Corporate Governance e responsabilidade social das empresas
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- Mônica Câmara Cesário
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1 Corporate Governance e responsabilidade social das empresas Fernando Teixeira dos Santos Presidente da CMVM 1 - Os recentes escândalos financeiros e falências de importantes empresas cotadas chocaram os mercados de capitais e minaram a confiança dos investidores. Tais escândalos e falências chamaram a atenção para a necessidade de se adoptarem medidas regulatórias tendo em vista reduzir a probabilidade de novos eventos semelhantes e aumentar a confiança. As responsabilidades das administrações e dos comités de auditoria foram reforçadas. Foram estabelecidos procedimentos de supervisão e auditoria. Normas de contabilidade e auditoria mais exigentes têm vindo a ser adoptadas. Tem vindo a ser dada uma grande importância à qualidade da informação disponibilizada e usada pelos intermediários financeiros, corretores, analistas e agências de rating. Como exemplos de iniciativas regulatórias, mencione-se a lei Sarbanes-Oxley nos Estados Unidos, os princípios adoptados pela IOSCO sobre a independência e a supervisão da actividade de auditoria bem como sobre conflitos de interesse dos analistas financeiros, ou ainda as iniciativas em curso da Comissão Europeia revendo as 4ª e 8ª directivas sobre auditoria, bem como no domínio do direito societário e do governo das sociedades na sequência do 2º Relatório Winter. Os princípios de governo das sociedades podem assegurar a adopção de boas práticas tendo em vista A transparência das organizações e dos seus processos de decisão A divulgação dos poderes e responsabilidades dos agentes
2 A responsabilização dos gestores e da administração A prevenção e boa gestão dos conflitos de interesses A preocupação prioritária das boas práticas de corporate governance consiste em assegurar mecanismos apropriados que promovam o exercício, pelos accionistas, dos seus direitos de propriedade, não só exercendo os seus direitos de voto, mas também através da possibilidade de apresentarem questões e avançarem com propostas nas assembleias de accionistas. Promover-se-á assim uma maior responsabilização da administração. Divulgação de informação e transparência, associadas a boas práticas de corporate governance também promovem incentivos de mercado para a auto-regulação. A regra é a seguinte: definam-se standards e exija-se divulgação (comply or explain). Neste contexto, os investidores e outros interessados na empresa terão a possibilidade de avaliar a qualidade do seu desempenho e da sua gestão, de defenderem os seus interesses e de induzir as mudanças societárias que se revelem adequadas. A exposição pública da adopção, ou não, das boas práticas de governo societário (naming and shaming) introduz uma valência reputacional que pressionará as empresas não cumpridoras. De notar, que as questões de governo societário são igualmente relevantes fora do universo das sociedades cotadas. São príncípios importantes para outras organizações tais como empresas e outras entidades públicas, organizações não governamentais, mercados de capitais, organizações internacionais, etc.
3 2 As questões relacionadas com a responsabilidade social das empresas têm também vindo a merecer uma atenção crescente entre empresários, responsáveis políticos e reguladores. Em Março de 2000, a Cimeira Europeia de Lisboa fez um apelo para uma maior atenção das empresas europeias às suas responsabilidades sociais nos domínios da formação, organização e gestão do trabalho, igualdade de oportunidades, inclusão social e desenvolvimento sustentado. Em 2002, a Comissão Europeia emitiu um documento entitulado Corporate Social Responsibility - a business contribution to sustainable development tendo em vista aumentar a convergência e a transparência das práticas existentes e procurando incorporar estas preocupações nas políticas da União Europeia. Será que os mercados de capitais podem desempenhar um papel importante na promoção de boas práticas e na maior consciêncialização dos investidores para estas questões? Com efeito, algumas sociedades de grande dimensão, com visibilidade internacional, podem contribuir, e têm já contribuído, para este objectivo. Alguns índices tentam já medir a performance das empresas socialmente responsáveis, como é o caso por exemplo do Dow Jones Sustainability Index. Além do mais, alguma evidência sugere que empresas com maior empenhamento social têm melhor desempenho no mercado de capitais. Iniciativas como a criação dos Fundos Éticos orientando os seus investimentos para empresas com melhores standards de responsabilidade social, também promovem a consciência do mercado para estas matérias. Matérias que têm vindo a ser colocadas no âmbito das preocupações da governação societária:
4 Maior procura por padrões de gestão ético-social mais elevados (a educação dos investidores poderá ser um complemento importante); A importância da informação na indução de melhores padrões societários de comportamento socialmente responsável (comply or explain / naming and shaming); A introdução de mecanismos específicos de corporate governance, p.ex., a criação de comités especializados para tratar destas questões ou a nomeação de gestores com responsabilidades nest domínio; A sua relevância na criação de valor para os accionistas numa perspectiva de longo prazo. 3 Os eventos atrás mencionados que abalaram os mercados financeiros nos últimos anos realçam a importância de riscos de governance associados à cosmética da informação financeira, ao comportamento fraudulento de gestores, à falta de auditoria independente e à inexistência de sistemas internos de gestão e controle de riscos. Os investidores não ignoram, ou não devem ignorar, que podem ser enganados e, por isso, sempre que têm a percepção que tal risco é material, exigem um prémio para o assumir ou então pura e simplesmente não investem nas empresas com má reputação de cumprimento das suas obrigações. A implicação deste facto é a de que o mercado avaliará negativamente tais riscos ou mau comportamento e reduzirá o valor de tais empresas. Desta forma, o mercado estará a dar um incentivo à boa governação das sociedades e à divulgação de informação. Na medida em que as empresas
5 reduzam tais riscos, reduzem também a probabilidade de ocorrência de sinistros pelo que o mercado melhorará a sua avaliação. Isto ilustra a forma como as preocupações de natureza social e ambiental, como as questões da sustentabilidade, podem ser tomadas em conta, ser incorporadas, nas preocupações dos participantes no mercado. Ou tais matérias são relevantes, materiais, com um impacto no valor de mercado das empresas ou, caso contrário, serão muito provavelmente ignoradas. É esta a natureza dos mercados, ou se ganha ou se perde. Não deixa grande espaço para o comportamento altruísta. Não nego a existência de comportamento altruísta. O que quero dizer é que ele não será a regra, mas sim a excepção. Em boa verdade, muitas vezes constatamos comportamentos altruístas porque dele decorrem vantagens: ou um subsídio, ou uma dedução fiscal ou um ganho de reputação. O mercado deverá pois internalizar os custos sociais e ambientais e julgar o desempenho das empresas, beneficiando as que se portem bem e penalisando as que se portam mal. Que fazer então para que as empresas percebam que a irresponsabilidade social pode ter um impacto negativo no seu valor de mercado? Como induzir, por esta via, maior responsabilidade social das empresas? Como alargar o âmbito das actuais preocupações de corporate governance de modo a incluir também questões de responsabilidade social e ambiental?
6 O legislador pode impor obrigações/responsabilidades legais. Essa seria sem dúvida a via mais efectiva desde que devidamente implementadas. Existem contudo duas grandes dificuldades que limitam o uso generalizado desta solução: Muitas das situações negativas que enfrentamos são a resultante do nosso mau comportamento colectivo, pelo que dificilmente se poderá imputar a sua responsabilidade a esta ou aquela entidade em particular; No sistema económico e financeiro global em que vivemos, imposições legais ou regulamentares deste tipo, porque se traduzem em custos, afectarão negativamente a competitividade das empresas face aos concorrentes localizados em jurisdições em que tais custos não são impostos. Podemos pois concluir que as soluções de cariz impositivo, a serem possíveis, devem ser globais e tanto quanto possível harmonizadas para serem efectivas. Por isso, as organizações internacionais podem desempenhar um papel muito importante. Esta via, como sabemos, não é fácil. Recordemos, por exemplo, as dificuldades com o Protocolo de Quito. Face a estas dificuldades creio que um bom complemento a eventuais medidas oficiais de cariz legislativo será o de aumentar a pressão social no sentido da adopção de regras de conduta mais exigentes no âmbito da responsabilidade social das empresas. Esta maior pressão social poderá ser uma via efectiva para fazer com que estas questões possam ser percebidas como riscos relevantes com um impacto material no valor das empresas.
7 A pressão social pode gerar os necessários incentivos de mercado que promoverão a adopção voluntária, por parte das empresas, de comportamentos mais socialmente responsáveis. Primeiro, será necessário definir quais são as regras de conduta apropriadas. Este é um importante papel a desempenhar pelas organizações sociais e ambientais, sejam governamentais ou não. Segundo há que recomendar a adopção de tais regras de conduta, formando a opinião pública no sentido de a sensibilizar para que valorize tais preocupações. Terceiro, pressionar para que as empresas divulguem se sim ou não, estão a adoptar as regras de conduta recomendadas (comply or explain). A divulgação de quem cumpre e de quem não cumpre introduz um elemento reputacional que será devidamente avaliado (naming and shaming). Será de esperar que ocorram dois efeitos: Os consumidores mudarão gradualmente as suas preferências e passarão a valorizar o comportamento socialmente responsável As empresas perceberão que o comportamento socialmente responsável é valorizado pelo mercado, e não quererão incorrer nos custos que possam resultar de uma má reputação. Em conclusão, a percepção corrente, entre os reguladores, é a de que o custo da imposição de obrigações específicas de divulgação ou a imposição de regras de conduta específicas nesta área não se justifica ainda face à percepção que os investidores têm dos benefícios que podem obter. A ênfase terá que ser colocada no comportamento voluntário através da promoção de incentivos de mercado que
8 induzam as empresas a adoptarem melhores e melhores standards (name and shame se necessário). Isto não preclude a necessidade de os reguladores imporem exigências referentes à identificação de riscos sociais e ambientais relevantes com que as empresas se possam ter que confrontar. O uso de procedimentos contabilísticos adequados deve ser exigido para reflectir o seu impacto na sua situação financeira bem como a sua divulgação ao mercado. A responsabilidade social é uma responsabilidade de todos, deve ser uma preocupação de todos. Obrigado
Em ambos os casos estão em causa, sobretudo, os modos de relacionamento das empresas com os seus múltiplos stakeholders.
Notas de apoio à Intervenção inicial do Director Executivo da AEM, Abel Sequeira Ferreira, na Conferência Responsabilidade Social e Corporate Governance, organizada, em parceria, pelo GRACE, pela AEM e
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