Minimização do uso da água na indústria através da parceria entre universidade e empresas: o Projeto Braskem-Água

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1 Minimização do uso da água na indústria através da parceria entre universidade e empresas: o Projeto Braskem-Água Asher Kiperstok *, Moisés Silva **, Ricardo de Araújo Kalid ***, Emerson Andrade Sales ****, José Geraldo A. Pacheco Filho *****, Sandra Cristina de Oliveira ******, Christiane Perazzo *******, Daniela Fontana ******** Resumo O futuro dos recursos hídricos exigirá, cada vez mais, soluções inovadoras, tanto do lado da gestão da oferta como da demanda. Este trabalho apresenta a experiência do Projeto de Pesquisa Cooperativa Braskem-Água, desenvolvido pela Universidade Federal da Bahia e a Braskem, no âmbito da Rede TECLIM de Tecnologias Limpas, em parceria com outras instituições. O projeto visa a desenvolver mecanismos para reduzir o consumo de água e geração de efluentes líquidos da Unidade de Insumos Básicos UNIB, da citada empresa, no Pólo Petroquímico de Camaçari. Palavras-chave: minimização de água, minimização de efluentes, integração universidade indústria, produção mais limpa, petroquímica. Abstract The future of water resources will demand more innovative solutions, both from the supply and the demand sides. This work introduces the experience of a cooperative research work developed by the Federal University of Bahia and Braskem S.A. a large petrochemical site, trough the Clean Technology Network of Bahia, Brazil. This project seeks to develop mechanisms and technology to reduce water use and wastewater generation in Braskem s unit of raw materials and utilities in Camaçari. Key words: water minimization, wastewater minimization, university industry integration, cleaner production, petrochemicals. * Doutor pela University of Manchester Institute of Science and Technology, Reino Unido. Professor Adjunto da UFBA. asher@ufba.br ** Mestrando em Engenharia Química pela UFBA. Engenheiro da Braskem S.A. moisessilva@braskem.com.br *** Doutor pela Universidade de São Paulo USP. Professor Adjunto da Ufba. kalid@ufba.br **** Doutor pela Universite de Paris VII UP VII. Professor adjunto da UFBA. eas@ufba.br ***** Doutor pela COPPE. Professor Adjunto da UFBA. gera@ufba.br ****** Doutora pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho. Bolsista CNPq pelo projeto CT-PETRO/Braskem-Água. sandoliv@ufba.br ******* Mestre pela Universidade Federal de Pernambuco. Bolsista CNPq pelo projeto CT-PETRO/Braskem-Água. perazzochris@hotmail.com ******** Mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS. Bolsista CNPq pelo projeto CT-PETRO/Braskem-Água. fontana@ufba.br ANTECEDENTES A implantação do Curso de Especialização em Gerenciamento e Tecnologias Ambientais na Indústria, no Departamento de Engenharia Ambiental (antigo DHS) da Escola Politécnica da UFBA, em 1998, permitiu a abertura de um espaço novo de interação da universidade com as empresas da região, em torno do tema da Produção Limpa, uma abordagem que privilegia a resolução dos problemas ambientais na fonte geradora. Essa visão entende que enfrentar esses problemas exclusivamente a BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p ,

2 MINIMIZAÇÃO DO USO DA ÁGUA NA INDÚSTRIA ATRAVÉS DE PARCERIAS ENTRE UNIVERSIDADE E EMPRESAS: O PROJETO BRASKEM-ÁGUA partir de práticas focadas no tratamento e descarte de resíduos ( Fim de Tubo ) não permite ganhos de eco-eficiência compatíveis com o desafio do Desenvolvimento Sustentável. Antes, a lógica da Produção Limpa busca ganhos ambientais associados a ganhos econômicos. A experiência das empresas que adotam esta lógica mostra que, ao se focar o problema da poluição industrial na fonte geradora de resíduos, eliminando-se as perdas de processo que acabam se transformando em impactos ambientais, se consegue uma maior produtividade no uso dos recursos naturais. É a denominada hipótese de Porter do Duplo Dividendo (PORTER; VAN DER LINDE, 1995; KIPERSTOK et al., 2003; FUKASAKU, 2000 a,b). Visando a uma maior interação entre diversos atores interessados no tema, foi criada a Rede TECLIM, de Tecnologias Limpas, coordenada pela UFBA e com a participação de várias empresas, instituições públicas e centros de ensino e pesquisa (NASCIMENTO; KI- PERSTOK, 2003). A Unidade de Insumos Básicos, UNIB, denominada COPENE antes da fusão de empresas que gerou a BRASKEM, apoiou a formação da rede TECLIM desde seus primórdios, participando ativamente dela. Com o surgimento dos Fundos Setoriais e o financiamento de projetos cooperativos de pesquisa, surgiu a oportunidade de ampliar a interação entre a universidade e a empresa, no atendimento a uma demanda ambiental que ambas entendiam prioritária: a otimização do uso dos recursos hídricos e a minimização da produção de efluentes líquidos, com foco na sua eliminação na fonte. Surge o Projeto Braskem-Água (inicialmente denominado de Copenágua), iniciando suas atividades em março de Este projeto visa a identificar oportunidades de reduzir a produção de efluentes aquosos da UNIB, a partir da otimização do uso de água dentro do processo produtivo. JUSTIFICATIVA A BRASKEM/UNIB é a principal fornecedora de água industrial do Pólo Petroquímico de Camaçari. Os sistemas de proteção ambiental do Pólo Petroquímico de Camaçari foram concebidos na década de 70, segundo a lógica Fim de Tubo, operando em ciclos abertos e sem a preocupação de minimizar o consumo de recursos naturais A água que a empresa processa e distribui, seja para seus processos de fabricação de insumos petroquímicos básicos, seja para vender às empresas a jusante, representa uma vazão média de m 3 /h (BRASKEM-ÁGUA, 2003). Aproximadamente metade dessa vazão provem da barragem do Joanes II. A outra metade é extraída do aqüífero da formação São Sebastião, sob o distrito industrial. A água bruta é processada na unidade de tratamento da UNIB e encaminhada para a produção de vapor na unidade termelétrica, para a produção de olefinas e aromáticos e para os diversos clientes a jusante. Do total que entra na UNIB, em torno de 60% sai na forma de vapor e água para as empresas a jusante, 20% sai na forma de vapor para a atmosfera, notadamente das torres de refrigeração da fábrica, e os restantes 20% saem na forma de efluentes para os sistemas orgânico e inorgânico, operados pela CETREL. Se considerarmos um consumo per capita de 150 l/hab.dia, a vazão afluente à UNIB representa o consumo de uma cidade de quase habitantes. Esses valores permitem observar que mesmo as pequenas reduções no consumo de água, numa empresa deste porte e características, têm alta significância para o balanço hídrico regional. Mais ainda se levamos em conta que, atualmente, a Região Metropolitana de Salvador, RMS, importa água de regiões com balanços hídricos bem menos favoráveis, como as que contribuem com as águas represadas na barragem de Pedra do Cavalo, na bacia hidrográfica do rio Paraguaçu. Os esforços realizados para otimizar o uso de água no Pólo permitirão não apenas reduzir os custos operacionais das empresas como, também, adiar (ou até evitar) investimentos públicos vultosos na captação de água para a RMS. Os sistemas de proteção ambiental do Pólo Petroquímico de Camaçari foram concebidos na década de 70, segundo a lógica Fim de Tubo, operando em ciclos abertos e sem a preocupação de minimizar o consumo de recursos naturais. Essa concep- 558 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p , 2003

3 ASHER KIPERSTOK, MOISÉS SILVA, RICARDO DE ARAÚJO KALID, EMERSON ANDRADE SALES, JOSÉ GERALDO A. PACHECO FILHO, SANDRA CRISTINA DE OLIVEIRA, CHRISTIANE PERAZZO, DANIELA FONTANA ção merece uma atualização à luz do desenvolvimento dos conceitos de Produção Limpa e Ecologia Industrial, difundidos a partir da segunda metade dos anos 70 (MARINHO, 2001). O projeto Braskem-Água se insere dentro desta visão pró-ativa de atuação das empresas, representando uma modernização da sua postura ambiental e se antecipando às demandas decorrentes da aplicação dos princípios do Usuário-Pagador e do Poluidor-Pagador. OBJETIVOS E ASPECTOS METODOLÓGICOS Na medida que a aplicação dos conceitos de Produção e Tecnologias Limpas, em unidades produtivas de alta complexidade, ainda dependem de instrumentos em fase de desenvolvimento, o projeto Braskem-água foi concebido como um projeto cooperativo de pesquisa. Nesse sentido entendese que tanto a empresa como a universidade trabalharão juntas para desenvolver a tecnologia necessária para otimizar o uso de água na empresa. Os benefícios para a empresa se darão na forma da redução dos seus custos operacionais e adiamento de investimentos, tanto na captação e processamento da água industrial como no gerenciamento e descarte de efluentes aquosos. O projeto deverá identificar mecanismos para reduzir a produção de efluentes em pelo menos 30% nos dois anos previstos para sua implementação. Para a universidade, o projeto representa a oportunidade de desenvolver metodologia e tecnologia ambiental e, dessa forma, se habilitar a repassá-la aos seus alunos de graduação e pósgraduação. Mas o objetivo maior de ambos os parceiros é a melhoria do desempenho ambiental do setor petróleo e petroquímica, minimizando seus impactos e aumentando sua ecoeficência. São, portanto, objetivos do Projeto: Identificar e avaliar alternativas para minimização do consumo de água, reuso e reciclagem de efluentes líquidos; Capacitar técnicos da empresa e pesquisadores da Universidade; Contribuir com o crescimento da proposta de Produção Limpa na Bahia (COPENEÁGUA, 2002). Para se atingir esses objetivos, as seguintes linhas de ação estão sendo seguidas: Em um primeiro momento, procura-se uma melhor compreensão do ciclo hídrico da empresa. A indústria, de uma forma geral, tem priorizado o conhecimento dos fluxos de matéria-prima, produtos e subprodutos de maior valor. O fluxo da água, até mesmo pelo seu baixo custo atual, é relegado a um segundo plano, carecendo de instrumentos de medição e controle, com incertezas compatíveis com as verificadas no processo propriamente dito. Portanto, é inicialmente necessário evidenciar o ciclo hídrico da empresa (Figura 1). Em um segundo momento, após organizar os diversos processos pela sua dimensão quanto ao consumo de água, procura-se aprofundar o conhecimento dos principais processos, identificando-se tanto as correntes de matéria-prima e produtos como as de água e efluentes aquosos (Figura 2). Aplicar BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p ,

4 MINIMIZAÇÃO DO USO DA ÁGUA NA INDÚSTRIA ATRAVÉS DE PARCERIAS ENTRE UNIVERSIDADE E EMPRESAS: O PROJETO BRASKEM-ÁGUA o conceito de produção limpa ao processo é o passo seguinte. Conforme ilustrado na Figura 3, isso consiste em procurar no interior do processo, ao invés de na sua periferia, as causas para o consumo possivelmente desnecessário de água. Procura-se desde ineficiências operacionais, até oportunidades de mudança tecnológica ou de insumos que possam ser inseridas (LA GREGA, 1994; KIPERSTOK et al., 2002). As mudanças operacionais poderão ser imediatas. Na ocasião de paradas para manutenção podem ser inseridas modificações de curto e médio prazos. Mudanças tecnológicas podem fazer parte do rol de solicitações aos fornecedores de tecnologia ou de projetos de investimento na aplicação de projetos conceituais localmente desenvolvidos. A identificação de oportunidades de melhoria no consumo de água e produção de efluentes no interior do processo exige mudanças na forma de pensar dos operadores e projetistas, geralmente acostumados a delegar a questão dos efluentes aos responsáveis pelo seu tratamento e descarte (soluções Fim de Tubo). O reuso e reciclo dos efluentes é também considerado. Para tanto é necessário se evoluir para um novo paradigma, onde se elimina o conceito de efluente e se passa a enxergar as correntes aquosas de forma integrada, cada uma com a sua especificidade. Procura-se, então, atender um determinado processo com uma ou várias correntes aquosas, com qualidade apenas suficiente à necessária. Para tanto, as alternativas podem ser múltiplas (Figura 4). A escolha da melhor alternativa, tanto em termos técnicos quanto econômicos, é um problema de otimização para o qual tem sido desenvolvidos diversos modelos de programação matemática (EL HALWAGI et. al.,1992; KIPERSTOK; SHARRATT, 1997). A busca da solução ótima exige uma robustez nos instrumentos de otimização, e tem sido alcançada apenas em problemas teóricos. Pesquisadores da Escola de Química da UFRJ têm conseguido evoluir na busca de instrumentos de otimização menos complexos na sua aplicação. O Diagrama de Fontes (PESSOA et al., 2001 a, b) é um destes instrumentos que, no momento, está sendo implementado na forma de aplicativo computacional. 1 Para alimentar esses modelos é indispensável a montagem de uma tabela de oportunidades, como a representada na Figura 5. Para cada corrente, de cada processo, é necessário se definir a qualidade d água mínima aceitável, ou a composição máxima de contaminante de entrada (C in ) e de saída (C out ). Evidentemente que a qualidade de entrada e saída é dada por uma extensa combinação de compostos. Para tanto, os métodos de otimização utilizam algoritmos capazes de lidar com alternativas multicomponentes. Isso, na prática, só tem sido conseguido para problemas simples. 1 Os autores são consultores do Projeto Braskem-água e a metodologia tem sido repassada para profissionais da UFBA e do Pólo em diversos cursos apresentados nos últimos dois anos. 560 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p , 2003

5 ASHER KIPERSTOK, MOISÉS SILVA, RICARDO DE ARAÚJO KALID, EMERSON ANDRADE SALES, JOSÉ GERALDO A. PACHECO FILHO, SANDRA CRISTINA DE OLIVEIRA, CHRISTIANE PERAZZO, DANIELA FONTANA Figura 5 Tabela problema do método de Diagrama de Fontes (Pessoa e t al, 2001 a,b) Corrente ou Processo Vazão C in C out Mesmo não se pretendendo conseguir, pelo menos no momento, a solução ótima para um determinado problema, o método do Diagrama de Fontes, assim como outros métodos de otimização, permite ordenar as inúmeras variáveis e apontar para soluções de menor consumo de água. A experiência vivenciada no Projeto Braskem Água apontam para duas grandes dificuldades a serem superadas na aplicação de metodologias de minimização do uso de água industrial. A primeira diz respeito à insuficiência de informações sobre as correntes aquosas na fábrica, tanto com relação às vazões como à sua composição. A segunda se refere à identificação dos C in s de cada corrente e processo, isto é, qual é a mínima qualidade aceitá- BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p ,

6 MINIMIZAÇÃO DO USO DA ÁGUA NA INDÚSTRIA ATRAVÉS DE PARCERIAS ENTRE UNIVERSIDADE E EMPRESAS: O PROJETO BRASKEM-ÁGUA vel da água de alimentação deste processo. Se bem que uma resposta exata exigiria esforços consideráveis de simulação, respostas aceitáveis podem ser conseguidas com a colaboração dos técnicos responsáveis pelas respectivas unidades. Isso, contudo, exige desses profissionais um esforço para considerar situações não vivenciadas no momento. A integração hídrica dos processos deverá ser conseguida gradativamente a partir do momento que é colocada no planejamento da empresa e na preocupação dos seus colaboradores. A interação vivenciada entre os pesquisadores da UFBA e os técnicos e operadores da Braskem, nestes meses de trabalho, permite vislumbrar resultados animadores. A dificuldade relacionada à inexistência de informações detalhadas, ao nível requerido para promover a desejada integração hídrica, vem sendo superada com uma metodologia desenvolvida de forma a permitir um gradativo avanço do nível de conhecimento necessário. Nesse sentido, os balanços hídricos são fechados com uma determinada nota ou Qualidade de Informação (QI). Atribui-se à vazão considerada, para cada uma das correntes, uma QI entre 2.6 e 10. A nota zero seria atribuída à inexistência total de informações sobre uma corrente, o que raramente acontece ou pode ser superado facilmente. A nota 2.6 se refere a informações do projeto original corrigidas, se necessário, por opiniões da operação. A QI 10 é atribuída nos casos em que existe medição integralizada. A QI, a que um balanço hídrico faz jus, é a média ponderada, pela vazão, das correntes que dele fazem parte. Esta metodologia permite, ainda, orientar uma política de melhoria gradativa da qualidade da informação referente aos balanços hídricos da fábrica. Os dados dos balanços hídricos são submetidos a técnicas de reconciliação para melhorar a distribuição das incertezas existentes. O projeto passou por duas etapas distintas. A primeira fase foi realizada com os pesquisadores trabalhando a maior parte do tempo na UFBA e iniciou-se com a coleta de informações, processos e históricos sobre o uso de água e geração de efluentes na UNIB. Foi desenvolvido o conhecimento do processo, suficiente para reorganizar os balanços hídricos, passando as informações de planilhas para fluxogramas, fundamentais para a análise inicial do fluxo de água em um volume de controle global e por unidades operacionais. O surgimento dos primeiros ganhos de sinergia ocorreu à medida em que os pesquisadores questionavam sobre as lógicas dos processos e procedimentos adotados pela empresa. A segunda etapa do projeto foi desenvolvida com a equipe trabalhando dentro da empresa. Com a compilação das diversas informações de consumidores e efluentes levantadas, passou-se ao levantamento de dados de campo. O Conselho Deliberativo do projeto, criado para acompanhá-lo, avaliando seu encaminhamento, exerceu um papel fundamental para a alocação de tempo por parte dos técnicos da empresa no projeto e, dessa forma, permitir a desejada interação universidade-empresa. Para difundir esta proposta, foram indicados interlocutores por área. O papel inicial dos interlocutores foi o de mobilizar recursos em suas respectivas áreas, para possibilitar a execução do levantamento de dados por parte dos pesquisadores da UFBA que também foram capacitados para se deslocar sozinhos dentro das plantas industriais (curso de segurança e avaliação médica). Com isso, foi dada a autonomia necessária para os pesquisadores desenvolverem seus trabalhos na empresa. A formação da parceria pesquisador-interlocutor possibilitou a evolução da etapa de coleta de dados do projeto e gerou as condições necessárias para ganhos importantes de sinergia. A reunião de pessoas de formação e experiências distintas desenvolveu, nos pesquisadores, aspectos das relações humanas, de trabalho em equipe e de experiências em áreas industriais e administrativas de uma grande organização empresarial. Em contrapartida, essa diversidade entre os parceiros proporcionou, para os técnicos da Braskem, oportunidades de questionar crenças, práticas, procedimentos e lógicas dos processos produtivos, fundamentais na mudança para uma cultura direcionada para melhor uso dos recursos hídricos. O projeto tem permitido a criação de um ambiente bastante propício para o desenvolvimento da cultura de racionalização do uso de recursos naturais e para o surgimento de inovação tecnológica. Este ganho está sendo potencializado na UFBA 562 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p , 2003

7 ASHER KIPERSTOK, MOISÉS SILVA, RICARDO DE ARAÚJO KALID, EMERSON ANDRADE SALES, JOSÉ GERALDO A. PACHECO FILHO, SANDRA CRISTINA DE OLIVEIRA, CHRISTIANE PERAZZO, DANIELA FONTANA com a criação do Lablim, Laboratório de Otimização Ambiental e Produção Limpa, no DEA, Departamento de Engenharia Ambiental, em conjunto com o de Engenharia Química, que associam, em um mesmo espaço, os diversos projetos que hoje estão sendo desenvolvidos (com a Caraíba Metais, Deten Química, Monsanto, Griffin, BahiaPet, e Politeno). A permanente troca de opiniões entre a cultura acadêmica e a da empresa tem permitido a identificação e geração de diversas sugestões para a minimização do consumo de água e geração de efluentes. Enquanto ocorrem os levantamentos de dados sobre os balanços hídricos e a construção da tabela problema, antes citada, as sugestões geradas são cadastradas e organizadas em um Banco de Idéias. Esse banco é continuamente analisado quanto à sua viabilidade técnica e financeira e as idéias mais adequadas para o momento das diversas unidades da UNIB são aprofundadas. Caso sejam consideradas convenientes, as proposições são inseridas no planejamento anual da empresa ou imediatamente implementadas. RESULTADOS ALCANÇADOS Balanço Hídrico Os dados disponíveis das vazões de correntes aquosas foram compilados num balanço hídrico global, propiciando uma visão macro das entradas e saídas de água por áreas e na empresa como um todo. A partir deste, foram montados os balanços por unidade com o objetivo de identificar as correntes mais importantes em termos de vazão. Foram realizadas medições de vazões dos consumidores e dos efluentes e as vazões esporádicas foram estimadas a partir de dados de operação. A distribuição de água produzida na UNIB é mostrada na Gráfico 1, a seguir. A UNIB vende água clarificada (AC), potável (AP) e desmineralizada (AD) e vapor para outras fábricas. O percentual de venda em relação à vazão de entrada na Unidade de Tratamento de Água é de 58%. Os efluentes líquidos da empresa são divididos em dois grupos: o sistema inorgânico (SN) e o sistema orgânico (SO). Além desses efluentes, uma grande quantidade de água é lançada na atmosfera na forma de perdas de vapor e na forma de evaporação nas torres de resfriamento. Os dados de perdas de água nas torres de refrigeração foram estimados a partir de modelos de evaporação de torres de resfriamento e do fechamento dos balanços de massa. A distribuição de perdas de água do processo da UNIB é apresentada na Gráfico 2. Observa-se que a maior perda se dá na evaporação das torres de resfriamento. Os balanços hídricos das diversas unidades da UNIB foram realizados na forma de fluxogramas de água que podem ser transformados em fluxogramas de custos. Os balanços hídricos também foram organizados na forma de planilhas, de modo que, quando for necessário atualizar as vazões, basta mudar o valor na planilha de entrada de dados e o fluxograma será atualizado automaticamente. BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p ,

8 MINIMIZAÇÃO DO USO DA ÁGUA NA INDÚSTRIA ATRAVÉS DE PARCERIAS ENTRE UNIVERSIDADE E EMPRESAS: O PROJETO BRASKEM-ÁGUA Banco de idéias No período de seis meses, foram compiladas 46 idéias. Uma parte delas eram idéias sugeridas anteriormente por funcionários da empresa, mas que não tinham sido avaliadas com detalhe. Cada idéia teve uma avaliação preliminar, na qual foi identificado um nível de investimento previsto. Foi também atribuído um nível de impacto que a idéia pode causar se for implantada, com escala de um a cinco, levando em conta impactos ambientais, mudança de cultura na empresa e impacto financeiro (retorno anual com o mesmo valor do investimento). Observam-se três grupos distintos: o primeiro com alto impacto e investimento baixo (parte superior esquerda); o segundo grupo com baixo investimento e baixo impacto, que é menos oneroso para implementar, e o terceiro grupo com investimentos e impactos elevados. Uma parte das idéias está sendo avaliada pela equipe do projeto visando esclarecer a viabilidade de sua implantação. Outra parte será levada para discussão com técnicos e engenheiros da Braskem. O banco de idéias está sendo transferido para um sistema geo-referenciado, de forma a permitir a consideração de aspectos logísticos e facilidade de transporte dos efluentes para os processos que os receberão. Levantamento de efluentes e consumidores de água Foi montada uma tabela dos efluentes e consumidores de água, agrupados por área. Foram identificadas 195 correntes de entrada de água em processos. Oito delas com vazões acima de 10 t/h, representam 96,8% de toda a vazão que entra. Dessas oito correntes, as maiores são as torres de resfriamento e os make-up de desaeradores e a água para resfriamento da drenagem quente do vapor de diluição, que são os grandes consumidores de água da UNIB. Isso mostra que a grande maioria das correntes de entrada possui vazões menores. Foram identificadas 305 correntes de saída de correntes aquosas de processos: 16 delas apresentam vazão acima de 10 t/h e representam 66,9% de toda a vazão que sai como efluente. Um total de 17% das correntes possui ainda valores de vazão com qualidade muito baixa. Os efluentes com maior vazão vêm de oito fontes. Além desses, há diversos tipos de efluentes com vazões pequenas e médias que devem ser considerados no plano de medição para melhoria de sua qualidade de informação e para a caracterização físicoquímica. Essas correntes são promissoras para o levantamento das oportunidades de reuso. CONCLUSÕES Uma parte importante das perdas de água da UNIB (45%) se dá na forma de evaporação das torres de resfriamento. A redução dessas perdas e a conseqüente redução da demanda de água dos mananciais podem ser conseguidas a partir de uma maior integração energética das plantas. O uso de modelos de otimização não permite, ainda, a identificação da configuração de mínimo consumo de água e produção de efluentes em empresas com a complexidade da Braskem-UNIB. Isso se deve à falta de informações adequadas para alimentar esses modelos. Contudo, a metodologia proposta por esses métodos permite organizar as informações existentes e sistematizar a busca das que são necessárias para tanto. O próprio processo de busca da solução ótima permite encontrar propostas de melhoria substanciais. Nesse sentido, o Método do Diagrama de Fontes se constitui instrumento valioso de melhoria do desempenho da indústria quanto ao uso de água. O estágio atual do projeto não permite a divulgação de resultados numéricos de redução da produção de efluentes e consumo de água. Contudo, os dados disponíveis apontam para resultados expressivos num futuro próximo. A expansão da proposta em desenvolvimento na Braskem, para outras empresas do Pólo permitirá ganhos ainda maiores para o balanço hídrico da Região Metropolitana de Salvador e bacias hidrográficas próximas que abastecem a capital do Estado. Projetos semelhantes se encontram em andamento nas empresas Caraíba Metais e Deten Química (Projetos CT-Hidro/FINEP). Nas empresas Griffin, Politeno e Monsanto estão sendo também 564 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p , 2003

9 ASHER KIPERSTOK, MOISÉS SILVA, RICARDO DE ARAÚJO KALID, EMERSON ANDRADE SALES, JOSÉ GERALDO A. PACHECO FILHO, SANDRA CRISTINA DE OLIVEIRA, CHRISTIANE PERAZZO, DANIELA FONTANA desenvolvidos projetos, porém de menor porte (Projetos Recope/Fapesb/Finep). Os projetos de pesquisa em andamento poderão permitir a consolidação de uma metodologia para a minimização do consumo de água e produção de efluentes industriais que permitirão reduzir os impactos sobre os recursos naturais do setor petróleo e petroquímica. O modelo de interação propiciado pelos Fundos Setoriais de Pesquisa (FINEP/CNPq) permite a quebra de desconfianças e a efetiva aproximação e integração entre universidade e empresas, assentando as bases para a geração de inovação ambiental no Estado. Um dos aprendizados do projeto aponta para a importância de se aliar experiência profissional à formação acadêmica, na montagem de equipes de pesquisa e desenvolvimento em projetos desse porte. A aproximação desses saberes permite ganhos que extrapolam os objetivos diretos da pesquisa. A metodologia de atribuição de critérios de Qualidade de Informação mostrou-se proveitosa na superação das dificuldades usualmente encontradas em projetos de pesquisa e inovação desse porte. As atividades de capacitação propiciadas, contribuem com a qualificação tecnológica tanto da indústria como da universidade. Os resultados obtidos pela empresa, em termos da ampliação da sua visão ambiental, poderão redundar em ganhos expressivos, em termos do seu desempenho tanto ambiental como econômico. Os conhecimentos adquiridos, por sua vez, permitem a melhoria do ensino universitário de graduação e pós-graduação. Nesse sentido, podem ser considerados como uma opção importante para ampliar a disponibilidade de recursos para a universidade. REFERÊNCIAS BRASKEM-ÁGUA. Relatório parcial. Ago COPENEÁGUA. Projeto apresentado ao Edital CTPetro EL-HALWAGI, M. M.; EL-HALWAGI, A. M.; MANOUSIOUTHAKIS, V. Optimal design of dephenolization networks for petroleum refinery wastes. Trans IChemE/B, n. 70, p , aug FUKASAKU,Y. Innovation and environmental sustainability: a background. Innovation and the Environment, Paris: OECD, v. 1, p , 2000a,. Stimulating Environmental Innovation. STI review n. 25, special issue on sustainable development, Paris: OECD, v. 1, p , 2000b. KIPERSTOK, A.; SHARRATT, P. N. Optimization of pollution control operations in industrial sites considering decay capabilities of the receptors. Computers chem. Engng, n. 21, p. S977-S981, et al. Inovação e meio ambiente, elementos para o desenvolvimento sustentável na Bahia. Salvador: Neama, v p.. et al. Prevenção da poluição. Brasília: SENAI, v p. LAGREGA, M. D.; BUCKINGHAM, P. L.; EVANS, J. C. The Environmental Resources MANAGEMENT GROUP. Hazardous waste management. Singapore: McGraw-Hill, p. MARINHO, M. B. Novas relações sistema produtivo/meio ambiente do controle à prevenção da poluição. 198 p Dissertação. (Mestrado em engenharia ambiental urbana MEAU) - Universidade Federal da Bahia, Salvador. NASCIMENTO, L. F. M.; KIPERSTOK, A. Two new innovative environmental academic programs in Brazil. Bell conf. July 2003 PESSOA, F. L. P. Apostila do curso: Pinch Massa. Rio de Janeiro, 2001b. 92 p.. et. al. Design procedure for water/wastewater minimization: single contaminants. Rio de Janeiro, 2001a. submitted. PORTER, M.; LINDE VAN DER, C. Green and competitive. Harvard Business Review, p , sep./oct., BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p ,

10 Águas Subterrâneas As reservas de água subterrânea representam, se mobilizadas no seu total, um potencial explorável de m³/s, correspondendo a uma vazão 26% maior que a vazão regularizável do potencial hídrico superficial As reservas permanentes em água subterrânea dos cinco domínios hidrogeológicos homogêneos encontrados no estado da Bahia são da ordem de bilhões de metros cúbicos, com uma potencialidade explorável de 45,4 bilhões de metros cúbicos/ano (1.440m³/s). As bacias sedimentares Urucuia, Tucano, Recôncavo e Extremo Sul representam 20% do território baiano e concentram 92% da reserva de água subterrânea do Estado. Destas, a bacia do aqüífero Urucuia, situada no Oeste baiano, detém a maior reserva de água potável, estimada em bilhões de metros cúbicos, com potencialidade explorável de 23,0 bilhões de metros cúbicos/ano (730,6 m³/s). É responsável por 80% da vazão perenizada do rio São Francisco, no trecho baiano, com qualidade que a recomenda para qualquer tipo de uso. Atualmente seu uso está voltado para a irrigação. A bacia de Tucano, segunda mais importante em volume do Estado, com reserva de bilhões de metros cúbicos e potencialidade explorável de 5,2 bilhões de metros cúbicos/ano, por estar inserida na região semi-árida, assume importância vital para o abastecimento público humano e animal podendo, ainda, ser utilizada para pequenos e médios projetos de irrigação. A bacia do Recôncavo é a mais explorada, graças à grande demanda do Pólo Petroquímico de Camaçari. Possui reserva de 213,5 bilhões de metros cúbicos e potencialidade explorável de 1,7 bilhão de metros cúbicos/ ano (53,6 m³/s), sendo utilizada, também, para o abastecimento público, beneficiando inúmeras cidades e povoados. A bacia sedimentar do Extremo Sul tem sua vocação destinada ao abastecimento humano e animal. Os demais domínios hidrogeológicos do Estado Metassedimentar, Cristalino, Calcário e Detrítico representam 8% do potencial da reserva estadual e têm sua importância no abastecimento das populações rurais dispersas, dessedentação de animais e pequenas irrigações. Disponibilidade Hídrica na Bahia em 2000 regularização em reservatórios 8,5 bilhões de metros cúbicos em vazões naturais (Q90) 14,8 bilhões de metros cúbicos subterrânea (explorada) 1,5 bilhão de metros cúbicos subterrânea (potencial) 21,0 bilhões de metros cúbicos Fonte: Superintendência de Recursos Hídricos do Estado da Bahia SRH BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 566, 2003