O Centro de Convivência do NEPAD: Um Espaço Transicional. Sônia Izecksohn
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- Therezinha Ramires Canto
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1 O Centro de Convivência do NEPAD: Um Espaço Transicional Sônia Izecksohn Resumo: O Centro de Convivência do NEPAD/UERJ visa a inclusão social do usuário de drogas. Por tratar-se de um espaço compartilhado, onde o acesso à cultura e a experimentação criativa são possíveis em seu sentido amplo, podemos traduzi-lo como um espaço transicional, num modelo de acolhimento que privilegia as manifestações culturais e artísticas, onde o sujeito, através do ato de criar, se torna apto a transformar sua realidade. A arte floresce aqui, neste ambiente estável e acolhedor, espaço da ilusão, do brincar compartilhado, do gesto espontâneo e livre em direção à independência e ao verdadeiro e autêntico contato com o mundo. O respeito ao potencial criativo de cada um, nesta abordagem, permite que o paciente busque contextos cada vez mais amplos culturalmente, até que possa enfim prescindir de nós, denotando o quanto a teoria de Winnicott pode servir de base para a terapêutica com usuários de drogas.
2 Trabalho O Centro de Convivência do NEPAD/ UERJ existe desde 1993 e foi pioneiro no incentivo à reintegração do usuário de drogas à comunidade, capacitando profissionais a acolher e auxiliar esse usuário, promovendo sua inclusão social. Pelas suas características e por ser um espaço compartilhado, onde o acesso à cultura e a experimentação criativa são possíveis em seu sentido amplo, é possível traduzi-lo como um espaço transicional. A partir das marcas deixadas na identidade social do jovem usuário de drogas, pelo forte estigma que passa a carregar devido à sua condição de drogado, a experiência de ser acolhido e simplesmente conviver, poder ser ele mesmo, dá a esse sujeito as condições para seu tímido retorno à vida social. Já não precisa vir trajado com os rótulos de doente, criminoso, errado, zero a esquerda e outras tantas categorias de acusação que promovem sua exclusão social e que passam a compor as representações sociais deste jovem sujeito em relação a si mesmo e sua condição de usuário de drogas. Ele pode acreditar de fato na sua cidadania a partir da experiência de um bom acolhimento, realizado por profissionais que não o vêem como um doente, que não o condenam por sua transgressão, nem o temem, mas o vêem antes como um cidadão. O acolhimento que é dado a essas pessoas depende principalmente dos valores dos profissionais, da sua disponibilidade e do desejo autêntico de ali estar, não apenas de seu aparato teórico, mas das verdadeiras condições desse contato. O principal aspecto a ser valorizado é a riqueza do vínculo, do contato estabelecido, dos projetos de vida compartilhados e do desenrolar de uma relação onde o profissional sempre sobreviverá para que essa experiência se renove, para que uma relação de confiança se estabeleça com pessoas estáveis e confiáveis que mostrem de uma forma ou de outra que o mundo não é tão assustador.
3 O Centro de Convivência, apesar de suas regras e objetivos gerais, é único para cada um. Conhecer cada paciente, sua natureza, suas necessidades emocionais, seus limites e possibilidades é nossa função. O resultado é naturalmente a descoberta de sua moralidade e o desenvolvimento de sua capacidade de estabelecer compromissos e a partir daí poder assumi-los de fato num colégio, num curso, num emprego, numa faculdade, até mesmo num tratamento médico ou dentário. O paciente pode sumir, que nós permaneceremos, pode retornar temeroso de uma retaliação e a nossa permanência a despeito de suas recaídas é o que lhe dará segurança para continuar, no seu objetivo de ter uma vida mais rica em qualidade. Associada na maioria das vezes ao tratamento psicanalítico, a frequência ao Centro de Convivência possibilita que, uma vez inserido num contexto social e cultural mais amplo, seja interrompido um padrão de isolamento afetivo e intelectual, e novas possibilidades passem a fazer parte do dia a dia desse sujeito. A indagação, uma maior implicação na sua história particular e nas suas ações, juntamente com o exercício da responsabilidade, dá suporte para o surgimento de novos vínculos. Isso só é possível pela presença de pessoal apto a fornecer a constância, os limites, a segurança e o estímulo ao potencial criativo, permitindo o equivalente a um brincar despreocupado. Nas palavras de Henrique Honigstejn, experimentando-se como indivíduo, ele poderá estender-se ao outro e fazê-lo viver a experiência da intimidade. Em relações que fluem pela delicadeza, onde não há porque reagir ao imprevisível, num mundo familiar e digno de confiança, no contato próximo e estreito com figuras constantes e acolhedoras, esta expansão é possível, no fluir de um ser ao outro, em direção à moralidade, característica de um desenvolvimento emocional saudável. Assim, nesse espaço potencial, espaço de sintonia, de contato direto de sentimentos, este sujeito se crê capaz de criar, se torna apto a transformar a realidade, a
4 sua realidade. Apenas no contexto de um ambiente facilitador, de um bom holding, é que a experiência de onipotência é possibilitada, berço de excelência de qualquer atividade criativa. A partir desta sintonia fina é que surgirão as demais experiências de relacionamento com o mundo. Winnicott compreende que no desenvolvimento do homem existe um espaço transicional, ou potencial, que é fonte de sublimação e da experiência cultural, criada através do brincar. Nesta zona intermediária entre realidade interna e externa, estaria este espaço, lócus do gesto espontâneo e da criatividade, onde se realizam o jogo e o brincar, e onde está a origem de todas as atividades sócio-criativo-culturais. Destacando algumas palavras de Winnicott,em seu artigo A Capacidade de Estar Só (1958,p35) Honigstejn em artigo intitulado Intimidade lembra que gradualmente o ambiente sustentador é introjetado na personalidade do indivíduo, por isso estar ao lado de alguém presente de fato ou alguém com quem se dialogue internamente dá brilho, vida a uma experiência.... Para viver essa experiência de integração o indivíduo necessita encontrar o ambiente facilitador- a mãe suficientemente boa, proporcionadora de um bom holding, a qual possibilita que o indivíduo estabeleça em si a experiência unificadora e vitalizadora da onipotência primária, a experiência de sentir-se criador de sua mãe, por ter suas necessidades tão bem respondidas... A onipotência é a marca de uma intimidade realmente experimentada e torna esse ser alguém dotado de confiança para quem o mundo é familiar, sem perseguições, o qual pode percorrer livremente e nele brincar. E o que seria brincar, numa relação? Por uma confiança básica poder estar junto a alguém sem preocupar-se quanto a ser ou não amado, mas simplesmente deixar-se ficar, na condição de um movimento sem sobressaltos. Em oposição a um contexto repleto de sobressaltos e perseguições que oferece um bem- a droga - que não frustra jamais, oferecemos um ambiente seguro, estável, um
5 holding Winnicottiano, aonde se pode ir e voltar, receber a contenção amorosa ao invés da retaliação e violência, onde se pode simplesmente estar, acolhido, recebido, aconchegado. O nosso Centro de Convivência possui um modelo de acolhimento que privilegia as manifestações culturais e artísticas. O material está disponível e a arte floresce aqui, nesse ambiente estável e acolhedor, espaço da ilusão, do brincar compartilhado, do gesto espontâneo e livre, em direção à independência, ao verdadeiro e autêntico contato com o mundo. O ambiente pode começar a existir através de uma brincadeira compartilhada, a partir do gesto espontâneo de cada profissional- do seu humor. O processo criativo surge, floresce nesse espaço transicional. A obra surge a partir do vínculo, ao mesmo tempo em que é a obra que mantém o vínculo. O artista sempre retoma sua obra e aqui não seria diferente. Sua obra acompanha os seus movimentos e estará sempre à sua disposição, para que possa, como ao próprio objeto transicional, manipulá-la ao seu bel prazer, nos momentos de maior fragilidade. Muitas vezes um tema surge a partir do contato e onde antes era só o brincar, a arte passa a ser compartilhada, e o ambiente, a fonte da inspiração. Assim como no Jogo dos Rabiscos, aqui o trabalho conjunto integra, aproxima as pessoas, expressa angústias, sentimentos e expectativas, com significados absolutamente singulares. Neste contexto criativo, dentro desse espaço com regras claras e limites precisos, e ao mesmo tempo espaço e liberdade, o humor, a ilusão e o brincar despreocupado têm lugar, num momento e num contexto qualquer, que permite o sonho, o devaneio e a ilusão compartilhada. Estas são as bases das experiências criativas e culturais. Como um mágico que encanta a todos com a ilusão que produz, o terapeuta criativo dá as bases para essas experiências. Toda a exclusão, todas as suas representações deterioradas, todos os aspectos desvalorizados de si mesmo, todos os sentimentos de desvalia assim como as expectativas em relação ao tratamento estão
6 projetados nas obras. As imagens criadas podem ser compreendidas como expressão de aspectos internos, sendo uma representação simbólica destes. O respeito ao potencial criativo de cada um e à liberdade estética do material transformado, permite que o paciente vá em busca de contextos culturalmente cada vez mais amplos, com inserção em cursos, concursos, trabalhos, etc., indo e voltando de forma cada vez mais espaçada até que possa enfim prescindir de nós, sabendo que ele tem um lugar que foi construído em nosso interior. Desta forma percebemos o quanto a teoria de Winnicott pode fornecer a base de uma terapêutica eficaz com usuários de drogas a partir de momentos autênticos de empatia na relação com o outro e de experiências compartilhadas a nível de estética, no contato com a obra, no campo criativo ou cultural. -Bibliografia: Izecksohn,S- Implicações Psicossociais do Uso de Drogas-Dissertação de Mestrado ENSP/FIOCRUZ-1997 Honigstejn Intimidade (Biblioteca da SBPRJ) Parada, C-O Acolhimento Revisitado. In:Baptista, M.,Cruz,M.S.,Matias,R.(orgs) Drogas e Pós Modernidade:Prazer,Sofrimento e Tabu.V.I. Rio de Janeiro:EDUERJ,2003.p Winnicott, D.W.-Os Bebês e suas Mães- São Paulo:Martins Fontes,1988 O Brincar e a Realidade-Rio de Janeiro:Imago, 1975.
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