ainda muito jovens. Cada um de vós deu a sua resposta: deixou a casa dos pais, a terra, os amigos, a escola e veio para o Seminário. Ao longo destes anos, cada um de vós, com ajuda dos formadores e de muitas outras pessoas que foram instrumentos de Deus nas vossas vidas, procurou discernir melhor o chamamento, fundamentar a resposta, libertar-se dos obstáculos, purificar as dúvidas, solidificar as intenções. E hoje, passados muitos anos desde o primeiro SIM, aqui estais dispostos e disponíveis para dizer um SIM definitivo, perpétuo ao Senhor. Este SIM que ides dar interpela o mundo de hoje e suscita questões: - Como é possível um jovem pujante, cheia de vida, inteligente, bonito, com tantas possibilidades pela frente, embarcar num projecto destes? - Como é possível viver sem amar alguém, constituir familiar, sonhar com um lar feliz e abençoado? - Como é possível viver desprendido dos bens, das coisas, despreocupado em relação ao dinheiro, ao ter com que vestir e com que comer? - Como é possível pôr de parte os sonhos, os projectos os ideais pessoais? - Como é possível, no fundo, assumir para toda a vida os votos de castidade pobreza e obediência? Estas e muitas outras questões cada um de vós certamente que as colocou a si próprio ao longo deste caminho de discernimento. São questões que de igual modo o mundo levanta porque, de facto, dizer SIM a Deus não é

3 uma linguagem entendida por todos. O mundo funciona noutros parâmetros e caminha noutras direcções onde não é possível encontrar a respostas para estas perguntas. E porque assim é, não faltarão na vossa vida, momentos, pessoas, circunstâncias que queiram arrastar para o NÃO este vosso SIM que ides dar com toda a generosidade e alegria do vosso coração. Onde assenta então este projecto, este caminho que Deus vos propõe? Onde está o sustento para o caminho que ides trilhar? A FÉ é a base de tudo isto. Nada se mantém, nada se consegue sem a fé. Deste modo se compreende muito bem a razão de ser da Primeira Leitura que escolhestes para esta celebração: Pela fé, Abraão, ao ser chamado, obedeceu e partiu. Pela fé, Abraão estabeleceu-se como estrangeiro na Terra Prometida, habitando em tendas, pois esperava a cidade bem alicerçada, cujo arquitecto e construtor é o próprio Deus. Pela fé, Abraão, quando foi posto à prova, ofereceu Isaac, e estava preparado para oferecer o seu único filho (Heb. 11, 8-17). É pela fé que podeis encontrar a força, a alegria, a coragem, a felicidade para seguir neste caminho de consagração perpétua que hoje começais a percorrer. Acolhei sempre nas vossas vidas o apelo da Carta aos Hebreus: Tende os olhos postos em Jesus, autor e consumador da fé (Heb. 12, 2), nada vos faltará e tudo será possível. A nossa Regra de Vida aponta também a fé como condição necessária para seguir a Cristo em castidade, pobreza e obediência: Recebemos o dom da fé que dá fundamento à nossa esperança; uma fé que orienta a nossa vida e nos inspira a deixar tudo para seguir a Cristo; no meio dos desafios do mundo, devemos consolidá-la, vivendo-a na caridade (Cst. 9). Crer é confiar, é permitir, é aderir, é entregar-se, é amar. Crer é caminhar na presença de Deus (Gen. 17, 1), como Abraão. A fé é uma atitude que agarra, envolve toda a pessoa: a sua confiança, a sua fidelidade, a adesão da mente e do coração. Compromete a história inteira daquele que acolhe este dom de Deus.

4 É desta fé que todos nós vivemos desde o dia o nosso baptismo. É esta fé que é também o fundamento da vossa e nossa consagração. Na fé dizemos as palavras do Salmo que cantámos: Eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade (Salmo). 2. Tudo vem de Deus A segunda leitura escolhida para esta celebração põe à nossa consideração um aspecto essencial para compreender a nossa vocação de consagrados: A resposta da fé é dada por cada um de nós, mas não devemos pensar que tudo depende de nós, ou que somos os melhores, ou que o que fazemos assenta exclusivamente nas nossas forças e capacidades humanas e espirituais. Um projecto de vida consagrada assim pensado, estaria condenado ao fracasso e à infelicidade. O hino de S. Paulo na Carta aos Efésios (Segunda Leitura) aponta-nos o centro e o fundamento da nossa resposta de fé: Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto dos Céus nos abençoou com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo. E mais adianta o apóstolo acrescenta: Segundo a riqueza da sua graça, deu-nos a conhecer o mistério da sua vontade. E S. Paulo conclui: Foi n Ele que vós também, depois de ouvirdes a palavra da verdade, o Evangelho da vossa salvação, abraçastes a fé e fostes marcadas pelo Espírito Santo. Ou seja, esta vocação de eleição vem-nos por Jesus Cristo, é obra do desígnio de Deus e só é possível pela força do Espírito santo que actua nos nossos corações. Parece-me importante sublinhar esta percepção do chamamento à vida cristã, e por conseguinte do chamamento à vida consagrada, porque é essencial compreendermos que tudo vem de Deus e que só em Deus tudo subsiste e se realiza em caminho feliz de salvação. Num mundo que nos habituou às respostas rápidas e eficientes; num mundo que confia nas coisas, na tecnologia, na ciência; num mundo com a tendência para esquecer Deus, este hino de S. Paulo recorda-nos o lugar de Deus na história dos homens desde as origens, para nos tornar seus filhos adoptivos e herdeiros dos bens eternos.

5 3. Escutar e viver a Palavra de Deus No Evangelho Jesus interpela-nos com esta bem-aventurança: Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática (Evangelho). O caminho de vida consagrada é um caminho de felicidade. Felicidade que não nasce dos bens que se tem, nem de outros atrativos do mundo, mas uma felicidade que nasce do escutar a palavra de Deus e colocá-la em prática. Este ensinamento de Jesus é um louvor à sua Mãe, como aquela que escuta e vive a Palavra de Deus. Recorda-nos a atitude de Maria que escutava e guardava os acontecimentos no seu coração (Lc. 2, 19). Recordar-nos também o louvor dirigido por Isabel a Maria: Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que foi dito da parte do Senhor (Lc. 1, 45). Ora, este ouvir, escutar a Palavra de Deus supõe o silêncio, a interioridade, a oração. A Regra de Vida instrui-nos sobre esta premência na nossa vida de consagrados: Escutamos com predilecção a Palavra de Deus (Cst. 17); Escutamos com frequência a Palavra de Deus (Cst. 77). Esta atitude humilde de quem se inclina para escutar e meditar a Palavra fortalece a nossa amizade com Cristo e purifica o nosso coração, une-nos mais intimamente aos mistérios da vida de Jesus e cria em nós um espírito renovado pelos ensinamentos do Mestre. É uma atitude fundamental para progredir e sermos santos e irrepreensíveis na caridade (Segunda Leitura), que é objectivo fundamental da vida cristã. Dóceis à Palavra, renovamos em cada dia o nosso SIM e a nossa oblação, unida à oblação de Cristo: Por graça especial de Deus, somos chamados na Igreja a procurar e a realizar, como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo (Cst. 26). Não basta ser ouvinte da Palavra de Deus. É necessário pô-la em prática como também nos refere o apóstolo S. Tiago: Recebei com mansidão a Palavra em vós semeada, a qual pode salvar as vossas almas. Mas tendes de a pôr em prática e não apenas ouvi-la, enganando-vos a vós mesmos. Porque, quem se contenta com ouvir a palavra, sem a pôr em prática, assemelha-se a alguém que contempla a sua fisionomia num espelho; mal acaba de se contemplar, sai dali e esquece-se de como era. Aquele, porém, que medita com atenção a lei

6 perfeita, a lei da liberdade, e nela persevera - não como quem a ouve e logo se esquece, mas como quem a cumpre - esse encontrará a felicidade ao pô-la em prática (Tg. 1, 21-25). Pôr em prática a Palavra de Deus, significa ter em nós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus (Fl 2, 5). Como eleitos de Deus, santos e amados, revesti-vos, pois, de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, fazei-o vós também. E, acima de tudo isto, revesti-vos do amor, que é o laço da perfeição (Col. 3, 12-17). Pôr em prática a Palavra de Deus, é reafirmar, a exemplo de Cristo, a nossa opção preferencial pelos pobres, aqueles a quem faltam razões de viver e de esperança (Cst. 52), como nos lembra a Regra de Vida: É também na disponibilidade e no amor para com todos, especialmente para com os pequenos e os que sofrem, que viveremos a nossa união a Cristo. Como poderíamos, efectivamente, compreender o amor que Cristo nos tem, a não ser amando como Ele em obras e em verdade? (Cst. 18). A vida consagrada assim assumida é, sem dúvida, um sinal para o mundo. Queremos, com a graça de Deus, pela nossa vida religiosa, dar um testemunho profético, empenhando-nos sem reserva no advento da nova humanidade em Jesus Cristo (Cst. 39). Caros Antonino, Igor e Jorge, que o Senhor que vos chamou vos ajude também a realizar tão belo projecto de vida. Que a experiência de fé do Padre Dehon, alimentada na docilidade à Palavra de Deus inspire a vossa entrega total a Cristo. Zeferino Policarpo, scj superior provincial