Favor e cordialidade no diário íntimo de Altino Arantes
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- Brenda Flores Tomé
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1 Favor e cordialidade no diário íntimo de Altino Arantes Keila Nunes Ribeiro 1 ; Robson Mendonça Pereira 2 1 Bolsista PBIC/UEG Graduada em História UnUCSEH UEG 2 Orientador, professor do curso de História da UnUCSEH - UEG. RESUMO: A pesquisa dedicada a cartas e diários tem se ampliado significativamente na historiografia brasileira, com a produção de trabalhos bastante relevantes sobre épocas, personagens, situações e contextos a partir do universo íntimo e pessoal contido nesse tipo de fonte. Embora a correspondência ou o diário sejam feitos para a intimidade, e o interesse que despertam possa atiçar o interesse do leitor, são fontes ricas para se desvendar subjetividades do remetente e do destinatário, além de recuperar partes do passado e formas de construção da memória, principalmente quando se torna possível o acesso a elas. Portanto esta pesquisa tem como objetivo estudar e analisar o diário íntimo de Altino Arantes (governador de São Paulo ( ), enquanto construção autobiográfica de sua personalidade, estudando uma época através de uma imagem ou de uma representação subjetiva que revela nas suas minúcias micro-históricas aspectos de uma sociabilidade pouco estudada. Altino Arantes escreveu seu diário no decorrer de seu mandato como governador do Estado de São Paulo. Dentre os temas de sua vida privada, o que mais chama a atenção são os fatos políticos explícitos em seu diário, tais como: reuniões com secretariado, pedidos de favor, nomeações políticas, eleições, conflitos sociais, paredes operárias, etc. Será através desses relatos da intimidade de Altino Arantes que vamos procurar identificar como se processava a questão do favor e da cordialidade dentro da política brasileira no período conhecido como República Velha ( ). Palavras-chave: Política, São Paulo, favor e cordialidade, diário intimo e Altino Arantes Introdução 1
2 Na história política brasileira, em qualquer época, a prática do favor esteve sempre presente e constitui um foco de análise bastante profícuo, porém muitas vezes limitado na sua comprovação em termos de pesquisa histórica quando o pesquisador tem em mãos apenas as fontes oficiais. Nesta pesquisa buscaremos identificar essas mesmas práticas durante a chamada República Velha ou Primeira República ( ), através da análise de documentos de caráter privado, neste caso o diário íntimo e a correspondência passiva pertencente a Altino Arantes Marques, político paulista que ascendeu neste mesmo período chegando à presidência de seu estado. Seu diário se inicia justamente quando de sua posse neste mesmo cargo em 1 de maio de 1916, tendo antes sido eleito deputado federal e servido como Secretário de Negócios do Interior no governo de Rodrigues Alves ( ). Indicaremos algumas possibilidades de análise metodológica e histórica deste material, significativamente no que concernem as práticas políticas do período. Para conceituarmos melhor o termo favor temos de nos remeter ainda ao período anterior a Proclamação da República. No âmbito da sociedade escravocrata os homens livres e pobres, sujeitos ao favor dos senhores de terras, amesquinharam-se na sombra de suas dádivas. A cultura política do favor sobreviveu ao domínio privado das fazendas e engenhos coloniais. À abolição da escravatura em 1888, que poderia ser um marco para esse rompimento, seguiu-se o compromisso coronelista, ou, mais genericamente, os mecanismos de patronagem e clientelismo que marcaram toda a Primeira República ultrapassando esse perído. O poder do senhor territorial ou senhor de engenho se concretizava não propriamente em relação àqueles que pelo próprio estatuto de escravos com ele se relacionavam na qualidade de um bem possuído e sobre os quais o senhor põe e dispõe à sua vontade e arbítrio, mas em relação à infinidade de agregados que, Brasil afora, foram assumindo relações de trabalho e denominações tão diversas quantas são as nossas diversidades regionais. É sobre esses agregados que Roberto Schwarz (1973) constrói a categoria do favor como a mediação fundamental entre a classe dos proprietários de terras e os "homens livres". Foi justamente a permanência da dependência pessoal que impossibilitou a implantação de um projeto de nação independente calcado nos parâmetros do liberalismo clássico. Segundo o mesmo Schwarz esse ideário liberal ( fora do lugar ) de matriz européia ocidental, sofreu os devidos ajustes necessários para servir de instrumento 2
3 para veiculação de uma imagem racional e civilizada do Brasil. Por outro lado, no nível das relações sociais eram legitimadas formas de dependência pessoal, da exceção à regra, de uma cultura interessada, e da remuneração e serviços pessoais, valores opostos aos da civilização burguesa (1973, p.16-9). 1 Essa ambigüidade persistiu no projeto republicano, não permitindo que se formassem cidadãos. Segundo Carvalho, o temor permanente da uma revolução popular e a necessidade de se garantir um modelo institucional que liberasse o poder privado dos grandes proprietários (paulistas, sobretudo) dos entraves do centralismo imperial, permitiu que um pequeno levante militar proclama-se a República em novembro de 1889, dando-se a impressão que o povo assistia a tudo bestificado (CARVALHO, 1997, p. 12-3). 2 Já Sérgio Buarque de Holanda busca nas nossas raízes ibéricas os fundamentos para as relações de mando e subserviência. Ele fala da cordialidade do brasileiro. Esse homem cordial aponta para um sério dilema brasileiro:...a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade daremos ao mundo o "homem cordial". A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. (HOLANDA, 1984, p.106-7) 3 Esse mesmo autor percebe bem antes da famosa tese de Schwarz como algumas doutrinas e idéias foram mal adaptadas à nossa realidade pela elite dirigente visando interesses próprios. Destaca que da mesma maneira que com o positivismo, o liberalismo conseguiu atrair diversos adeptos, que deturparam tal doutrina para forçar sua aplicação por aqui. O liberalismo brasileiro conviveu, durante muitos anos, com o escravismo, situação claramente incompatível e paradoxal, como afirmamos anteriormente. Para Bosi (1992) liberalismo e escravismo constituem uma conjunção peculiar ao sistema econômico- 1 SCHWARZ, Roberto. "As idéias fora do lugar". Estudos Cebrap. São Paulo, jan./ CARVALHO, José Murillo de. Os bestializados e a República que não foi. 3.ed. São Paulo: Companhia das Letras,
4 político brasileiro, durante a primeira metade do século XIX, e também a outros que passaram por uma experiência de passado colonial. Pressupostos teóricos e metodológicos Neste trabalho faremos leituras teóricas sobre o tema, com enfoques para a questão do favor e da cordialidade na política, durante o período da República Velha. Contudo nossa fonte de analise e pesquisa será o diário íntimo de Altino Arantes governador do Estado de São Paulo ( ).O diário nos dará a dimensão exata dessas relações que se estabeleciam no âmbito político daquela época. Basicamente estaremos nos baseando em uma abordagem cultural, por entendemos ser este o caminho mais adequado a seguir. Nosso foco principal será a relevância histórica de documentos como são os casos dos diários íntimos e das correspondências e a problemática que envolve a eleição desse material como fonte documental. Esses novos objetos de pesquisa, oriundos da vida privada, mostraram-se preciosos para a contextualização e aclaramento de eventos ocorridos no âmbito da vida pública. Com o surgimento da História Cultural, introduziu-se novos objetos e passou-se a utilizar novas metodologias, que possibilitam fazer esse tipo de estudo. Dessa forma, a utilização dessas novas fontes e dessas novas abordagens teóricas, nos dará um sentido mais seguro para atingirmos nossos fins. Conclusão A intenção dessa pesquisa foi de apresentar criticamente alguns elementos importantes que caracterizam o sistema político e as instituições políticas do Estado brasileiro e como alguns parlamentares se apropriaram destas instituições para seu próprio benefício e também para beneficiar seus amigos. Priorizou-se a exposição dos aspectos de uma política moldada para atender aos interesses da elite política brasileira assim como também sua construção histórica. Não se pode compreender razoavelmente nossa vida política e nossas instituições públicas se não considerarmos suas vertentes econômicas, sociológicas, históricas e culturais. As instituições públicas e os posicionamentos políticos 3 HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras,
5 brasileiros são moldadas e marcadas por nossos traços, hábitos e costumes que se construíram ao longo da nossa história. As relações políticas são também e tão bem marcadas por esses aspectos, como o personalismo, o patrimonialismo e o favor. Nos propusemos analisar essas práticas através de um diário íntimo, que a partir do século XVIII, popularizou-se este tipo de escrita autoreferente, e através de um viés cultural essas fontes se tornaram propícia a analises. O diário pertencente a Altino Arantes um político que vivera a sombra da época, da chamada Primeira República, nos possibilitou a investigação e a comprovação dessas atitudes ilícitas que eram e ainda continuam sendo praticadas no âmbito da sociedade política brasileira. Finalmente, gostaria de ressaltar que as instituições políticas brasileiras não são determinantes para a existência da corrupção e do fisiologismo político vigentes. Se nossa cultura e o presidencialismo de coalizão podem dar margem para a continuidade desse comportamento que faz o uso privado daquilo que é público, essas características não determinam o funcionamento do sistema. Se assim fosse, uma simples mudança na legislação seria o suficiente para a solução desses problemas. Termino a conclusão retomando o tema da democracia, o aperfeiçoamento das instituições passa pelo aperfeiçoamento da cultura democrática. Portanto, as expectativas finais da pesquisa foram alcançadas, conseguimos através do diário íntimo mostrar como a máquina estatal sempre foi usada para beneficiar aqueles que dela se apropria e também as pessoas que conseguem estreitar laços junto aos políticos detentores do poder. Através de uma fonte subjetiva foi possível construir o universo favorecedor que permeia nossa política e ao mesmo tempo desconstruir a História oficial a qual não nos possibilitaria realizar esse tipo de pesquisa. Fontes Arquivo do Estado de São Paulo (AESP). Arquivo Privado Altino Arantes (APAA). ARANTES, Altino. Meu diário. Registro íntimo de factos e impressões (redigido ao correr da penna, sem preoccupação litteraria de qualquer especie, e destinado a meu uso pessoal e exclusivo). Referências Bibliográficas: 5
6 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 4 ed. São Paulo: Companhia das Letras, CALLIGARIS, Contardo. Verdades de Autobiografias e Diários Íntimos. In: Estudos Históricos. CEPEDOC/FGV, v.11, n.21, Rio de Janeiro, 1998, pp CARVALHO, José Murillo de. Os bestializados e a República que não foi. 3.ed. São Paulo: Companhia das Letras, CASALECCHI, José Ênio. O Partido republicano paulista: política e poder( ). São Paulo: Brasiliense, COSTA, Emília Viotti. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 7 ed. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, GOMES, Angela de Castro. Nas malhas do Feitiço: o historiador e os arquivos privados. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras, JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. O Coronelismo: uma política de compromissos. 5º ed. São Paulo: Editora Brasiliense, LOVE, Joseph. A locomotiva: São Paulo na Federação Brasileira ( ). Tradução de Vera Alice Cardoso da Silva. Rio de Janeiro: Paz e Terra, PEREIRA, Robson Mendonça. O prefeito do progresso: modernização da cidade de São Paulo na administração de Washington Luís. Dissertação(Doutorado em História)- Faculdade de história, Direito e Serviço Social de Franca, Universidade Estadual paulista. PERISSINOTTO, Renato Monseff. Estado e capital cafeeiro em São Paulo ( ). Prefácio de Décio Saes. Tomo I. São Paulo: Annablume/FAPESP, SCHWARZ, Roberto. "As idéias fora do lugar". Estudos Cebrap. São Paulo, jan./
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