SOUZA, Maria Isabel Brito de. Gênesis do cristianismo: identidades e desviâncias do judaísmo do I século.

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Betty Affonso Carmona
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1 SOUZA, Maria Isabel Brito de. Gênesis do cristianismo: identidades e desviâncias do judaísmo do I século. Esta comunicação tem por objetivo apresentar algumas considerações da pesquisa em andamento sobre a temática da gênesis do cristianismo e sua relação de identidade e diferença com o judaísmo do I século. Em nosso título colocamos a palavra desviâncias entre aspas para representar o distanciamento que a partir da pregação do Paulo nos foi apresentada. Grandes alterações caracterizaram o século I, como o jugo romano que marcou neste momento alterações significativas na vida da sociedade judaica. Em meio a tantos conflitos surgia uma nova religião, o cristianismo, que devido a este cenário se proliferou muito rapidamente. Os testemunhos literários do período nos apresentam judaísmo e cristianismo em um primeiro momento se entrelaçando, visto que num início se confundiam judeus e cristãos. No entanto, marca-se um distanciamento entre ambos a partir da figura de Paulo. Mas não podemos acreditar que esse choque tenha acontecido de repente; existem circunstâncias tanto política quanto religiosa que favoreceram esse movimento. O judaísmo se destaca por uma série de características formadoras de sua identidade tais como o monoteísmo e a eleição como povo de Deus, além do sábado, o calendário festivo, a circuncisão, as prescrições acerca das ofertas bem como dos alimentos e da pureza. É o distanciamento de algumas destas características que será entendido aqui como movimento de desviância, a partir dos registros presentes no livro dos Atos dos Apóstolos e nas cartas paulinas. Primeiramente iremos apresentar o responsável por este afastamento e de sua escolha pelo senhor. Paulo foi o escolhido para pregar para todos: Mas o senhor insistiu: Vai, porque este homem é

século. Em nosso título colocamos a palavra desviâncias entre aspas para representar o distanciamento que a partir da pregação do Paulo nos foi apresentada.

2 para mim um instrumento de escol para levar o meu nome diante das nações pagãs, dos reis e dos israelitas. (At. 9, 15-16) Quando Paulo começa sua pregação para além dos círculos judaicos, indo pregar para os gentios, começa ai uma nova fase no cristianismo primitivo, que deixa de ser uma seita e passa a ser uma religião que busca a universalidade. Para atingir seu objetivo de levar a Boa Nova para todos, Paulo se distancia de uma das regras do ser judeu, que é a circuncisão; ele afirma que a palavra de Jesus deve ser levada a todos, mesmo os não circuncidados. Este fato abriu uma brecha entre os cristão de origem judaica e os de origem gentílica. Como podemos ver em At. 13, 16-43: Então, levantando-se Paulo fez sinal com a mão e disse: Homens de Israel, e vós que temeis a Deus, escutai!... Este vós que temeis a Deus abre o leque para os demais, neste caso para os gentios. Aqui Paulo apresenta aos judeus sua missão de levar a Boa Nova de Jesus para toda a humanidade. At. 13, : Pois assim nos ordenou o senhor: Eu te estabeleci como luz das nações, para que sejais portador da salvação até os confins da terra ouvindo isto, os gentios se alegravam e glorificavam a palavra do senhor, e todos os que eram destinados à vida eterna abraçaram a fé. Assim, a palavra do Senhor se difundia por toda região. Mas os judeus não gostaram deste discurso de Paulo abrindo o cristianismo a todos indistintamente. Mas os judeus instigaram as mulheres religiosas de mais prestigio, bem como os principais da cidade. E moveram perseguição contra Paulo e Barnabé, expulsando-os de seu território (At. 13, 50)

uma religião que busca a universalidade.

3 Outro momento marcante foi a questão de Antioquia, que nos é apresentada por Lucas em Atos 15 e pelo próprio Paulo em Gl 2, Lucas, ao escrever no século I sobre a questão de Antioquia marca a importância desta controvérsia na formação do cristianismo. No texto de Atos 15, Lucas nos apresenta como os judeus encaravam a questão da inserção dos gentios no movimento de Jesus. E Paulo também, em Gl 2,11-20, nos apresenta toda a problemática do afastamento da Lei, não negando-a mas, afirmando que Jesus estava acima dela. Podemos observar que Paulo não irá rejeitar totalmente a Lei, mas procurar conciliar os ensinamentos de Jesus e a Tora. O próprio ensinamento de Jesus se baseia na Torá, mas seu testemunho vai além do escrito, onde a prática da palavra ultrapassa as fronteiras tradicionais. Como já acenamos no começo, ser judeu não quer dizer simplesmente crer num único Deus, mas também cumprir mandamentos. O critério da prática é determinante. Com freqüência define-se o judaísmo como uma ortopraxia, mais que como uma ortodoxia, ou seja o cumprimento de regras que definem pormenorizadamente a maneira de organizar e vivenciar a vida pública e privada. (SIMON, 1987, p. 56). Assim, observando o modo de ser judeu, somado as novas características de distanciamento das bases de identidade judaicas, apresentadas por Paulo buscaremos a compreensão do cenário palestino no momento da expansão do cristianismo. Schürer, 1979, apresenta-nos características da sociedade judaica que nos faz compreender esta situação de efervescências, que ultrapassava o campo religioso, nos favorecendo por meio de sua análise do período a levantar questões em volta do que nos foi deixado por Josefo, que em muitas situações não nos mostra sua verdadeira intenção. Os autores abordam o judaísmo que se coadunou com a cultura helênica, penetrando e criando raízes dentro e fora da sociedade judaica, o que nos faz perceber o

No texto de Atos 15, Lucas nos apresenta como os judeus encaravam a questão da inserção dos gentios no movimento de Jesus.

4 quão é imprescindível para a análise da gênesis do cristianismo estabelecer a relação judaísmo-cristianismo, e de que forma isto favoreceu a constituição de uma nova religião, a qual se permitiu reinterpretar a Lei, colocando esta não como fundamento de tudo, mas sim a fé em Jesus e a salvação como prioridade. O nosso projeto se encontra no início, com isto estamos em busca de respostas que possam preencher as lacunas que nos interessam, de modo a compreender o processo de formação do cristianismo, no que tinha de semelhante com o judaísmo e de diferente. Referências Bibliográficas BÍBLIA DE JERUSALÉM. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Publicada sob a direção da École Biblique de Jérusalem. Edições paulinas: São Paulo, JOSEPHUS, F. Jewish Antiquities, XII. London: William Heinemann Ltda, The Jewish War. Trad. H.St. J. Thackeray. Cambridge: Harvard University Press, 1990, 2 v. (Loeb Classical Library). JOSEFO, F. História dos hebreus. Obra completa. Trad. Vicente Pedroso. Rio de Janeiro: CPAD, Guerra de los judios y destrucción del templo y ciudad de Jerusalén. Trad. Juan Martíncordero. Barcelona: Obras Maestras Vol. I e II. BURKE, P. História e Teoria Social. Trad. Klauss Brandini Gerhardt e Roneide V. Majer. São Paulo: Ed. UNESP, (org.). A escrita da história. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Ed. UNESP, 1992.

O nosso projeto se encontra no início, com isto estamos em busca de respostas que possam preencher as lacunas que nos interessam, de modo a compreender o processo de formação do cristianismo, no que

5 CARDOSO, C. F. e VAINFAS, R. (orgs) Domínios da história. Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, suas fronteiras de F. Barth. Trad. Elcio Fernandes. São Paulo: Fundação Editora UNESP, ROCHA, I. E. Práticas e representações judaico-cristãs: Exercício de interpretação. Assis: FCL -Assis-UNESP Publicações, ROUGIER, Louis. O conflito entre cristianismo antigo e a civilização antiga. Trad. Manuela Barreto. Lisboa: Veja, SILVA, T.T. (org.) Identidade e diferença. A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, SIMON, M., BENOIT, A. Judaísmo e cristianismo antigo: de Antíoco Epifânio a Constantino. Trad. Sonia Maria Siqueira Lacerda. São Paulo: Pioneira: Editora Universidade de São Paulo, 1987.

O conflito entre cristianismo antigo e a civilização antiga. Trad. Manuela Barreto. Lisboa: Veja, 1995. SILVA, T.T. (org.) Identidade e diferença. A perspectiva dos estudos culturais.

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