A Garrafeira de Campo de Ourique está de portas bertas há 20 anos FOTO: MJA Conteúdos

Transcrição

1 A arte de vender vinhos 13 de Outubro de 2011, por Ana Filipa Luzia Numa altura em que a aquisição de vinho nas grandes superfícies sobe, as garrafeiras tradicionais marcam a diferença pela personalização do serviço. Esta semana recuperamos as estórias de algumas das garrafeiras portuguesas mais emblemáticas. São três da tarde e em pleno bairro de Campo de Ourique acumulam-se carros em segunda fila. Um desses carros pertence a um cliente habitual da casa, um professor reformado que ali se abastece periodicamente de vinhos, desta vez para oferecer a um antigo aluno com quem vai jantar. «Boa tarde senhor Santos, como vai isso? Quero duas daquelas». Aquelas são duas belas garrafas do Porto Vintage Quinta do Vesúvio, e o senhor Santos é Álvaro Santos, proprietário da Garrafeira de Campo de Ourique, um dos espaços de referência em Lisboa que há mais de 20 anos abriu portas ali no bairro. A Garrafeira de Campo de Ourique está de portas bertas há 20 anos Inaugurada em 1988, funcionou em tempos como charcutaria. Mais tarde, já como loja de vinhos, ganhou fama imediata pela grande oferta de vinhos de qualidade, ainda que com um percurso pouco comum. «Temos um caminho muito atípico porque começámos no vinho a granel, quando se começaram a implementar os primeiros postos de venda de garrafões em Lisboa devido aos excedentes que havia de vinho. Daí para os engarrafados de marca foi rápido. E foi um passo que tinha que dar porque o próprio mercado assim o exigiu», conta Álvaro Santos. Sendo um grande entusiasta da área dos vinhos, foi coleccionando inúmeras garrafas de vinho do Porto, a maior parte raras, que ainda estão na sua posse e que vai vendendo aos clientes especiais. Além disso, quem entra na Garrafeira de Campo de Ourique dá de caras com paredes forradas de vinhos tintos, brancos, moscatéis e também uma boa colecção de aguardentes velhas, whiskies e licores variados. Todos são provados pelo próprio Álvaro Santos ou por algum profissional amigo, sempre disposto ao «sacrifício».

2 Álvaro Santos na loja Actualmente tem ao seu lado as duas filhas, que ajudam a cumprir o lema da garrafeira com a mesma determinação inicial: trabalhar para o cliente e servir bem. «Como temos quase tudo, raramente acontece não conseguirmos satisfazer um pedido. E se não tivermos vamos buscar, pois queremos manter uma relação muito próxima com o cliente», frisa. Não se queixa da crise e, para animar o negócio, até já abriu do outro lado da rua um espaço gourmet de refeições ligeiras chamado Aromas e Sabores. «O futuro traz-nos exigências para as quais não estaríamos preparados há 10 anos. Mas penso que as casas feitas, com qualidade e com conhecimento daquilo que fazem se vão manter», confessa, cheio de esperança. Outras terras, mais garrafas Paulo Soares, um dos proprietários da Garrafeira Soares, não se queixa da crise. «No ano passado crescemos 10% e, este ano, vamos pelo mesmo caminho», sublinha. A primeira loja surgiu em 1983 em Albufeira, onde a família Soares tinha um pequeno supermercado. Depressa perceberam que os turistas se interessavam bastante pelas bebidas alcoólicas, principalmente os vinhos, e o espaço foi remodelado. Hoje são 14 lojas espalhadas um pouco por todo o Algarve, geridas por João e Paulo Soares (filhos do fundador), juntamente com Rita (mulher de João). A rede de lojas disponibiliza sobretudo vinhos portugueses e só desde há três ou quatro anos passou a ter também internacionais. «Para nós faz mais sentido porque a maioria dos nossos clientes é turista, sobretudo britânicos, que se interessa mais pelos vinhos portugueses. Aliás, ao contrário dos portugueses, eles preferem comprar nas garrafeiras e não nos supermercados», explica. Daí a ausência de preocupações com a crise. Os três sócios gerem também actividades de enoturismo desenvolvidas na Herdade da Malhadinha, uma propriedade em Albernôa (Alentejo) que adquiriram em 1998 e que produz os seus

3 próprios vinhos. Origem bem diferente tem a Dom Vinho e seus Parentes Nobres, situada em Coimbra. Valdemar Simões, proprietário deste espaço cuja estória se confunde com a sua própria estória de vida, teve em tempos uma discoteca onde se servia vinho a copo, além das bebidas habituais. Era no mínimo raro. Sendo um enófilo apaixonado e informado sobre a matéria, resolveu aprofundar os seus conhecimentos, tendo tirado vários cursos de formação. Finalmente, lançou mãos à obra e inaugurou a Dom Vinho em Novembro de «Há coisas muito importantes para os clientes e uma coisa fundamental é a relação de confiança: se numa prateleira com centenas de referências o cliente confia na nossa opinião, isso é muito importante», conta Valdemar Simões ao mariajoaodealmeida.clix.pt. Para enfrentar o avanço dos tempos, o empresário procura continuar a inovar, sendo a mais recente aposta a rede social Facebook. «É uma forma quase diária de estar em contacto com os clientes e se há coisas novas, é uma forma mais imediata de chegar até eles», conclui. A Dom Vinho é composta por dois pisos cobertos de garrafas FOTO: vinhosemaisvinhos.com O espaço tem uma oferta variada que se encontra repartida por dois pisos: no rés-do-chão estão os vinhos de mesa (brancos, tintos e espumantes) provenientes de várias regiões nacionais, Portos de várias marcas, Moscatéis e vinhos da Madeira; já no piso superior, destacam-se os vinhos alentejanos, dispostos junto aos néctares internacionais. Os apreciadores de outras bebidas como os whiskies, conhaques, aguardentes e bagaceiras também não foram esquecidos. Podem encontrar-se ainda livros sobre vinho, uma selecção de charutos e alguns produtos gourmet. Da lista de actividades organizadas pela loja incluem-se provas de vinhos e jantares vínicos em parceria com o chef Albano Lourenço, do restaurante do Hotel da Quinta das Lágrimas (1 estrela Michelin). Na cidade do Porto o que se pode encontrar é um exemplo de um conceito moderno de garrafeira. A Wine o'clock foi inaugurada em 2007 fruto de um sonho de António Nora, empresário do sector há vários anos, que queria há muito abrir uma garrafeira com uma grande diversidade de vinhos a preços competitivos, provas gratuitas, um clube de vinhos e vários eventos relacionados com o mundo de Baco. Juntou-se assim a Francisco Freitas, coleccionador de vinhos, e Pedro Emanuel, antigo futebolista do Futebol Clube do Porto, e tornou o sonho realidade. Com o apoio de um grupo empresarial espanhol que na altura também entrou no negócio, o negócio depressa cresceu e hoje a Wine O'Clock marca já presença em Vila do Conde e na capital, Lisboa. «Temos 65% de vinhos nacionais e 35% de vinhos internacionais, fora licorosos, bebidas brancas, whiskies, conhaques e armanhaques. Ao todo, são 2300 referências», explicou ao nosso portal Pedro Emanuel.

4 A Wine O'Clock pretende continuar a privilegiar a relação personalizada com os clientes FOTO: oportocool.wordpress.com Na opinião do empresário, em altura de crise a tendência do consumidor passa pela rentabilização dos gastos. No entanto, Pedro Emanuel acredita da qualidade das garrafeiras e na capacidade do serviço de se reinventar. «Procuramos praticar a melhor relação qualidade-preço possível e há depois também a questão personalização do atendimento, com a mais valia de os nossos clientes poderem contar com as nossas recomendações», frisa. A garrafeira é actualmente administrada e gerida pelo ex-futebolista, já que os anteriores sócios saíram entretanto do projecto. Paredes de vinho A Garrafeira Nacional, situada em plena baixa de Lisboa, é um espaço que impressiona qualquer pessoa, sendo ou não amante de vinho. As paredes forradas de garrafas do chão ao tecto atestam a variedade disponível e comprovam as dificuldades de Dina Antunes, funcionária da loja. «São tantas garrafas para arrumar?», pergunta ao olhar para o chão, repleto de caixotes. «Mas eu já não tenho espaço... Vou ter de fazer aqui uma malandrice», diz com um sorriso na cara. Entre tira garrafa e põe garrafa, lá consegue arrumar as novidades que, de imediato, chamam a atenção de um cliente. Um pequeno museu com uma exposição de vinhos antigos é outro dos atractivos do espaço que Jaime Vaz, o proprietário, justifica: «Eu gosto muito de garrafas e vinhos antigos, não só pelo produto mas pelo que nos dizem as datas. Sobretudo de vinhos do Porto, Moscatéis e Madeiras... e conheço também um pouco de whiskies», confessa. Jaime Vaz na garrafeira FOTO: reignofterroir.com A garrafeira surgiu pela mão do seu avô materno, Serafim Vaz Neves, em 1927, passando posteriormente para o pai de Jaime. «Na altura esta casa era uma mercearia e tinha de tudo um pouco, mas só a partir dos anos 60 é que começa a ter bebidas, sobretudo vinhos e, em particular, vinhos do Porto. Nos anos 70

5 virámo-nos mais para o whisky e, nos 80, tínhamos já uma panóplia de bebidas de todo o mundo. Finalmente, na década seguinte, em 1991, passou a ser cem por cento uma garrafeira», explicou ao mariajoaodealmeida.clix.pt. Entrada da Garrafeira Nacional O espaço tem representadas todas as regiões, com cinquenta por cento de incidência no Douro. E apesar do elevado número de pedidos por telefone e outros tantos via online, Jaime Vaz privilegia as conversas com os clientes. «Aqui, o objectivo não é e nunca foi só o lucro. Tento ter aqui em prova bons vinhos, pagos por nós e não pelo produtor. Tentamos também mostrar aos turistas que aqui vêm as diferenças entre os vinhos, como são feitos, como e quando se deve abrir e com o que deve acompanhar. E procuro ter óptimas marcas, só trabalho com marcas com história», sublinha. Mais um exemplo de uma garrafeira emblemática que vende vinhos com história e, já agora, que pode dar aos clientes estórias que fazem da prova de um vinho um momento mais especial.

6 Interior do espaço situado na Rua dos Douradores Veja mais garrafeiras de referência em: ID=2 «voltar