Interpretação da citologia cervico-vaginal em Medicina Geral e Familiar
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- Nathan Miranda Carreira
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1 Prémio Patient Care Artigo concorrente nterpretação da citologia cervico-vaginal em Medicina eral e Familiar rastreio do cancro do colo do útero é realizado através da citologia cervico-vaginal. São os Médicos de Família que estão responsáveis por este rastreio e que recebem o relatório da citologia. Têm a responsabilidade de informar a utente do resultado do exame realizado e tratá-la ou encaminhá-la para a consulta especializada, consoante seja necessário. Por isso, é fundamental saber qual a actuação diagnóstica e/ou terapêutica mais adequada perante os diversos resultados deste exame de rastreio. Sistema de Bethesda de 2001 é a base da interpretação da citologia cervico-vaginal e é também o ponto de partida para o algoritmo de decisão apresentado neste artigo. dra. Márcia Christel de Carvalho Sá Mestrado ntegrado em Medicina (Faculdade de Medicina da Universidade do Porto). nterna de Formação Específica de Medicina eral e Familiar de 1º ano. Centro de Saúde da Maia / Águas Santas USF Saúde em Família. cancro do colo do útero é uma causa importante de mortalidade na mulher a nível mundial. 1 A instituição do rastreio do cancro do colo do útero permitiu uma redução de cerca de 70 1 a 80% 2 das taxas de mortalidade por este tipo de cancro. rastreio organizado baseia-se na realização de citologia cervico-vaginal, em esfregaço convencional ou em meio líquido, de três em três anos, após duas citologias anuais consecutivas normais, às mulheres entre os 25 e os 60 anos de idade. 2 A citologia tem uma sensibilidade de cerca de 75% para detecção de cancro do colo do útero, que aumenta quando é enquadrada num programa de rastreio organizado, visto os casos que escapam a uma primeira citologia terem grande probabilidade de serem encontrados na citologia seguinte. teste da pesquisa de DNA do Papilomavirus Humano (HPV) tem maior sensibilidade que a citologia mas a sua especificidade é menor, não podendo ser usado como teste de rastreio. A sua mais-valia é o seu valor preditivo negativo muito elevado (98-99%) para lesão intra-epitelial escamosa da alto grau (HSL) e carcinoma cervical, o que oferece grande segurança às mulheres com células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASCUS) na citologia e cujo teste de HPV é negativo. 3 Após a realização do rastreio do cancro do colo do útero, o Médico de Família recebe a interpretação da citologia cervico-vaginal e, perante resultados anormais, tem de prosseguir na investigação diagnóstica, tratar a mulher ou referenciá-la para a consulta especializada. A interpretação da citologia vem actualmente descrita segundo o Sistema de Bethesda de 2001, que é uma forma de classificação clara, objectiva e reprodutível que PATENT CARE / MA
2 n Citologia cervico-vaginal permite padronizar formas de actuação. É de realçar que as grávidas e as adolescentes são dois grupos especiais no que diz respeito à interpretação da citologia cervico-vaginal: as adolescentes porque têm maior prevalência de infecção por HPV e as grávidas pelos riscos de procedimentos invasivos ou tratamentos durante a gravidez. 4,5 objectivo deste trabalho é definir estratégias diagnósticas e terapêuticas, adaptadas à realidade portuguesa, para cada uma das categorias da citologia cervico-vaginal, tendo como base o Sistema de Classificação de Bethesda. Material e métodos Foi realizada uma pesquisa bibliográfica nas bases de dados Medline e Scopus. As palavras-chave usadas foram vaginal smears e management. Foram obtidos inicialmente 85 artigos, dos quais foram seleccionados oito. s critérios de inclusão foram: artigos de revisão e normas de orientação clínica, publicados desde o ano de 2000 e redigidos em Português, nglês, Francês ou Espanhol. Foram excluídos os artigos com informação repetida, desactualizada ou não relevante para o tema em estudo. Foi ainda consultado o Plano Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças ncológicas 2007/2010, a Circular informativa nº6 de da Administração Regional de Saúde do Norte,.P. (ARSN) e as recomendações do Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Com os artigos seleccionados, foi elaborado um resumo para apoio à decisão perante os resultados da citologia cervico-vaginal. Resultados A interpretação da citologia cervico-vaginal é feita segundo o Sistema de Bethesda 2001 (Quadro 1). A partir desta classificação, foi elaborado um algoritmo de decisão adaptado aos meios diagnósticos e fármacos disponíveis em Portugal, página 64). Para o resultado citológico Negativo para lesão intra-epitelial ou malignidade, as recomendações são escassas e pouco consensuais. Neste estudo, as atitudes terapêuticas recomendadas para este grupo baseiam-se essencialmente nas orientações da ARSN 7 e do CDC 8, adaptadas aos recursos disponíveis em Portugal, e encontram-se descritas na Figura 1. A abordagem diagnóstica perante o grupo das alterações das células epiteliais está bem documentada na literatura, pois há diversos estudos sobre este tema e com resultados consensuais. Dentro das alterações das células escamosas, a abordagem perante um resultado de ASCUS é a menos consensual pois as recomendações propõem três opções, todas elas igualmente válidas (Figura 1). Quanto às restantes categorias do grupo de alterações de células escamosas (ASC-H, LSL, HSL, e carcinoma de células escamosas) e às alterações das células glandulares, a utente deve ser referenciada para a consulta de inecologia, pois a atitude diagnóstica e terapêutica ultrapassa os meios dos Cuidados de Saúde Primários. 1,3,4,5,10 Apesar da citologia cervico-vaginal não ser um bom método de rastreio do cancro do endométrio, o risco de este estar presente quando surgem células endometriais na citologia, numa mulher pós-menopausa, é de 6%, pelo que deve ser iniciada a investigação diagnóstica com uma ecografia ginecológica transvaginal, à procura de um espessamento do endométrio. 7,11 Considera- -se que o endométrio é normal quando tem até 4 mm de espessura ecográfica; entre os 5 e os 9 mm de espessura, é considerado suspeito; e quando ultrapassa os 9 mm é anormal. 11 Nas adolescentes e nas grávidas, as recomendações são diferentes das da população geral. Nas adolescentes (até aos 20 anos de idade) com AS- CUS ou LSL, está indicada a repetição da citologia aos 12 e 24 meses. Apenas as doentes que apresentem HSL ou carcinoma de células escamosas na citologia dos 12 meses ou apresentem qualquer anomalia das células escamosas na citologia dos 24 meses, devem ser referenciadas para consulta de inecologia para realização de colposcopia. 4 Pela elevada prevalência de infecção por HPV nesta faixa etária, sendo que a maioria delas regride nos primeiros dois anos após a infecção, não se recomenda a realização do teste de HPV. As anomalias de baixo grau são também mais prevalentes 62 PATENT CARE / MA 2011
3 Citologia cervico-vaginal n Quadro 1 Sistema de Bethesda ,5,6 Negativo para lesão intra-epitelial ou malignidade Microrganismos Trichomonas vaginalis Fungos compatíveis com Candida spp. Substituição na flora sugestiva de vaginose bacteriana Bactérias compatíveis com Actinomyces spp. Alterações celulares compatíveis com HSV utros achados não-neoplásicos Alterações celulares reactivas associadas a inflamação, radiação ou DU Estado das células glandulares pós-histerectomia Atrofia Alterações das células epiteliais Células escamosas Células escamosas atípicas (ASC) - De significado indeterminado (ASCUS) - Sem que se possa excluir HSL (ASC-H) Lesão intra-epitelial escamosa de baixo grau (LSL) Lesão intra-epitelial escamosa de alto grau (HSL) Carcinoma de células escamosas Chave: HSV Vírus Herpes Simplex; DU dispositivo intra-uterino. Células glandulares Células glandulares atípicas (AC) Células glandulares atípicas, possivelmente neoplásicas Adenocarcinoma endocervical in situ Adenocarcinoma utras Células endometriais em mulher após os 40 anos (após a menopausa) nas adolescentes, no entanto, têm um significado clínico a longo prazo pouco relevante, pelo que a colposcopia imediata é desaconselhada, visto sujeitar a jovem a procedimentos diagnósticos desnecessários nesta fase. 4 Nas grávidas com lesões citológicas de baixo grau (ASCUS ou LSL), é aceitável adiar a colposcopia para o período pós-parto (entre as 6 semanas e os 6 meses), pois a única indicação para tratamento cervical é o cancro invasivo. 4,5 Perante lesões citológicas de alto grau (HSL, carcinoma de células escamosas ou alterações das células glandulares), tanto as adolescentes como as grávidas devem ser referenciadas para consulta de inecologia. 4 No que diz respeito às alterações não malignas, nomeadamente a presença de microrganismos na citologia, o grupo das adolescentes pode receber o mesmo tipo de tratamento que as mulheres adultas. Na grávida, é necessário tomar algumas precauções com as medicações instituídas. A tricomoníase tem sido associada a eventos adversos durante a gravidez, particularmente ruptura prematura de membranas, parto pré- -termo e baixo peso ao nascimento, pelo que o seu tratamento é recomendado. metronidazol, PATENT CARE / MA
4 n Citologia cervico-vaginal Abordagem diagnóstica e terapêutica perante as categorias do Sistema de Bethesda Se sinais ou sintomas de candidíase Fluconazol 7,8 P 150 mg Jejum 1 d Clotrimazol 7,8 CV 100 mg Deitar 7 d traconazol 7 P 200 mg h 1 d Clotrimazol 7 CV 500 mg Deitar 1 d Clindamicina 7,8 AV 5 mg Deitar 1 d Metronidazol 7,8 V 500 mg Deitar 7 d Metronidazol 7,8 P 500 mg 2/dia 1 d Amoxicilina 7 P 500 mg 8-8 h 1 d Doxicilina 7 P 50 g h 7 d Miconazol 8 AV 5 g Deitar 7 d Tratar a mulher e o parceiro sexual Metronidazol 7,8 P 2 g 1x 1 d Metronidazol 7 P 500 mg 1/dia 7 d Metronidazol 7 P 500 mg 8-8 h 1 d Tinidazol 8 P 2 g h 7 d Amoxicilina 7 P mg h 7 d Doxicilina 7 P 50 g h 7 d Acicliovir 7,8 P 200 mg 5/dia 5-10 d Acicliovirl 8 P 400 mg 3/dia 7-10 d Valaciclovir 7 P 500 mg 2/dia 5 d Negativo para lesão intra-epitelial ou malignidade Alterações das células epiteliais Microrganismos Trichomonas vaginalis Fungos compatíveis com Candida spp. Substituição na flora sugestiva de vaginose bacteriana Bactérias compatíveis com Actinomyces spp. Alterações celulares compatíveis com HSV utros achados não-neoplásicos Alterações celulares reactivas associadas a inflamação, radiação ou DU Estado das células glandulares pós-histerectomia Atrofia Células escamosas Células escamosas atípicas (ASC) - De significado indeterminado (ASCUS) 1 - Sem que se possa excluir HSL (ASC-H) Lesão intra-epitelial escamosa de baixo grau (LSL) Lesão intra-epitelial escamosa de alto grau (HSL) Carcinoma de células escamosas Células glandulares Células glandulares atípicas (AC) Células glandulares atípicas, possivelmente neoplásicas Adenocarcinoma endocervical in situ Adenocarcinoma N E C L A 1,3,5,10 Valaciclovir 8 P 1 g 2/dia 7-10 d Se sinais ou sintomas de vaginite Clindamicina 7 AV 5 g Deitar 7 d Se mulher pós-menopausa e sintomática, ponderar terapêutica hormona 7 Não prosseguir na investigação diagnóstica nem instituir tratamento 7 Não é necessária investigação adicional nem tratamento 1 utras Células endometriais em mulher após os 40 anos (após a menopausa) PÇÃ 1 PÇÃ 2 PÇÃ 3 CCV 6M + 12 M Teste de HPV Ambas normais ASCUS ou lesão de grau maior Negativo Positivo CCV 12M Ecografia ginecológica transversal Rastreio geral Normal Rastreio geral ASCUS ou lesão de grau maior Normal Espessamento endométrico N E C L A 1,3,5,10 64 PATENT CARE / MA 2011
5 Citologia cervico-vaginal n apesar de ser um fármaco de categoria B (estudos em animais não mostraram dano para o feto, mas não há estudos controlados em humanos), é o tratamento de escolha para a tricomoníase na grávida (metronidazol 2 g, via oral, em toma única). 8 Uma grávida com candidíase, deve receber apenas tratamentos tópicos com derivados azólicos, de 7 dias de duração (clotrimazol, comprimidos vaginais de 100 mg, ou miconazol em creme vaginal). 8 Para a vaginose bacteriana, recomenda-se tratar todas as mulheres que sejam sintomáticas, visto a vaginose bacteriana sintomática aumentar o risco de eventos adversos na gravidez (ruptura prematura de membranas, parto pré-termo e situações infecciosas). Recomenda-se o uso de metronidazol 500 mg, por via oral, duas vezes/ dia durante 7 dias; metronidazol 250 mg, por via oral, três vezes/dia durante 7 dias; ou clindamicina 300 mg, por via oral, 2 vezes/dia durante 7 dias. tratamento das grávidas assintomáticas não é recomendado, excepto se a grávida tiver alto risco de parto pré-termo. 8 Na presença de um herpes genital, a grávida pode apenas receber aciclovir por via oral (200 mg 5 vezes/dia ou 400 mg três vezes/dia) durante 7 a 10 dias, visto não existirem ainda estudos sobre a segurança do valaciclovir. 8 Quanto à presença de Actinomyces spp. ou alterações celulares reactivas associadas a inflamação, não foram encontradas recomendações na literatura sobre o caso particular da grávida. Legenda do algoritmo P - per os (via oral) CV - comprimido vaginal AV - aplicação vaginal sob a forma de creme V - óvulo vaginal M - meses d - dias h - horas 1x - uma só vez CCV - citologia cervico-vaginal HPV - Vírus do Papiloma Humano Conclusão A actuação diagnóstica perante os diferentes resultados da citologia está bem estabelecida no que respeita às alterações das células epiteliais. No entanto, para o grupo Negativo para lesão intraepitelial ou malignidade, as ilações que se podem tirar dos poucos estudos existentes não são consensuais. As orientações da ARSN recentemente publicadas, bastante semelhantes às recomendações do CDC, permitem padronizar a actuação em Medicina eral e Familiar em Portugal perante estas anomalias, que serão provavelmente as mais frequentemente encontradas. Assim, este trabalho cumpriu o objectivo inicial de definir as estratégias de actuação diagnóstica e terapêutica em Medicina eral e Familiar perante os resultados da citologia cervico-vaginal no rastreio do cancro do colo do útero. REFERÊNCAS BBLRÁFCAS 1. Jin XW, Nielsen C, Brainard J, Yen-Lieberman B. New advances transform the management of women with abnormal pap tests. Cleve Clin J Med 2003 Jul;70(7): Ministério da Saúde, Alto Comissariado da Saúde, Coordenação Nacional para as Doenças ncológicas. Plano Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças ncológicas, 2007/ Sociedade Portuguesa de inecologia. Secção Portuguesa de Colposcopia e patologia Cervico-Vulvovaginal. Consenso em Patologia Cervico-Vulvovaginal Wright TC Jr, Massad LS, Dunton CJ et al consensus guidelines for the management of women with abnormal cervical cancer screening tests. Am J bstet ynecol 2007 ct;197(4): Anaes, Service des Recommandations Professionnelles et Service Evaluation Economique. Conduite à tenir devant une patiente ayant un frottis cervico-utérin anormal. Actualisation ynecol bstet Fertil 2003 Nov;31(11): Herbert A, Bergeron C, Wiener H et al. European guidelines for quality assurance in cervical cancer screening: recommendations for cervical cytology terminology. Cytopathology 2007 Aug;18(4): Administração Regional de Saúde do Norte,.P. Circular informativa nº6 de : rientações terapêuticas para resultados complementares da colpocitologia de rastreio do cancro do colo do útero, que acompanham o resultado negativo para lesão intraepitelial ou malignidade Unidades de Cuidados de Saúde Primários Centers for Disease Prevention and Control. Sexually transmitted diseases treatment guidelines 2006 ( 9. Kyrgiou M, Koliopoulos, Martin-Hirsch P et al. Management of minor cervical cytological abnormalities: a systematic review and a meta-analysis of the literature. Cancer Treat Rev 2007 ct;33(6): Apgar BS, Brotzman. Management of cervical cytologic abnormalities. Am Fam Physician 2004 Nov 15;70(10): Narducci F, Lambaudie E, Sonoda Y et al. Controverses et nouveautés dans l adénocarcinome de l endomètre. ynecol bstet Fertil 2003; (31): PATENT CARE / MA
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