O PROJETO NEOLIBERAL DE EDUCAÇÃO: OS REFLEXOS DA VIOLÊNCIA ECONÔMICA
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- Baltazar Barata da Conceição
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1 O PROJETO NEOLIBERAL DE EDUCAÇÃO: OS REFLEXOS DA VIOLÊNCIA ECONÔMICA Lisandra Amaral de Souza 1 Introdução Ao analisar questões como a descentralização das políticas educacionais e a reforma porque passou a educação especialmente ao final do século XX, a valorização da cidadania, os novos currículos, a nova sociologia da educação, a interdisciplinaridade e outros, notamos a hegemonia do projeto neoliberal na nossa sociedade, e a maneira como a educação foi posta como elemento fundante para a manutenção deste sistema que solapa a humanidade e aumenta a exclusão social através de projetos educacionais que visam ao conhecimento, e não ao mercado. Considerando que no campo educacional a violência econômica se reflete diretamente na desvalorização da educação diante da nova divisão do trabalho, da pesquisa produtivista, da pedagogia da qualidade total, da estruturação a-crítica dos currículos escolares, da preparação dos alunos para um mercado que não mais os absorverá, este estudo faz-se importante por entendermos que a educação tem a crucial função de suporte do pensamento hegemônico na sociedade capitalista, agora, em sua face neoliberal Objetivos Mediante a análise crítica da implementação de políticas neoliberais no Brasil, pretendemos esclarecer qual seu alcance para a educação. O que significa educar para atender às exigências do mercado de trabalho? Como as reformas ocorridas nos anos 80 e 90 corroboram a supremacia do capital, e como a educação é atingida? A educação neoliberal vem corroborar a violência econômica intrínseca à sociedade capitalista? Metodologia e Resultados O texto parte da análise das características do projeto neoliberal para a educação implementado no Brasil entre os anos 80 e 90, momento este em que a nova divisão do 1 Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual Paulista UNESP Campus Araraquara - lisandraamaral@gmail.com
2 trabalho, seguindo os rumos da mundialização do capital, corrobora a situação dependentista do Brasil. 2 É necessário, portanto, apontarmos as origens e o percurso do liberalismo durante o século XX, para que possamos entender as contradições inerentes a esse projeto principalmente a acumulação de riqueza nas mãos de uma parcela reduzida da população, e a conseqüente massificação dos excluídos. Além disto, pretendemos mostrar como o neoliberalismo no Brasil se confunde fortemente com a pauta da socialdemocracia 3. E enfim, discutiremos em que medida estes fundamentos atingiram diretamente a educação, tornando-se ela o sustentáculo para a manutenção da violência econômica 4 a que recorre o projeto neoliberal. A busca pela origem do liberalismo nos remonta aos escritos de John Locke retratando sua posição em relação ao Estado, o qual deve estritamente gerir as relações na sociedade, a fim de assegurar a liberdade individual, baseada na confiança entre os homens que defendem e protegem suas propriedades. Portanto, o governo civil é instituído com base nessa confiança mútua entre estes indivíduos e o Estado. O liberalismo de Smith, tido com o grande pensador desta corrente, se funda intrinsecamente na liberdade do indivíduo de almejar e alcançar seus interesses enquanto parte do sistema social, sendo que os indivíduos estão somente orientados pelo mercado, que ordena e funda a sociabilidade. O mercado é, portanto, o sistema social formado por relações entre os interesses e as realizações dos indivíduos livres, ou seja, é a base ordenadora de toda a sociedade, isentando-a de qualquer dirigismo - principalmente do dirigismo do Estado. Juntamente com o sistema social, há a busca particular pelos interesses e empreendimentos do sistema econômico, que formam o mercado. O mercado, portanto, permite que os indivíduos ajam livremente maximizando seus interesses pessoais, e, 2 A formação histórico-social brasileira é extremamente singular, e, neste sentido, pode-se afirmar que o desenvolvimento e a exclusão caminharam lado a lado no Brasil. Para entendermos a relação existente entre desenvolvimento e exclusão nas décadas de 80 e 90 no Brasil, cumpre salientar que historicamente as políticas de desenvolvimento adotadas implicaram no alto grau de dependência do capital estrangeiro. Ver Ribeiro, A especificidade do caso brasileiro é agravada frente à inexistência do Estado de Bem-Estar Social. Esta afirmação nos leva a compreender com mais clareza a crise de Estado neste país. Para mais detalhes, ver Fiori, O conceito de violência econômica parte da análise de Marx sobre o fato de o excedente do trabalho ser extorquido pelos proprietários dos meios de produção, o que acontece mediante uma violenta coerção não apenas econômica, mas também extra-econômica. Dessa forma, as próprias condições indispensáveis à afirmação dos interesses de classe são criadas por intermédios da naturalização da violência mais brutal: a econômica. Ver Marx, capítulo XXIV, O Capital (1984)
3 diferentemente de Locke, Smith dizia que o Estado age negativamente sobre o mercado, interferindo de forma a atrapalhar a liberdade individual. Smith admite que a tutela do Estado sobre os agentes econômicos é prejudicial, e, portanto, a ordem econômica deve ser assentada sobre o interesse privado, livremente manifestado pelo mercado. O pensamento liberal institucionalizaria a democracia numa forma governável, de maneira que esta pudesse ser regulada, limitando e assegurando a liberdade individual em relação à propriedade privada. No entanto, o início do século XX foi marcado profundamente pelo fortalecimento das massas, que se consolida como classe opositora à burguesia dominante e dirigente. A vertente neoliberal que retoma o liberalismo clássico surge com a escola austríaca de economia, representada por F. Hayek, o legado da escola de Chicago, de M. Friedman e a Public Choice, ou escola de Virgínia. A consolidação do neoliberalismo nos anos 70 parte das discussões construídas no sistema capitalista em torno do indivíduo e do mercado, entre os indivíduos e sobre o papel do Estado e da democracia nestas relações. Hayek escreve O Caminho da Servidão procurando mostrar argumentos que recuperassem o liberalismo clássico e respondessem às mudanças histórico-sociais surgidas. O autor analisa o valor que se realiza na mercadoria enquanto sua utilidade final ao indivíduo que a detém; a mercadoria é o próprio valor. O individualismo para Hayek é a base que sustenta toda a sociedade. É esse reconhecimento do indivíduo como juiz supremo dos próprios objetivos, é a convicção de que suas idéias deveriam governar-lhe tanto quanto possível a conduta, que constitui a essência da visão individualista. (Hayek, 1990 a ) Os neoliberais, segundo Hayek, advogam, portanto, uma ordem humana ampliada espontaneamente por um mercado competitivo (Hayek, 1990 a ), que possibilitaria a realização de uma sociedade fundada no indivíduo, regulada por um sistema de preços que regulamentaria por si só a concorrência. O Estado tem suas funções diminuídas e a democracia deve atender aos indivíduos que se realizam no mercado, ou seja, a democracia é limitada pelos desejos do mercado.
4 Ainda para este autor, o fato de alguns indivíduos estarem fora da ordem ampliada do capital não implica em ineficácia do mesmo, e sim incompetência destes indivíduos de serem competitivos. Friedman recupera alguns argumentos de Hayek estabelecendo uma ligação restrita entre capitalismo e liberdade de escolha, considerando o mercado como sendo o sistema econômico onde se realizam os valores e os interesses individuais. Voltemos nossa atenção para a problemática da educação. Friedman considera que a família é o núcleo da sociedade, e, portanto, os pais é que deveriam se responsabilizar pela educação de seus filhos, e assim, pela escolha da educação que deve ser dada aos filhos. A educação, então, passa a ser tida como mercadoria 5, e como tal, não deve ser garantida pelo Estado. Este Estado apenas asseguraria a educação onde o mercado agisse imperfeitamente ou no caso de famílias que não conseguissem garantir a educação aos seus filhos. Dessa maneira, o Estado agiria mantendo a competitividade entre as escolas, e conseqüentemente entre os alunos e professores. Os serviços educacionais poderiam ser fornecidos por empresas privadas operando com fins lucrativos ou por instituições sem finalidade lucrativa. O papel do governo estaria limitado a garantir que as escolas tivessem padrões mínimos tais como a inclusão de um conteúdo mínimo comum em seus programas, da mesma forma que inspeciona presentemente os restaurantes para garantir a obediência a padrões sanitários mínimos.(friedman, 1984) Entram em voga conceitos como empregabilidade, competência, qualidade total, competitividade, eficácia e eficiência, também no campo educacional com os projetos e reformas dos anos 80, juntamente às políticas de privatização da educação. A discussão central proposta neste texto tem por objetivo relacionar o movimento existente entre a afirmação de que o projeto neoliberal é consolidado a partir dos anos 70 hegemonicamente, já que lhe é resguardado o caráter de dominação econômico-sócio-cultural-político, e as conseqüências para a educação no Brasil, sendo que esta, desde o período da Segunda República, sofre influências diretas do movimento escola-novista. 5 Por educação como mercadoria, entendemos que ela visa em primeira instância à valorização do capital, favorecendo-o imediatamente. Essa valorização se dá, via de regra, pela utilização da educação como insumo produtivo, e não mais como transmissão de saber e conhecimento humano e universal. Ver Gentilli, 1996.
5 O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932) vem ressaltar a categoria assumida pela educação enquanto projeto pedagógico novo e de formação capacitacional dos estudantes, ou seja, a educação passa a ser objeto de direção do desenvolvimento natural e integral dos seres humanos, desde que acordada com uma certa concepção de mundo 6. A educação nova que, certamente pragmática, se propõe ao fim de servir não aos interesses das classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o princípio da vinculação da escola como meio social atual, mas profundamente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação. (Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, 1932) Nos anos 70, é acirrado o debate no campo educacional com a Teoria do Capital Humano de Theodore Schultz, a qual enfatiza a segmentação do mercado de trabalho, a politecnia, a flexibilização e a qualidade total como fortes condicionantes da ação da educação para o capital. Os conceitos e fundamentos da educação são modificados, descentralizados e adquirem uma autonomia antes não existente, sendo que lhe é imprimido um caráter fundante: o conceito funcional da educação deve oferecer aos estudantes juntamente com um meio natural (chamado de educação informal), a conveniência aos seus interesses, ou seja, a criança é vista como indivíduo maximizador de interesses, e que, utilizando-se da educação atingirá seus objetivos. Assim, com a consolidação do projeto neoliberal, dada sua forma específica no Brasil a partir dos anos 90, a educação passa a ser utilizada de fato como mercadoria, transacionada e dirigida aos interesses hegemônicos 7. Essas modificações passam a ser sentidas mais diretamente com a Reforma do Estado ocorrida no Governo Fernando Henrique Cardoso, através das estratégias de desenvolvimento propostas com as políticas educacionais impostas. O currículo escolar é reorientado para oferecer uma formação utilitarista 8 intrinsecamente o sistema educacional ao sistema produtivo. aos estudantes, vinculando 6 Verifica-se, portanto, o papel que a escola assume de transmissora dos princípios mercadológicos, ou seja, a escola é adequada à ideologia dominante, o que pressupõe o enquadramento da escola ao credo neoliberal. 7 No Brasil, o reflexo das políticas neoliberais é calcado na formação dos docentes, que seguirá um currículo mínimo de desintegração dos conteúdos de educação geral, e determinará a posição de técnico do professor, enquanto mero transmissor de conhecimentos. Para análise da nova LDB, ver Saviani, O conceito de utilitarismo fortemente arraigado nos projetos educacionais de ideário neoliberal admite que a escola deva fornecer, de forma rápida, instrumentos e habilidades que permitam ao indivíduo ser competitivo dentro da sociedade global.
6 A imposição da lógica do mercado ao sistema educacional tornou-a racional, descentralizada e competitiva, já que a escola deveria atender às exigências do mercado, sendo agente, portanto, da esfera privada, visto que as propostas para a educação dentro desta lógica são viabilizadas pela relação custo-benefício que constituirão os objetivos educacionais, assim como seus rendimentos e qualidade, fazendo parte, portanto, do conjunto de conseqüências graves do implante do neoliberalismo no Brasil, foco do nosso estudo. Referências Bibliográficas BRASIL (1997) Parâmetros curriculares nacionais: Introdução. Brasília:MEC/SEF BUTLER, E. A contribuição de Hayek às idéias políticas e econômicas de nosso tempo. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, FIORI, J. L Em busca do dissenso perdido: ensaios críticos sobre a festejada crise de Estado. Rio de Janeiro:Insight, FRIGOTTO, G. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, GENTILLI, P. Neoliberalismo e educação: Manual do usuário. In: GENTILI, P. e SILVA, T.T. Escola S.A. Brasília: CNTE, HAYEK, F. O Caminho da Servidão. Instituto Liberal, 1990a. MANACORDA, M. A. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez, MARX, K. O Capital. Vol. I, tomo 2, São Paulo : Abril Cultural. MORAES, R. Neoliberalismo: De onde vem, para onde vai? São Paulo: SENAC, OLIVEIRA, F. de. Neoliberalismo à brasileira. In: GENTILI, P. (org.). Pósneoliberalismo: As políticas sociais e o estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, RIBEIRO, D. O Brasil como problema. Rio de Janeiro: Francisco Alves, SADER, E.; GENTILI, P. (orgs.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, SAVIANI, D. A nova lei da educação: Trajetória, limites e perspectivas. Campinas: Autores Associados, SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas, 6ª edição, 1993.
7 SAVIANI, D. Neoliberalismo ou pós-liberalismo? Educação pública, crise do Estado e democracia na América Latina. In: MELLO, G. N. e outros. Estado e educação. Campinas: Papirus & Cedes; São Paulo: Ande & Anped, SCHULTZ, T. O capital humano. Rio de Janeiro: Zahar, 1973 TAVARES, M. C. Ajuste e reestruturação nos países centrais: A modernização conservadora, in: M. da C. Tavares & J. L. Fiori (orgs.) (Des)Ajuste global e modernização conservadora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, WAINWRIGHT, H. Uma resposta ao neoliberalismo: Argumentos para uma nova esquerda. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
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