A PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR E A INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
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- Otávio Valverde Mangueira
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1 A PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR E A INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA Matheus Corredato Rossi 1 Publicado originalmente em Fundos de Pensão Revista da ABRAPP / SINDAPP / ICSS. n São Paulo: mai/06. A importância dos mercados financeiro e de capitais é conhecida por possibilitar que os agentes econômicos sejam colocados em contato a um custo mínimo e com as menores dificuldades possíveis, resultando em aproveitamento das oportunidades, benefícios de produtividade, de eficiência e bem-estar da sociedade. 2 Em linhas gerais, a poupança e o investimento constituem os pilares desses mercados que integram o Sistema Financeiro Nacional, vez que a ampliação da capacidade produtiva decorre da utilização dos recursos poupados, próprios ou de terceiros. Considerando que as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) agregam poupanças de trabalhadores e alocam recursos em diferentes investimentos, é possível afirmar que as mesmas desenvolvem atividade de intermediação financeira? Certamente, a resposta a essa indagação exige uma análise além dos seus aspectos econômicos, alcançando os princípios que norteiam a atividade desenvolvida pelas EPFC, bem como a 1 Advogado do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, mestrando em Direito pela PUC/SP. 2 ANDREZO, Andrea Fernandes e LIMA, Iran Siqueira. in Mercado Financeiro: aspectos históricos e conceituais. 2.ed. rev. e ampl. São Paulo: Thompson,
2 disciplina incidente sobre a aplicação dos recursos dos planos de benefícios. As EFPC têm papel fundamental nos mercados financeiro e de capitais através da busca pelos melhores investimentos a partir dos princípios de segurança, rentabilidade, solidez e liquidez. Basicamente, no mercado financeiro realizam as operações de renda fixa e no mercado de capitais há predominância para as operações de renda variável. É no mercado financeiro que encontramos a presença da atividade de intermediação financeira promovida pelas instituições financeiras através da centralização da oferta e da busca de capitais. Já no mercado de capitais observamos a captação de recursos pelo tomador diretamente juntos aos poupadores através de operações com valores mobiliários. A intermediação financeira é por excelência a atividade realizada pelas instituições financeiras através da captação de recursos e do empréstimo ao tomador a taxas mais elevadas. Tem-se, assim, a origem desse conceito a partir da definição de instituição financeira, qual seja: a pessoa jurídica que tenha como atividade de coleta, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, cumulativamente, conforme previsto na Lei do Sistema Financeiro Nacional (Lei nº 4.595/64, art. 17). Não se pode admitir que o regime jurídico de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, tampouco as normas pertinentes à aplicação dos recursos dos planos de benefícios editadas pelo CMN, tenham equiparado tal atividade como sendo de intermediação financeira afeta a outro regime jurídico totalmente diverso. 2
3 Evidentemente que, essa não foi a intenção do órgão regulador ao vedar que as EFPC atuem como instituição financeira concedendo empréstimos ou financiamentos ou abrindo créditos sob qualquer modalidade a pessoas físicas ou jurídicas, como se observa no art. 64, inciso I, da Resolução CMN n. 3121/03. Isso porque, parece-nos incorreto afirmar que, com exceção das aplicações tipificadas na própria Resolução, toda e qualquer alocação dos recursos dos planos de benefícios pela EFPC encerra uma atividade de intermediação financeira típica das instituições financeiras. É bem verdade que o art. 29 da Lei 8.177/91, cuidou de integrar as EFPC no Sistema Financeiro Nacional ao equipará-las às instituições financeiras para sobre elas fazer incidir as normas do Banco Central do Brasil, ampliando-se assim a competência do Conselho Monetário Nacional (CMN) exercida até então sobre as diretrizes das aplicações. Sem adentramos na discussão de sua constitucionalidade, tal equiparação refere-se exclusivamente à disciplina das operações financeiras, vez que restou mantida expressamente a competência específica do Ministério da Previdência Social -MPS sobre o regime jurídico das EFPC. Justamente por ser restrita a um segmento das aplicações, a equiparação prevista na lei não tem o condão de caracterizar a atividade das EFPC como sendo de intermediação financeira. Como é cediço, tanto as operações financeiras, quanto as operações de valores mobiliários e demais segmentos, fundamentam-se no mesmo princípio da necessidade de se auferir ganhos e rendimentos indispensáveis à estabilidade econômico-financeira e atuarial dos planos de benefícios. 3
4 Quanto à competência do CMN para disciplinar as diretrizes das aplicações das reservas técnicas, fundos especiais e provisões dos planos de benefícios, entendeu o legislador que tal atribuição deveria ficar sob a responsabilidade do órgão de formulação da política da moeda e do crédito na busca do desenvolvimento econômico e social do País, não guardando relação alguma com o exercício do seu poder de regulação no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, sem prejuízo da competência específica sobre o regime jurídico da previdência privada. 3 Basicamente, desde a década de 70 as aplicações dos recursos garantidores das reservas técnicas dos planos de benefícios estão estruturadas a partir dos segmentos de renda fixa, renda variável, imobiliário e empréstimos e financiamento a participantes e assistidos. Como afirmado acima, nem toda operação financeira diversa daquelas elencadas pelo CMN pressupõe o reconhecimento de que EFPC tenha atuado como instituição financeira, nos termos do art. 64, inc. I, da Resolução CMN n. 3121/03. Chamamos a atenção para os entendimentos consolidados na doutrina e jurisprudência no sentido de que o conceito de instituição financeira, além do elemento da intermediação financeira (coleta, intermediação e aplicação de recursos) tal como visto acima, pressupõe a realização habitual e profissional da atividade dirigida a uma finalidade lucrativa. Confira-se: a caracterização jurídica da intermediação financeira verifica-se em função de três elementos: a) a ocorrência de intermediação que supõe o dar e receber recursos financeiros, 3 Sobre a competência do CMN, confira-se a anotação de Flavio Martins Rodrigues: Veja-se que o dispositivo legal refere-se a diretrizes, portanto conjunto de instruções genéricas, jamais podendo determinar um grau de detalhamento capaz de impossibilitar aos gestores de planos previdenciários atuar com vistas à maximização de retornos para os integrantes dos arranjos previdenciários. ( Previdência Complementar: Conceitos e Elementos Jurídicos Fundamentais. in Direito Previdenciário. Niterói: Impetus, p. 283/315). 4
5 porém atuando, o intermediário, como credor e devedor, ou seja, o intermediário capta o dinheiro alheio e o vende, com juros, assumindo diretamente o risco do negócio; b) a participação na cadeia obrigacional, de tal sorte que não haverá intermediação financeira se o intermediário não é devedor de quem lhe entregou o dinheiro e credor daquele para quem emprestou; c) a interposição do crédito, de tal sorte que o objeto da instituição financeira é constituído precisamente pela negociação do crédito, meramente o tomar o dinheiro ou emprestá-lo não é atividade típica e privativa de instituição financeira: pode-se dizer, então, que o intermediário financeiro é aquele que recebe o dinheiro para o fim de emprestá-lo com juros. Além dos elementos acima, a caracterização legal de instituição financeira não pode prescindir dos elementos de habitualidade e profissionalidade. A habitualidade significa a repetição de atos da mesma espécie, de forma constante e permanente. A profissionalidade implica na atividade especializada e dirigida a uma finalidade determinada, necessariamente lucrativa, desempenhada de forma pública e notória. 4 De igual modo é a jurisprudência do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), vejamos: RECURSO VOLUNTÁRIO Exercício de atividades típicas de instituição financeira sem a competente autorização do Banco Central do Brasil Ausência de habitualidade e profissionalidade Irregularidade não caracterizada - Apelo a que se dá provimento. 5 Diante de tais entendimentos, não menos equivocada é a conclusão de que a realização de investimentos pelas EFPC não tipificados pelo CMN, implica necessariamente na equiparação à 4 EIZIRIK, Nelson. in Administração De Cartão De Crédito Constitui Atividade Privativa De Instituição Financeira?, RDM 88/25. Ainda, a legislação bancária só se aplica a quem profissional e habitualmente, com espírito de lucro, faz a coleta, intermediação e aplicação de recurso de terceiros (não próprios). (WALD, Arnoldo. in A Evolução do conceito de Instituição Financeira. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais nº 28, p. 224). 5 Acórdão/CRSFN 3578/02, DOU de , Seção I, p.21. No mesmo sentido: Recursos 2460/98, 2461/98, 2511/98, 2814/00 e 4210/03. 5
6 atividade de intermediação financeira, por força do art. 64, inc. I, da Resolução CMN n. 3121/03.6 Há que se distinguir a realização de operação financeira da atuação como instituição financeira, este último caso fundado na profissão habitual. Referido dispositivo tem aplicação imediata nos casos em que se verifica um desalinhamento com o princípio da necessidade de se auferir ganhos e rendimentos indispensáveis à estabilidade econômico-financeira e atuarial dos planos de benefícios, a partir da constatação de práticas reiteradas pelas EFPC de concessão irregular de empréstimos e financiamento a terceiros, de modo a caracterizar a presença dos elementos da habitualidade e profissionalidade indissociáveis da prática de atos de intermediação financeira (coleta, intermediação e aplicação de recursos). Neste caso, há ainda a violação ao art. 18 da Lei 4.595/64 por falta de autorização para funcionar como instituição financeira pela Banco Central. De qualquer forma, quando a Resolução CMN nº 3.121/03 emprega a expressão atuar como instituição financeira, obrigatoriamente devemos recorrer ao conceito dessa atividade expresso no ordenamento jurídico. Dentre as regras de hermenêutica importa destacar o princípio da tipicidade que pressupõe a existência de conceitos determinados, de modo que os elementos integrantes do tipo sejam precisos e determinados na lei, a fim de que os aplicadores do direito não possam valer-se de critérios subjetivos na aplicação da norma ao caso concreto. Concluindo, a realização de investimentos pelas EFPC em hipótese alguma poderá ser confundida com a atividade de financiamento praticada pelas instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, vez que os seus investimentos em negócios ou empresas com 6 Tal situação caracteriza a infração prevista no art. 103 do Decreto nº 4.942/03, mas não precisamente a intermediação financeira pelas EFPC. 6
7 boas perspectivas de rentabilidade é atividade essencial para que as mesmas possam obter o benefício econômico necessário à preservação de sua reserva técnica, indispensável ao cumprimento de sua atividade-fim. 7
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