DEFICIÊNCIA DO COMPLEXO PIRUVATO DESIDROGENASE
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- Osvaldo Baltazar Azenha Peres
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1 DEFICIÊNCIA DO COMPLEXO PIRUVATO DESIDROGENASE Uma criança do sexo masculino, nascida a termo, não estava ganhando peso, tinha episódios de vômitos e apresentou acidose metabólica no período neonatal. Ao exame físico aos 8 meses mostrou uma deficiência no desenvolvimento, hipotonia, pequena massa muscular, severo retardo no desenvolvimento mental e uma acidose persistente (ph do sangue 7,00 a 7,20; normal: 7,35-7,45). As concentrações de lactato (9mM; normal: 0,5-2,2mM), piruvato (2,4mM; normal: 0,03-0,08mM) e alanina (1,36mM; normal: 0,39-0,47mM) no sangue estavam muito aumentadas. Como essas alterações sugerem um defeito genético no metabolismo do piruvato, amostras de sangue e biopsias da pele (fibroblastos), foram enviadas para um laboratório de diagnóstico de doenças mitocondriais de origem genética. Os testes de atividades das enzimas da cadeia respiratória apresentaram valores normais, entretanto os resultados da avaliação da atividade enzimática do complexo piruvato desidrogenase, mostraram uma redução significativa na atividade do complexo piruvato desidrogenase tanto nos linfócitos obtidos do sangue periférico, como também na cultura de fibroblastos. Além disso, a medida da atividade individual das enzimas do complexo sugere uma deficiência na subunidade da primeira enzima do complexo (E1, piruvato descarboxilase). Os resultados estão sumarizados na tabela abaixo. Atividade residual do complexo piruvato desidrogenase em linfocitos sanguineos e cultura de fibroblastos da pele Componente Enzimático Atividade Residual (% do normal) Linfócitos Fibroblastos PHD (atividade total) 55% 28% E1 (piruvato descarboxilase) 34% 10% E2 (dihidrolipoil transacetilase) Normal Normal E3 (dihidrolipoil desidrogenase) Normal Normal
2 QUESTÕES 1. Por que as concentrações de piruvato, lactato e alanina estavam anormalmente altas? 2. Neste paciente, como estariam os destinos alternativos do piruvato? E a via gliconeogênica? 3. Quais são as coenzimas do complexo PDH 4. Baseando-se na figura 3, como estaria o controle do complexo PDH durante uma refeição e no jejum? 5. O que é dieta cetogência. O que se espera desta dieta neste paciente? REFERÊNCIAS 1. Fuerhlein, B.S. et al. (2004) Differential metabolic effects of saturated versus polyunsaturated fats in ketogenic diets. J. Clin. Endocrinol. Metabo. 89: Holness, M.J.; Sugden, M.C. (2003) Regulation of pyruvate dehydrogenase complex activity by reversible phosphorilation. Biochem. Soc. Trans. 31: Zhou, Z.H. et al. (2001) The remarkable structural and functional organization of the eukaryotic pyruvate dehydrogenase complexes. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 98: De Meirleir, L. et al. (1993) Pyruvate dehydrogenase deficiency: clinical and biochemical diagnosis. Ped. Neurol. 9: Jackson, D.W.; Hays, W.S. (1997) Pyruvate dehydrogenase complex deficiency. Em Glew, R.H.; Ninomiya, Y. (eds) Clinical studies in Medical Biochemistry. Oxford 6. Stacpoole, P.W.; Gilbert, L.R. (2007) Pyruvate dehydrogenase complex deficiency Em Glew, R.H.; Rosenthal, M.D. (Eds.) Clinical studies in Medical Biochemistry. Oxford. Third Edition. 7. Champe, P.C. (2006) Bioquímica Ilustrada. 3a. edição. ArtMed. 8. Campbell, M. (2000) Bioquímica. 3ª. Edição. ArtMed Fundamentação Bioquímica Para entender as conseqüências neurológicas e metabólicas da deficiência do complexo piruvato desidrogenase, é necessário analisar: 1. O metabolismo do piruvato
3 2. O papel do complexo piruvato desidrogenase no metabolismo dos carboidratos, lipídeos e aminoácidos (fig.1) 3. A dependência do sistema nervoso central da glicose e produção aeróbica de energia O complexo piruvato desidrogenase (PDH) é um complexo multienzimático localizado na membrana interna da mitocôndria. O piruvato originado da glícolise é convertido em acetil-coenzimaa (CoA) na mitocôndria via o complexo piruvato desidrogenase (PDH) como mostra a figura 1. Em geral, este passo ocorre quando os níveis intracelulares de acetil-coa, ATP e NADH estão baixos. O acetil-coa produzido pelo complexo piruvato desidrogenase alimenta o ciclo de Krebs e as moléculas reduzidas na forma de NADH e FADH2, geradas pelas reações catalisadas pelo complexo PDH e por várias desidrogenases no ciclo de Krebs, fornecem elétrons para a cadeia respiratória com a redução do oxigênio molecular na forma de água e síntese de ATP (Fig. 1). O piruvato originado do esqueleto de carbonos dos aminoácidos é carboxilado pela enzima mitocondrial piruvato carboxilase produzindo oxaloacetato (fig. 1). Este é o primeiro passo na gliconeogenese o qual ocorre exclusivamente no fígado e nos rins. A deficiência na atividade enzimática do complexo piruvato desidrogenase (PDH), limita a quantidade de acetil-coa disponível para entrar no ciclo de Krebs, com isto, reduz a quantidade de NADH e FADH2 e conseqüentemente reduz a quantidade de ATP gerado na cadeia transportadora de elétrons, dependente da fosforilação oxidativa. Enquanto o cérebro tem uma demanda constante de ATP oriundo da glicolise e do complexo piruvato desidrogenase, os tecidos periféricos na ausência de glicose podem usar uma variedade de substratos como combustível para o ciclo de Krebs (por ex. ácidos graxos). Esta dependência do cérebro pela glicose é a base para as alterações do sistema nervoso central na deficiência do complexo piruvato desidrogenase. O complexo piruvato desidrogenase apresenta um peso molecular de 8,5x10 6 Dalton e apresenta 3 atividades enzimáticas. A piruvato desidrogenase também conhecida como piruvato descarboxilase (E1), a diidrolipoil transacetilase (E2) e a diidrolipoildesidrogenase ou lipoamida desidrogenase (E3). A enzima E1 apresenta 30 subunidades formando um tetrâmero α2β2 com e Dalton para a α e a β respectivamente. A E2 é um monômero com peso molecular de Dalton e composta de 60 subunidades. A E3 é um dímero α2 com Dalton de peso molecular para cada subunidade e possui 6 subunidades e uma proteína X, com Dalton e está envolvida na ligação da E3 ao complexo. As etapas das reações de transformação do piruvato a acetil-coa, são mostradas na figura 2. O piruvato é descarboxilado pela enzima piruvato decarboxilase (E1) na presença da coenzima pirofosfato de tiamina (TPP). O complexo resultante hidroxietil- TPP reage com a lipoamida oxidada (LipS2), que é o grupo prostético da enzima dihidrolipoamida transacetilase (E2), foramando o acetil lipoamida. Este intermediário reage com a coenzima A (CoASH) produzindo o acetil-coa e lipoamida reduzida (LipSH2). O ciclo da reação termina quando a lipoamida reduzida é re-oxidada pela flavoproteina dihidrolipoamida desidrogenase (E3). Finalmente a flavoproteina reduzida (FADH2) é oxidada pelo NAD+, formando o NADH2 que é transferido para a cadeia respiratória.
4 O complexo piruvato desidrogenase permanece inativo entre as refeições e no jejum, com exceção do cérebro onde o complexo esta permanentemente ativo obtendo ATP a partir da glicose. O controle que mantém o complexo piruvato desidrogenase (PDH) na forma ativa ou inativa é resultante do processo de fosforilação/defosforilação de resíduos de serina no sitio catalítico da Enzima E1. A fosforilação do complexo piruvato desidrogenase pela enzima PDH quinase torna o complexo inativo. Esta quinase é estimulada pelas concentrações de acetil-coa, ATP e NADH (fig. 3). Por outro lado, a ativação do complexo é desencadeada pela defosforilação da forma inativa, realizada pela enzima PDH fosfatase. Esta enzima é estimulada pela alta concentração de cálcio intramitocondrial, resultante do aumento da concentração de insulina circulante. A deficiência do complexo piruvato desidrogenase é uma doença metabólica heterogênea, cujo desenvolvimento pode ir desde uma acidose lática neonatal fulminante até o desenvolvimento progressivo de alterações no sistema nervoso central. A causa mais freqüente são mutações que ocorrem no gene E1α localizado no cromossomo X. Estas mutações determinam alterações na atividade da enzima piruvato descarboxilase (E1). No homem que apresenta somente um cromossomo X, dependendo da mutação pode ocorrer a perda total da atividade do complexo e apresentar uma forma fatal da deficiência. Na mulher que apresenta dois cromossomos X, um alelo estando normal, geralmente ela desenvolve uma forma de deficiência neurológica crônica. Em adição às mutações no gene E1α, menos freqüentemente podem ocorrer mutações nos genes para as enzimas E2, E3 e mesmo na proteína X. Não existe uma terapia eficaz para pessoas que apresentam deficiência do complexo priruvato desidrogenase. Atualmente, a estratégia mais utilizada é uma combinação de uma dieta alimentar especifica combinada com a administração de algumas drogas. Pacientes com deficiência do PDH não oxida carboidratos eficientemente e a maioria do piruvato produzido é desviado para formar lactato. Nestes casos, a introdução de uma dieta rica em gorduras que induz a cetogênese promove uma fonte alternativa de acetil-coa a partir dos corpos cetônicos, especialemte para o cérebro que passa a utilizar os corpos cetônicos para o seu metabolismo energético. Paralelamente, a administração de altas doses (2g/dia) de tiamina beneficia alguns pacientes, pois o pirofosfato de tiamina (TPP) é um cofator obrigatório para a enziam E1. O dicloro acetato (DCA) é uma droga que esta sendo investigada em detalhes para o tratamento da deficiência do PDH. Esta droga é um inibidor da piruvato desidrogenase quinase, conseqüentemente mantém o complexo PDH na sua forma defosforilada que é a sua forma cataliticamente ativa. O racional para o uso do DCA é que estimularia a atividade residual da enzima E1 em pacientes com deficiência parcial do complexo PDH, como nos heterozigotos. Recentemente, alguns estudos estão sendo realizados para avaliar o potencial da transferência gênica (terapia gênica) para defeitos no gene que expressa a enzima E1.
5 Figura 1 As relações entre o metabolismo do piruvato, lipídeos, carboidratos e alanina (modificado da ref. 4) Figura 2 Etapas das reações do complexo piruvato desidrogenase (PHD) (mod. da ref. 6) Figura 3 Mecanismo de controle do complexo piruvato desidrogenase (modificado da ref. 7)
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