Prêmio Viva Leitura Edição 2014

Transcrição

1 Prêmio Viva Leitura Edição 2014 Ministérios da Cultura (MinC), Ministério da Educação (MEC), Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) Modelo Inovador de Biblioteca Criativa e Sustentável Proponente: Roberta Lourenço Ziolli Novembro/2014

2 Justificativa Tudo começou quando eu ainda era adolescente: freqüentadora assídua da biblioteca municipal de Campinas, SP, minha cidade natal. Não saberia dizer o porquê, visto que pertencia a uma família de baixíssima renda, e no meu querido lar não havia um livro sequer, afinal, quando não se tem dinheiro, comer é mais importante que ler - uma pena! Mas é assim que as coisas são. Só quem vive isso, pode dizer. Passava tardes inteiras na biblioteca e ficava maravilhada com tantas descobertas, saberes e conhecimentos. Um livro que me marcou na época foi Cem Anos de Solidão, talvez eu nem o tivesse compreendido direito pois era um livro extenso para quem nunca tivera um em sua casa. E assim, picada e contaminada pelo prazer da descoberta do conhecimento, resolvi inscrever-me no vestibular da UNICAMP mesmo sem saber direito o que isso significaria, pois o natural em minha família e roda de amigos era cursar no máximo até o terceiro ano do Ensino Médio e depois ir trabalhar. Contrariando o esperado, consegui ser aprovada e acredito que isso foi devido às tardes de leituras na biblioteca. Fiquei com essa dívida. Disse para mim mesma, que um dia gostaria de montar uma biblioteca comunitária para que outras pessoas pudessem desfrutar do prazer da leitura e conhecimentos que ela traz, e, quem sabe, pudesse transformar outras vidas como a minha foi. Trabalhando duro e juntando algumas economias, foi adquirida uma casinha na Ilha Primeira, Rio de Janeiro, RJ, e em 2011 nascia a Biblioteca Comunitária Semear com a premissa que pessoas felizes e inspiradas podem fazer um Mundo Melhor. Incomodada com tantos livros, cadeiras, prateleiras e outras peças que via nas caçambas de lixo espalhadas nos bairros do Rio, decidi aplicar os conhecimentos da área ambiental e criar uma biblioteca pautada nas premissas da sustentabilidade, com muita criatividade. Uma biblioteca multifuncional, como espaço dinâmico que visa a construção de uma sociedade mais igualitária, aberta a todo tipo de conhecimento, enriquecendo culturalmente a vida do usuário pela criação de ambientes inspiradores de convivência e convergência na comunidade, promovendo a leitura e valorização da literatura. Assim foi elaborado o projeto Modelo Inovador de Biblioteca Criativa e Sustentável, com a intenção de incentivar a prática da leitura e instigar pessoas a pensarem suas vidas por um movimento mais colaborativo e menos desigual. A Ilha Primeira situa-se na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, na área de planejamento AP4, onde há apenas uma biblioteca pública e em péssimas condições (ver reportagem: e nenhum ponto de cultura, quando nasceu esse projeto. Assim sendo, a justificativa para este projeto está pautada em suprir as deficiências de bibliotecas comunitárias e pontos de cultura em áreas pouco favorecidas vale destacar

3 que a Biblioteca Comunitária Semear é a primeira biblioteca comunitária da Barra da Tijuca e o primeiro espaço cultural das Ilhas da Barra. Assim, a justificativa deste projeto está pautado em três pilares: a questão social; a questão cultural e a questão ambiental. (i) a questão social: a Ilha Primeira foi ocupada, na sua maioria, por famílias de baixa renda e escolaridade. Com o passar do tempo e a valorização do Bairro da Barra da Tijuca, algumas famílias venderam seus terrenos para outras de maior poder aquisitivo, aumentando a diversidade sócio-economico-cultural dos moradores da Ilha. As famílias dos primeiros moradores que ali se estabeleceram, sobrevivem, em geral, da prestação de serviços aos moradores mais recentes. Alguns são barqueiros (trabalham pilotando as chalanas que fazem a travessia continente-ilha), outros, são donos de pequenos comércios, como a Dona Rita, proprietária do único bar/mercearia da Ilha. São pessoas que ascenderam econômica mas nem tanto culturalmente; (ii) demanda por entretenimento cultural local: sendo a Ilha um lugar tão agradável, envolvente, calmo e até bucólico, os moradores da Ilha são unânimes em relatar o apreço pela Ilha mas também a falta de atividades culturais locais que agreguem os moradores da Ilha para troca de experiências e convívio comunitário. Na Ilha Primeira o único espaço para atividades de entretenimento cultural existente hoje é a Biblioteca Comunitária Semear, e na Barra da Tijuca, bairro em que está localizada, há apenas uma biblioteca pública; (iii) a relevância ambiental do ecossistema envolvido: No Rio de Janeiro, diversas lagoas costeiras foram aterradas em função do crescimento urbano. O Complexo Lagunar da Baixada de Jacarepaguá, concentra as lagoas costeiras que restaram. Os manguezais localizados nas margens dessas lagoas são, de acordo com o Código Florestal Brasileiro, Áreas de Preservação Permanente (APP), sendo ambiente de riquíssima diversidade que deve ser reconhecido, admirado e valorizado pelos moradores das Ilhas. Vale destacar aqui que o Complexo Lagunar da Baixada de Jacarepaguá (RJ) é uma das poucas regiões de Mata Atlântica com lagoas costeiras que ainda restam. Assim, a própria localização permite o estímulo às práticas ambientais saudáveis. Atualmente, o estímulo a educação ambiental ocorre na orientação sobre reciclagem, oficina de horta orgânica e reaproveitamento de materiais. Os materiais utilizados na biblioteca, como estantes, escrivaninhas, cadeiras e bancos, são provenientes da reutilização ou reciclagem de material que estavam em situação de resíduo/lixo. Com isso, o projeto construiu a primeira biblioteca comunitária da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. O público alvo são os moradores das ilhas e do entorno visto que o acesso de uma ilha para outra e para o continente faz parte da rotina diária das pessoas da

4 comunidade. Além dos moradores da Barra da Tijuca que também são beneficiados visto que há falta de bibliotecas no bairro. Objetivos Ocupar a Biblioteca, transformando-a em um espaço para Semear caminhos transformadores e criativos que promovam uma convivência harmônica entre pessoas e natureza, germinando valores e práticas ambientais para a sustentabilidade e promover o acesso à educação e cultura através da leitura, numa ação que estimula a manutenção de biblioteca comunitária em áreas pouco favorecidas. Articular pessoas para construir ou fazer parte de projetos com impacto social positivo, por meio de sólido conhecimento teórico e troca de experiências, fomentando uma cultura mais colaborativa e co-criadora, possibilitando o acesso gratuito ao livro, ao conhecimento, visando a formação leitores (do mundo) críticos capazes de interpretar e ter uma postura reflexiva frente a tantas informações disponíveis no mundo de hoje, contribuindo para uma maior intimidade com os livros, reduzindo o analfabetismo funcional, e, desenvolvendo o senso crítico e reflexivo do que fazer com a diversidade de informação, atingindo um público amplo em interesses e faixas etárias. Metodologia A casa cedida ao projeto foi mantida como tal para criar um ambiente familiar e favorável para a troca de idéias e colaboração, fortalecendo o capital social da comunidade. A biblioteca foi montada inteiramente com materiais e equipamentos reutilizados. O acervo foi formado por doações e atualmente conta com mais de livros cadastrados e mais uns para serem classificados, com títulos para todas as idades, além de audiolivros, jornais, revistas e outras publicações periódicas. A biblioteca funciona como posto de atendimento para empréstimo de livros, o que é feito de forma bastante simples, gratuitamente e sem burocracia. O sistema não utiliza carteiras de usuários. A biblioteca tem um terminal de computador disponível ao público para consulta do acervo local. Os livros são catalogados utilizando o software livre PHL e seguindo a Classificação Decimal de Dewey. No acervo, os leitores encontram clássicos da literatura brasileira e universal, e obras atuais de autores brasileiros e estrangeiros. A manutenção e pagamento de contas (luz, água, etc) é feita com recursos próprios da proponente e com a arrecadação de café e de um brechó, com propostas que fomentam e solidificam as ações do projeto. O café intitulado Heranças da Nona é um espaço destinado ao resgate de nossas memórias afetivas através das receitas da nona que preservam a tradição de uma culinária caseira; e, o brechó intitulado Brechó da Biblioteca trouxe um modelo pioneiro sendo o primeiro brechó onde o consumidor decide quanto paga pelas peças, como uma iniciativa que visa estimular uma reflexão

5 sobre o custo e o valor das coisas e criar o hábito de um consumo mais sustentável e um comércio mais justo, numa verdadeira leitura crítica de mundo. Em pouco tempo a biblioteca comunitária tornou-se um espaço cultural, atuando nas áreas de Cultura, Meio Ambiente, Eco-Design, Construções Sustentáveis, Artesanato, Economia Solidária, Alimentação Saudável, desenvolvendo vários projetos pautados na humanização das relações e conectando Arte, Ciência, Tecnologia, Cultura, Criatividade, Inovação, Sustentabilidade e Responsabilidade Compartilhada tudo isso coletiva e colaborativamente e em redes unindo pessoas com os mesmos propósitos para a promoção de impactos sociais positivos na sociedade. O estímulo à leitura se dá através de atividades que incluem: oficinas culturais, encontros com autores; saraus literários; contação de história e rodas de leitura; shows musicais; mostra de curtas; cinema ao ar livre, troca de livros; entre outros. Além disso, o espaço oferece cursos livres e palestras reunindo profissionais renomados das específicas áreas. São muitas as atividades culturais realizadas pelo projeto afim de sensibilizar para a leitura. Como o espaço aqui é limitado, sugerimos que visitem a nossa página na rede social Facebook: Nos álbuns de fotos estão registradas as atividades desenvolvidas pelo projeto. Como entendemos a prática da leitura de forma mais ampla, leitura de mundo, priorizamos iniciativas que visam o bem-estar comum, como o Espaço Verde, e que visam acabar com a desigualdade social, assim o projeto atua também em ações que promovam o aumento de renda da população mais pobre, com as oficinas criativas. Ao selecionar as iniciativas, buscamos ações que resultem em efetividade e transparência aliado aos valores e premissas do projeto. O espaço verde consiste em valorizar a simplicidade, a natureza e o consumo responsável como caminho para o bem-estar. Incentiva a preservação ambiental por meio da difusão de hortas orgânicas e manutenção de espaços verdes em áreas urbanas. Nesse espaço interativo para colaboração, as pessoas encontram um contato a mais com a natureza, podendo levar isso para o seu dia a dia. Além de obter dicas para cultivar seus temperos e alimentos em pequenos espaços com poucos recursos, são também compartilhadas receitas gostosas comidas naturais e saudáveis, fáceis e rápidas de fazer, gastando pouco, utilizando ingredientes da época e reaproveitando talos, um novo modo de vida. As oficinas de criação trazem um novo conceito baseado num modelo criativo, social e inovador que propõe consumir produto com mínimo impacto ambiental e social. São produtos de bem com a natureza, socialmente justos, e que contribuam para um mundo melhor de um jeito sustentável e econômico. Surge como uma alternativa de consumo, diminuindo os impactos que o consumo excessivo causa na sociedade e no meio ambiente. O projeto busca trabalhar muito mais do que os conceitos de sustentabilidade e cidadania: traz atividades que se relacionam com a construção de atitudes e valores culturais, sempre baseadas no respeito e consciência ambiental e, por fim, atividades

6 que permitam a inserção no mercado de trabalho. Sustentabilidade significa dignidade, respeito e consciência coletiva. Como não dispomos de apoio financeiro, a equipe é formada por voluntários e 9 estudantes universitários de diversas áreas como Biblioteconomia, Letras, História, Nutrição, Ciências Ambientais, Engenharia, entre outros, que aplicam os conhecimentos técnicos adquiridos na universidade no desenvolvimento dos projetos da biblioteca, num processo contínuo de troca de conhecimentos. Todos os sábados, durante todo ano, esses voluntários se reúnem para atividades de promoção da leitura. De barco, são levados os livros doados e todo material necessário para a atividade cultural do dia que é sempre bem variada. Avaliação Todas as atividades foram realizadas seguindo o princípio da Biblioteca Comunitária Semear: apostar num ambiente acolhedor, simples e charmoso, como resgate da essência do ser, e em iniciativas encantadoras que comunicam nossos valores: Semeando Cultura - através da realização de eventos culturais buscamos o fortalecimento e a descentralização da cena cultural carioca. Semeando Leitura - o incentivo à leitura visando à formação de leitores críticos e socialmente transformadores é uma das ferramentas que utilizamos para despertar e mobilizar pessoas para um outro olhar que potencialize seus desejos de mudanças, a começar de si para o mundo. Semeando Consumo Sustentável - Brechó Social: promover a re-circulação de mercadorias, em estado de uso, aumentando o ciclo de vida dos produtos e diminuindo o consumo de novos materiais é uma mudança de hábito que faz parte de nossa campanha por um mundo menos materialista. Semeando Resgate Cultural Valorização e resgate cultural das memórias afetivas dos moradores das ilhas Semeando Conhecimento tamanho é o desejo de compartilhar, trocar, aprender, informar e formar, realizamos (despejamos) cursos, palestras, oficinas e vivências com professores, pesquisadores e estudiosos renomados nas diversas áreas do conhecimento. Semeando trocas de idéias Espaço aberto para convivência, um lugar simplesmente aconchegante e acolhedor para fazer amigos bem no coração da Ilha Primeira. Por fim, como resultado desse trabalho, percebe-se que ocorreu um significativo aumento da curiosidade pela leitura, além do seu resgate em casos relatados que os livros estavam deixados de lado e que com a criação da biblioteca despertou novamente o gosto pela leitura.