Um pouco mais sobre desenvolvimento social e os Transtornos do Espectro Autista
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- Antônio Luiz Gustavo Assunção Rodrigues
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1 Um pouco mais sobre desenvolvimento social e os Transtornos do Espectro Autista scencia.com.br
2 O desenvolvimento social ocorre ao longo de todas as etapas do ciclo vital. Entretanto, nas fases da infância e adolescência, acontece o auge desse aprimoramento. Esse processo envolve aspectos cognitivos, afetivos e ambientais interagindo de forma contínua ao longo da vida. Por um lado, a capacidade cognitiva de memória, linguagem e raciocínio lógico atua, por exemplo, na distinção de rostos familiares, na maneira como inferimos as emoções alheias, bem como na forma com que resolvemos nossos impasses sociais. De outro lado, o ambiente, tal como os contextos escolar e familiar constituem-se como importantes modelos, capazes de ensinar à criança uma série de comportamentos sociais adequados. Do ponto de vista do desenvolvimento sócio cognitivo típico, podemos dizer que viemos preparados biologicamente para vivermos socialmente. A partir daí, aprimoramos, ao longo de nosso amadurecimento, o pensamento sobre as pessoas, sobre o que fazem ou sentem; o entendimento que temos sobre nós mesmos, dos outros e dos relacionamentos sociais. Dentro desse processo, alguns princípios básicos norteiam o entendimento a respeito das habilidades de pensamento, memória e atenção sobre a maturação social 2 : As crianças, ao longo do desenvolvimento, passam da observação de características externas para as internas. Passam da atenção de características superficiais dos objetos à atenção sobre seus princípios e causas. Da mesma forma, crianças mais jovens tendem a descrever a si e aos outros tomando por base as características físicas, enquanto crianças mais velhas poderão atribuir características mais profundas às pessoas, como ser bom ou mau.
3 Crianças também sofrem alterações quando passam da simples observação para a inferência. Isso quer dizer que quando pequenas, elas baseiam suas conclusões naquilo que podem ver ou sentir. Em momentos futuros, elas são capazes de fazer inferências sobre o que deveria ser ou o que poderia acontecer. Por esse motivo, algumas crianças pequenas não podem ainda compreender ditados populares ou alguns tipos de piadas. As regras passam da rigidez para a flexibilidade. Crianças pequenas tendem a encarar regras como fixas e definidas, como por exemplo, no que diz respeito ao papel sexual: meninos brincam de carrinho e meninas brincam de boneca. A adolescência, as regras passam a se tornar mais flexíveis à situação. As crianças também se tornam menos egocêntricas ao longo do desenvolvimento. A visão sobre o mundo passa da sua própria perspectiva para uma visão mais geral. Elas se tornam menos presas à sua própria visão e desenvolvem a capacidade de analisar regras e comportamentos que levem em consideração a perspectiva de um conjunto de pessoas. Tendo como base o desenvolvimento cognitivo, a construção da vida social acontece, ainda, pela interação constante entre o indivíduo e seu ambiente. Na verdade, essa ação é recíproca entre tais esses fatores 3. Por exemplo, uma criança mais inibida ou menos expressiva socialmente não costuma ser tão receptiva às investidas dos adultos e de seus pares, o que pode gerar pouca motivação destes para continuarem a interagir com ela. Ao mesmo tempo, se a criança mostra-se positiva ao contato social, mas o ambiente não reforça seus comportamentos (estimulando e moldando-os), provavelmente essa criança diminuirá a frequência com que os emite.
4 Crianças e adolescentes com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) normalmente têm menos amigos, iniciam e mantêm as interações numa frequência menor do que indivíduos de desenvolvimento típico 4. Eles tendem a passar menos tempo nas interações e, quando nelas, gastam mais tempo em atividades sem propósito compartilhado por seus pares, se mantendo, muitas vezes, em atividades paralelas 5. Estes indivíduos tendem a ficar menos próximos corporalmente de seus pares e, consequentemente parecem receber menos investidas sociais deles. Além disso, produzem poucas verbalizações com o objetivo de interação e se engajam mais frequentemente em comportamentos atípicos voltados a alinhamento de objetos e repetição de padrões estereotipados 6. Os estudos no campo das neurociências nos TEA marcam o funcionamento peculiar em seu processamento social, que toma um curso atípico. Um dos tópicos mais estudados e discutidos no campo do espectro do autismo é o reconhecimento de emoções e intenções. Esse tipo de reconhecimento se dá através de um caminho complexo que se inicia com um processo de direcionamento da atenção que permite compartilhar interesses com outra pessoa (permitindo mais adiante o desenvolvimento da empatia). Ao contrário desse processo natural, uma série de estudos mostra a tendência dos indivíduos do TEA a focarem mais sua atenção em eventos, movimentos e objetos do que em interações sociais 7. Focam, assim, em objetos, mesmo que sem função aparente e mantêm-se em atividades repetitivas. A atenção parece estar voltada para aspectos não sociais que estejam salientes no ambiente. Além disso, compartilhar a atenção e interesse com outra pessoa é um impasse. Ainda, transitar com flexibilidade de uma atividade social para outra é um desafio, o que, mais uma vez, marca o perfil peculiar destes indivíduos dificultando com que eles
5 direcionem e mantenham o foco nas mesmas tarefas que os indivíduos de desenvolvimento típico. Tony Attwood 9, em um de seus estudos, mostrou a crianças com Síndrome de Asperger uma série de fotos que ilustravam situações sociais, tal como a de uma criança que caiu de sua bicicleta. Quando foram solicitadas a explicar o que acontecia, essa amostra tendeu a descrever os objetos e ações físicas (focar na parte amassada da bicicleta, por exemplo), ao invés de enfatizarem as emoções (descrevendo se a criança estaria triste, com raiva ou chateada), o que aconteceu numa frequência maior no grupo de desenvolvimento típico. Isso nos leva a sugerir que o funcionamento da atenção e do entendimento social parece estar direcionado para outros aspectos em detrimento da análise da interação, fazendo com esses indivíduos deixem de percebê-la de maneira adequada. Consequentemente, agem de maneira inadequada pois seu entendimento não está baseado nos aspectos essenciais da interação, o que favorece com que permaneçam isolados sem buscar ativamente situações sociais. A aprendizagem social parece, assim, não acontecer de forma intuitiva nestes casos, sendo necessário fazê-lo através de recursos específicos, concretos e, de preferência, visuais, além de ser necessário envolver tópicos de interesse destes indivíduos, bem como a sistematização e estrutura dos modelos sociais a serem desempenhados 12. Outro aspecto envolvido no desenvolvimento cognitivo e social no autismo se correlaciona com as dificuldades na área do que chamamos funções executivas: perseveração, gama restrita de interesses, impasses no planejamento e execução das atividades, dificuldades em assumir a perspectiva alheia e escasso monitoramento dos próprios comportamentos. Essas dificuldades
6 têm impacto direto no campo social: apesar de apresentarem relativa habilidade para aprender regras e procedimentos, falham em inferir informações abstratas, flexibilizar seu ponto de vista, bem como solucionar problemas, apontando dificuldades marcantes nessa área 13. Além disso, algumas respostas emocionais se mostram diferenciadas nesses casos. Grande parte dos estudos com estas crianças e adolescentes mostram que eles apresentam menos reações de expressão facial quando comparados aos de desenvolvimento típico e ainda àqueles de desenvolvimento atrasado 14 : parecem ter mais dificuldade em demonstrar expressões faciais positivas, quando em brincadeiras com seus pares 15. Os aspectos para-linguísticos, que também são responsáveis por apresentarem nosso estado emocional, podem aparecer de forma menos sincronizada, como por exemplo, no ritmo e a entonação de voz mais monótonos com poucas nuances ou, ainda, um tom de voz pedante, especialmente quando o assunto diz respeito ao seu interesse específico 16. Todas essas informações nos levam, então, a uma série de questionamentos. Especialmente aqueles que convivem e conhecem bem esse funcionamento peculiar... Se o desenvolvimento social nos indivíduos do Espectro do Autismo é atípico, o que nos resta fazer? É possível desenvolvê-lo e promover qualidade de vida a eles? De que forma? Qual a participação da família e da escola para este aprimoramento? Conhecer esse funcionamento já é o primeiro passo que possamos entender o porque dos comportamentos que, de acordo com a nossa perspectiva, parecem excêntricos, inadequados, peculiares.
7 Conscientizar as pessoas ao redor desses indivíduos é fundamental. Existem alguns programas de intervenção disponíveis e verificados cientificamente para tal desenvolvimento. É importante, entretanto, que sejam aplicados de maneira estruturada, avaliados e reavaliados ao longo do processo de tratamento, mas principalmente, respeitando cada dinâmica específica desses indivíduos, incluindo aí suas famílias, escolas e contextos outros. Tal intervenção deve buscar a conscientização de todos aqueles envolvidos nesse processo, sendo capaz de motivar as pessoas a exercerem as mudanças necessárias. Para isso, é fundamental deixemos de lado nosso enquadre rígido dos indivíduos e sejamos flexíveis e tolerantes às diferenças de cada um. Isso envolve um trabalho conjunto que, ao mesmo tempo que liberta as famílias da culpa pelos impasses de seus filhos, as responsabiliza, como também à escola, aos pares (sejam eles em qual idade estiverem) e à sociedade de modo geral...
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