A EDUCAÇÃO DE SURDOS: HISTÓRICO E BASES LEGAIS
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- Iasmin Minho Pedroso
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1 7 A EDUCAÇÃO DE SURDOS: HISTÓRICO E BASES LEGAIS 7.1 Introdução 7.2 A escolarização de surdos: um breve histórico 7.3 A função reguladora da linguagem 7.4 A Libras: questões legais 7.5 Implicações na prática pedagógica 7.6 Conclusão Referências Karina S. M. M. Pagnez Licenciatura em Ciências USP/ Univesp
2 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo Introdução A educação de surdos tem-se tornado uma problemática real para a escola desde 2002, ano em que foi promulgada a Lei da Libras. A escolarização de surdos, anteriormente, era uma questão exclusiva das escolas especiais para surdos. Atualmente, temos dois modelos para esta escolarização: as escolas bilíngues para surdos e a inclusão no ensino comum. Antes de adentrarmos a discussão desses modelos e de suas implicações na prática pedagógica em sala de aula, faz-se necessário apresentar um breve histórico da escolarização de surdos no mundo. 7.2 A escolarização de surdos: um breve histórico Diversos autores, entre eles Góes (2002), Mazzotta (1996), Soares (2005), Skliar (1998) e Sacks (2010), definem que o início da preocupação com a educação do surdo ocorre na Europa - na Espanha e na França - com o trabalho do abade C-M. de L Epée, que criou um sistema que articula gestos e o alfabeto manual; nasce o primiero método para ensino de pessoas surdas. Figura 7.1: A aquisição das línguas de sinais se inicia pelo contato com os sinais.
3 84 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 6 Um marco para educação de surdos no mundo foi o Congresso de Milão em Esse congresso configura a disputa entre duas propostas presentes na Europa: por um lado, a proposta alemã com o oralismo e, por outro, a proposta francesa com o uso de gestos e a língua francesa. As primeiras escolas para surdos são instaladas e funcionam a partir dessas duas vertentes. Nesse Congresso, não houve a participação efetiva de surdos, mas foram decididos os caminhos e opções teóricas para a escolarização desses alunos. Os ouvintes definiram que os surdos não deveriam utilizar gestos e o método definido por ouvintes era o oralismo. Essa opção marca o que Januzzi (2004) define como vertente médico-pedagógica - a tentativa de curar o surdo desse mal que o acomete. Um médico que atuou efetivamente para essa vertente no que se refere à escolarização do surdo foi Jean Jacques Itard, que utilizou métodos e técnicas da medicina, sangrias e ventosas para tentar recuperar a audição dos pacientes. Aristóteles já afirmava que era mais fácil educar um cego do que um surdo. Ao refletirmos sobre isso, podemos ponderar que o cego adquire uma língua, o que lhe possibilita a comunicação e inserção no meio oralizado. A aquisição de conhecimento ocorre por meio do uso do método Braille, que é uma representação da língua escrita por meio de pontos em relevo, definidos arbitrariamente. Ainda no método oralista, há relatos de que os surdos ficavam repetindo um mesmo som durante, em média, 8 horas; buscava-se fazer falar e ouvir alguém que não apresentava plenas condições biológicas para tanto; não é um processo natural. A partir dos resultados questionáveis do processo de escolarização com base no oralismo, foi questionada a efetividade do método. Como tentativa de estabelecer um diálogo e comunicação entre ouvintes e surdos consolida-se o método que ganhou o nome de comunicação total, no qual se utilizam gestos, mímicas, leitura labial, escrita, desenho, entre outros recursos. Góes (2002) escreve que nenhuma dessas propostas conseguia atender as demandas educativas dos surdos. Essa autora tem realizado diversas pequisas que investigaram o processo de aprendizagem do surdo, sua inserção social na escola e em sala de aula como também a problemática da constituição da subjetividade do ser surdo. Figura 7.2: O Braille possibilita ao cego o acesso à língua. 7 A Educação de Surdos: histórico e bases legais
4 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 6 85 Em 1960, W. Sotokoe desenvolve pesquisas sobre a língua americana de sinais, a partir da definição de três parâmetros. A partir daí, a análise linguística das diferentes línguas de sinais favoreceu a sua consolidação nos diferentes paíse do mundo. Cabe destacar que a língua de sinais não é universal; cada país tem a sua língua de sinais. A Libras Língua Brasileira de Sinais teve como base a Língua Francesa de Sinais e dela tem diferentes empréstimos. Quando a Libras é reconhecida como língua brasileira, passamos a ter pessoas bilíngues porque elas utilizam a Libras para comunicação com surdos ou ouvintes que dominem essa língua e aprendem a língua portuguesa em sua modalidade escrita, por força da lei. Temos então o modelo bilíngue que está em plena consolidação tanto teórica quanto prática. Esta questão é delicada porque estamos falando de duas línguas de modalidades diferentes - uma oral auditiva e a outra visual espacial. A diferença entre elas é compreendida no exercício da aprendizagem; a Libras quando aprendida possibilita uma mudança na funcionalidade do corpo, especificamente a dos membros superiores. Muitos ouvintes utilizam-se de um português sinalizado, o que compromete a aprendizagem da Libras, pois não podemos pensar em português e traduzir para Libras. As duas línguas apresentam estruturas e parâmetros diferentes, o que exige dos ouvintes um cuidado grande ao se comunicar em Libras. 7.3 A função reguladora da linguagem A defesa da Libras como língua natural do surdo tem como base a teoria histórico-cultural. Uma autora que tem investigado a educação de surdos com base nessa teoria é Góes (2002): para ela, a relação entre pensamento e linguagem proposta por Vygotsky (1997, 1998) permite-nos comprender que, para haver uma organização de pensamento, é fundamental a aquisição de uma língua pela mediação social: pais, cuidadores, entre outros. A função reguladora da linguagem proposta por Luria (1997) e os processos interpsicológicos e intrapsicológicos que lhe são fundantes nos permitem compreender a importânica da Libras para o desenvolvimento e aprendizagem do surdo.
5 86 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 6 Góes (2002) destaca que, ao estruturar a sua teoria, Vygotsky propõe a seguinte análise: As mudanças em seu modo de pensar sobre a mímica levam Vygotsky(1987) a se referir aos surdos para subsidiar suas discussões sobre pensamento e linguagem. Afirma então que a linguagem não depende da natureza do meio material que utiliza, o que importa é o uso efetivo de signos de qualquer forma de realização, que possam assumir papel correspondente de fato (Góes, 2002, p. 36). Para esse autor, não importa a modalidade de língua; o que nos interessa é ela assumir o papel de reguladora do pensamento e da própria linguagem. Além da oralidade, a escrita é uma aquisição significativa para o homem; essa aquisição ocorre no ensino sistemático e intencional. Os métodos ou as práticas pedagógicas utilizadas nesse ensino podem acarretar dificuldades na aquisição. A questão da dificuldade na aquisição da linguagem escrita para Góes (2002) não é prioridade dos alunos surdos, mas é de fato perceptível em um grande contingente de alunos: Estudos sugerem que pesssoas surdas, mesmo depois de terem passado por longo período de escolarização, apresentam dificuldades no uso da linguagem escrita. Na verdade, as limitações nessa esfera não são exclusivas das experiências escolares de surdos, nem inerentes à condição de surdez: um dos principais problemas está nas mediações sociais dessa aprendizagem, mais especificamente, nas práticas pedagógicas que fracassam também na alfabetização de ouvintes. Até agora, os processos de ensino de alunos surdos não têm conseguido atender à ampla maioria dos estudantes; existem casos de sucesso, os quais têm como mobilizadores familiares, profissionais e a perseverança dos surdos. A luta pelo reconhecimento da língua de sinais como direito do surdo resultou de uma luta de mais de duas décadas. A comunidade surda tem lutado pelo direito à língua e à identidade surda; essa comunidade é bastante resistente à entrada de ouvintes. 7 A Educação de Surdos: histórico e bases legais
6 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo A Libras: questões legais Em 24 de abril de 2002, foi sancionada a Lei nº , que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais. Composta por cinco artigos, consta na íntegra a seguir: Art. 1 o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visualmotora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Art. 2 o Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. Art. 3 o As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor. Art. 4 o O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente. Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa. Art. 5 o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação (Brasil, 2002).
7 88 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 6 Nessa lei reconhece-se a Libras, define-se a necessidade de formação de professores e fonoaudiólogos. Para regulamentar essa lei temos o decreto nº de 22 de dezembro de Em seu segundo artigo define: Art. 2 o Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras. Parágrafo único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (db) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz. A proposta de formação de professores presente no decreto é da Pedagogia Bilíngue, que atenderia à educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. Um aspecto que precisa ser destacado é o de que no decreto se faz referência à prioridade de atuação como professor de Libras de pessoas surdas. No que se refere ao ensino fundamental II e ensino médio, a proposta é a presença de intérprete de Libras. Assim sendo, a escolarização do surdo seria: I. escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental; II. escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade linguística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa. Figura 7.3: O contato com a Libras abre possibilidades. 7 A Educação de Surdos: histórico e bases legais
8 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo Implicações na prática pedagógica Alguns professores podem fazer a opção por atuar em escolas bilíngues, porque em alguns municípios as escolas especiais têm sido mantidas além das séries iniciais do ensino fundamental. Vários professores têm sido mobilizados a aprender Libras e atuar em escolas bilíngues que atendem ao ensino fundamental II e ensino médio. Nessas escolas, as aulas são ministradas em Libras, o que exige do docente uma proficiência na língua. Ainda contamos com a boa vontade de professores que se têm dedicado, por esforço próprio, à aprendizagem da língua. O primeiro passo é aprender Libras efetivamente e não produzir um português sinalizado. Ao produzir um português sinalizado, o professor não favorece a construção de conhecimento; a Libras é uma língua que exige uma descrição espacial e visual do contexto para que se possa consolidar a ideia a ser expressa, ou construído o conceito das mais diferentes áreas do conhecimento. Ocorre também a inclusão de alunos surdos em salas comuns com o atendimento educacional especializado (AEE) em contraturno; cabe destacar que o professor do AEE também precisa apoiar o docente do ensino comum no desenvolvimento de atividades em sala de aula. Nas experiências que tenho acompanhado com o ensino de alunos surdos e ouvintes em salas comuns, os benefícios na aprendizagem ocorrem para todos os alunos; o cuidado com a descrição e visualização de conteúdos tem favorecido a compreensão de alunos ouvintes também. Para que possamos cumprir efetivamente o nosso papel como docentes, considera-se pertinente que a Libras seja aprendida para podermos manter um diálogo direto com o aluno surdo. Cabe ao professor explicar ao aluno, o intérprete não é o professor do aluno; não podemos abrir mão de nossa responsabilidade pedagógica. Outro aspecto que deve ser destacado é o de que a aprendizagem da língua portuguesa em sua modalidade escrita é uma exigência da lei; precisamos elaborar diferentes metodologias que auxiliem na aquisição desta língua por parte dos alunos surdos. Figura 7.4: O ensino em Libras favorece a aprendizagem.
9 90 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo Conclusão Nesta aula, conhecemos um pouco da história da educação de surdos, seus principais modelos de ensino, com destaque para as bases legais para o reconhecimento da língua brasileira de sinais. Destaca-se a importância de que os professores do ensino fundamental II e ensino médio aprendam Libras para que possam manter uma comunicação direta com os alunos, explicando os conteúdos por meio de sua língua. Agora é a sua vez... Continue explorando os recursos disponíveis no Ambiente Virtual de Aprendizagem e realize as atividades on-line propostas para esta semana Modelos de Educação de Surdos e Aprendizagem da LIBRAS. Referências Brasil, Ministério da Educação. Secretaria da Educação Especial. Lei nº 10436, de 24 de abril de Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais- LIBRAS e dá outras providências. Disponível em: < Acesso em: 11/2013. Brasil, Ministério da Educação. Secretaria da Educação Especial. Decreto nº 5626, de 22 de dezembro de Regulamenta a Lei nº 10436, de 24 de abril de Disponível em:< Acesso em: 11/2013. Góes, M.C.R. Linguagem, surdez e educação. Campinas: Autores Associados, Mazzotta, M.J.S. Educação Especial no Brasil: história e políticas. São Paulo: Cortez, Sacks, O. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras, Skliar, C. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, A Educação de Surdos: histórico e bases legais
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