Literatura e Política: discursos e projetos de integração nacional George Leonardo Seabra Coelho 1
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- Derek de Miranda Madeira
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1 Literatura e Política: discursos e projetos de integração nacional George Leonardo Seabra Coelho 1 A avaliação dos debates referentes às questões relacionadas a expansão e ocupação do território entendida aqui como expansão da fronteira pode nos auxiliar no entendimento sobre o sentido dado à esse assunto na Literatura pós-22 e nos projetos políticos que visavam acelerar a ocupação dos espaços vazios no interior do Brasil. Para dar início à análise sobre esse assunto, em um primeiro momento definiremos certos pressupostos que estão presentes em algumas obras de Cassiano Ricardo e Sérgio Buarque de Holanda. Já em seu primeiro livro Holanda Raízes do Brasil defende o pressuposto de que para se entender os precedentes históricos da sociedade brasileira, o importante é partir da análise da implantação da cultura européia em outro território. Implantação realizada em um extenso território que oferecia condições geográficas e culturais completamente estranhas às conhecidas no velho continente. Esse é um dos fatores dominante para a compreensão da origem da sociedade brasileira, isto é, a adaptação das formas de convívio, das instituições, das idéias, etc, de um povo em outra realidade geográfica. Heranças, considerada pelo autor, de uma nação já formada em uma zona fronteiriça, de transição, menos carregada, em alguns casos, desse europeísmo (HOLLANDA: 1956, p. 16). Contudo, após o processo de adaptação da cultura ibérica nos trópicos, se desenvolveu especialmente no Planalto de Piratininga um movimento novo de nossa história nacional... A expansão dos pioneers paulistas não tinha suas raízes de outro lado do oceano... esses audaciosos caçadores de índios, farejadores e exploradores de riquezas, foram, antes do mais, puros aventureiros só quando as circunstâncias o favoreceram é que se faziam colonos... antes do descobrimento das minas, não realizaram obra colonizadora, salvo esporadicamente (Idem: p. 137) Como vemos, o autor atribui ao processo de adaptação da sociedade portuguesa em outro território como o fator de maior relevância para se entender a formação de uma nova sociedade, e mais, localiza espacialmente onde essa sociedade inaugura o foco de origem da renovação na história brasileira. No entanto, o que impulsionou as aventuras bandeirantes não teve origem em Portugal, e sim na formação de uma sociedade fruto do processo de adaptação portuguesa. O marco desse movimento, no ponto de vista de Holanda, foram as Bandeiras, 1 Universidade Federal de Goiás. Mestrando em História. 1
2 movimento que expressa uma das principais características dos paulistas, ou seja, o espírito aventureiro inerente aos habitantes do Planalto de Piratininga. Os pioneers paulistas, na visão de Holanda, eram audaciosos caçadores de índios e exploradores de riquezas, essas são as qualidades que compunham o tipo ideal do aventureiro. Seguindo essa descrição, na maioria dos casos tais aspectos eram predominantes, mas quando as circunstâncias eram favoráveis se tornavam colonos. Uma dessas possibilidades era após o descobrimento das minas. Dando continuidade a essa perspectiva podemos avaliar que, no ponto de vista do autor, existiam dois momentos na ação destes personagens na expansão rumo ao Oeste: um momento puramente explorador, no qual a intenção principal das Bandeiras era a busca de metais preciosos e a captura do nativo; e outro, no qual se inicia a obra colonizadora nas localidades próxima as regiões ricas em metais preciosos. Ao propor uma explicação sobre a influência da colonização portuguesa no processo de formação da sociedade brasileira e conseqüentemente na ocupação do território, Cassiano Ricardo (1970) em seu ensaio Marcha para Oeste destaca o repúdio que o português tinha ao sertão em razão de sua incapacidade de sertanejar preferindo manter o projeto colonizador apenas no litoral. Devido a dificuldade de adaptação às circunstâncias oferecidas pelo meio, somente os habitantes do Planalto de Piratininga estavam preparados para vencer as dificuldades oferecidas pelo sertão. Esse ajustamento possibilitou o sucesso da empreitada bandeirante, pois o lusitano por si só era incapaz de adentrar o território: por um lado, o tratado com a Espanha impedia um movimento além da linha divisória entre as duas Coroas; e por outro lado, pela dificuldade de se adequar rapidamente às dificuldades oferecidas pelo meio. Seguindo esse raciocínio, o português além da impossibilidade de sertanejar, tinha uma política antibandeirante em relação às incursões paulistas no interior do território. De forma romântica e expressando o viés nacionalista típico de sua obra, o ensaísta conclui que os habitantes de Piratininga sobrelevam o plano de expansão portuguesa em terras americanas. Juntamente com proposta de avaliar a origem da sociedade brasileira, isto é, partindo do processo de adaptação da cultura portuguesa em outra realidade geográfica, Holanda (1956) faz algumas considerações sobre a ocupação do território, em particular no Planalto de Piratininga, região onde se iniciou a expansão do território rumo ao Oeste. Em todo caso, segundo o autor, no início da colonização a empresa portuguesa se deparou com uma situação peculiar, isto é, a abundância de terras férteis e ainda mal desbravadas (HOLLANDA: 1956, p. 42). Essa situação fez com que a grande propriedade rural se tornasse, aqui, a 2
3 verdadeira unidade de produção (HOLLANDA: 1956, p. 42). Nestas condições se formou uma civilização de raízes rurais de modo que as cidades são virtualmente, senão de fato, simples dependência delas (Idem, p. 87). Ao considerar a forma como foi organizada a produção rural, o autor entende que no Brasil, mas principalmente na região de Piratininga, a estabilidade dos domínios agrários sempre dependeu diretamente e unicamente da produtividade natural dos solos... o esperdício das áreas de lavoura determinou com freqüência deslocações dos núcleos de povoamento rural e formação, dispersos e mal apegados a terra (Idem, p. 115). Seguindo essa perspectiva, o autor esclarece que os portugueses não possibilitaram a criação de grandes núcleos de povoação estáveis e bem ordenados (Idem, p. 126) e em certo sentido, essa forma de organização do território possibilitou a formação do tipo social próprio do Planalto de Piratininga, o principal responsável pela dilatação das fronteiras e ao aproveitamento de nosso território (HOLLANDA: 1975, p. 160). Com essas palavras podemos perceber de que forma o autor observa em alguns aspectos como a adaptação da sociedade portuguesa interferiu na estruturação econômica do território, e como essa mesma conjuntura econômica possibilitou a formação de um tipo social específico na colônia. Nesse sentido, a má utilização do solo pela propriedade rural e o desapego à terra característico dessa população, segundo Holanda, compõem o quadro da expansão da fronteira na história brasileira. Também ocorre a avaliação do processo de ocupação do território nos escritos de Ricardo. Segundo o ensaísta, o engenho impõe a primeira grande divisão social no Brasil. Uma realidade social que possibilitou o nascimento da sociedade típica do litoral do nordeste brasileiro: o latifúndio. Como fruto do crescimento dos engenhos, o ensaísta avalia que no Nordeste ocorreram alguns movimentos de alargamento da fronteira, no entanto, as entradas baianas se ligam mais a conquista de latifúndio do que à de ouro (RICARDO: 1970, p.23). Outra região também colaborou com esse alargamento, no Sul, os criadores de gado com suas grandes propriedades desempenhando importante papel em nossa expansão territorial (Idem, p.29). Dois momentos que compõem a dilatação territorial, que no entender de Ricardo, não servem de base para se compreender a formação de uma nova sociedade que se constituiu junto à expansão da fronteira em direção ao extremo Oeste. O foco de irradiação é outro, a arremetida dos habitantes de Piratininga para o interior é o verdadeiro episódio que dá início à História brasileira. Assim, quando entra no sertão a 3
4 primeira bandeira cessa a história de Portugal e começa a do Brasil (Idem, p.37). O autor procura defender seu argumento ao justificar que realiza uma análise do fenômeno social que foi a bandeira, ou da bandeira em seu processo sociológico de expansão para o Oeste (Idem, p.28). Ao se lançar a este desafio, destaca a importância de dar uma explicação ao encontro de dois estágios de cultura diferente, um choque violento de culturas (Idem, p.8) para se entender o processo de expansão em direção ao Oeste e consecutivamente dar uma explicação para a sociedade brasileira de seu tempo. Ambos os autores concordam com a adaptação de uma sociedade ao meio, dando destaque não à adaptação do português, mas a sociedade fruto desse processo: o habitante de Piratininga. Eles também concordam na defesa de que a empresa portuguesa não conseguiria tal expansão territorial sozinha, contudo, a expansão da fronteira foi produto, obra e iniciativa dos habitantes de Piratininga, um empreendimento que deriva das necessidades desses habitantes. No entanto, eles discordam quanto a uma suposta divisão entre a História de Portugal no Brasil e uma História do Brasil inaugurada com o movimento bandeirante. Holanda coloca esse marco apenas como uma renovação da história brasileira, já Ricardo aponta esse momento como a ruptura entre a História de Portugal e a História do Brasil. Holanda considera que o caráter rural da sociedade instaurada no Brasil é uma marca profunda da implantação da cultura portuguesa em um vasto território. A incorporação crescente de novas terras é o resultado imediato da estrutura produtiva instalada aqui. Esse processo formou o tipo aventureiro, o principal responsável pela expansão da fronteira em direção ao Oeste. Podemos perceber que a adaptação ao meio, na concepção do historiador não é puramente relacionada ao clima, vegetação ou ao relevo, mas é avaliada em relação à forma como se estruturou produtivamente essa sociedade. No que concerne a avaliação sobre a estrutura produtiva, Ricardo também propõe a oposição entre o latifúndio do nordeste e do Sul, e a pequena propriedade na região de Piratininga, colocando a segunda como unidade produtiva responsável pelo ímpeto empreendedor do paulista. Ao lado da facilidade de adaptação à realidade do sertão, a necessidade de remédio para a pobreza do Planalto (RICARDO: 1970, p. 30) é outro elemento que orientou a arremetida rumo ao Oeste. No entanto, o objetivo do ouro e do cativo não bastariam, por si só, para caracterizar e explicar o movimento bandeirante. Ricardo chama a atenção para outro ponto, segundo o ensaísta os mitos de fundo econômico... é que antecedem, estreitamente 4
5 aqueles dois ciclos, e sobrevivem como uma constante do bandeirantismo durante nada menos de três séculos (p.28). De acordo com as palavras do ensaísta, além de procurar remédio para a pobreza do planalto, ou seja, ouro e índio, as bandeiras também foram impulsionadas pelos mitos de fundo econômico. Esse é um dos pressupostos de Ricardo para se compreender o elemento que impulsionou as Bandeiras, ou seja, se não fossem os mitos que trouxessem esperança de encontrar ouro, não haveria motivos que encorajassem os indivíduos na aventura das Bandeiras. O escritor já destacava esse pressuposto no prefácio da 12ª segunda edição do Martin Cererê, pois os gigantes haviam calçado as suas botas sete-léguas e levaram no coração duas forças terríveis: a ambição e o maravilhoso... Arrastavam-nos mato adentro os mitos resplandecentes: a serra das esmeraldas, a serra de ouro, a serra de prata (p.5). Na concepção de Holanda a expansão para Oeste realizada pelas Bandeiras teve um impulso puramente explorador: índios, ouro e terras. Mesmo discordando quanto ao impulso que influenciou as Bandeiras, ambos os autores destacam os bandeirantes como os primeiros e principais fomentadores na incorporação de novas terras e na construção de uma sociedade nova. Além da facilidade de adaptação ao meio, outros fatores também favoreceram o sucesso das Bandeiras na concepção de Holanda, pois mais de uma proeza dos bandeirantes explica-se graças a esse talento particular (HOLLANDA: 1975 p.15), isto é, a adaptação a técnicas do gentio. Segundo o historiador, ao propor uma análise histórica das influências que podem transformar os modos de vida de uma sociedade é preciso nunca perder de vista a presença, no interior do corpo social, de fatores que ajudam a admitir ou rejeitar a instrução de hábitos, condutas, técnicas e instituições estranhos à herança de cultura (Idem, p. 63). O resultado dessa experiência já foi apontado acima, ou seja, em um primeiro momento a implantação da sociedade portuguesa em um vasto território, e em seguida, como fruto, a formação do tipo social característico de Piratininga. O autor propõe outra etapa dessa adaptação, ou melhor, ao lado da adaptação ao meio visto que esse mesmo meio oferece as possibilidades de se estruturar uma sociedade sob um sistema produtivo basicamente rural a constituição de um tipo social típico do planalto de Piratininga ganha destaque. Desta forma, a adaptação às técnicas e os costumes indígenas desponta como elemento chave para se entender o sucesso das incursões no interior. Um exemplo deste contato é a utilização dos 5
6 caminhos, pois a prática inventada pelo gentio de marcar os caminhos (Idem, p. 17) foi de grande valia para a orientação desses homens. As monções também fazem parte da história das Bandeiras e passam a constituir, de certo modo, o seu prolongamento, pois no ponto de vista do historiador, onde a marcha a pé por esses caminhos se tornou impossível, a navegação veio resolver o problema. Seguindo esse raciocínio, para o sertanista branco ou mameluco, o incipiente sistema de viação que aqui encontrou foi um auxiliar, tão prestimoso e necessário quanto o fora para o indígena (HOLLANDA: 1975 p.15). O autor conclui que esses são alguns dos aspectos da influência indígena... Influência que viria animar, senão tornar possível as grandes empresas bandeirantes... a marca do chamado selvagem, da raça conquistada... elemento fecundo e positivo, capaz de estabelecer poderosos vínculos entre o invasor e a nova terra. O retrocesso as condições mais primitivas, a cada novo contato com a selva e com o ambiente da selva, é uma etapa necessária nesse feliz processo de aclimatação (Idem, p. 18). Neste trecho encontramos uma avaliação positiva das trocas culturais entre o indígena e o branco para o sucesso das Bandeiras. Neste recorte também podemos perceber como o autor inicia a explicação que destaca como o elemento portador da civilização o bandeirante retrocede às condições mais primitivas do índio para realizar a conquista do território. Não seria exagero relacionar o fato de que a adaptação às técnicas do gentio já seria uma contribuição de retrocesso as situações oferecidas pelas condições do sertão. No intuito de definir as razões que possibilitaram o sucesso das Bandeiras, Ricardo (1970) se dá ao trabalho de destacar as trocas culturais ocorridas durante as incursões no interior do território. A partir daí, o autor propõe avaliações que destacam o papel do indígena não apenas para o sucesso da empreitada, mas para a formação de outro povo. As considerações sobre as trocas culturais entre o branco e o índio são de grande importância para explicar a Bandeira, pois na concepção do ensaísta, sem o grupo móvel que fosse buscar esmeralda ou remédio para a sua inquietação, não teria havido bandeira, social e historicamente (p.21). Neste sentido, o que explica a Bandeira em termos históricos e sociais é a síntese entre o espírito aventureiro do habitante de Piratininga que em contato com o selvagem... o bandeirante adquire uma enorme capacidade de regressão ao primitivo (p.21) e a facilidade do gentio em se orientar no território. Nesta fusão o grupo precisou desenvolver novos valores, usos e costumes, padrões de comportamento, pra manter a unidade em plena selva (p.29). No que concerne a adaptação às 6
7 técnicas desempenhadas pelos habitantes de Piratininga durante a arremetida rumo ao Oeste, assim como Holanda, Ricardo também defende que é a capacidade em regressar ao primitivo o mais que pode; em adotar os padrões culturais indígenas; em se mestiçar com o aborígine (p.270). O sertão envolve ao seu modo, o desenvolvimento do grupo, ou melhor, ao lado do bandeirante e do índio, o sertão também figura como personagem neste episódio de formação da sociedade brasileira. Holanda avalia alguns elementos que fizeram parte do processo de expansão do território nacional aqui entendida como expansão da fronteira produzido pelas bandeiras, neste caso a conquista do sertão para a civilização foi realizada por determinados tipos que tem características específicas: o tipo de aventureiro e do trabalhador. Segundo o autor, não há dúvida que os dois conceitos nos ajudam a situar e a melhor ordenar nosso conhecimento dos homens e dos conjuntos sociais (HOLLANDA: 1956, p. 36). O aventureiro é um tipo humano que ignora as fronteiras (Idem, p.35) e é dele que se origina o bandeirante devassador do sertão (HOLLANDA: 1975, p.19). Assim, ele também sempre prestou bons serviços, desbravando terras incultas, fundando capelas e povoados sertanejos e, sobretudo, dilatando no continente o mundo de língua portuguesa (Idem, p.145). Nesta perspectiva, esses tipos se confundem na história da ocupação do território brasileiro que não é entendido apenas em questão dilatação espacial, mas também em relação à cultura e à civilização. Ao lado do branco e do mameluco, outro personagem também faz parte desta empreitada. O índio na concepção de Holanda exposto em Caninhos e Fronteiras (1975) ofereceu suas potencialidades naturais, sejamos mais claros, nas primeiras incursões ao interior do território, a capacidade de orientação do gentio foi mestre e colaborador inaugural nas entradas (p.15). Neste conjunto, sua tendência espontânea para a atividade menos sedentária (Idem, p. 43) foi de grande valia o avanço das Bandeiras e a conquista do Oeste para a civilização. E ao dar importância a essas características a propensão para as atividades menos sedentárias e a capacidade de orientação Holanda situa como o nativo teve um importante papel na conquista do Oeste. No sentido de sustentar esse argumento, o autor lembra que mesmo antes das grandes Bandeiras os pioneiros brancos que especialmente nas terras de Piratininga, tiveram de imitar seus hábitos para resistir a hostilidade do meio (Idem, p. 37). Na visão de Ricardo, para compor o quadro de análise pautado na virtude de adaptação dos habitantes de Piratininga, encontramos argumentos que defendem que o tipo que mais 7
8 contribuiu para a marcha rumo ao Oeste foi o de maior mobilidade geográfica. A mobilidade social, biológica e geográfica é a base para o entendimento do sucesso das bandeiras. No entanto, se a bandeira era indígena no movimento, também levaria o material humano para a sua fixação, o negro (p.19), isto é, na visão do ensaísta a Bandeira começa mameluca e indígena, na fase das descobertas e termina africana, na fase de mineração. O negro, ao lado do índio, ajudou o branco a modelar o retrato verde-físico do Brasil (p.284), ou melhor, na necessidade de iniciar a defesa de sua tese de democracia biológica, Ricardo exalta que na marcha para Oeste vão todas as raças (p.284) rumo à formação de uma nova sociedade. Esse é um dos pressupostos que o ensaísta utiliza para configurar sua tese de democracia biológica, um plano onde cada tipo racial negro, índio e branco exerce seu papel biológico na organização social do grupo. Ao analisar as relações de obrigação para investigar a organização social do grupo terra adentro e como eram distribuídos os papéis, Ricardo é bem claro ao esclarecer a divisão dos papéis nessa democracia biológica: enquanto comando, o branco; enquanto movimento, o índio; e enquanto pouso o negro. Na concepção de Holanda referente a organização do grupo terra intra-terra, o autor considera que com freqüência as relações dos escravos das minas e plantações com os donos oscilavam da situação de dependência para a de protegido, e até de solidário afim (HOLANDA: 1956, p. 55). Esta relação acabou agindo como dissolvente de qualquer idéia de separação de casta ou raças, de qualquer disciplina fundada em tal separação (Idem, p.55). O autor considera que, foi em parte, graças a esse processo que eles puderam, sem esforço sobre-humano, construir uma pátria nova (Idem, p. 76), apresentando uma relativa inconsistência do preconceito de raça e de cor (Idem, p. 273). Fica claro como o autor define mais um elemento para entender o processo de formação da sociedade brasileira, ou seja, ao lado da implantação da sociedade portuguesa em outro território e a constituição do tipo social próprio do Planalto de Piratininga, Holanda complementa sua análise avaliando o processo de miscigenação entre as três raças formadoras da nação brasileira. Na composição do grupo formado no interior, Ricardo dá destaque ao perfil do branco ou mameluco no comando. Tal avaliação oscila entre o herói e o bandido. O herói nessa perspectiva por mais rutilante que seja, pressupõe um tipo social. Este tipo social pressupõe um meio geográfico, étnico e econômico que lhe dá origem (p.29). E nessas circunstâncias, para ser herói... o herói é obrigado a ser bandido (p. 274), ou seja, expor o bandido que há no herói (p.274). Esse tema também é ressaltado em seu mais famoso poema 8
9 romântico-nacionalista Martim Cererê. O trecho abaixo nos diz muito sobre como esse embate isto é a idéia de que o mesmo agente civilizador é herói e bandido ao mesmo tempo participou da formação de um outro povo. Esses homens são: Heróis geográficos coloridos que irão cruzar o chão da América inculta ainda oculta, em todos os sentidos (Raça Cósmica: p.56). Esses papéis são representados nesse meio geográfico, nesse palco denominado sertão, local a ser conquistado e incorporado à civilização. Acreditamos que esse local predestinado na visão do poeta acabou sendo incorporado à civilização no aspecto de fronteira. Nessa perspectiva, Ricardo definiu em seu ensaio que o bandeirante já é fronteiro, ele leva a fronteira consigo (moving frontier) (p.575) ele é o nosso frontiers-men. Fica clara a afirmação de que é nesse espaço que todo fronteiro, todo conquistador é sempre herói por um lado e bandido pelo outro... não iria fugir a esta incoercível dialética... se triunfa é herói, se perde, é bandido (p.274). Em Martim Cererê, a relação entre o herói e o bandido desenrolada na fronteira também é cantada, nesta realidade todo fronteiro será herói e bandido ao mesmo tempo, quando chegares à fronteira; herói para o lado de cá, bandido para o lado de lá (Caminho, o fronteiro: p.77). Concordando com Ferreira (1970) neste dilema entre o herói e o bandido, Ricardo completa seu tema nas duas obras, isto é, um tema iniciado em Martim Cererê e se completa em Marcha para Oeste, e vice e versa, já que entre a década de 1920 e 1970 ambas as obras foram reeditas e acrescidas de novos trechos. Pois quem caminha e leva uma fronteira nos próprios pés caminha dividido; de um lado é herói, do outro é bandido (Ultimo gigante p.125) Definindo o bandeirante como agente da civilização (p.487) Ricardo seguindo seu viés romântico-nacionalista afirma que já nas primeiras Bandeiras esses agentes trabalhavam pela unidade nacional, que é o sentido vivo da nossa história (p.489), ou seja, a integração de outras terras e a unificação territorial é uma das metas principais da nação. Argumentos que expressam a visão romântico-nacionalista comum à década de 1930 e 1940 e ao dar continuidade à sua avaliação sobre a ação dos bandeirantes, o autor destaca o fato de que é na incorporação de novas terras e na sua conseqüente unificação territorial que se deve encontrar o sentido da História Nacional. De acordo com o ponto de vista do ensaísta, nas questões relacionadas à expansão do território se pode encontrar o principal vetor para a compreensão da sociedade brasileira, assim como dos problemas enfrentados pelo Brasil no presente. 9
10 Ambos os autores, além de levantar problemas sobre a adaptação ao meio, também abordam a adaptação aos costumes, principalmente no que concerne às técnicas do gentio. Em relação à posição do branco e do índio na organização da Bandeira defendem argumentos semelhantes: o branco é posto como agente civilizador que regride a condições primitivas para conseguir domar o território e o nativo; o índio surge como elemento biológico que tem como característica mais marcante a facilidade de locomoção e orientação no território; o negro detém um papel secundário na expansão para o Oeste, pois sua colaboração somente ganha destaque em momentos de fixação. O espaço onde esse processo se desdobra também aparece como personagem, muitas vezes o interior/oeste/sertão é posto como região hostil e primitiva, que foi conquistada com a habilidade do agente civilizador, habilidade esta de regressão a situações primitivas. Por outro lado esse mesmo interior também é visto como possibilidade. Essa prerrogativa se mantém atual isso em meados do século XX quando os autores realizam colocações sobre a importância do interior para a sociedade brasileira. É marcante a afirmação de que ele deve ser definitivamente incorporado para a civilização, pois somente assim se tornaria uma região que pudesse trazer benefício para o desenvolvimento do Brasil. BIBLIOGRAFIA FERREIRA, Jerusa Pires. Noticias de Martim Cererê de Cassiano Ricardo. Editora Quatro Artes: São Paulo, HOLANDA, Sérgio Buarque de Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, RICARDO, Cassiano. Marcha para Oeste: a influência da Bandeira na formação social do Brasil. 4o ed. Rio de Janeiro: José Olympio Martim Cererê. Rio de Janeiro: José Olympio,
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