o meu trabalho e resultante das reflexoes que

Transcrição

1 A APRENDIZAGEM DE LfNGUA PORTUGUESA NA 5~ S~- RIE DO ENSINO DE PRIMEIRO GRAU: UMA EXPERIBNCIA E PRIN- CfPIOS PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO. Esta comunicacao pretende expor as linhas gerais de minha dissertacao de mestrado recentemente defendida. o meu trabalho e resultante das reflexoes que venho fazendo ao longo de minha carreira como professor de Lingua Portuguesa em escolas dos Estados de Minas G~ rais e de Sao Paulo. Pela observacao diuturna das atitu des de meus alunos do ensino de primeiro e segundo graus. hoje posse afirmar que a escola nao tem consegu! do preencher com eficiencia a quadro de expectativas. necessidades. interesses e gostos que cercam 0 aprendiz ao longo do processo de ensino-aprendizagem da lingua materna. As atividades programadas para 0 ensino de Lingua Portuguesa continuam sendo as mesmas no decorrer dos anos. Os livros didaticos. na sua grande maioria. preocupam-se. tao somente. com a garantia de um mercado de vendas e os professores nao tem procurado refletir sobre a sua propria atuacao no sentido de saber 0 que estao fazendo realmente com 0 ensino da lingua e sobre o que esta acontecendo com os seus alunos no processo

2 de expansao de suas habilidades linguisticas. A constata~ao a que se chega com facilidade e que 0 aluno, apos ser alfabetizado, chegaria, de uma forma ou de outra, a expandir 0 seu potencial linguistl co independentemente do trabalho do professor de Portugues. Is50 significa que a atua~ao do professor tern sido tao inadequada que muito pouco tem colaborado para conduzir 0 aluno ao dominio das habilidades de ler e produzir textos. A falha do ensino de Lingua Portuguesa na escola brasileira reside principalmente na falta de percep~ao do fenomeno da varia~ao linguistica, ou seja, 0 professor nao tern sabido tratar de forma adequada 0 pr blema da diferencia~ao linguistica, ignorando que 0 sis tema linguistico comporta diferentes variantes e que 0 prestigio maior de uma delas e apenas uma questao social. Em assim sendo, 0 ensino de Lingua Portuguesa tern sido tao somente corretivo no sentido de que apenas tern procurado corrigir padroes linguisticos adquiridos pelo aprendiz em seu proprio meio ambiente, rejeitando esses padroes, sem conseguir, entretanto, ensinar de forma eficiente 0 dominio de novos padroes que julga ser os unicos que mere~am ser prestigiados. Apesar de todo 0 avan~o das ciencias da linguagem, 0 ensino de lingua materna tem continuado no mesmo diapasao de sempre, isto e, a escola nao tern sabi do fazer uso das teorias linguisticas e da aprendizagem

3 para facilitar 0 crescimento linguistico e cultural dos alunos. No ensino de Lingua Portuguesa. em vez de criar condicoes para que 0 aluno adquira 0 dominio das estruturas da variante-padrao. aproveitando 0 conhecimento que ele ja tem da lingua. a escola tem simplesmente rejeitado esse conhecimento. anulando-o. para impor uma nova forma de expressao. criando no aluno um verdadeiro complexo de inferioridade linguistica. Falta ao professor de Lingua Portuguesa perc~ ber que ensinar a lingua nao e tentar fazer do aluno um linguista ou um gramatico. mas sim conduzi-io a aprender a observar e a refletir sobre os fatos da lingua. a perceber como 0 sistema linguistico funciona para dai poder extrair todas as possibilidades de uso que a lingua the oferece. Os cursos de Letras do pais tem que refletir sobre a sua atuacao e responsabilidade no sentido de formar professores de primeiro e segundo graus que saibam conduzir de forma produtiva 0 processo de ensinoaprendizagem da Lingua Portuguesa. 0 que se tem constatado e que professores recem-formados procuram apenas imitar a maneira de agir de professores mais antigos das escolas onde atuam. como se nao tivessem recebido uma formacao academica capaz de lhes fornecer possibil! dades de renovacao das praticas de ensino que sao rotineiras no ensino. o ensino prescritivo dominante nas atividades

4 de ensino ja nao tern mais razao de ser para uma client~ la escolar tao diversificada linguisticamente. A grande maioria dos alunos que frequentam atualmente as nossas escolas falam uma variante de lingua que nao e a presti giada pela escola. Os proprios falantes dessa variante nao-padrao tern consciencia de que 0 fate de falarem uma variante nao prestigiada nao representa urn obstaculo a sua comunica~ao diaria em seu meio. 0 que ocorre, porem, e que on de 0 aluno percebe diferen~a linguistica, a escola ve deficiencia, 0 que sugere carencia, anormalidade: dai 0 predominio do ensino prescritivo e proscritivo utilizado como uma forma de suprir aquilo que a escola considera deficit linguistico dos alunos. Em vez de enriquecer a crian~a pelo dominio de habilidades lin guisticas ainda nao adquiridas, a escola e empobrece, porque, alem de nao ensinar a variante-padrao da lingua, deixa a crian~a numa situa~ao confusa, porque lhe faz ver que a lingua que fala nao tern prestigio, mas nao e capaz de Ihe ensinar a lingua que considera a 6ni ca de valor. A continuar dessa forma, e preferivel que a escola reconhe~a a sua incompetencia e deixe que os alunos continuem falando a lingua adquirida de forma es pontanea no seu grupo social. As descobertas feitas neste meu trabalho corroboram a tese de que nao existem deficiencias linguisticas por parte dos aprendizes, mas sim diferencas linguisticas entre a variante-nao-padrao da lingua de

5 maior parte dos alunos e a variante-padrao da lingua e objetivos de educacao lingulstica devem visar ao acrescimo de novas estruturas linguisticas e nao a anulacao de estruturas por eles ja dominadas. Minha dissertacao focaliza em primeira lugar a situacao atual do ensino de Lingua Portuiuesa na esc la brasileira, demonstrando a sua ineficiencia e procu rando apontar as causas. Depois, tenta mostrar, de um lado, a fragilidade cientifica da teoria do deficit linguistico e, de outro, a validade da teoria da diferenca linguistica. A seguir relata uma experiencia de ensino rea lizada com uma turma de vinte e seis alunos de 5~ serie do ensino de primeiro grau, utilizando uma reproducao escrita de urntexto narrativo curto feita em sala de aula no inicio e no final do ana letivo, como instr~ mento de afericao do grau de melhoramento do dominio linguistico do aluno como consequencia de todo 0 proce! so de ensino-aprendizagem a que ele foi submetido. Analisando 0 conjunto dos textos produzidos pelos alunos, cheguei a constatacao de que 0 treinamento desenvolvido ao longo do processo que tive oportunidade de orientar foi inteiramente valido. Finalmente, apresento uma proposta de ensino que focaliza 0 texto como ponto de partida e de chegada de todo 0 processo de ensino-aprendizagem da lingua materna, dando enfase aquilo que acontece com 0 aluno

6 qu~ndo recebe e quando produz textos. Nesse proposta a funcao basica do professor e ensinar como se Ie e como se produz 0 texto em busca do que dizer e do como dizero Cabe ao professor conduzir 0 aluno a fazer textos que falem de textos, instrumentalizando-o para ocupar adequadamente urn espaco na sua comunidade, agindo para a sua transformacao. Esta proposta de ensino preconiza urn trabalho eficiente da escola no sentido de ampliar a competencia linguistica do aprendiz, ensinando-ihe da melhor forma a variante-padrao da lingua sem estigmatizar a variante linguistica que ele adquiriu em seu meio ambiente, fazendo dele, assim, urn poliglota dentro da propria lingua, 0 que constitui urn enriquecimento pessoal capaz de facilitar a mobilidade social. o fato de uma determinada clientela escolar ser falante de uma variante nao-padrao da lingua apenas atesta a riqueza do proprio sistema linguistico que pe mite diferentes formas de expressao e isso na~ deve ser vir de motivo para que sejam criadas no ensino situacces constrangedoras e humilhantes para os aprendizes. Pelo contrario, a variante linguistica de dominio do aluno e 0 seu universo cultural e que devem constituir o material necessario para a programacao de atividades significativas de ensino da lingua: Ensinar a lingua i~ plica acrescentar 0 dominio de novas estruturas lingui~ ticas aquelas ja adquiridas pelo aprendiz, 0 que na~

7 significa apagar ou rejeitar as habilidades que 0 apre~ diz ja traz incorporadas ao seu saber quando vem para a escola. Para a implementacao de uma proposta de ensino que seja produtiva, exige-se uma mudanca de mentalidade do professor de Lingua Portuguesa. Ele nao pode continuar sendo, como sempre foi, apenas 0 professor de regras de bem dizer e bem escrever frases soltas, mas sim 0 professor de texto, aquele que leva 0 aluno a ampliar a sua competenc ia. textual, ou seja, a sua capacidade de produzir text os bem formados que the permit am fazer-se presente em todas as situacoes em que a lingua seja 0 instrumento adequado para a sua acao. D meu trabalho tentou mostrar que cada aluno e uma individualidade e, como tal, tem expectativas, i~ teresses e necessidades proprios, bem como mecanismos peculiares de assimilacao de conteudos ministrados pela escola. Dai a importancia do trabalho de acompanhamento e orientacao por parte do professor para que 0 aluno construa passe a passe 0 seu saber linguistico. Mas para 0 desempenho eficiente dessa funcao de mediador da aprendizagem do aluno e necessario que 0 professor tenha condicoes profissionais adequadas. Ha que se pensar num estatuto profissional digno que permi ta ao professor de lingua materna usufruir de condicoes adequadas para 0 seu trabalho. D professor de Lingua Portuguesa costuma ser 0 mais exigido, 0 mais cobrado,

8 no organismo escolar, dele exigindo-se 0 cumprimento de tarefas e 0 alcance de resultados que se refletem na aprendizagem de todas as demais disciplinas e areas do ensino. Urge que as pessoas responsaveis pela politica educacional do pais reflitam mais seriamente sobre os problemas do ensino da lingua materna nao apenas para culpar os professores pelo fracasso do ensino, mas para criar condicoes adequadas de formacao e de exercicio profissional dos docentes que se encarregam da educacao linguistica dos alunos de todas as camadas socia is do pais. NOTA:- A dissertacao de mestrado da qual essa comunjcacao pretendeu ser uma sintese foj defendida no dia 23 de outubro de 1986 no ILCSE-UNESP-Araraquara.