Prédica: Atos (11/04/2012) Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo esteja com vocês. Amém.

Transcrição

1 Prédica: Atos (11/04/2012) Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo esteja com vocês. Amém. Dois filmes. Dois sustos! Assisti dois filmes nos últimos dias que me impactaram. Aqueles filmes que ficam grudados na gente, dias... Um chegou a tirar meu sono. Acho que eles nos ajudam a embarcar na pregação deste culto. O que chegou a me tirar o sono começa em um orfanato, na década de 50-60, na Inglaterra. Muitas crianças participam de atividades escolares, com rigor disciplinar. Na verdade não era um orfanato... Depois de algum tempo de suspeita a gente descobre. Era um criadouro de clones. Crianças aparentemente normais, estudam, brincam, pintam... Um dia, uma das professoras explica que elas nunca terão uma vida normal. Nunca poderão ir atrás de um sonho. Não ficarão velhas. Foram criadas para doar seus órgãos para que outros vivam. E assim as crianças crescem, se tornam jovens, se apaixonam e esperam o dia da primeira doação, depois a segunda... Algumas suportam a terceira e aí concluem, assim elas dizem. Concluir! O que mais espanta é a resignação e a passividade. Tudo era normal. Eles aceitam este trágico e cruel destino. Como se fossem coisas, os órgãos e partes do corpo vão sendo tomados, arrancados de corpos jovens, cheios de vida... Não há esperança! Não há protesto! Não há herói ou final feliz A única esperança é um tempo a mais, um, dois, três anos de vida... Dias a mais, talvez. No outro filme, estamos no futuro. Geneticamente as pessoas foram programadas para viver até 25 anos. Ninguém mais envelhece! Pai, mãe, filhos, todos com 25 anos. O programa genético tem seu preço: Chegado aos 25 anos, a pessoa tem apenas um ano de tempo para viver. Passado este um ano, completado o último segundo, o corpo simplesmente pára de funcionar, como uma luz que é apagada. Para viver mais que este um ano, você precisa comprar tempo ou ganhar tempo. Tempo é neste filme, de fato, dinheiro. Existem as pessoas que moram no centro da cidade. Estas acumularam séculos de vida. Algumas vivem já há quase mil anos. Estas não conhecem a morte. Um decide, inclusive, dar todo o seu tempo para poder, enfim, morrer. As pessoas da periferia... Adivinhem?! Estas ao contrário, conhecem a ameaça da morte de perto. Passam o dia correndo atrás de tempo. A vida, uma hora, um dia é uma luta sem trégua... Dois filmes. Dois sustos. Nas duas ficções a tecnologia nos trouxe bônus, mas um alto ônus. Nas mãos humanas, a condução da vida virou barbárie. Nas mãos humanas, qualquer tentativa de superação da morte, é um desastre.

2 Uns vivem em detrimento do outro. E o pior - daí que vem o meu susto - em grande medida é assim que temos vivido. Os filmes denunciam nossas vidas reais. Nos dias posteriores aos filmes eu tentava me convencer que o mundo e a minha vida eram diferentes. Foi quando vi a reportagem de um hospital no país, onde os médicos tinham que optar em tratar os doentes mais graves ou aqueles que tinham alguma chance de sobrevivência. Outra reportagem falava de uma escola onde crianças andam em torno de 5 horas para ter aula (e há tantas outras reportagens). Como diz o ditado, me caíram os butiás do bolso! A realidade dos dois filmes é a nossa realidade. Por isso eles foram feitos. Antes de eu os ver, eles nos viram, viram nossa realidade. Nesta sociedade, para que uns vivam, pedaços de vidas de outros são tirados. Para que eu tenha mais tempo, outros acabam perdendo tempo. Dentro deste sistema, nós que estamos aqui, nesta manhã, talvez estejamos aqui à custa da vida de alguém. Faz pensar! Me assusta! Que monstruosidade criamos! Os dois filmes tratam da vida e da morte. Tema central das comemorações dos últimos dias, da páscoa cristã. A páscoa escancara a maneira como lidamos e interpretamos a vida sob os olhos de Deus. A cruz paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo con-centra o como lidamos e interpretamos a vida e, por consequência, a morte (ou o contrário). A páscoa não é uma mensagem por si, mas está em relação com a vida. Vimos nos três textos trazidos para este culto uma relação. Uma relação que fica clara à luz da páscoa. Temos uma promessa feita por Isaías (Is ): A morte será tragada; temos a sua realização, no relato da ressurreição no domingo, no Evangelho segundo Marcos (Mc ): as mulheres vêem o túmulo vazio... não contam adiante, por assombro; e temos sua consequência, em forma de testemunho, em Atos (At ), texto sobre o qual vamos refletir. No texto de Atos, estamos no pós-páscoa. A grande notícia de ressurreição está sendo levada e encontrada pelas pessoas. Leitura do texto de Atos. Pedro foi chamado por Cornélio, homem temente a Deus, gentil, não-circuncidado, soldado romano responsável pela centúria (grupo de soldados), ainda não conhece o testemunho da ressurreição de Cristo (conhecem a Deus). Pelas tradições judaicas, Cornélio é impuro dos dedos dos pés até a ponta dos cabelos. Uma visão faz Cornélio buscar a Pedro. Dias antes de receber os enviados de Cornélio, Pedro também tinha tido uma visão (11-13). Então nós temos aqui algo acontecendo: a mensagem da

3 ressurreição, que Pedro conheceu; Cornélio e sua casa/comunidade, temente a Deus, mas impuro diante das leis judaicas, ignorantes da mensagem da cruz... E mais: duas visões e uma força colocando tudo e todos a caminho, em contato. Uma manifestação está acontecendo! Pedro vai até Cornélio e lá chegando, Pedro, entende sua visão: Deus não faz acepção de pessoas. Pelo contrário, em qualquer nação, aquele que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável (34-35). Os limites dos códigos morais são rompidos. A mensagem que Deus enviou para os filhos de Israel passa a ser de todos. Como se a ressurreição transbordasse e se derramasse em cima de todos e de tudo. Em poucos versículos, Pedro testemunha sobre a boa notícia de Jesus Cristo. O testemunho é necessário para que a notícia siga adiante. Testemunho em meio à impureza, rompendo limites: Se dependesse do ser humano, com suas regras, estruturas, controles, jamais teria chegado lá, pois, aqui, o testemunho é obra do Espírito Santo. E o ES não é judeu, nem gentil, nem cristão. É uma força livre, incontrolável e dinâmica, não cabe em palavras. É algo que vai além da nossa capacidade de domínio e de controle. Não temos como agarrar a ressurreição com nossas mãos, nem com nossa razão. É a força do Espírito que a torna realidade, na fé, em nós e na igreja. A justiça e o temor a Deus passam a ser o único critério, se dá para falarmos de um critério. Ou seja, o testemunho se dá onde o temor a Deus e a prática da justiça acontecem. Lá a ressurreição faz sentido. Atos nos faz pensar várias coisas: A vida na fé da ressurreição é dada, desdobrada, vivida, pela ação de Deus. Não é algo que se possa pegar. Não é algo que se possa fazer. É um mistério, acessível pela fé! Ressurreição é para ser testemunhada. Testemunhar, neste texto, não significa entender, nem explicar, nem teologizar. Testemunhar é contar e crer no que se conta. Testemunhar é viver a justiça. Testemunhar é levar a notícia para todos, para os que achamos impuros, também para os que nos dão náusea tão diferentes são de nós. Ninguém fica de fora. Conversávamos Éverton, Sara e eu (equipe litúrgica do culto), que o tema da ressurreição me persegue. Acho que desde que estou na EST, sempre me toca pregar sobre a ressurreição. E sempre eu tenho que me confrontar com minha limitação diante do tema. Por que limitação? Por que eu tento agarrar o tema pela razão, pela teologia e não consigo. Aí o relato de Atos me ajuda e espero que ajude nossa comunidade. No tempo de Atos a maneira de crer é diferente (visões, p. ex., é algo estranho para nós hoje). Tamanha confiança nós não temos... Mas é este crersimplesmente que nos falta. Dar-se conta que estamos nas mãos do Espírito Santo, totalmente. Ressurreição tem algo

4 de mistério intocável, impegável. Só na fé ela é possível. Cornélio, Pedro e as pessoas em tornam deles, nos ensinam isto, de novo. Nos filmes que relatei, as pessoas tentaram arquitetar a vida eterna. Driblar a morte. Pegar a vida. Os resultados são os mais drásticos e funestos possíveis. Ressurreição e vida eterna não têm a ver com dinheiro e poder, nem com acepção... Nossos projetos de controle da vida arrancam da vida a graça e o sentido, tornam-se cruéis, fazem da vida um desespero. Atos nos conta outra história: a ressurreição é a ousadia de Deus em fazer por nós, ultrapassando nossos limites, nossos códigos, nossas regras, estruturas, nossos certos e errados: Estou bem certo que Deus não faz acepção de pessoas. Por meio de Jesus Cristo, Deus é Senhor de todos e para todos. Este é nosso testemunho e nossa promessa, base para viver. Vocês devem estar se perguntando, porque estes panfletos (anúncios e propagandas entregues antes de entrar na capela). Eles são as promessas e os testemunhos humanos da vida eterna e da ressurreição. Como nos filmes, casas, carros, roupas, marcas, sonho, proteção.,. são as formas como camuflamos esta vida e nos deixamos enganar. São as formas como tentamos agarrar a vida e a ressurreição por nossa conta e risco. É a forma como tentamos tomar nas mãos nossos destinos... Os resultados são os mais trágicos possíveis: ganância, exclusão, violência, frieza, tristeza, depressão e morte... São coisas boas e necessárias em si, mas quando assumem o lugar de nosso testemunho e nossa promessa, viram peças que não se encaixam no grande quebra-cabeça da vida. O testemunho da ressurreição de Cristo passa pela justiça e pela fé e por isso é para todos. A igreja, criatura da Palavra, por ação do Espírito Santo, é o espaço para viver a justiça e a fé, para todos. Foi isto que Jesus Cristo fez. A cruz radicaliza e escancara este caminho. Mas nossa Igreja (igreja geral) em grande medida tem virado mais um produto humano. Um panfleto com oferta através do controle. A páscoa nos faz imaginar a igreja como uma grande mesa, cheia de boa comida, onde todos são incluídos, em festa. A páscoa nos faz lembrar da igreja movida por uma dinâmica incontrolável; nos lembra que Igreja não é lugar de regras de puro e impuro... É dádiva, presente, pois a ressurreição não pode ser agarrada, nem mesmo pela razão. Ela só pode ser testemunhada e vivida, na fé e na justiça. Que esta seja a nossa visão e a nossa mais bela maneira de ser igreja. Que percamos o controle e que Cristo nos guie e conduza e que graça e o amor de Deus, que vai além da

5 compreensão humana, guarde nossos corações e mentes, em Cristo, o ressuscitado. Amém. P. Dr. Júlio Cézar Adam