A MODERNIZAÇÃO AGROPECUÁRIA BRASILEIRA 1
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- Pedro Lucas Franco Prada
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1 A MODERNIZAÇÃO AGROPECUÁRIA BRASILEIRA. Introdução A maioria das análises sobre a modernização da agropecuária brasileira mostra que esta seguiu a dinâmica da economia brasileira como um todo. Após um período de constituição e consolidação das indústrias de base (siderúrgica, metalúrgica, etc.), tem início a chamada internalização do departamento de bens de produção, que é o ramo da indústria responsável pela produção de máquinas utilizadas na produção de outros bens e produtos. A indústria de tratores nacionais, por exemplo, que em 960 detinha 0,3% da oferta, dez anos depois respondia por 99% da produção. Com base nessas mudanças, a modernização da agropecuária é dividida em três períodos: I - Início da alteração do padrão tecnológico mediante importação de máquinas e fertilizantes (princípio da década de 950); II - Industrialização dos processos de produção rural a partir da instalação no país de indústrias de bens de produção e insumos para a agricultura, com a colaboração dos incentivos patrocinados pelo Estado (fins da década de 950); III - Ampliação e intensificação do processo de modernização com a constituição e desenvolvimento do capital financeiro na agricultura, sob o comando do grande capital, a partir da implantação do Sistema Nacional de Crédito Rural (de 965 até o final da década de 970). 2. Características e consequências da modernização da agropecuária brasileira a) A modernização baseou-se na adoção de um padrão tecnológico que combinava o uso intensivo da química mineral (fertilizantes e agrotóxicos), mecanização e melhoramento genético de plantas e animais. Este processo ficou conhecido como Revolução Verde. No período de o consumo de fertilizantes no Brasil cresceu 25%; inseticidas 234%; fungicidas 585%; herbicidas 5.44%; e o número de tratores aumentou 389%. A aplicação massiva desse padrão tecnológico poupador de mão-de-obra, as mudanças nas relações de trabalhistas e o caráter excludente do conjunto das políticas adotadas contribuíram para que o êxodo rural alcançasse 28 milhões de pessoas entre Na agropecuária paulista, no período 964/75 houve uma redução de quase um terço do total da mão-de-obra ocupada. b) Esse modelo foi capaz de aumentar a produção e produtividade, particularmente das culturas destinadas à exportação (soja, cacau, laranja e outras) e daquelas que constituem matérias primas agroindustriais (cana, trigo, tomate, fumo, etc.). Se considerarmos, no entanto, as 5 principais culturas, o aumento da produtividade cresceu apenas 6,8% no período Texto baseado em apostila original elaborada pelo professor Antonio Nivaldo Hespanhol (Unesp Presidente Prudente), mas com modificações e atualização de minha autoria e responsabilidade (Nota do professor).
2 2 A Tabela (p. 05) mostra que houve um aumento da produção de todos os produtos no período de , mas a oferta per capita foi negativa para os produtos de consumo interno (como o arroz, o feijão e a mandioca) e positiva para os produtos exportáveis e para a cana (insumo agroindustrial). O algodão, mesmo sendo um insumo agroindustrial, nesse período era produzido basicamente por pequenos e médios produtores. No período houve menor disparidade no crescimento da produção (total e per capita), mas sem mudar significativamente a tendência do período anterior. O algodão sofreu um enorme impacto negativo da abertura comercial no início da década de 990, sendo que somente em 200 recuperou a produção que possuía em 985. A laranja apresentou diversos problemas fitossanitários, queda de preços internacionais e concorrência com a cana-de-açúcar entre a década de 990 e No período a cana e a soja voltaram a ter crescimento expressivo, quase dobrando a oferta per capita, enquanto arroz, feijão e mandioca tiveram redução per capita. Em relação à produção animal, os rebanhos de aves, bovinos e caprinos tiveram aumentos significativos no número de cabeças entre 970 e 980, respectivamente, 94%, 50% e 38,5%; enquanto suínos e ovinos se mantiveram praticamente estáveis. Quando se observa o período entre os Censos de 970 e 2006, somente as aves e os bovinos (produtos dirigidos também à exportação) tiveram grande expansão do número de cabeças e os demais tiveram decréscimo ou aumentos pífios. No caso das aves o crescimento do número de cabeças foi de 556%, enquanto o rebanho bovino aumentou 8% (Tabela 2, p.05). No período mais recente, entre 996 e 2007, este crescimento do rebanho bovino ocorreu na região Norte (80,5%) e especialmente em alguns estados como Rondônia (4,6%) e Pará (3%), como se verifica na Tabela 3 (p. 05). Estes dados indicam claramente o movimento da pecuária bovina em direção à Amazônia, enquanto no Centro Oeste esta atividade vem sendo substituída pelas culturas de grãos em parte das áreas e consegue manter o rebanho pela derrubada de novas áreas de floresta. c) Todo esse processo de mudança tecnológica foi realizado sem que houvesse qualquer alteração significativa na estrutura fundiária profundamente desigual que caracteriza o meio rural brasileiro. A concentração da propriedade e posse da terra, na verdade, teve um ligeiro aumento no período. Dados do IBGE mostram que metade dos estabelecimentos rurais do Brasil detinha apenas 2,5% do total das terras agrícolas em 975 e reduziram sua participação em 985 (2,2%). Já 5% dos maiores estabelecimentos ocupavam 68,7% da área agrícola em 975 e representavam 69,2% desta área em 985. A manutenção da concentração fundiária e a expulsão de milhões de trabalhadores do campo provocaram a intensificação dos conflitos pela posse da terra em todo Brasil na década de 980, resultando em centenas de mortes a cada ano. No início da década de 990 diminuiu o número de mortes, mas em alguns anos houve grandes massacres como o de Corumbiara (RO) e Eldorado dos
3 3 Carajás (PA). A violência atingiu mais frequentemente posseiros, trabalhadores rurais, ocupantes e, de modo particular e intenso, as suas lideranças. d) A modernização trouxe também a participação das instituições financeiras nas atividades da agropecuária, promovendo a integração de capitais agroindustriais e agrocomerciais; e fortaleceu a valorização especulativa do imóvel rural. O preço real da terra, no período 966-8, aumentou 3,6 vezes no Estado de São Paulo. Como não houve aumento da área cultivada, este aumento indica que o capital passou a investir na terra como especulação e para proteger de seus ativos em uma conjuntura de inflação crescente. A maioria destas aplicações de capitais industriais e financeiros em imóveis rurais foi realizada por meio de fartos incentivos fiscais patrocinados pelo Estado. Em áreas de fronteira agrícola ocorreu, em muitos casos, doação de grandes extensões de terra pública às empresas privadas, sob pretexto de promoverem investimentos na área. e) O crédito rural assumiu enorme importância nesse processo financiando e direcionando os investimentos. Na década de970, o crédito rural atingiu um montante de recursos muito significativo em relação ao PIB do setor agropecuário, chegando mesmo a superá-lo em determinado ano. A taxa de juros vigente era negativa (o índice de correção monetária da dívida era pré-fixado e resultava em um valor menor que o índice de inflação do período). O crédito rural subsidiado privilegiou as culturas de exportação, teve uma distribuição desigual em termos regionais, concentrando recursos no centro-sul, e beneficiou basicamente os grandes tomadores (médias e grandes propriedades). A Tabela 4 mostra que, tanto em termos de área como em relação ao volume, ocorreu forte concentração na distribuição do crédito rural em 975: os 50% menores contratos destinaram-se para propriedades que ocupavam apenas 2,5% do total da área beneficiada pelo crédito rural; e receberam somente 4,5% do volume total de crédito. Tabela 4: Distribuição da Posse da Terra e do Crédito Agrícola, Brasil, 975. Indicador Distribuição da Terra Distribuição do Crédito Índice de Gini 0,855 0,808 50% menores contratos 2,5% 4,5% 5% maiores contratos 68,6% 60,8% % maiores contratos 44,9% 38,2% Fonte: Pinto, Luiz C. Guedes Notas sobre a política agrícola e crédito rural. Campinas: IE/Unicamp, 98, 344p. Entre menos de 20% dos produtores receberam crédito (o percentual foi maior no estado de S. Paulo). Houve ano em que % dos tomadores receberam 40% dos recursos. Em % do volume total de crédito foi destinado às culturas do algodão, café, cana, soja e laranja.
4 4 O crédito era empregado para aquisição de insumos e máquinas a preços subsidiados e com prazos de até cinco anos para pagar. Os produtores deviam seguir as recomendações técnicas indicadas para cada cultura, consolidadas nos chamados pacotes tecnológicos. O crédito rural funcionou, portanto, como um instrumento de política econômica, destinado a incentivar a aquisição de produtos industriais por parte da agricultura: o governo pagou para que a agricultura ajudasse a indústria, não a indústria em geral, mas a grande indústria, o grande capital. Este aspecto é fundamental para entender porque se usou uma tecnologia capital intensiva na presença de abundante mão-de-obra, ou ainda, porque não se buscou, naquele período, uma tecnologia mais adequada às condições brasileiras. A resposta está no fato de que a tecnologia moderna que utiliza em larga escala insumos, máquinas e equipamentos, é aquela que proporciona maiores lucros ao grande capital monopolista que presidiu a modernização industrial do país, inclusive do próprio setor agropecuário. f) A modernização direcionada aos produtos exportáveis também teve sua sustentação baseada em uma política cambial que, por meio de sucessivas desvalorizações da moeda, permitiu que algumas cadeias agroindustriais aumentassem de modo significativo a exportação de seus principais produtos. 3. Conclusão A modernização conservadora da agropecuária brasileira, ocorrida entre as décadas de 960 e 970, não se limitou às mudanças tecnológicas, teve implicações importantes também nas relações de trabalho, nas migrações internas e na composição de forças das lutas sociais no campo. O conjunto de medidas que compôs este processo mostrou-se excludente e, ao não democratizar o acesso à terra, ocasionou um vertiginoso êxodo rural. As cidades não tiveram capacidade de absorver esta mão-de-obra e nem de oferecer serviços básicos de infraestrutura urbana, saúde e educação a essa população, resultando no crescimento das favelas e de outras formas precárias de moradia e de trabalho nas grandes cidades. Os problemas causados ao meio ambiente também foram graves, devido à ênfase dada à mecanização, à monocultura e ao uso intensivo de agrotóxicos. As consequências podem ser observadas no desmatamento indiscriminado, na erosão dos solos, na poluição e assoreamento dos rios, no crescimento geométrico do número de pragas e doenças das culturas e criações, nas mudanças climáticas, entre outras.
5 Tabela : Produção (em mil Ton.) em 962, 985, 2000 e 200 de algumas culturas no Brasil, evolução da produção (em %) e da oferta per capita (%) entre os referidos períodos. Diferença (%) Oferta per capita (%) PRODUTOS Arroz , ,7 Feijão , ,2 Mandioca ,5-60, ,8 Soja ,4 Cana ,3 Laranja ,3 Algodão ,5-22, ,6 Milho ,7 Fonte: FIBGE (20) e Agrianual (20). Obs.: A população brasileira era cerca de 7 milhões em 962; 35,5 milhões em 985; 69,8 milhões em 2000 e 90,76 milhões em 200. Tabela 2: Efetivo dos Rebanhos, Brasil. Tipo de Rebanho (mil cabeças) Bovinos Caprinos Ovinos Suínos Aves Fonte: Censos Agropecuário do IBGE de 970, 975, 980, 985, 995 e Inclui galinhas, galos, frangas e frangos. Tabela 3: Evolução do Rebanho Bovino no Brasil e algumas regiões e estados selecionados % Crescimento País / Região / Estado (nº de cabeças) (nº de cabeças) ( ) Brasil ,6 Norte ,5 Pará ,0 Rondônia ,6 Centro-Oeste , Fonte: Produção Pecuária Municipal, IBGE.
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