Visibilidade estatística da população afro-descendente da América Latina: aspectos conceituais e metodológicos
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- Maria Antonieta Terra Palmeira
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1 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) Comissão Européia Visibilidade estatística da população afro-descendente da América Latina: aspectos conceituais e metodológicos Versão preliminar (Pendente de revisão final pelo autor) Jhon Antón e Fabiana Del Popolo Santiago do Chile, fevereiro de 2008 Projeto CEPAL-Comissão Européia: Valorização dos programas regionais de cooperação da União Européia, direcionados ao fortalecimento da coesão social
2 Resumo Os novos cenários socio-políticos dos países da América Latina caracterizam-se por um maior reconhecimento da diversidade cultural dos Estados, assim como pela constituição dos movimentos afro-descendentes e indígenas como atores sociais e políticos ativos, conseguindo posicionar suas demandas nas agendas nacionais e internacionais. Isto implica a necessidade de desenhar e implementar políticas públicas inclinadas a fechar as brechas de igualdade que se manifestam sistematicamente entre estes grupos e o restante da população, produto da discriminação estrutural que perdura nos países da região. Nesse sentido, dispor de informação fiável, oportuna e pertinente sobre os afro-descendentes é um dos maiores desafios que os atuais sistemas estatísticos nacionais enfrentam, reiterando o componente tanto técnico como político que reveste a informação nos processos de ampliação das cidadanias. É por esse motivo que as demandas de informação constituem um assunto recorrente por parte das organizações afrodescendentes, instituições do Estado e organismos internacionais. Na América Latina e no Caribe, o conceito de afro-descendente refere-se às distintas culturas negras ou afro-americanas que emergiram dos descendentes de africanos, culturas estas que sobreviveram ao tráfico ou ao comércio de escravos. Se os afro-descendentes são o resultado de um longo processo de conservação, recriação e transformação de acordo com as condições sócio-históricas e econômicas que tiveram que viver (García, 2001), como utilizar, então, um conjunto de variáveis com sentido que permitam abarcar de forma suficiente a identidade afro nos instrumentos de coleta de dados? Trata-se de um assunto complexo e ainda não resolvido e, para avançar em algumas respostas, torna-se necessária uma revisão dos conceitos de raça e etnicidade, conceitos que foram as bases para a auto-identificação destas populações nos censos e pesquisas. Embora ambas as noções não sejam categorias fixas e possam ser compreendidas como construções sociais que respondem aos contextos políticos da história das idéias, do conhecimento institucionalizado e das práticas sociais, a "raça" associa-se a uma categoria fenotípica percebida, enquanto o termo "etnia" faz alusão ao povo ou comunidade; ou seja, entende-se por "grupo étnico" uma comunidade que não só compartilha uma identidade racial, mas que, além disso, compartilha costumes, território, crenças, cosmovisão, noção idiomática ou dialética e simbólica. Assim é como, ao analisar as experiências nacionais e principalmente a ronda dos censos do ano 2000, observam-se diferenças semânticas importantes na identificação étnica incluída nos instrumentos estatísticos, de acordo com a formulação das perguntas e suas categorias: às vezes faz-se alusão ao conceito de etnia e outras ao de raça. Além disso, os termos fazem referência às diferentes dimensões da definição de grupo étnico e implicam diferentes graus de exigências no plano subjetivo de um compromisso de pertencimento. Assim, o documento mostra que a operacionalização do critério de auto-identificação é um assunto complexo e delicado, que requer estudos qualitativos prévios, debates e reflexões e a implementação de testes piloto. Sem dúvida, sua definição constitui um fator chave nos resultados obtidos, fato que fica em evidência ao ilustrar como mudanças introduzidas nas perguntas proporcionam estimativas significativamente diferentes sobre a população afro-descendente.
3 A revisão dos instrumentos estatísticos permitiu, além disso, concluir que observam-se avanços importantes na inclusão do enfoque étnico principalmente nos censos da população, embora as perguntas tenham tido uma tendência a privilegiar os povos indígenas. Nas pesquisas de lares é menos universal e nos registros administrativos o atraso é evidente. O documento enfatiza a necessidade de estender a identificação étnica em todas as fontes de dados e oferece algumas recomendações a respeito. Por último, no plano técnico-político, insiste-se num aspecto chave de consenso internacional- para o sucesso do seu funcionamento : criar mecanismos de participação dos afro-descendentes ao longo de toda a operação, ou seja, desde o desenho dos instrumentos até a análise, a difusão e o uso da informação. Considerações finais e principais resultados A experiência revelada na região mostra que as agências de estatística começaram a responder às novas e crescentes demandas de informação relacionadas com os grupos étnicos, especialmente povos indígenas e afro-descendentes. Não obstante, isto ocorreu, principalmente, nos censos de população, em alguma medida nas pesquisas de lares, e claramente ainda existe um atraso em matéria de registros. A inclusão da identificação étnica nestas fontes de dados permitiria ampliar as possibilidades de desenvolver investigações e diagnósticos, elementos definidores para o desenho de políticas públicas. Além disso, o desenho de módulos adicionais nas pesquisas de lares pode ser uma boa alternativa para aprofundar nas situações particulares dos afro-descendentes, sempre que se revisem os tamanhos das mostras. Não obstante os avanços mencionados, ainda podem perceber-se debilidades e limitações em vários aspectos, desde a ausência de dados e informação, e sua sub-utilização (principalmente por falta de difusão e de cultura estatística), até notórias discrepâncias nos números das diferentes fontes. As razões destes erros são variadas e de diferente natureza, embora todas se enquadrem na construção de sociedades que historicamente negaram a diversidade étnico-racial como elemento constitutivo e que, portanto, tornaram invisível estatisticamente a sua existência. Não obstante, dados os novos cenários socio-políticos, este documento centrou-se em examinar os aspectos conceituais e metodológicos da identificação étnica nas diferentes fontes de dados socio-demográficos para avançar na compreensão do quê está sendo medido e oferecer algumas recomendações gerais, com vistas à inclusão do enfoque étnico na ronda de censos 2010 e no restante das fontes de dados. Atualmente, e principalmente a partir da experiência dos censos do ano 2000, pode-se dizer que a inclusão da identificação étnica nos instrumentos estatísticos tem como pano de fundo pelo menos duas posturas conceituais, embora não necessariamente opostas: uma delas que privilegia a identidade étnica, enquanto se tenta captar o sentido de pertencimento a um povo ou comunidade, e a outra que privilegia a identidade racial através da dimensão fenotípica, incluindo conjuntamente afro-descendentes e indígenas. Estabelecer fronteiras entre uma e outra não é uma tarefa fácil, principalmente porque tanto a identidade étnica como a racial constituem fenômenos multidimensionais relacionados, e, acima de tudo, não são atributos fixos mas que se modificam em função de uma variedade de fatores sociais e territoriais, inclusive dentro de um mesmo país. 3
4 Abraçar um determinado enfoque determina, portanto, as decisões metodológicas que irão configurando o sistema de classificação a utilizar, o que terá um impacto direto na quantificação e nas características socio-demográficas da população afro-descendente. Na tomada destas decisões é fundamental ter claro o que é que se deseja medir e com que objetivo; tal como proposto por Bucheli e Cabela (2007) para o caso do Uruguai, se se pretende quantificar e compreender os mecanismos de discriminação racial, a pergunta de ascendência não é a forma mais adequada... As pessoas não são discriminadas por sua ascendência, mas pelas marcas físicas deixadas pela sua ascendência. Neste sentido, ainda falta bastante debate na região e uma maior reflexão sobre estes temas na qual deveriam envolver-se acadêmicos, técnicos e os próprios povos e comunidades étnicas. Sem prejuízo ao anterior, chegou-se a alguns consensos internacionais importantes; um deles refere-se ao critério de classificação. Com efeito, a recomendação internacional é utilizar a auto-identificação ou a auto-atribuição a uma determinada categoria étnica, critério que está em completa consonância com uma perspectiva de direitos. Embora praticamente todos os países da região sigam esta linha, todavia não é um critério universal, ainda que esta situação afete à população indígena. Um dos principais motivos da resistência ao método relaciona-se com a influência que o contexto sócio-cultural e político de um país tem sobre os resultados. É certo que contextos de forte discriminação étnica ou racial podem conduzir a importantes subestimações de certos grupos étnicos. Entretanto, isso não deveria invalidar, a priori, a utilização do critério mas, ao contrário, trataria de procurar e implementar estratégias que conduzam ao seu sucesso, tanto no plano técnico como no político. Desta forma, no plano técnico recomenda-se promover na região e no interior dos países uma maior discussão para a revisão das perguntas de auto-identificação, tanto do seu desenho e redação como de seu conteúdo. Este trabalho mostrou que existem importantes diferenças semânticas entre as perguntas e as categorias utilizadas pelos países. A primeira delas, como já foi assinalado, relaciona-se com a distinção entre etnia e raça, o que define as categorias a incluir (por exemplo, negro ou afro-descendente ); a segunda diferença refere-se aos termos utilizados na redação, seja porque fazem referência a diferentes dimensões da definição de grupo étnico (por exemplo, ao perguntar se a pessoa "descende" ou se a pessoa "pertence") ou porque implicam diferentes graus de exigências no plano subjetivo de um compromisso de pertencimento (por exemplo, quando se faz alusão a povo ou quando se faz alusão a cultura ). A terceira diferença está relacionada com os distintos significados locais das categorias usadas e de suas variações sociais e territoriais (por exemplo, o termo negro entre a população branca ou mestiça costuma ter uma conotação estigmatizante, enquanto que entre alguns grupos afrodescendentes, de reivindicação sócio-racial). Isto põe de manifesto que a operacionalização do critério de auto-identificação é um assunto complexo e delicado, que requer estudos qualitativos prévios, debates e reflexões e a implementação de testes piloto. Sem dúvida, sua definição constitui um fator chave nos resultados obtidos, fato que ficou em evidência ao ilustrar como mudanças introduzidas nas perguntas levaram a estimativas significativamente diferentes sobre a população afrodescendente, ou seja, como estas mudanças captam universos diferentes da identidade étnicoracial. 4
5 A experiência da ronda de censos do ano 2000, embora mostre avanços importantes, está longe de encontrar a fórmula para quantificar os grupos étnicos (supondo que exista). Também não foram resolvidos outros temas fundamentais como a inclusão dos afro-descendentes em pelo menos todos os países que já possuem perguntas de identificação étnica. Também evidenciou-se a falta de comparabilidade entre as diferentes fontes de um mesmo país, situação que merece uma revisão urgente. Com relação a este ponto, cabe assinalar que o debate sobre a inclusão da identificação étnica nos registros, como as estatísticas vitais, não foi superado, apesar de que as recomendações das Nações Unidas enfatizem essa inclusão em todas as fontes de dados. Finalmente, no plano técnico-político, insistiu-se no âmbito internacional na abertura dos espaços de participação nestas questões, tanto aos povos indígenas como aos grupos afrodescendentes. As experiências do último censo, embora possam ser aperfeiçoadas, permitem prognosticar que quanto maior for a participação dos afro-descendentes ao longo de toda a operação, melhores serão os resultados alcançados. Igualmente, é fundamental atribuir os recursos necessários para realizar campanhas de sensibilização que incluam processos de divulgação entre a população em geral, assim como processos de conscientização entre os afrodescendentes, principalmente nos países com pouca tradição nestes assuntos. 5
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