ACÓRDÃO. Belo Horizonte, 26 de julho de DES. FERNANDO BRÁULIO - Relator NOTAS TAQUIGRÁFICAS O SR. DES. FERNANDO BRÁULIO: VOTO
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1 Número do processo: /001(1) Relator: FERNANDO BRÁULIO Relator do Acordão: FERNANDO BRÁULIO Data do Julgamento: 26/07/2007 Data da Publicação: 20/09/2007 Inteiro Teor: EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONSTITUCIONAL - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - TRANSPORTE ESCOLAR - DEVER LEGAL DO MUNICÍPIO E DO ESTADO. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO. PREJUDICADO RECURSO VOLUNTÁRIO. 1. O Ministério Público é parte legítima para propor ação civil pública na área da infância e da juventude, ainda que na defesa de interesses individuais. 2. Constitui dever constitucional dos entes federados a prestação da educação à população e o fornecimento dos meios de acesso. 3. A multa fixada para o descumprimento do comando sentencial deve consubstanciar-se na sua finalidade preventiva e coercitiva e, também, na razoabilidade e proporcionalidade. 4. Sentença parcialmente reformada para reduzir o valor da multa fixada. 5. Verificada a omissão da Administração Pública em relação a obrigações que ensejam lesão a direito subjetivo dos indivíduos, cabe a intervenção do Poder Judiciário. 3. Recurso a que se nega provimento. 4. Sentença confirmada em reexame necessário. 5. Redução da multa. 6. Prejudicado recurso voluntário. APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N /001 - COMARCA DE UBERABA - REMETENTE: JD V INF JUV EXEC CR FISC COMARCA UBERABA - APELANTE(S): ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. FERNANDO BRÁULIO ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR A PRELIMINAR E, NO REEXAME NECESSÁRIO, REFORMAR A SENTENÇA PARCIALMENTE, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO. Belo Horizonte, 26 de julho de DES. FERNANDO BRÁULIO - Relator NOTAS TAQUIGRÁFICAS O SR. DES. FERNANDO BRÁULIO: VOTO Trata-se de apelação interposta pelo Estado de Minas Gerais contra decisão monocrática que julgou procedente a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual, com pedido de antecipação de tutela, para proteção judicial dos interesses de 20 crianças instaladas em uma ocupação de terras no Município de Veríssimo-MG, as quais se viam impossibilitadas de comparecer à escola em que estavam matriculadas devido a ausência de transporte escolar gratuito. A sentença monocrática de fls. 272/276 confirmou a tutela antecipada anteriormente deferida (fl. 205/207), reconhecendo a obrigação do Município de Veríssimo de fornecer transporte escolar gratuito às crianças, nos moldes exigidos pela Constituição Federal em seus artigos 208, I, 212, 227,
2 caput, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 4, I, VIII, 5, 10, 11, 70, VIII e, ainda, conforme assegurado pela Lei Orgânica do Município de Veríssimo, em seu artigo 236, 237, I, II e 241 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 11. Além de condenar o Município de Veríssimo a implementação e custeio do transporte escolar dos alunos, durante o período letivo, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), o juízo monocrático condenou o Estado de Minas Gerais, também, à implementação e custeio do transporte durante o ano letivo ou, à comprovação da realização de termo de mútua cooperação com o Município de Veríssimo sob pena de multa diária de R$ (quinhentos reais). Sentença sujeita ao duplo grau obrigatório. Muito embora, o Estado de Minas Gerais apresenta recurso voluntário. O apelante em suas razões (fls. 281/284) aduz que "o presente recurso tem por objetivo a reforma da r. sentença na parte que fixou multa em caso de descumprimento da ordem judicial." E completa: "Com efeito, a obrigação do apelante quanto à disponibilização de transporte escolar decorre de lei e não foi negada na defesa; contudo, restou consignado na contestação que o Estado já havia encaminhado ao Município de Veríssimo minuta de termo de convênio, cabendo a Prefeitura local apenas sua formalização para recebimento dos valores (R$ )". Censura a sentença na parte que fixa a multa, ao argumento de que, uma vez prestado o serviço de transporte pelo Município, resta aos entes envolvidos o ajuste nos termos do convênio, o que seria da alçada exclusiva do Poder Executivo, não cabendo intervenção do MP ou do Poder Judiciário. Argüi a inconstitucionalidade da reversão do valor apurado a título de multa em favor do Fundo Municipal de Defesa da Criança. Eventualmente, pugna pela redução do valor da multa. O MP, em sede de contra-razões, reafirma os argumentos iniciais e suscita que, nos termos do depoimento do Prefeito, {as fls. 271), datado de 22 de setembro de 2005, não havia, até a referida data, convênio de mútua cooperação destinado à execução do transporte escolar.aduz que a multa imposta foi fixada em nível razoável e pede desde já negar provimento ao recurso. Parecer às fls.304/309, no qual a Procuradoria-Geral de Justiça manifesta-se pelo improvimento do apelo. Conheço da apelação, recurso próprio, tempestivo, sem preparo, por ser o apelante dele dispensado. PRELIMINAR No tocante à preliminar de ilegitimidade do Ministério Público para propositura da ação, a meu ver, acertadamente julgou o ilustre juízo monocrático. O Ministério Público tem a iniciativa para a ação civil pública na área da infância e da juventude, ainda que na defesa de interesses individuais (ECA, art. 201, V), desde que se cuide de direitos indisponíveis, que digam respeito à coletividade como um todo, única forma de conciliar a exigência do Estatuto com a destinação institucional do Ministério Público (CF, art. 127). Desta forma, o órgão ministerial deve, necessariamente, zelar imparcialmente pela efetivação dos direitos e garantias que o legislador entendeu fundamentais. MÉRITO
3 A controvérsia reside, todavia, na responsabilidade pela prestação de serviços de transporte a estudantes da rede estadual de ensino, que se encontram instaladas em uma ocupação de terras no Município de Veríssimo-MG, dependendo do serviço para freqüentarem as aulas. Assentado o entendimento de que constitui dever dos entes federados a prestação do serviço gratuito de transporte escolar, em razão do dever constitucional da educação, que constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, para construção de uma sociedade digna, justa e solidária. A Constituição Federal, em seu art. 6º, estabelece: "Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição." Ainda, ao tratar das competências comuns dos entes federados, em seu artigo 23, prescreve: "Art É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - (...) V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; (...)" Nota-se, assim, que o dever de fornecer o acesso à educação aos cidadãos não foi imputado a apenas um dos entes da federação, mas a todos eles. Inclusive, a Constituição, na seção reservada à educação, prevê a colaboração de todos para organização de seu sistema de ensino: "Art A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. 1º - A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. 2º - Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. 3º - Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. 4º - Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. 5º - A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular." O espírito da norma constitucional, no que diz respeito à responsabilidade pela efetivação do direito à educação, é no sentido de impor a todos os entes federados o esforço conjunto de prestar a assistência necessária à educação, estabelecendo para tanto a obrigação solidária de promover a educação de todos, incluindo-se nesse dever o de desenvolver programas que possibilitem o atendimento das necessidades do educando para que esteja em condições reais de freqüentar e acompanhar as aulas. Decorre, então, o dever de oferecer material didático, transporte, alimentação e assistência à saúde, preconizado pelo art. 208, VII, da Constituição Federal.
4 Considerando, pois, as normas constitucionais vigentes, é defeso a qualquer dos entes federativos se exonerar da responsabilidade de prestar a educação à população, sob pena de caracterizar afronta ao objetivo da constituição e implicar, indiretamente, em prejuízo ao direito fundamental à educação, em vista da atenuação dos meios de se exigir seu implemento. Assim é que na existência de obrigação solidária, o credor possui direito a exigir de qualquer dos devedores a integralidade da prestação. As questões afetas à divisão interna de competências e deveres entre os co-devedores não podem ser oposta ao credor, resolvendo-se em ação de regresso. Salienta-se, ainda, que o dever da educação foi igualmente imposto aos entes federados, infraconstitucionalmente, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Lei de Diretrizes Básicas da Educação. Razão pela qual acertou o juízo a quo na condenação solidária do Município de Veríssimo e do Estado de Minas Gerais na prestação do serviço de transporte escolar às crianças necessitadas. Outro não é o entendimento desse Tribunal: "EMENTA: Apelação cível. Ação Civil Pública. Transporte escolar. Obrigação de fazer. Dever solidário. Imposição do encargo ao Município. Supremacia da Constituição. Suspensão do serviço prestado. A obrigação de prestar transporte escolar que possibilite às crianças e adolescentes residentes em zona rural o acesso à educação recai de forma solidária sobre os Estados e o Município, podendo o cidadão exigir de qualquer desses entes a prestação do serviço. A norma infraconstitucional não pode ter o condão de excluir a obrigação imposta pela Carta Magna, reduzindo o âmbito de responsabilidade do Município, sobretudo considerando que o transporte nas áreas de difícil acesso constitui questão de interesse local. O princípio da continuidade do serviço público acarreta para o usuário o direito subjetivo de exigir que a prestação inicialmente prestada pelo município seja ininterrupta, sendo vedada sua suspensão repentina, sequer antecedida de aviso. A multa diária imposta pelo descumprimento de obrigação judicial deve ser fixada tendo em vista as condições econômicas do destinatário, a sua culpabilidade e a gravidade do dever imposto, cabendo a redução eqüitativa pelo julgador, mesmo em momento posterior à inobservância, quando verificado que se tornou excessiva. O descabimento da condenação do Ministério Público em honorários advocatícios na ação civil pública julgada improcedente deve prevalecer também a favor do réu, em vista do princípio da igualdade processual." (TJMG /001 - Desembargadora Relatora Heloisa Combat. Data do acórdão: 30/01/2007) "EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LIMINAR - TRANSPORTE ESCOLAR - MUNICÍPIO - DEVER LEGAL. O TRANSPORTE ESCOLAR é dever do MUNICÍPIO, imposto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pela Lei de Diretrizes Básicas da Educação e pela Constituição da República, sendo de se confirmar a decisão que concedeu liminar em ação civil pública movida pelo Município Público Estadual, com vistas a compelir a municipalidade a fornecê-lo às suas crianças." (AG , rel. Des. Edivaldo George dos Santos, DJ 20/02/2004). Registre-se, contudo, que a obrigação foi adimplida pelo Município de Veríssimo, o qual vem prestado os serviços de transportes às crianças. Recorre o Estado de Minas Gerais, assim, apenas quanto à multa imposta para o descumprimento da obrigação que lhe foi imposta. Impõe-se fundamental esclarecer, pois, a finalidade da multa.
5 A multa diária pelo descumprimento de decisão judicial, não tem por finalidade penalizar o obrigado, mas antes possui caráter preventivo, objetivando coagir o seu destinatário à realização de determinado ato. Por essa razão seu valor deve ser suficiente para alcançar essa finalidade coercitiva, considerando o patrimônio da pessoa de quem se exige a prestação. O Código de Processo Civil, em seu artigo 461, 4º, esclarece que a multa cominatória deve guardar correspondência com a natureza e o conteúdo econômico da obrigação. E, ainda, em seu 6º ressalva a possibilidade de o julgador modificar o valor ou a periodicidade da multa se, em momento posterior à sua imposição, verificar que se tornou insuficiente ou excessiva. No caso concreto, a ponderação do valor da multa, deve ser considerada em vista do cumprimento da obrigação imposta pelo Município, que vem prestando o serviço de transporte, sem embargo da aparente inércia do Estado em colaborar para tanto. Lado outro, atenta-se que os prejuízos acarretados às crianças são graves e irreparáveis, pois, nenhuma prestação pecuniária poderá compensar o tempo perdido, o período em que os estudantes ficaram impedidos de freqüentar as aulas, o que certamente os obrigou a envidar esforços extraordinários para compensar as aulas ou a inevitável perda do ano letivo. Considerando todos esses aspectos, tenho que a multa arbitrada em R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia é excessiva, sendo cabível sua redução. Para atender as peculiaridades do caso, observados, ainda, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, imponho a redução da multa para o equivalente a R$100,00 (cem reais) por dia. Quanto à alegação recursal de invasão de competência do Poder Judiciário em ações do Executivo, não merece acolhida. Nesse, o entendimento do Colendo STJ: "É lícito ao Poder Judiciário examinar o ato administrativo, sob o aspecto da moralidade e do desvio do poder. Como princípio inscrito no art. 37, a Constituição Federal cobra da Administração, além de uma conduta legal, um comportamento ético." (STJ - 1ª Turma; REsp nº ; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; DJU de 13/10/92, pág ). O pronunciamento do Eminente Ministro do Excelso STF, Dr. Marco Aurélio de Mello, quando da sua relatoria no Mandado de Segurança nº /RJ, bem define a questão em comento, possibilitando a manifestação judicial sobre o mérito do ato administrativo: "O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Constituição. O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pactuado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação dos Poderes. O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional." (STF - MS nº /RJ., DJU de 12/05/2000).
6 Evidente que a imposição judicial de uma obrigação ao órgão do Poder Executivo não implica em afronta ao princípio da separação dos poderes, pois o sistema da tripartição se sustenta em mecanismos de controle e fiscalização recíproca para que seja respeitada também a harmonia entre os Poderes e, sobretudo, o alcance do interesse público, pelo desempenho adequado e eficiente de cada uma das funções que lhe são atribuídas. O art. 5º, XXXV da CF/88 positiva que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Decorre que diante da verificação de que a Administração Pública vem realizando atos ou se omitindo em relação a obrigações de forma a ensejar lesão a direito subjetivo dos indivíduos, cabe a intervenção do Poder Judiciário. Sendo assim, não há que se falar em ofensa à independência dos Poderes, sendo perfeitamente possível decisão judicial sobre a questão ora posta. Em vista de todo o exposto, reformo parcialmente a sentença em reexame necessário, reduzindo o valor da multa cominatória imposta ao Estado para o equivalente a R$100,00 (cem reais) por dia. Prejudicado recurso voluntário. Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): SILAS VIEIRA e TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO. SÚMULA : REJEITARAM A PRELIMINAR E, NO REEXAME NECESSÁRIO, REFORMARAM A SENTENÇA PARCIALMENTE, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO Nº /001
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