NEWS artigos CETRUS. O que sabemos sobre deformação. miocárdica (strain e strain rate)?
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1 NEWS artigos CETRUS O que sabemos sobre deformação Dr. José Maria Del Castillo Doutor em Medicina pela Universidade Nacional de La Plata, Argentina Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia Especialista em Ecocardiografi a pelo Departamento de Ecocardiografi a da SBC Responsável pelo Serviço de Ecocardiografi a do Hospital Bandeirantes de São Paulo Curso de Ecocardiografi a Pediátrica no Centro Especial Ramón y Cajal de Madrid, Espanha castillojmd@gmail.com O aparecimento no mercado de sofi sticados equipamentos que medem a deformação miocárdica tem tornado esta pergunta cada vez mais frequente entre os colegas ecocardiografi stas: o que é e qual a utilidade do strain rate? O estudo da deformação miocárdica tem como base anatômica o conceito do coração helicoidal. Desde há muito tempo se sabe que as miofi brilas apresentam disposição espiralada ao longo das paredes do miocárdio, chegando a formar ângulos maiores de 60 entre a direção das fi bras subendocárdicas e as subepicárdicas. Torrent-Guasp, anatomista espanhol, comprovou, na década de 80, que o músculo cardíaco é formado por um único fascículo enrolado em si mesmo e ancorado, nas suas extremidades, no anel pulmonar e aórtico. No mesmo distinguem-se 3 bandas: basal, que envolve a região próxima aos anéis mitral e tricúspide, rica em fi bras de direção circular (despolariza-se primeiro e é responsável pela fase de contração isovolumétrica da sístole, ou seja, realiza a força necessária para aumentar grandemente a pressão intraventricular); banda descendente, rica em fi bras oblíquas e longitudinais que predominam na região média e apical da cavidade e refl ete-se no ápex (despolariza-se depois da banda basal e é responsável pela ejeção do ventrículo esquerdo, ou seja, pela diminuição do tamanho da cavidade durante a sístole); banda ascendente, última a se despolarizar, provocando o aumento de tamanho da cavidade, denominada fase de sucção ou de enchimento ventricular rápido (Figura 1). NEWS artigos CETRUS Março/ Página 1 de 8 O que sabemos sobre deformação
2 O miocárdio apresenta, entre outras propriedades, a incompressibilidade, mudando de forma sem alterar o seu volume. A deformação realiza-se em todos os planos ortogonais, podendo ser aferida pela ecocardiografi a e por outros métodos de imagem, como a ressonância nuclear magnética. Inicialmente, o Doppler tissular foi largamente utilizado para medir a deformação miocárdica, mas estava limitado às deformações em direção ao ápex e era muito dependente do ângulo de incidência do feixe ultrassônico. D hooge, em brilhante trabalho publicado em 2000, mostrou que a deformação pode ser aferida em 3 planos ortogonais e em 6 planos por cisalhamento, dos quais se utilizam, na prática, 3 planos (Figura 2). Figura 1 - Representação esquemática da constituição helicoidal do coração. O músculo cardíaco, formado por um feixe único, encontra-se ancorado nas suas extremidades no anel pulmonar e aórtico. Enrola-se sobre si mesmo e apresenta mudança de direção ao nível do septo interventricular, formando 3 bandas: basal (direita, rs e esquerda ls), descendente (ds) e ascendente (as). A despolarização sequencial e harmônica destas bandas produzem as diferentes fases do ciclo cardíaco, contração isovolumétrica, ejeção e enchimento rápido. Recentemente, foi descrita a disposição laminar do miocárdio, em que grupos formados por 4 a 6 miofi brilas formam feixes envolvidos por perimísio (invólucro de tecido conectivo), criando planos de clivagem que permitem o deslizamento das camadas uma sobre as outras. Esta disposição laminar, associada à forma helicoidal da banda muscular única, confere ao coração contração por torção, como se fosse uma toalha molhada ao ser torcida. Isto apresenta grande efi ciência mecânica, de forma que o deslizamento (também chamado cisalhamento e shear strain) é responsável por mais de 50% da contração. O encurtamento das miofi brilas contribui com apenas 8% da contração. Figura 2 Deformação miocárdica pode ser aferida nos 3 planos ortogonais, resultando nas deformações longitudinal, radial e circunferencial. Há, também, 3 planos de cisalhamento, longitudinal radial, circunferencial longitudinal e circunferencial radial. Observar que as deformações nos diferentes planos são simultâneas. A ecocardiografi a bidimensional, usando a metodologia do speckle tracking ou rastreamento de marcas acústicas do eco 2D, hoje desenvolvida por quase todas as empresas de equipamentos, permite aferir as diferentes direções da deformação do miocárdio sem depender do ângulo de incidência dos ultrassons. O speckle tracking captura um sinal do eco 2D e o segue ao longo de todo o ciclo cardíaco. Este ponto descreve um loop que começa e termina no mesmo lugar. À medida que se desloca, o ponto muda de velocidade e NEWS artigos CETRUS Março/ Página 2 de 8 O que sabemos sobre deformação
3 direção continuamente, podendo ser representado por vetores que indicam direção e velocidade, recebendo então a denominação vector veloticy imaging. A Figura 3 mostra esta representação vetorial. Figura 4 Strain longitudinal de pontos do miocárdio obtidos desde a posição apical. As curvas são negativas e as porcentagens de deformação semelhantes em todos os locais. No quadro superior esquerdo, representação paramétrica (modo M curvado) do strain rate. A região central da curva corresponde à ponta da cavidade, a extremidade inferior ao septo basal e a extremidade superior à parede anterolateral basal. Na horizontal, a linha de tempo. A cor amarela representa a contração, a cor azul o relaxamento e a cor verde, ausência de deformação. Figura 3 Vetores de direção e velocidade gerados pelas marcas acústicas do eco 2D. Cada ponto é seguido durante todo o ciclo cardíaco e analisado quadro a quadro. Diferentes tipos de deformação podem ser aferidos pelo strain bidimensional: o que representa a deformação entre o anel mitral e a ponta do ventrículo esquerdo, chamado strain longitudinal. O que ocorre devido ao espessamento sistólico das paredes, chamado strain radial e o que é provocado pela rotação do miocárdio em torno do seu eixo longitudinal, denominado strain circunferencial. As deformações por cisalhamento são calculadas estimando o deslocamento do endocárdio com relação ao epicárdio, normalizando a medida para a espessura da parede. Como o endocárdio desloca-se mais do que o epicárdio, no fi nal da sístole há uma diferença angular entre eles. A deformação por cisalhamento, conhecida como shear strain, corresponde à tangente do deslocamento do endocárdio dividida pela espessura da parede. O shear strain longitudinal radial corresponde ao deslocamento endoepicárdico na direção da base para a ponta, ou seja, no sentido longitudinal da cavidade Figura 5 Strain radial do ventrículo esquerdo obtido pela posição paraesternal transversal ao nível dos músculos papilares. A curva é positiva e todas as regiões apresentam porcentagens de deformação semelhantes. A curva paramétrica corresponde ao strain, sendo colorida a deformação e sem cor a ausência de deformação. Para a análise de todas as regiões ventriculares é necessário aferir a deformação ao nível da valva mitral, dos músculos papilares e da região apical. normalizado pela deformação radial da parede (espessura). O shear strain circunferencial radial corresponde à diferença de rotação entre o endocárdio e o epicárdio normalizado pela espessura da parede, vista pelo eixo transversal da cavidade. Alguns equipamentos medem, NEWS artigos CETRUS Março/ Página 3 de 8 O que sabemos sobre deformação
4 ainda, o shear strain circunferencial longitudinal, correspondente ao deslocamento lateral de dois pontos do epicárdio ou do endocárdio situados no sentido longitudinal da cavidade. As curvas de strain são representadas em porcentagem de deformação, ou seja, quanto por cento determinada região alongou ou encurtou em relação ao estado inicial. Assim, uma parede que encurta no sentido apico-basal (strain longitudinal) fornece porcentagens negativas e inscreve-se abaixo da linha de base (Figura 4). Uma parede que espessa durante a sístole (strain radial) mostra porcentagem positiva, inscrevendo-se acima da linha de base (Figura 5). A rotação provocada pela torção (strain circunferencial) oferece valores negativos durante a sístole (Figura 6). direções contrárias (Figura 8, painel superior). Por outro lado o ventrículo, ao rodar sobre o seu eixo maior apresenta direção do movimento contrário nas paredes opostas (Figura 9), o que é observado na Figura 8, painel inferior. O strain rate, ou taxa de deformação, é o tempo que demora em se produzir a deformação. Sua determinação é muito importante quando se estuda strain com Doppler tissular. O strain é a integral desta velocidade. O speckle tracking avalia diretamente a deformação. Quais as aplicações e utilidade deste método? As medidas de deformação, realizadas em vários segmentos do miocárdio e observadas por vários cortes ecocardiográfi cos, representam o comportamento regional do músculo cardíaco. A análise destes valores individuais permite uma visão global da contratilidade. Figura 6 Strain circunferencial do ventrículo esquerdo desde a posição paraesternal transversal. As curvas resultantes são negativas e todas as regiões apresentam deformação semelhante. A curva paramétrica corresponde ao strain rate. A região do músculo papilar infero-medial está representada na parte inferior do traçado e o músculo papilar ântero-lateral na parte central do traçado. Trata-se de uma sintonia fi na dos eventos ocorridos durante a sístole e durante a diástole, permitindo determinar com bastante precisão a presença de alterações da contratilidade ou do relaxamento antes consideradas subliminares ou inexistentes. Por exemplo, o strain, na sua modalidade paramétrica (Figura 10) permite a observação de contração póssistólica no infarto do miocárdio. A análise do strain miocárdico apresenta as seguintes aplicações: A deformação por cisalhamento, tanto longitudinal radial como circunferencial radial merecem melhor explicação. A rotação do coração apresenta sentidos opostos na base, com rotação sistólica horária e na ponta, com rotação sistólica anti horária (Figura 7). Isto faz com que o shear strain longitudinal radial apresente Avaliação da doença arterial coronária. Identifi ca as alterações da contratilidade segmentar do VE que acompanham a isquemia miocárdica. Ademais da contração pós-sistólica observada em casos de infarto agudo do miocárdio, permite a identifi cação de áreas NEWS artigos CETRUS Março/ Página 4 de 8 O que sabemos sobre deformação
5 Figura 7 Esquema da torção miocárdica. A região apical apresenta torção sistólica em sentido anti horário e, durante a diástole, o recolhimento elástico produz torção no sentido horário. Figura 8 Shear strain longitudinal radial (painel superior) e circunferencial radial (painel inferior), obtidos desde as posições apical e transversal respectivamente. Notam-se as curvas com direções opostas nas paredes contralaterais. Isto é devido à torção miocárdica. A curva paramétrica corresponde ao shear strain longitudinal radial. com viabilidade sem a utilização de provas provocativas. Avaliação da função ventricular. Permite aferir a função ventricular sistólica e diastólica em todas as regiões do miocárdio, tanto em repouso como sob estresse. Sincronismo cardíaco. Este método é de grande utilidade na seleção de pacientes que serão submetidos à terapia de ressincronização miocárdica, pois permite determinar com precisão as regiões com assincronismo de contração. Avaliação da remodelação cardíaca. Esta alteração, devido à perda da função intersticial após o infarto do miocárdio, pode ser observada com shear strain. Diferenciação das hipertrofi as. O comportamento da deformação nas cardiomiopatias hipertrófi cas pode ser diferenciado das hipertrofi as secundárias à hipertensão arterial e, principalmente, da hipertrofi a fi siológica do atleta (Figura 11). Figura 9 Esquema que mostra a rotação das paredes do VE. Como o endocárdio deforma-se mais do que o epicárdio, gera um deslocamento que é mensurado pelo shear strain. Nota-se que a direção do movimento é contrária nas paredes opostas. Avaliação das miocardiopatias. Diferencia as cardiomiopatias dilatadas da miocardiopatia chagásica, onde predominam as alterações regionais. Embora recente este método apresenta grande potencial para a identifi cação de vários tipos de cardiopatias, tornando a ecocardiografi a con- NEWS artigos CETRUS Março/ Página 5 de 8 O que sabemos sobre deformação
6 Figura 10 Strain longitudinal em paciente com infarto agudo do miocárdio na parede inferosseptal apical. Nota-se que a deformação sistólica continua pela diástole, constituindo a denominada contração pós-sistólica. O traçado paramétrico do strain rate mostra nitidamente esta alteração, visível, também, nas curvas de strain e de strain rate com retardo do septo apical. vencional mais precisa e confi ável. A utilização mais intensiva da deformação miocárdica e a popularização do método muito contribuirão, no futuro próximo, ao estudo de mais e mais cardiopatias sob diversas condições fi siológicas. A tecnologia tem contribuído de forma fundamental neste capítulo da ecocardiografi a. Figura 11 Strain longitudinal em paciente portador de cardiomiopatia hipertrófi ca de origem genética; Nota-se o retardo de contração da região septal com relação à parede anterolateral da cavidade. As hipertrofi as secundárias e a hipertrofi a fi siológica do atleta apresentam contratilidade septal normal. Nas tabelas a seguir são apresentados os valores de referência para um grupo de 46 indivíduos normais em 16 segmentos miocárdicos, trabalho de nossa autoria. Os valores para o strain longitudinal, circunferencial e radial foram semelhantes aos dados encontrados na literatura. Os valores para shear strain longitudinal radial e circunferencial radial são inéditos, não havendo, no nosso conhecimento, nenhuma referência bibliográfi - ca em casos obtidos pelo strain bidimensional (existem trabalhos a respeito com ressonância magnética). NEWS artigos CETRUS Março/ Página 6 de 8 O que sabemos sobre deformação
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