Casal Intercultural: Influências na Dinâmica Familiar
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- Judite de Vieira Antunes
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1 Casal Intercultural: Influências na Dinâmica Familiar Autoras: Florinda Esther Mizrahi Albu Lilian Rodrigues Tostes Olga Leão O atendimento em clínica social de uma família cujo casal possui diferenças culturais, caracterizando assim um casamento intercultural, despertou o interesse nas autoras em pesquisar as implicações desse fato na dinâmica da família, cujos filhos são frutos dessa diversidade cultural. Casamentos interculturais tornaram-se mais frequentes a partir da Revolução Industrial. Com o surgimento da máquina a vapor passando pela invenção do navio, a revolução dos transportes até a invenção da locomotiva, favoreceram e intensificaram as trocas comerciais, as relações sociais entre países e os fluxos migratórios. A crescente heterogeneidade do mundo onde vivemos com uma consequente mistura cultural, penetram em nossas vidas a partir da globalização, por meio dos avanços nas áreas de comunicação, tecnologia, meios de transporte, os quais favorecem também a migração. As imigrações maciças entre as nações, os índices cada vez maiores de casamentos interculturais, a apatia religiosa, as conversões, a desconstrução e reconstrução da identidade de grupo, deixaram de ser exceções e tornaram-se regras. Mudanças que costumavam ocorrer durante várias gerações agora ocorrem em uma única. Frente a isso, nós terapeutas de família, começamos a perceber a necessidade de contribuir com um olhar mais amplo passando a considerar os aspectos culturais também como foco de atenção, quando casais e famílias chegam aos nossos consultórios. Enfatizamos com isso, a importância da ampliação do olhar dos terapeutas, na percepção dos vários fatores que influenciam na dinâmica dessas famílias com casamentos interculturais, como por exemplo, nos casos das diferenças de religião, onde os casais acabam realizando jogos de inclusão e exclusão a fim de conquistar o sentimento de pertencimento. Será importante também, um trabalho para ajudar as famílias a resignificar às interseções culturais não somente dos membros dessa família, mas também das suas famílias de origem. Observa-se que a cultura, o processo econômico e suas instituições provocaram alterações nos papéis da família e de seus membros em geral. Tanto assim que as famílias e os casamentos vêm passando por várias transformações. Nesse cenário, a contemporaneidade traz consigo novos estilos de família, modos de trabalhar, amar e viver, uma nova economia, novos conflitos políticos e, além de tudo uma modificação da consciência. O indivíduo é uma peça importante no fazer e ser da cultura, pois cada pessoa atua devido à influência cultural e contribui com seu pensamento e sentimentos individuais
2 A cultura segundo Morin, no Dicionário de Filosofia, é um patrimônio informacional constituído de saberes, maestrias, regras, normas próprias a uma sociedade. A cultura se aprende, se reaprende, se retransmite, se reproduz de geração em geração. Não está inscrita nos genes, mas ao contrário, no espírito cérebro dos seres humanos. A cultura, mais do que a herança genética determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações. O homem age de acordo com seus padrões culturais. Segundo McGoldrick (2003, pg.28),... o gênero, a raça e outras noções culturais estão constantemente em movimento, mudando nos significados e nas definições tanto por parte do observador quanto do observado. Sob o ponto de vista sistêmico a cultura não é um amontoado de valores, idéias e instituições que podem ser separados e atirados cada qual para sua categoria, mas um sistema complexo de elementos coordenados e completamente integrados. A cultura vai ser o resultado das escolhas que o homem faz para organizar a sua vida face ao que o rodeia. Estas escolhas são feitas em termos individuais, em comunidade, consciente ou inconscientemente. Para o desenvolvimento deste artigo, que possui como foco o estudo dos casamentos interculturais, consideramos que todos os casamentos implicam a descoberta e a subseqüente discussão sobre as diferenças. Segundo Peggy Papp (2002) o outro é o mundo da origem raça, religião, cultura e/ ou nacionalidade -, que traz consigo responsabilidades e lealdades coletivas diversas. Chamaremos esse mundo de inter, este é regido pelo conceito de uma rede de ligações em que cada indivíduo faz parte de uma história e de uma tradição familiar e nacional, vivendo esta lealdade comunal. O casamento não acontece apenas entre duas pessoas, mas também entre duas famílias. Neste mundo, as necessidades da comunidade substituem as necessidades do indivíduo. Entre os motivos pelos quais os casais interculturais procuram ajuda terapêutica estão: conflitos em torno da religião, da educação dos filhos, do casamento e as diferenças nas prioridades dadas às questões profissionais, pessoais e/ou familiares. O terapeuta além de ser sensível às expectativas do casal, não somente no que tange ao relacionamento entre eles, deve também ajudá-los a perceber que parte do problema que eles trazem é uma incompreensão sobre os significados culturais. Nós, terapeutas de casais e famílias, não podemos perder a perspectiva de um olhar sistêmico onde inclua um entendimento da família ampliada, do bairro, da comunidade e do envolvimento religioso dos clientes e do terapeuta, não deveremos ficar restritos aos limites do relacionamento de um casal ou de uma família. O papel do terapeuta será o de intermediário cultural, ajudando os membros da família a reconhecerem seus próprios valores étnicos e a lidar com os conflitos que surgem das diferentes percepções e experiências. Uma maneira de organizar o entendimento das diferenças é enquadrá-las em algumas categorias como: gênero, coesão familiar, expressão emocional, religião, etc
3 Além de conhecer a cultura é preciso conhecer a estrutura da família do indivíduo, pois é ela quem transmite a cultura, e, por essa razão, pode influenciar e determinar o papel e as responsabilidades dos membros dessa família no casamento. O processo de avaliação destas diferenças ajuda os parceiros a entender as tensões culturais não resolvidas, a ambivalência, e as oscilações na identidade. Negociar e lidar com as diferenças torna-se muito mais fácil quando este tipo de questão é claramente entendido e reconhecido. Uma das tarefas mais difíceis para os terapeutas é confrontar os casais com a necessidade de lidar com a perda de parte de sua identidade cultural. Cabe ao terapeuta ajudar os casais a reduzir as tensões provenientes destas escolhas. Como cultura e religião não são a mesma coisa, mas considerando que se justapõem, nós terapeutas de família quando atendemos casais interculturais, precisamos ficar atentos de que a questão desses casais não é somente com relação às normas comportamentais diferentes que são moldadas pela cultura, mas com a mistura das identidades culturais e religiosas. Este processo é muitas vezes complicado pelo fato de que um ou ambos os parceiros podem estar confusos ou em conflito sobre suas próprias identidades e pelas diferenças entre a identidade religiosa e cultural. Esses casais devem ter um olhar mais atento para as questões como, a religião a ser seguida pela família, como educar os filhos e a escolha da escola, muito mais cedo do que os casais que compartilham da mesma origem. Ambos precisam trabalhar para esclarecer seus valores culturais e religiosos para conseguir resolver com êxito suas diferenças. O conflito na relação destes casais muitas vezes ocorre quando os parceiros assumem posições antagônicas sobre as diferenças que inicialmente eram atraentes. Peggy Papp (2002) neste trecho abaixo coloca muito bem o que estamos querendo explicar: Independente dos motivos que alguém possa ter para iniciar um relacionamento intercultural, a complementaridade que, a princípio, os aproxima acaba sendo a raiz de futuros problemas; aquilo que nos atrai pela sua estranheza torna-se com o tempo fonte de conflitos. As crises exacerbam as diferenças, e, durante as crises, esses casais carecem de rituais e de conceitos que possam ajudá-los a lidar com os acontecimentos (Peggy Papp, 2002). Consideramos que independente das diferenças culturais, para que o casamento seja funcional, os parceiros precisam desenvolver os papéis de marido/mulher, pai/mãe, a partir de uma co-construção baseado nos referenciais de suas respectivas famílias de origem. Concordamos com os autores McGoldrick, Peggy Papp entre outros de que um motivo comum para alguém entrar nesse tipo de relacionamento (casais com culturas distintas) é a tentativa de escapar de sua própria cultura, que muitas vezes reprime, oprime ou não possui regras claras e definidas. As famílias ampliadas podem estereotipar negativamente o novo cônjuge, geralmente uma manobra auto-protetora, quando se sentem ameaçadas. Durante o namoro, uma pessoa pode ficar atraída justamente pela qualidade diferente do parceiro, mas num momento de conflito conjugal, as mesmas qualidades muitas vezes se tornam dificuldades
4 Segundo McGoldrick (2001)... as famílias variam na atitude em relação a sua etnicidade, em resultado do espírito de clã, do apego regressivo às tradições passadas e do medo de mudar as normas culturais de um lado, e de negar quaisquer valores ou padrões étnicos por outro. Nos grupos que experenciaram sérios preconceitos e discriminação, como os judeus e os negros, as atitudes familiares com relação à fidelidade ao grupo podem tornar-se bastante conflituadas e os membros podem inclusive voltar-se uns contra os outros, refletindo preconceitos do mundo externo. Em situação de crise, os parceiros tendem a retornar ao território familiar de suas culturas e religiões, como referência em busca de orientação nas suas mudanças. Aqueles sentimentos religiosos adormecidos podem explodir em momentos críticos, quando um ou ambos passam por um despertar de vínculos culturais em momentos diversos do ciclo vital da família. Se o casamento intercultural pode provocar uma cisão familiar, também pode enriquecê-la; há novas portas abertas à diversidade, às novas formas de comportamento e relações. A etnicidade padroniza nosso pensamento, sentimento e comportamento de maneiras obvias e sutis, embora geralmente opere fora de nossa percepção consciente. Nós vemos o mundo através de nossos filtros culturais e muitas vezes persistimos em nossas opiniões estabelecidas.(mcgoldrick, 1995) Iniciar e dar continuidade a um relacionamento intercultural, poderá ser uma experiência enriquecedora, uma vez que o somatório dos valores da diversidade das culturas poderá trazer uma ampliação da visão de mundo, não só do casal, dos filhos, como também para as respectivas famílias de origem, oferecendo novas opções de pensamentos e comportamentos. Os terapeutas devem estar conscientes de sua ressonância cultural e religiosa. Precisamos perceber que nossos próprios relacionamentos com a fé, a cultura e a comunidade têm impacto na maneira com a qual atuamos com os casais e as famílias, inevitavelmente acabamos por usar às características de nossas próprias culturas de origem como ponto de referência para definir a normalidade. Peggy Papp (2002) apresenta de forma sintética as metas básicas a serem atingidas durante o processo terapêutico em casos de casais interculturais: 1- Ajudá-los a reconhecer suas diferenças, sua complementaridade. 2- Validar as escolhas que fizeram com base na complementaridade e regularizar as abordagens e crenças de cada um. 3- Criar uma terceira realidade uma realidade transcultural que os conecte mesmo em momentos de crises ou transição (...). Isso representa para o casal o desafio de estabelecer em cada situação quem entre os cônjuges é capaz de fazer o sacrifício que levará a um compromisso e ao conhecimento de que o parceiro que se adaptou ao outro é o único que poderá tê-lo feito
5 A terceira realidade não é uma mistura indiferente de seus estilos e de suas personalidades, mas um cenário sobre o qual ambos podem ser eles mesmos e ao mesmo tempo, sensíveis às reações mútuas. É um espaço onde o casal pode tolerar um pouco de confusão e ter flexibilidade a fim de modificar suas opiniões e seus pontos de vista. Cada parceiro pode alcançar o equilíbrio entre lealdade à sua cultura e diferenciar-se dela, um equilíbrio entre normalidade e a diferença. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. CARTER, Betty; MCGOLDRICK, Mônica & Cols - As Mudanças no Ciclo Familiar Uma estrutura para a terapia familiar, Porto Alegre, Artmed Editora, MCGOLDRICK, Mônica (Org.) Novas Abordagens da Terapia Familiar Raça, Cultura e Gênero na Prática Clínica, São Paulo, Roca, PAPY, Peggy (Org.) Casais em Perigo Novas Diretrizes para Terapeutas, Porto Alegre, Artes Médicas, SCHNITMAN, Dora Fried (Org.) - Novos Paradigmas, Culturas e Subjetividade - Porto Alegre, Artes Médicas, COSTA, Teresa e Sara Criar Mundos Antropologia I 2006, Disponível em Acesso em: 13 de março de RUSS, Jacqueline Dicionário de Filosofia Editora Scipione,SP. SUGESTÃO DE FILMES Casamento Grego O Pai da Noiva - 5 -
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