TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

Transcrição

1 fls. 430 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de, em que é apelante/apelado GAFISA S/A, são apelados/apelantes LEIA PEREIRA DE CAMARGO e PAULO MALAQUIAS DA SILVA. ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de, proferir a seguinte decisão: "Rejeitaram a preliminar e deram provimento em parte aos recursos. V. U. Sustentou oralmente a advogada Dra. Lilian Brandão.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO ALCIDES (Presidente), EDUARDO SÁ PINTO SANDEVILLE E JOSÉ ROBERTO FURQUIM CABELLA., 15 de dezembro de 2016 PAULO ALCIDES RELATOR Assinatura Eletrônica

2 fls. 431 VOTO : APELAÇÃO : COMARCA : SÃO PAULO APELANTE(S): GAFISA S.A. APELADO(S) : LEILA PEREIRA DE CAMARGO E OUTRO JUIZ (A) : CELINA DIETRICH E TRINGUEIROS TEIXEIRA PINTO COMPRA E VENDA. Legitimidade passiva da Construtora confirmada para responder pela restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem e taxa Sati. No mérito, pretensão de rescisão de contrato movida pelo adquirente, em razão de problemas financeiros pessoais. Possibilidade. Cláusula estabelecida em contrato para a hipótese se revela abusiva. Concedida a retenção de apenas 10% das parcelas pagas, tendo em vista que o imóvel não chegou a ser ocupado e houve a imediata notificação pelo comprador da intenção de por fim na avença antes do inadimplemento. Comissão de corretagem. Possibilidade de repasse ao consumidor. Taxa Sati. Ilegalidade reconhecida pela Corte Superior. Questões decididas em Recursos Repetitivos. Sentença parcialmente reformada. PRELIMINAR REJEITADA E RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. Tratam-se de recursos interpostos contra a r. sentença (fls. 225/232), que julgou parcialmente procedente o pedido da ação movida por LEILA PEREIRA DE CAMARGO e PAULO MALAQUIAS DA SILVA contra GAFISA S.A., para rescindir o contrato firmado entre as partes, condenado a ré a restituir aos autores 80% das parcelas pagas, num total de R$ ,74, com correção monetária e juros de mora. A Gafisa apela alegando, em síntese, que não houve oposição ao pedido de rescisão de contrato, cingindo-se a controvérsia apenas em relação ao percentual de restituição das parcelas pagas, de modo que deve ser concedida a imediata liberação da unidade. Além disso, acena com sua ilegitimidade passiva para a restituição da comissão de corretagem e da Taxa Sati; afirma que não Apelação nº VOTO Nº 2/8

3 fls. 432 se opõe a rescisão, mas que deve ser reconhecida a validade da cláusula 5.4 e seus itens, pois houve a desistência do comprador ou quando muito determinada a retenção de 30% do montante pago; impossibilidade de devolução pela recorrente da taxa de corretagem e da taxa Sati, que teria sido paga a terceiros; e ser lícito o contrato firmado entre as partes a luz do CC e do CDC (fls. 234/255). Em recurso adesivo, pretendem os autores majorar o percentual de restituição para 90% das parcelas pagas, pois sequer chegaram a exercer a posse do imóvel; e que a correção monetária incida a partir do desembolso de cada parcela (fls. 260/270). Contrarrazões (fls. 386/407 e 410/418). A seguir, o processo foi suspenso em razão de liminar concedida no Recurso Especial nº SP (em ), retomando sua marcha processual após o julgamento do Recurso Repetitivo. A tutela antecipada foi concedida. É o relatório. Inicialmente, considerando-se que a taxa de corretagem e a taxa SATI integraram o contrato firmado entre as partes, não há que se falar em ilegitimidade passiva. A Construtora deverá pleitear eventuais direitos em ação autônoma contra suas parceiras. A hipótese dos autos comporta aplicação da regra de solidariedade enunciada no artigo 7º, parágrafo único, e no artigo 25, 1º, ambos do Código de Defesa do Consumidor, pela qual, é solidária a responsabilidade dos fornecedores integrantes da cadeia de consumo. Sobre o tema, leciona Rizatto Nunes que: Como Apelação nº VOTO Nº 3/8

4 fls. 433 se viu, quando dos comentários ao parágrafo único do art. 7º, o sistema de responsabilidade civil objetiva instituído no CDC impõe ampla solidariedade aos partícipes do ciclo de produção. Como a oferta e colocação de produtos e serviços no mercado pressupõe, em larga medida, a participação de mais de um fornecedor, a legislação consumerista estipulou que todos os que participarem, direta ou indiretamente, da produção, oferta, distribuição, venda, etc. do produto e do serviço respondem pelos danos causados ao consumidor. (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 6ª ed.,, Saraiva, 2011, p. 421). No mesmo sentido: Apelação nº , a 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de, Rel. Des. Ana Lucia Romanhole Martucci, j. 30 de janeiro de 2015); e Apelação nº , 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de, Rel. Des. Moreira Viegas, j. 28 de janeiro de E outro não é o entendimento E. Superior Tribunal de Justiça, que em sede de recurso repetitivo, no julgamento do REsp SP (2015/ ) e do REsp SP (2015/ ), firmou a seguinte tese para fins do art do CPC/2015: Legitimidade passiva "ad causam" da incorporadora, na condição de promitente-vendedora, para responder a demanda em que é pleiteada pelo promitente-comprador a restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de taxa de assessoria técnicoimobiliária, alegando-se prática abusiva na transferência desses encargos ao consumidor". Superada tal questão, no mérito, trata-se de ação de rescisão de contrato movida pelos adquirentes, em razão de problemas financeiros pessoais. Apelação nº VOTO Nº 4/8

5 fls. 434 Cumpre observar que é plenamente admitida a possibilidade de rescisão do referido contrato pelo devedor, se não mais reúne condições para efetuar os pagamentos ao vendedor, não se exigindo como prova da alegação das dificuldades econômicas, conforme já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça (REsp n MG Quarta Turma Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j ). Em tal circunstância, todavia, é preciso analisar o comportamento do comprador, pois situações distintas não devem ser tratadas da mesma forma. Afinal, se o compromissário-comprador se coloca em mora e somente depois de tempos é que toma a iniciativa de rescisão judicial, evidente que ao suspender o pagamento sem qualquer justificativa, houve a quebra da expectativa de recebimento do compromissário-vendedor, que sofreu prejuízos, tendo que suportar com recursos próprios o custeio das parcelas devidas pelo primeiro para a continuidade do empreendimento. Ainda, sem a ciência do intento de rescindir o contrato imediatamente, não pode o credor repassar o bem a terceiro. Todavia, não foi este o caso dos autos. Os compradores demonstraram que procederam à notificação prévia da ré (fls. 81/88), informando da intenção de rescindir o contrato e suspender o pagamento das parcelas a partir do mês de setembro de Nesse contexto, considerando o teor da cláusula 5.4 do contrato firmado entre as partes, realmente se mostra excessivo o percentual de retenção fixado (40% das parcelas pagas, mais 18% do preço em razão de gastos com publicidade e custos diversos), cuja reforma se impõe consoante o entendimento desta Colenda Corte para Apelação nº VOTO Nº 5/8

6 fls. 435 determinar a retenção pela Construtora de apenas 10% dos valores pagos, a título de perdas e danos, gastos com publicidade e despesas administrativas. A correção monetária deverá se dar a partir da data do desembolso de cada prestação; e os juros de mora serão calculados a razão de 1% ao mês a partir da citação. Ressalte-se que se consolidou o entendimento de que a devolução deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento, que diz respeito apenas à aquisição e não à restituição no caso de rescisão do contrato (Ap /6 Rel. Guimarães e Souza, Araraquara, j ; Ap /3 Rel. Ênio Zuliani, Bragança Paulista, j ; e Ap /0 Rel. Vito José Guglielmi, Campinas, j ). Por outro lado, a comissão de corretagem e a taxa Sati, em razão do novo posicionamento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, devem ser examinadas em apartado. De fato, a Corte Superior definiu em sede de Recurso Repetitivo, julgamento do REsp /SP (tema 939), que é perfeitamente possível a transferência do pagamento da comissão de corretagem ao adquirente: Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. Além disso, reputou como inválida a cobrança da Taxa Sati: Apelação nº VOTO Nº 6/8

7 fls Abusividade da cobrança pelo promitentevendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel. Desta forma, na esteira do pronunciamento da Corte Superior, a despeito das teses aqui levantadas, como o negócio se consolidou sendo desfeito por arrependimento posterior do comprador, é devida a comissão de corretagem. Já a taxa Sati, tendo em vista sua ilegalidade, deve ser restituída, mas na forma simples. Isto porque a previsão contida no parágrafo único do art. 42 do CDC pressupõe além do abuso de direito pelo credor a sua associação à conduta descrita no art. 71 do mesmo diploma legal - emprego, na cobrança de dívida, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor a ridículo - como sugere a doutrina (cf. Luiz Antônio Rizzatto Nunes, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Saraiva, 2000, p ). Tanto é assim, que basta a simples leitura do caput do art. 42 do CDC, em que está inserido o aludido parágrafo único, no qual se fundamenta a inicial, para que se verifique o contexto em que é aplicável: Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de Apelação nº VOTO Nº 7/8

8 fls. 437 TRIBUNAL DE JUSTIÇA correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. Em sendo assim, incabível a penalidade almejada ao caso em questão. No mais, reconhece-se a existência de sucumbência recíproca, sem compensação de honorários advocatícios, que ora se fixa em R$ 1.000,00 para os patronos de cada uma das partes, nos termos do art. 85, 2º e 14 do CPC/2015. Ante o exposto, rejeitada a preliminar, dá-se parcial provimento aos apelos. PAULO ALCIDES AMARAL SALLES Relator Apelação nº VOTO Nº 8/8