A ligação entre o direito constitucional e o direito administrativo sempre despertou interesse na doutrina. No entanto, foi apenas na década de 80
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- Felícia Barata Bergler
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1 A ligação entre o direito constitucional e o direito administrativo sempre despertou interesse na doutrina. No entanto, foi apenas na década de 80 que a doutrina buscou acentuar o vínculo entre estes dois ramos do Direito, uma vez evidenciada a necessidade de consonância da Administração Pública à ordem constitucional e sua gama de valores. Assim, aqui cabem breves considerações à respeito da evolução do Direito Administrativo, o qual possui como marco para alguns autores, a Revolução Francesa. Buscou-se ruir as bases de sustentação do modelo absolutista para então privilegiar o modelo de Estado de Direito. Portanto, neste momento, ocorre a consolidação dos chamados direitos de primeira geração, ou seja, as liberdades públicas. Dessa forma, a máquina administrativa estatal ainda não detinha a complexidade que se passa a examinar adiante. As primeiras crises do modelo capitalista colaboraram para o surgimento do modelo de Estado conhecido como Welfare-State ou Estado-Social: é neste momento da história que começam a se consolidar os direitos de segunda geração, os direitos sociais, os quais por possuírem caráter prestacional passaram a exigir uma ação mais efetiva do Estado. Em consequência, e tendo em vista a satisfação das necessidades coletivas, a atividade administrativa passou a gerar maiores tributações à população, fazendo com que houvesse um aumento da estrutura do Estado. Também o aparato administrativo cresceu em número e em complexidade. Com isso, a crise do Estado-Social se deu justamente devido às altíssimas demandas da população e dos altos custos de manutenção desse modelo. No Brasil, porém, as mudanças de concepções administrativistas vieram, sobretudo, junto com as conquistas obtidas com a CF-88. Ela foi um marco legislativo no sentido de ampliar a atuação do Estado nos setores sociais e econômicos, fazendo surgir uma gama de dispositivos sobre a Administração Pública. Tais mudanças seguiram a linha do que vinha acontecendo em outros países. Desde o fim da 2ª Guerra Mundial, a exigência de satisfação de um maior número de necessidades coletivas originou o Estado Social, aumentando consideravelmente as atividades da Administração. Não foi por acaso que várias Constituições promulgadas na segunda metade do século XX refletiram tal mudança. neste ról, inclui-se a CF-88. Para demonstrar a mudança de tratamento que a nossa Constituição Cidadã deu à Administração Pública, Odete Medauar analisou aspectos básicos da Administração Pública e do direito administrativo contemporâneo, usando como paradigma a Emenda 1/69. Com a CF-88, manteve-se grande parte dos dispositivos antes presentes na emenda; porém, ampliando o ról de disposições gerais sobre a matéria.
2 No entanto, não foi apenas quantitativamente que houve o incremento de normas administrativistas. Um dos pontos mais notável é a criação de um modelo de Administração Pública, muito embora ocupe mais o plano das ideias que o da efetivação prática, baseado em princípios. A Constituição determina que a Administração Pública, seus dirigentes e servidores ajam buscando sempre a legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência em suas ações. Nesse sentido, a mera análise do caput do artigo 37 permite ao leitor aduzir que o legislador foi magno ao estabelecer diversas vedações e limitações ao campo de ação do agente público, privilegiando, em detrimento deste, a coletividade e suas instituições. Procura-se, desta maneira, dificultar que a Administração torne-se um fim em si mesma ou um objeto para a realização de desígnios pessoais - e favorecer a atuação dos agentes da Administração para a efetivação das necessidades constitucionalmente garantidas para todos. Dado é este fato que existe um amplo ról de direitos sociais garantidos pela Constituição - e muitos desses carecem de qualquer mecanismo prático imediato para sua efetivação. Indo além dos direitos sociais, é patente que a CF-88 criou novos direitos e garantias das pessoas físicas e jurídicas perante a Administração Pública. Na busca pela transparência e publicidade nos atos dos agentes públicos, assegurou-se o direito de obter informações destes, independentemente se o interesse nelas é particular, coletivo ou geral. Criou-se ainda um remédio constitucional com o fulcro de permitir o acesso a tais informações - o habeas-data. Na confluência de todos os princípios anteriormente listados, no processo administrativo é garantido ao litigante e o acusado a ampla defesa e o contraditório. A autora, a despeito do que esse grupo acha, crê que os tribunais vêm aplicando exemplarmente os preceitos legais que a legislação federal (Lei 9.784/99), estadual e municipal criou. Muitas outras foram as inovações da CF-88. Ainda no art. 37, sem o intuito de exaurílas, podemos destacar as seguintes, no nosso entender mais relevantes para o estudo administrativista: exigência de aprovação prévia em concurso público para a investidura em cargos e empregos públicos; necessidade de autorização para instituir empresa pública; contratação de obras, serviços etc. por meio de licitação pública; responsabilidade civil por danos causados por terceiros alcançando também empresas privadas prestadoras de serviços públicos. Já no art. 5º, podemos ver importantes acréscimos no que concerne ao controle da Administração. São estes o mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e a
3 ampliação do objeto da ação popular, abrangendo a anulação de ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, etc. Todas estas inovações trazidas à Constituição tem como intuito a imposição de um modelo de Administração Pública baseado nos princípios elencados no art. 37, caput, da Constituição e ao respeito dos direitos das pessoas físicas e jurídicas. Gustavo Justino de Oliveira e Julieta Mendes Lopes Vareschini dedicam o seu texto à explicitar tal modelo de Administração Pública. Segundo eles, a Constituição Federal de 1988 outorga à administração pública sujeições e prerrogativas, com o intuito de que esta possa cumprir sua finalidade de servir aos cidadãos. É de se destacar a evidente preponderância, no texto constitucional, das sujeições ante às prerrogativas; restando, assim, um extenso rol de normas delineadoras à atividade administrativa exercida pelo Estado. Os autores do texto são enfáticos em reiterar que o intuito de tal norteamento imposto pela Constituição Federal é o da boa administração pública - atendendo ao interesse coletivo de forma célere, justa e eficiente, visando sempre a efetivação de direitos fundamentais. Elenca-se, assim, o princípio da legalidade, pelo qual o administrador público age, única e exclusivamente, pautado nos ditames da lei. A doutrina majoritária tem interpretado este princípio de forma mais ampla, restringindo o comportamento da Administração ao ordenamento jurídico como um todo. A essa diversa maneira de se entender o princípio da legalidade foi dado o nome de princípio da juridicidade. Evidente, no entanto, que existirão situações em que o administrador público terá a um poder discricionário para decidir, não limitando-se a seguir somente as instruções da lei. No entanto, ressaltam os autores que mesmo nestas situações, fica a decisão atrelada ao ordenamento, em especial à Constituição e os direitos fundamentais. Assim, in verbis, a discricionariedade está vinculada à Constituição e aos direitos fundamentais. São ainda citados outros princípios norteadores à Administração Pública: o princípio da moralidade, impondo ao agente agir segundo os princípios da ética, equidade; o princípio da impessoalidade, sobrepondo critérios objetivos a qualquer valoração subjetiva; o princípio da publicidade, que consagra o dever de transparência; o princípio da eficiência, diretamente ligado ao dever de boa administração; e o princípio da motivação, que exige da Administração a demonstração das razões de fato e de direito que respaldam suas decisões, afastando portanto, a discricionariedade pura. Tais princípios explicitam ainda mais a predominância de sujeições em face das prerrogativas.
4 Além destes princípios, há diversas garantias constitucionais inafastáveis elencadas principalmente no art. 5º da Constituição que vinculam a atuação administrativa ao atendimento das necessidades da sociedade. Os direitos fundamentais tem aplicabilidade imediata e a responsabilidade do Estado à promoção destes não pode ser afastada nem se alegada escassez de recursos. É exatamente isto que foi visto no acórdão discutido em aula. O Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n RS tem como agravante o Município de Porto Alegre, que nega sua condenação de fornecimento de medicamentos aos doentes de AIDS, já que este programa não está incluído na lei orçamentária anual. No entanto, o Supremo Tribunal Federal negou tal agravo justificando que o direito fundamental à saúde é inafastável, corroborando a proposta defendida pelos autores. A partir disto, surge a noção de funcionalização da atividade administrativa, voltada à concretização dos direitos fundamentais. Tal ideia mostra-se satisfatória para efetivar as diretrizes presentes nestes direitos, numa busca pela superação do modelo de Estado autoritário e impondo uma postura mais dialógica e democrática. É através deste novo modelo de administração pública que tornou-se possível ao Estado Nacional superar os desafios impostos pela modernidade; principalmente os relacionados ao meio ambiente, ao desemprego, à fome, à governança global e outros. A combinação entre os novos desafios decorrentes dos direitos fundamentais e a necessidade de diálogo com a população de forma a elevar a eficiência da máquina administrativa é o que conceitua o termo Governança Pública, modelo de gestão administrativa que visa a resolução das questões pertinentes à governabilidade de sociedades complexas. Ainda sobre este tópico, faz-se mister compreender que à administração pública moderna seria difícil, senão impossível, encarregar-se de tantos direitos previstos constitucionalmente se não fosse pela necessária conexão com a sociedade civil através de canais e mecanismos de percepção e participação social, (...) direta ou indiretamente, em benefícios à população a este conjunto de canais e mecanismos dá-se o nome de Estado em Rede, conceito conexo e necessário à plena realização da Governança Pública. Diante da dificuldade enfrentada pela administração pública com a escassez de recursos e mão de obra para a concretização do ról dos direitos fundamentais, aplica-se com precisão cirúrgica a lógica difusa da sociedade em rede, responsável pelo conceito de Estado em Rede. Além disso, consequência patente deste novo modelo, é a democratização da administração pública, que, a partir desta lógica difusa, torna-se mais descentralizada, horizontalizada e integrada entre os componentes estatais e a sociedade. Nesse sentido, a
5 finalidade precípua da Governança Pública é o alcance da estabilidade das instituições políticas e sociais por meio do fortalecimento do Estado de Direito e da sociedade civil. A good governance, expressão introduzida por Canotilho para se referir à responsabilidade (ou Accountability) do Estado para com as políticas públicas de atendimento às demandas sociais da população (numa referência à dinâmica das empresas privadas, clientela), relaciona-se a transição do modelo antigo de administração pública, na qual o Estado atuava como um fornecedor de serviços - hermético e incomunicável - para um novo modelo no qual o Estado possui um papel mais ativador, de ente cooperativo. Nesse sentido, Justino de Oliveira e Vareschini discutem a transferência de ações para o setor privado ou agentes sociais. Com isso, possibilita-se uma maior atuação e participação da população nos setores da administração pública, corroborando para o fim de internalização das demandas sociais, em busca da compatibilização entre as políticas públicas e as necessidades da sociedade (lógica difusa da sociedade em rede). Odete Medauar faz referência a estes movimentos de desestatizações de serviços antes exclusivamente públicos: EC 6/1995; EC 8/1995; e EC/9, de Portanto, o direito administrativo brasileiro encontra-se ancorado principalmente na CF-88, evidenciando o vínculo existente com o direito constitucional. Tanto Odete Medauar quanto Gustavo Justino de Oliveira e Julieta Lopes Vareschini prestaram homenagem aos vinte anos de Constituição Cidadã sobre o viés do direito administrativo. Assim, o presente estudo demonstrou como as prerrogativas estão sujeitas aos deveres constitucionais da Administração pública, sempre tendo em vista a realização das necessidades da sociedade. Os diversos princípios orientadores do Direito Administrativo, tais como juridicidade (ou legalidade), moralidade, impessoalidade, transparência, eficiência, motivação dentre outros, visam o alcance de uma estrutura administrativa mais democrática e dialógica, em consonância com o próprio Estado Democrático de Direito. Para tanto, as concepções de Governança Pública, Estado em Rede, Accountability e Administração Pública consensual tornam-se essenciais para a constatação das reais necessidades da sociedade, dos meios empregados para atingi-las, do delineamento dos mecanismos legais e legítimos de atuação da administração e da responsabilidade com a qual o Estado incorre na sua atuação. Muito embora os avanços em matéria constitucional sejam relevantes e necessários, não se pode deixar de registrar, entretanto, o déficit de efetividade da Constituição-Cidadã, nas palavras de Odete Medauar, uma vez que tais preceitos constitucionais previstos ainda carecem de ampla irradiação, demonstrando-se muitas vezes, na prática, insuficientes.
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