Mulheres Que Fazem Trabalho De Homem (?): Divisão Sexual Do Trabalho No Corpo De Bombeiros De Montes Claros/Mg
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- Maria da Assunção Pinto Santana
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1 Mulheres Que Fazem Trabalho De Homem (?): Divisão Sexual Do Trabalho No Corpo De Bombeiros De Montes Claros/Mg Welberte Ferreira de Araújo * Sarah Jane Alves Durães ** RESUMO Esta proposta tem como objeto de análise as funções exigidas pelos postos de trabalho do Corpo de Bombeiros de Montes Claros/MG e sua relação com o sexo de quem as exerce. Partimos da premissa que os atributos exigidos pelo posto de trabalho tendem a ser reconhecidos diferencialmente como da ordem das masculinidades ou das feminilidades e, em decorrência, a corporação tende a associá-los, respectivamente, como aqueles que devem ser desempenhados por homens ou por mulheres. No caso do Brasil desde 1990 as mulheres passaram a integrar essa corporação e em Montes Claros isto ocorreu em Todavia, a sua entrada, por processo seletivo, está restrita a 10% do cômputo total das vagas. Ao encontro disso, pretendemos demonstrar que, mesmo diante de um processo seletivo de entrada universal e pública e de um desempenho igual ou superior ao sexo masculino durante o treinamento inicial da carreira, no momento da alocação e distribuição das tarefas a corporação tende a destinar às mulheres àquelas que são consideradas socialmente como inerentes ao seu sexo. Para tanto, valemo-nos da descrição das funções por postos de trabalho, da identificação dos bombeiros por sexo e seus respectivos postos, de diferentes ocorrências que se sucederam no período de e de quem as realizou. Dentre os aspectos constatados, das 940 principais ocorrências operacionais do Corpo de Bombeiro de Montes Claros no período de as mulheres participaram somente em 15 delas. A elas têm sido destinadas as atividades meramente administrativas, como tele-atendentes, PABX, despacho de documentos, etc. As considerações finais deste trabalho apontam a necessidade de elaboração de uma política de gestão para um melhor aproveitamento da mão-de-obra feminina, proporcionando a elas, a oportunidade para exercerem os mesmos papéis que os seus colegas masculinos em todos os ramos de atuação desta Instituição. Palavras-chave: Corpo de Bombeiros, Mulheres, Divisão Sexual do Trabalho. * Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros Unimontes e Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Social, da mesma universidade. ** Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professora da Universidade Estadual de Montes Claros 1
2 INTRODUÇÃO Os atributos relativos aos homens e às mulheres encontram-se marcados e revitalizados socialmente. Em geral, a simetria em volta desses dois modelos tende a positivar o pólo masculino como sendo a referência única no processo de socialização e produção de sujeitos como homens ou mulheres, sendo, portanto, por muito tempo colocado numa situação privilegiada na hierarquia social. Como fatos da ordem da cultura, os princípios masculinos e femininos concorrem para configurar uma ordem social hierárquica. Assim, as diferenças de gênero são construídas e reproduzidas com base em uma série de fatores, dentre os quais se destacam aspectos como a concepção de corpo, de natureza, da divisão sexual do trabalho, do sentido de família e dos atributos simbólicos vinculados à identidade social dos sujeitos; enfim, aquilo que se concebe como homem, mulher, marido, esposa, filho, hetero/homo, dentre tantos outros arranjos sociais possíveis. No âmbito das relações de trabalho, muitos estudos têm apontado um crescimento da participação da mulher na esfera pública, inclusive em profissões outrora reconhecida como tipicamente masculinas, dentre as quais se incluem as Instituições militares. A cultura popular reforça a crença de as mulheres executando as mesmas funções que os homens, neste tipo de profissão, são "casos excepcionais". Às que conseguem passar pelo crivo da invisibilidade, geralmente são representadas de maneira estereotipada. Este estudo desafia os estereótipos sobre as mulheres que fazem "trabalho de homens" através da pesquisa em um tipo de ocupação historicamente e predominantemente masculina: O Corpo de Bombeiros Militar. O ingresso de mulheres em todas as instituições militares brasileiras ocorreu em grande escala no período compreendido entre o final da década de 1970 e o final da década de 1990 (SCHACTAE, 2009). No Corpo de Bombeiros, o Estado de São Paulo foi o pioneiro, com a formação de 40 bombeiras no ano de Em Minas Gerais, através da Lei Nr de 18 de maio de 1993, houve a criação do Corpo Feminino com o efetivo inicial de 80 bombeiras femininas. Já em Montes Claros, foco desta pesquisa, no de 2002 ocorreu o ingresso de sete mulheres após 40 anos de criação do Corpo de Bombeiros na cidade. Neste cenário, esta pesquisa tem como objeto de análise as funções exigidas pelos postos de trabalho do Corpo de Bombeiros de Montes Claros/MG e sua relação com o sexo de quem as exerce. Esta pesquisa parte da premissa que os atributos exigidos pelo posto de trabalho tendem a ser reconhecidos diferencialmente como da ordem das masculinidades ou das feminilidades e, em decorrência, a corporação tende a associá-los, respectivamente, como aqueles que devem ser desempenhados por homens ou por mulheres. Ressalta-se que, como opção metodológica, este estudo não contempla todo o universo feminino do Corpo de Bombeiros de Montes Claros, que atualmente é composto de 26 mulheres, e sim apenas as sete, que passaram pelo curso de formação de soldados (Cfsd) no ano de 2002 e que 2
3 posteriormente foram alocadas nas alas operacionais 1. Diga-se que este critério se justifica pelo fato de que, essas mulheres tiveram a mesma formação dos homens e trabalharam durante três anos atendendo as diversas ocorrências operacionais para a qual foram treinadas, com esses mesmos colegas do ano de O CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADOS (CFSD) Soldado não tem sexo... Esta é uma das expressões utilizadas pelos instrutores durante o curso de formação de soldados. O jargão pressupõe o discurso da igualdade no tratamento dos militares independente do sexo. Assim, como na inclusão na carreira que ocorre no sistema universal e público, durante o período de formação o tratamento, os treinamentos são iguais para os dois sexos, com diferenciação apenas no tempo para execução de algumas atividades, que requer desprendimento de força física, como por exemplo, corrida, natação, etc. Os requisitos para realização do CFSD no ano de 2002 foram previstos em edital de concurso Público de acordo com a Resolução nº 060 de 06 de fevereiro de O edital deixou explícito que o candidato apresentasse: conduta ilibada, na vida pública e na vida privada, caracterizada por um comportamento irrepreensível para exercer a função policial bombeiro-militar, quer seja no convívio social, moral, escolar e trabalhista. São quesitos fundamentais a idoneidade; a aptidão para o serviço, onde será verificado o pendor e a vocação para o desempenho das funções de soldado; disciplina; aproveitamento escolar, perfil psicológico compatível com o desempenho da função e adequação física e mental. Após a seleção, incumbe ao Centro de Ensino Bombeiro militar (CEBOM) propiciar constante e adequada qualificação do policial bombeiro militar, por meio do curso de formação profissional e pelo treinamento, que visam à consolidação de valores sociais, morais e éticos; compete-lhe, também, atualizar conhecimentos técnico-profissionais e conservar o vigor físico, a agilidade e a destreza necessárias ao desempenho da função bombeiro-militar. O curso 2 teve também com um dos objetivos, suprir as vagas existentes, de acordo com o contingente legal previsto em lei, com candidatos de ambos os sexos, na proporção das vagas para cada sexo 3. A duração foi de nove meses com carga horária de 1060 h a, incluindo matérias operacionais e teóricas, sendo distribuídas notas como critério de avaliação de desempenho em cada disciplina. Ao final dos nove meses de formação é emitida pelo comando uma lista classificatória dos militares, com honras militares para os primeiros colocados do curso em cerimônia de formatura. 1 Representa o modo como o Corpo de Bombeiros distribui os militares para o atendimento das ocorrências junto a comunidade.parte do efetivo é distribuido em três alas operacionais que trabalham num plantão de 24 horas initerruptas e folgam 48 horas. 2 O curso de acordo com edital aprovado pelo resolução 060 de 2002, teve a duração de 09 (nove) meses acadêmicos, em regime de dedicação exclusiva, tendo, inclusive, atividades noturnas e em finais de semana. 3 Às mulheres são destinadas 10% do cômputo total das vagas oferecidas nos concurso públicos do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais 3
4 O profissional bombeiro militar também é treinado para a submissão de seu corpo através da disciplina apreendida nos cursos de formação e no cotidiano das relações internas. Na concepção de Ludwig (1998), o ensino militar é regido por uma pedagogia singular: O processo pedagógico é político porque visa formar profissionais adequados a uma hierarquia de trabalho, bem como inculcar nos alunos as reações de dependência e subordinação. O produto que sai dessas escolas, o educando formado, tenderá a exercer um tipo de cidadania caracterizado por um baixo nível de participação, por uma aceitação relativamente passiva das decisões emanadas das autoridades constituídas, algumas vezes ilegais e ilegítimas, e por uma capacidade admirável para suportar as frustrações decorrentes de uma vida em sociedade marcada pela desigualdade e injustiça (p.8). Goffman (1974) denomina a instituição militar como sendo uma instituição total que modela seus sujeitos, seus desejos e seus pensamentos. Neste sentido há uma preocupação constante, a partir dos treinamentos recebidos, que os militares devem se parecer um com o outro, ter os mesmos gestos e a mesma aparência. Desta forma, o processo de formação exige uma tarefa muito mais árdua para as mulheres do que para os homens. Isso deve pela preocupação em manter o padrão masculino da corporação. O padrão do cabelo, a cor do esmalte, o posicionamento da bolsa, a exigência de maquiagem em tons suaves, constituem numa figura feminina des-erotizada. Neste cenário, o que se observou é que mesmo subordinadas aos padrões masculinos e, submetidas às mesmas exigências físicas e mentais que seus colegas do sexo masculino, as mulheres lograram êxitos no Cfsd Todas concluíram o curso, sendo que, do total das mulheres, duas ficaram classificadas entre os dez melhores militares do curso. Sendo assim, o que se percebe é que as mulheres foram. Mas, superado este desafio, levantamos algumas problematizações a respeito destas relações conflituosas. Como se deu a alocação destas sete mulheres nos postos de trabalho? como visualizar alguma demanda sob a lente de gênero? Essas ponderações são importantes para a reflexão preterida neste estudo e é o que propomos a seguir. O PROCESSO E DIVISÃO DO TRABALHO NO CORPO DE BOMBEIROS Uma pesquisa organizada pela agência GFK 4 (Growth from Knowledge) divulgado em 2009, verificou que nos Estados Unidos e Europa que 92% dos entrevistados elegeram o profissional do fogo como o de maior confiabilidade dentre todas as profissões. No Brasil, para 95% dos entrevistados, exemplo do que ocorre no resto do mundo, os bombeiros são os profissionais que mais despertam confiança das populações A imagem de um bombeiro para a nossa sociedade reveste-se de um simbolismo significativo e preserva em si a imagem forte e límpida do policial militar, que devota sua vida em prol da sociedade. 4 O Grupo GfK foi criado há 70 anos na Alemanha como a primeira empresa de pesquisa do país. Hoje, está presente em mais de 60 países nos cinco continentes. A pesquisa foi realizada com pessoas no Brasil e em 16 países europeus e nos Estados Unidos 4
5 A organização do trabalho Bombeiro militar está alicerçado em dois princípios: a hierarquia e a disciplina. Assim, é possível identificar, a partir da análise da Lei Estadual 5.301, de 16 de Outubro de , uma gama de prescrições que incidem diretamente na execução do trabalho, nas relações que se estabelecem entre os Bombeiros e policiais e também, de forma mais ampla, aos princípios que devem pautar a conduta destes, mesmo fora do ambiente de trabalho. É o que aponta o Estatuto de Pessoal da Policia Militar (EPPM): Art. 8º - Hierarquia militar são a ordem e subordinação dos diversos postos e graduações que constituem carreira militar. 1º - Posto é o grau hierárquico dos oficiais, conferido por ato do Chefe do Governo do Estado. 2º - Graduação é o grau hierárquico das praças, conferido pelo Comandante Geral da Polícia Militar. 2 A disciplina militar é a exteriorização da ética profissional dos militares do Estado emanifestase pelo exato cumprimento de deveres, em todos os escalões e em todos os graus da hierarquia, quanto aos seguintes aspectos: I pronta obediência às ordens legais; II observância às prescrições regulamentares; III emprego de toda a capacidade em benefício do serviço; IV correção de atitudes; V colaboração espontânea com a disciplina coletiva e com a efetividade dos resultados pretendidos pelas IMEs. A estrutura hierárquica das Instituições Policiais Militares brasileiras está organizada de forma seqüencial, onde encontramos os círculos de oficiais e das praças. Num breve apanhado, é pertinente esclarecer que os oficiais de polícia (tenentes, capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis) possuem funções de comando mais amplas, eis que são agentes públicos nomeados pelos governadores dos Estados da Federação e do Distrito Federal, detentores de atribuições e prerrogativas estabelecidas nas Constituições Federais e de seus Estados Neste sistema, dividido em postos (atribuídos aos oficiais) e graduações (destinadas às praças). Leirner (1997) demonstra que o cerne da vida militar é operado pela hierarquia, estabelecida como uma espécie de "fato social total": ao mesmo tempo em que ela representa um princípio formador de identidade coletiva que estabelece uma fronteira clara com o mundo "de fora" (civis), a hierarquia também estruturaria as relações internas aos próprios militares. Dessa forma, tomamos a instituição militar como um mundo próprio (baseado numa escala hierárquica e organizado por características internas e exclusivas), interno e não-familiar aos civis. A seguir, está detalhada a distribuição burocrática do efetivo do Corpo de Bombeiros, subdividida em os postos e graduações obedecendo à legislação em vigor: 5 Vale ressaltar que em 1969,quando criado o estatuto de pessoal da Policia militar (EPPM) o Corpo de Bombeiros Militar,pertencia a Policia Militar,como uma sub-unidade.mesmo depois da desvinculação do Corpo de Bombeiros da policia Militar em 1999, muitos dos dispositivos legais continuam em vigor. 5
6 HIERARQUIZAÇÃO Círculo de Oficiais Superiores Círculo de Oficiais Intermediários Círculo de Oficiais Subalternos Círculo de Subtenentes e Sargentos Círculo de Cabos e Soldados ORDENAÇÃO Coronel Tenente-Coronel Major Capitão Primeiro Tenente Segundo Tenente Aspirante à Oficial Subtenente Primeiro Sargento Segundo Sargento Terceiro Sargento Cabo Soldado de Primeira Classe Soldado de Segunda Classe QUADRO 1 : Postos e graduações do Corpo de Bombeiros-MG Hierarquicamente, o corpo de Bombeiros subdivide-se em duas classes: oficiais e praças. Os oficiais iniciam suas carreiras no posto de aspirante à oficial e podem ascender até o posto de coronel (ver quadro 1: Postos e graduações do Corpo de Bombeiros-mg). Já as praças iniciam a carreira com a graduação de soldado e podem ascender hierarquicamente ao posto máximo de subtenente, podendo ainda fazer um concurso para oficial administrativo e ascender até o posto de capitão. Pode-se constatar que os artigos 36, 37 e 38 do Estatuto dos Militares - Lei nº 6.880/80 (BRASIL, 1980) pontua claramente as diferentes atribuições entre praças e oficiais, estabelecendo que o oficial é preparado, ao longo da carreira, para o exercício do Comando, da Chefia e de Direção das Organizações Militares. Os subtenentes e sargentos complementam e auxiliam nas atividades dos oficiais, incumbindo-lhes assegurar a observância minuciosa das ordens, das regras do serviço e das normas operativas, sendo que os cabos e soldados são essencialmente elementos de execução. Portanto, como se percebe, as funções inerentes as atividades executadas elos postos e graduações no Corpo de Bombeiro obedece criteriosamente às normas e regulamentos que rege a vida militar, independente do sexo de quem as ocupa. Assim, com estas especificações acima, observa-se que as mulheres do CFSD de 2002 ainda se encontram na sua totalidade na graduação de Soldado, ou seja, permanece na mesma graduação desde a formação em 2002, não ocorrendo ascensão na carreira profissional. Destaca-se ainda que, como elas ocupam uma graduação baixa na cadeia hierárquica, serão sempre subordinadas,quer executando tarefas administrativas ou operacionais. Quando comparamos a posição dos homens, em termos de ascensão profissional, nota-se uma evolução em relação às mulheres. Mesmo sendo oriundos do mesmo curso de formação de soldados, 14% do total de homens que concluíram o cfsd 2002 progrediram na carreira, assumindo posições de comando (oficiais) ou de fiscalização (sargento). Ressalta-se que os critérios para a ascensão na carreira é o mesmo tanto para homens quanto para mulheres. 6
7 D Araújo (2004) analisa em seu estudo a integração das mulheres às instituições militares. A autora propõe uma reflexão sobre a percepção que equivocada sobre as mulheres do universo feminino nas instituições militares: ( ) o mundo feminino é classificado de forma diferente e desigual e que as qualidades masculinas são exclusivas, assim como as femininas. E, entre as características femininas, a que mais aparece é a fragilidade. Temos assim, um paradoxo: como admitir mulheres, por natureza fisicamente débil, em uma instituição que por definição tem que lidar com o monopólio da força bruta? (p. 446) Desse modo, a autora constata que os superiores hierárquicos nas instituições militares vêem as mulheres como seres emotivos, pacificadores, indefesos, delicados, que necessitam de proteção, enquanto que os homens são tidos como seres fortes, agressivos, guerreiros, viris e, portanto compatíveis com a instituição militar que lida com o monopólio da violência com base no atributo da força física. Todos (as) os alunos (as) depois do período de formação, geralmente são deslocados (as) para as alas operacionais no intuito de trabalharem no atendimento as diversas ocorrências para a qual foram treinados (as) durante o período de formação. Supostamente, todos (as) atenderiam a qualquer tipo de ocorrência, independente do sexo. No entanto, como se observa nos gráficos a seguir,em algumas das principais ocorrências operacionais do ano de , foi ínfima a participação feminina nessas ocorrências, em alguns casos, chegando a ser nula a participação das mulheres. O que fica evidente é que há um estigma em relação à mão-de-obra feminina, e ainda reafirma de certo modo a existência de uma divisão sexual do trabalho. Corte de Árvores Fogos em matas Animal em perigo total de ocorrências Participação Feminina Afogamentos Gráfico 1 : Ocorrências Operacionais do Corpo de Bombeiros-MG 6 O período analisado ( ) coincide justamente com o período na qual as 07 mulheres incluídas na Corporação em Montes Claros no ano de 2002, trabalharam nas alas operacionais, responsáveis pelo atendimento das ocorrências operacionais. Depois deste período algumas destas militares foram deslocadas para a execução das atividades administrativas. 7
8 Ocorrências Operacionais Total Geral Total de Ocorrências Participação Feminina Gráfico 2: Número de ocorrências operacionais Os dados nos permitem observar que há severas restrições a atuação das mulheres na execução das tarefas inerentes a profissão e embora sendo as mulheres capacitadas durante o cfsd para tais tarefas, foram renegadas em comparação aos homens. Vale ressaltar que a rotina do corpo de Bombeiros não se resume às ocorrências operacionais. Assim, existe uma gama de serviços administrativos que serve de suporte para as próprias alas operacionais - ou até mesmo no interior das alas operacionais - que necessitam ser executadas para que a corporação possa atender as demandas do dia a dia. Deste modo, as mulheres passaram a executar cada vez mais estas funções mesmo nas alas operacionais, principalmente quando não recrutadas para determinadas ocorrências operacionais, conforme foi demonstrado. O que fica implícito é que prevalece discurso naturalista 7 que justifica tal exclusão, uma vez que das ocorrências especificadas acima o atributo da força física é essencial para a execução de tais tarefas. Logo, as mulheres como seres biologicamente frágeis, não estariam aptas para essas ocorrências. Desconsiderou-se toda a capacitação recebida por essas mulheres durante o curso de formação. A sociedade, ao longo do tempo, tende a naturalizar os papéis de homens e de mulheres e, assim, determinar seus espaços, referendados principalmente na divisão sexual do trabalho e no modo de vivenciar experiências afetivas e sexuais, promovendo uma complexa hierarquia e desigualdade de gênero. 7 Um dos pontos que sustentam essa concepção é o discurso do natural, conceito introduzido por Aristóteles para explicar as relações entre homens e mulheres. Segundo uma de suas leis, é natural que a mulher seja inferior, com base no argumento de que ela, incorporada na figura de Eva, tenha induzido Adão ao erro, isto na história bíblica da criação do mundo citado no livro de Gênesis. 8
9 Considerando os postos de trabalho pelo país, nota-se que as mulheres estão ausentes nos postos de trabalho que exigem manipulação de máquinas mais pesadas e níveis mais elevados de qualificação. A segregação das mulheres a certos espaços considerados redutos femininos é determinada pelo fato de que elas costumam desempenhar tarefas mais leves e simplificadas. Perrot (2002) contribui para elucidar a questão afirmando que o lugar que as mulheres ocupam nos postos de trabalho não é pautado pela técnica, mas, sim, por questões de status, que, tradicionalmente, (...) atribuem aos homens os postos de comando, de administração, as ferramentas complicadas e às mulheres as tarefas de auxiliares, de ajudantes, os trabalhos de execução, efetuada com mãos sem luvas, pouco especializados, e até mesmo manuais, e sempre subordinada (Perrot apud Hirata, 2002, p. 218). No Corpo de Bombeiros essa também é a realidade. Atualmente, as mulheres remanescentes da escola de formação de , todas foram remanejadas para o serviço administrativo, exercendo tarefas, tais como: secretariado, despacho de documentos, PABX, ou seja, exercendo funções que a sociedade considera como tipicamente femininas, mais adequadas à sua natureza. Num outro pólo, do total de homens remanescentes do cfsd 2002, apenas 24% exercem funções administrativas, tais como as mulheres. Portanto, constatamos que é latente a divisão sexual do trabalho na instituição e que mesmo apesar de muitas conquistas das mulheres nesse tipo de ambiente, há ainda desafios a serem superados. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme foi demonstrado, através de dados empíricos do ano de , boletins internos, memorandos, normas e regulamentos militares,bem como atribuições das funções dos postos de trabalho estabelecidas por lei, foram possíveis verificar que houve poucas alterações no modelo masculino vigente na instituição, com o ingresso de mulheres Batalhão de Bombeiros em Montes Claros no ano de O presente estudo identificou as diferenças latentes entre homens e mulheres no Corpo de Bombeiros. Percebeu-se ainda que no seio da Corporação, nos postos e graduações contemplados nesta pesquisa, o enraizamento do discurso da naturalidade, no qual a mulher é vista como frágil, portanto, inapta para exercer plenamente todas as atividades do serviço operacional e como conseqüência gera uma divisão sexual do trabalho na corporação. Este fato sinaliza para a necessidade de uma postura atenta, principalmente por parte dos gestores de segurança pública e em menor escala dos comandantes operacionais, aos obstáculos sutis, porém persistentes, embora, exista o discurso de igualdade reiterado pela corporação. 8 Das sete mulheres do Cfsd-2002,duas delas não pertecem mais o quadro de pessoal do Corpo de bombeiros em Montes Claros 9
10 Por fim, o que propomos com este trabalho, que o mesmo suscite o debate na expectativa de superação das relações de poder fixas que acabam nos parecendo tão naturais. E ainda os binarismos lingüísticos e as formas conceituais rígidas lidando com a multiplicidade, superando a subalternidade do universo feminino dentro da instituição. BIBLIOGRAFIA BRASIL. Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de Dispõe sobre o Estatuto dos Militares. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE MINAS GERAIS: 7 BBM. D ARAÚJO, Maria Celina. Pós-modernidade, sexo e gênero nas Forças Armadas.Security and Defense Studies Review, vol.3, nº.1, 2003.Disponível em: FRANCO, Maria A. Ciavatta. Estudos comparados em educação: uma discussão teóricometodológica a partir da questão do outro. In: CIAVATTA FRANCO, M. A. (org.) Estudos Comparados e educação na América Latina. São Paulo: Livros do Tatu: Cortez, 1992, p GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos [Asylums]. São Paulo, Perspectiva,1974. Lei Estadual 5.301, de 16 de Outubro de Estatuto de Pessoal da Policia Militar de Minas Gerais. Leirner, P. C. (1997). Meia-volta volver: um estudo antropologico sobre a hierarquia militar. Rio de Janeiro: Editora FGV. LUDWIG, Antônio Carlos Will. Democracia e ensino militar. São Paulo :Cortez, HIRATA, Helena. Nova divisão sexual do trabalho? Um olhar voltado para a empresa e a sociedade. São Paulo: Boitempo, PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002 SÃO PAULO. Mulher no bombeiro. Disponível em <http: // Acesso em 23/10/
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