Farmacologia da Imunossupressão
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1 Farmacologia da Imunossupressão Mestrado em Bioquímica Farmacologia Molecular e Celular 2012 Elsa Brandão Joana Melo Ricardo Amorim
2 Farmacologia da Imunossupressão i Índice Resumo... 1 Introdução... 2 Doenças autoimunes... 4 Transplantes... 5 Agentes imunossupressores Inibidores da expressão genética... 9 i. Glucocorticóides Inibidores específicos da sinalização dos linfócitos Inibidores da calcineurina i. Ciclosporina A ii. Tacrólimus iii. CsA e Tacrólimus Agentes citotóxicos Antimetabolitos i. Azatioprina ii. Micofenolato mofetil iii. Metotrexato iv. Sirólimus Agentes alquilantes i. Ciclofosfamida Anticorpos Anticorpos policlonais Anticorpos monoclonais i. Anticorpos anti-cd ii. Anticorpos anti-cd
3 Farmacologia da Imunossupressão ii iii. Anticorpos anti-cd iv. Anticorpos anti-cd v. Anticorpos anti-tnf-α vi. Anticorpos imunomodeladores Inibição da co-estimulação com proteínas recombinantes Bloqueio da adesão celular Artrite Reumatóide Esclerose Múltipla Transplantes Conclusões Bibliografia... 31
4 Farmacologia da Imunossupressão 1 Resumo O sistema imunitário é um sistema bastante complexo que pretende defender o organismo de agentes infecciosos. O seu correcto funcionamento permite o desenvolvimento de uma resposta imunitária a fim de evitar o dano tecidual e a ocorrência de doenças. Por vezes, a resposta imunitária que se desenvolve nem sempre é a desejada. Isto acontece em casos de transplantes e também em doenças autoimunes. As doenças autoimunes resultam do reconhecimento pelo sistema imunitário de antigénios próprios como estranhos, resultando em danos nos tecidos. Por sua vez, a transplantação é o processo de tirar células, tecidos ou orgãos (enxertos) de um indivíduo e implantá-los num indivíduo diferente, normalmente. No entanto, o sucesso deste procedimento depende da resposta imunitária do receptor ao tecido transplantado e a rejeição ou aceitação do enxerto é ditada pelo MHC do receptor. O uso de fármacos imunossupressores pode ajudar a suprimir a resposta indesejada nos dois casos referidos. Desta forma, pode evitar-se a rejeição de transplantes e pode-se proceder ao tratamento de doenças autoimunes. Ao longo do tempo, os fármacos imunossupressores têm evoluído em termos das suas propriedades, permitindo obter melhores resultados e aumentar a qualidade de vida dos doentes, com menor número de efeitos adversos. Estes fármacos estão divididos em categorias de acordo com a função que vão desempenhar a nível biológico. Das várias categorias, destacam-se os reguladores da expressão de genes, os inibidores da sinalização dos linfócitos, os antimetabolitos, os agentes alquilantes e os anticorpos que inibem preferencialmente a imunidade humoral. Para além destes, têm sido também muito utilizados anticorpos exógenos que, na maioria das vezes, sofrem um processo de humanização. Eles podem actuar de diversas formas, desde a ligação às regiões variáveis ao bloqueio da adesão celular. Uma grande vantagem destes fármacos imunossupressores é a sua elevada especificidade. Por último, são referidos casos de estudo que descrevem duas doenças autoimunes (artrite reumatoide e esclerose múltipla) e o processo de transplantação, dando-se enfase a alguma da terapia farmacológica que tem sido utilizada para o tratamento das doenças e para o sucesso dos transplantes.
5 Farmacologia da Imunossupressão 2 Introdução O sistema imunitário é o sistema biológico responsável por defender o organismo de agentes infecciosos, isto é, por conferir imunidade. Esta defesa é conseguida pela acção conjunta e coordenada de certas células e moléculas, que desenvolvem uma resposta imunitária de forma a erradicar os agentes invasores. O correcto funcionamento e desenvolvimento de uma resposta imunitária é de extrema importância para evitar o dano tecidual e a ocorrência de doenças infecciosas, inflamatórias, autoimunes e cancro [1]. As células do sistema imunitário têm que maturar correctamente e reconhecer os antigénios próprios dos estranhos, de modo a serem capazes de originar uma resposta imunitária apenas a antigénios estranhos. Por exemplo, durante o desenvolvimento das células T no timo, ocorrem fenómenos de delecção clonal. Numa primeira fase, os linfócitos sofrem selecção positiva, na qual os receptores das células T (TCR) se ligam com baixa afinidade a moléculas de MHC próprias, impedindo que estes entrem em apoptose. Deste modo, apenas células T CD8 +, que são específicas para moléculas de MHC classe I, e células T CD4 +, específicas para moléculas de MHC classe II, vão maturar. Estes linfócitos são novamente seleccionados de acordo com a afinidade de ligação a complexos MHC-péptidos apresentados por células apresentadoras de antigénios (APC). Os linfócitos que apresentam uma elevada afinidade de ligação sofrem selecção negativa, pela indução da apoptose, impedindo assim que as células T em desenvolvimento que expressam TCR reactivos contra antigénios próprios continuem o processo de desenvolvimento [1]. Após activação das células T naive por reconhecimento do complexo MHC-péptido, ocorre a sua diferenciação em várias populações celulares com funções efectoras diferentes. As células T helper 1 (Th1) produzem citocinas pró-inflamatórias, como o IFN-γ que activa os macrófagos para matarem patogénicos intracelulares (Figura 1). Por outro lado, as células Th2 secretam citocinas anti-inflamatórias, como a interleucina-4 (IL-4) que é importante na eliminação de patogénicos extracelulares (Figura 1). A desregulação no balanço entre as citocinas Th1 e Th2 tem sido implicada na imunopatogénese de várias doenças, incluindo na Esclerose Múltipla (EM). As células Th17 representam uma linhagem diferente de células T efectoras, sendo a sua expansão induzida pela IL-23 produzida por macrófagos e células dendríticas (Figura 1). Curiosamente, a razão entre o número
6 Farmacologia da Imunossupressão 3 de células Th1 e Th17 parece ser um ponto crítico da inflamação do sistema nervoso central (SNC), onde uma elevada razão de células Th17 em relação a células Th1 está associada com a infiltração de células T no parênquima cerebral e posterior inflamação [2]. Uma última subpopulação de células T é a de células T reguladoras (Treg), que expressa o factor de transcrição Foxp3. A principal função destas células é a de suprimir a resposta imunológica (Figura 1) [1]. Figura 1. Activação e diferenciação das células T CD4 + naive em subconjuntos funcionalmente distintos de células T (Th1, Th2, Th17 e Treg) sob a influência de citocinas específicas [1]. O facto de não ocorrer resposta após o reconhecimento de antigénios próprios pelas células T e B, que já tinham sido expostos a esses mesmos antigénios durante o seu desenvolvimento, é denominado de tolerância imunológica [1, 3]. Quando o sistema imunitário reconhece os seus antigénios como estranhos e reage contra eles, devido a erros no processo de maturação, há o desenvolvimento de uma doença autoimune. O sistema imunitário está, por isso, constantemente a ser desafiado para distinguir o que é próprio do que não é, de forma a desenvolver uma resposta correcta e eficaz [1]. A resposta imunitária desenvolvida em situações de doenças autoimunes ou em casos de transplantação é indesejada, existindo a possibilidade de suprimi-la com
7 Farmacologia da Imunossupressão 4 recurso a fármacos imunossupressores. Deste modo, consegue-se evitar a rejeição de orgãos, tecidos ou células transplantados e tratar doenças autoimunes [4]. Doenças autoimunes Quando o sistema imunitário de um indivíduo reage contra os seus próprios tecidos e reconhece os antigénios próprios como estranhos, provocando o dano do tecido, está-se perante uma situação de autoimunidade. A autoimunidade é uma importante causa de doença, continuando desconhecido o estímulo que despoleta a maioria das doenças autoimunes em humanos [1, 5]. Sabe-se que as doenças autoimunes são causadas fundamentalmente por uma perda da tolerância imunológica, podendo existir uma selecção anormal de células T e B auto-reactivas e uma apresentação errada de antigénios próprios ao sistema imunitário, durante o processo de maturação. Factores genéticos ou ambientais contribuem para que ocorra o desenvolvimento da autoimunidade [1]. A maioria das doenças autoimunes é poligénica e os indivíduos afectados herdam polimorfismos genéticos que contribuem para a susceptibilidade a essas doenças, sugerindo que os genes em causa influenciam mecanismos de regulação imunitária e de tolerância imunológica [1, 6]. Os genes do complexo de histocompatibilidade (MHC) são os que mais estão associados a esta susceptibilidade, uma vez que as moléculas de MHC estão envolvidas na selecção e activação das células T. Nomeadamente, as moléculas de MHC classe II seleccionam e activam as células T CD4 +, que regulam as respostas imunitárias celular e humoral aos antigénios proteicos apresentados [1, 7]. Infecções por microrganismos podem também contribuir para o desenvolvimento da autoimunidade de diversas formas: A resposta imunitária num tecido infectado resulta na activação de APC que vão apresentar antigénios do patogénio às células T, resultando na activação dos mesmos. Com o decorrer da resposta e devido ao excesso de inflamação, as APC apresentam também antigénios próprios às células T, promovendo uma resposta imunitária contra o próprio tecido [1, 6];
8 Farmacologia da Imunossupressão 5 Os agentes infecciosos podem também possuir antigénios que se assemelham estruturalmente a antigénios próprios, ocorrendo por isso o desenvolvimento de uma resposta imunológica contra os antigénios dos agentes infecciosos, mas também contra os antigénios próprios. Este mecanismo de indução de autoimunidade é denominado de mimetismo molecular [1, 6]; Uma outra causa para o desenvolvimento de autoimunidade é a exposição do sistema imunológico a antigénios crípticos [5]. As populações de células reguladoras são importantes no controlo da autoreactividade através da produção de citocinas que inibem as células auto-reactivas. A alteração no número e função destas células também contribui para a autoimunidade [6]. O tratamento actual para as doenças autoimunes é direccionado para a redução da activação do sistema imunológico e dos danos provocados pelas respostas imunitárias. Os agentes farmacológicos actualmente disponíveis provocam, na sua maioria, imunossupressão generalizada, não sendo dirigidos contra uma fisiopatologia específica [5]. Transplantes Transplantação é o processo de tirar células, tecidos ou orgãos (enxertos) de um indivíduo e implantá-los num indivíduo diferente, normalmente. Na prática clínica, este processo é usado para superar um défice funcional ou anatómico num indivíduo receptor. O principal factor que limita o sucesso de uma transplantação é a resposta imunitária do receptor ao tecido transplantado [1, 5]. O MHC do receptor apresenta um papel crucial na aceitação ou rejeição do enxerto. Uma vez que os tecidos do dador e do receptor expressam moléculas de MHC diferentes, o sistema imunitário do receptor reconhece o enxerto como estranho, desenvolvendo uma resposta inflamatória contra o mesmo [1, 5]. No entanto, quanto maior for a correspondência entre as moléculas de MHC do tecido transplantado e do receptor, maior a probabilidade do enxerto ser aceite por este [8]. A rejeição imunológica de transplantes é uma das principais barreiras à transplantação e pode ser dividida em três fases, de acordo com o momento de início ou
9 Farmacologia da Imunossupressão 6 com as características histopatológicas observadas: rejeição hiperaguda, aguda e crónica. A rejeição hiperaguda é mediada por anticorpos pré-existentes do receptor contra antigénios endoteliais do dador, poucos minutos após o início da vascularização do enxerto. Esta interacção leva à activação do complemento, resultando no dano endotelial, inflamação e trombose. Se o tipo sanguíneo do dador for correspondente ao tecido do receptor, este tipo de rejeição pode ser prevenido [1, 4, 5]. A rejeição aguda é mediada por células T citotóxicos e por anticorpos produzidos contra os aloantigénios (antigénios do dador), uma semana após a transplantação. A resposta celular provoca lesões no endotélio e no parênquima, enquanto a resposta humoral é especialmente dirigida para as células endoteliais. Com recurso à imunossupressão, a rejeição aguda pode ser evitada, podendo no entanto ocorrer episódios de rejeição em meses ou anos após a transplantação [1, 4, 5]. Por último, a rejeição crónica só ocorre meses ou anos após o transplante e constitui a patologia mais comum e potencialmente fatal associada a estas intervenções. Acredita-se que as células T activadas contra os aloantigénios libertam citocinas e recrutam macrófagos para o enxerto, que por sua vez induzem inflamação crónica e lesam o tecido. A lesão provocada no vaso sanguíneo induz a proliferação do músculo liso da íntima, levando à falência irreversível do enxerto. A produção crónica de anticorpos por células B activadas e a subsequente activação de proteínas do complemento podem também contribuir para o processo [1, 4, 5]. A apresentação de aloantigénios por moléculas de MHC às células T do receptor pode ocorrer por reconhecimento directo ou indirecto (Figura 2). O reconhecimento directo envolve a apresentação de moléculas de MHC classe I alogénicas intactas por células do enxerto a células T CD8 + do receptor, levando à sua activação e destruição do tecido. O reconhecimento indirecto envolve o processamento de moléculas de MHC do enxerto por APC do receptor e a apresentação dos péptidos por moléculas de MHC classe II do hospedeiro a células T CD4 + [1, 8]. Enquanto o reconhecimento directo tem um papel activo na rejeição aguda, o reconhecimento indirecto está envolvido na rejeição crónica [8].
10 Farmacologia da Imunossupressão 7 Figura 2. Reconhecimento directo e indirecto de aloantigénios pelas células T [1]. A imunossupressão é actualmente necessária para a sobrevivência de enxertos. Apesar de existirem várias formas de imunossupressão, incluindo formas mais generalizadas ou mais específicas, não existe um agente imunossupressor que seja completamente seguro e livre de efeitos secundários tóxicos [8]. Os principais objectivos no recurso a este método são os de prevenir a rejeição do orgãos transplantados, minimizar a toxicidade dos fármacos e dos seus efeitos secundários e minimizar o risco de infecções, ambicionando-se portanto um processo de imunossupressão óptimo que permita a aceitação do enxerto de forma segura e livre de efeitos secundários adversos para o receptor. A extensão da imunossupressão vai ter um impacto significativo na incidência de infecções e tumores [4, 8]. O uso de fármacos imunossupressores é o método actual de escolha, no entanto, o seu uso restringe-se à transplantação de orgãos ou tecidos em pacientes que apresentem doenças fatais [8]. Agentes imunossupressores Os diferentes fármacos utilizados na supressão do sistema imunitário humano já são usados há mais de um século. Um dos grandes problemas dos fármacos que surgiram inicialmente foi a falta de especificidade, que causava toxicidade e diversos efeitos adversos. Durante os últimos 50 anos foram surgindo mais agentes imunossupressores e a sua segurança e eficácia melhoraram significativamente, quando
11 Farmacologia da Imunossupressão 8 comparados com os anteriores, apesar de também apresentarem alguns efeitos adversos (tabela 1) [4]. Tabela 1. Datas de descoberta de fármacos imunossupressores [9]. Actualmente, os diferentes fármacos imunossupressores são divididos em vários grupos de acordo com o mecanismo de acção: a. Reguladores da expressão de genes - os glucocorticóides exercem actividade anti-inflamatória e imunossupressora principalmente inibindo a expressão de genes para a IL-2 e outros mediadores; b. Inibidores de sinalização de linfócitos - a Ciclosporina e o Tacrólimus inibem a actividade fosfatase da calcineurina, suprimindo assim a produção de IL-2 e de outras citocinas. Por sua vez, a rapamicina inibe as cinases que são requeridas para o ciclo celular e para respostas à IL-2. Este agente também induz a apoptose de células T activadas. c. Antimetabolitos (inibidores da síntese de novo de purinas e pirimidinas) - o caso do metotrexato e seus derivados de poliglutamato suprimem as respostas inflamatórias através da libertação de adenosina. Estes agentes induzem a apoptose de células T activadas e inibe a síntese tanto de purinas como de pirimidinas. A Azatioprina inibe diversas enzimas da síntese de purinas. O ácido micofenólico inibe a inosina monofosfato desidrogenase, depletando assim os nucleótidos de guanosina. Além disso, o ácido micofenólico também induz a apoptose de células T activadas; d. Agentes alquilantes - os metabolitos da ciclofosfamida alquilam as bases de DNA e suprimem preferencialmente as respostas mediadas pelos linfócitos B; e. Anticorpos.
12 Farmacologia da Imunossupressão 9 Os compostos imunossupressores e anti-inflamatórios em desenvolvimento incluem inibidores da cinase p38 e da isoforma tipo IV do AMP cíclico fosfodiesterase, que é expressa em linfócitos e monócitos. Uma grande promessa da aplicação de fármacos imunossupressores é o seu uso para induzir tolerância a enxertos [9]. A selecção do agente imunossupressor é adaptada segundo o tecido transplantado (uma vez que alguns agentes podem ser tóxicos para os orgãos transplantados), a saúde do paciente, o risco de infecção. O risco de rejeição também varia de órgão para órgão, o que influencia a dose necessária de imunossupressor [4]. Estes objectivos devem ser atingidos recorrendo ao menor número e dose de drogas possíveis que forem eficazes, tanto para o paciente como para a sobrevivência do órgão transplantado [4]. 1. Inibidores da expressão genética i. Glucocorticóides A relação entre a função adrenocortical e a imunidade é complexa. Apesar dos efeitos prejudiciais já conhecidos, (dosagens farmacológicas de glucocorticóides sobre o processo imunológico) há evidências de que grandes quantidades fisiológicas de cortisol (o principal glucocorticóide natural produzido pelo córtex adrenal humano) são necessárias para o desenvolvimento e manutenção da imunidade normal. Recentemente detectou-se que a relação de retroalimentação entre o sistema imunitário e o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, bem como a sensibilização do processo imunológico na protecção contra infecções, parecem estar de alguma forma modificados/deficientes e desta forma envolvidos no desenvolvimento de desordens autoimunes, doenças malignas e na síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) [10]. Os glucocorticóides são hormonas esteróides que exercem acções fisiológicas através da sua ligação ao receptor citosólico de glucocorticóides. A sua expressão genética é regulada pelo complexo glucocorticóide-receptor, sendo que este, ao ser transferido para o núcleo, liga-se a elementos de resposta a glucocorticóides na zona promotora de genes específicos. Estes compostos desempenham efeitos metabólicos importantes em quase todas as células do organismo e a sua utilização em doses farmacológicas inibe a activação e função de células do sistema imune [5]. Desta forma, eles regulam negativamente a expressão de genes que codificam citocinas (e.g. IL-1, IL- 2, IL-6, TNF-α) e mediadores inflamatórios (prostaglandinas, leucotrienos, PAF,
13 Farmacologia da Imunossupressão 10 bradicinina, histamina), levando a que estes possam inibir a síntese de prostaglandinas através de vários mecanismos incluindo a inibição da transcrição ciclo-oxigenase 2 e activação de proteínas (lipocortina-1 e fosfatase MAPK), que impedem a fosfolipase A 2 citosólica. A sua acção actua também ao nível da regulação negativa indirecta na libertação de IL-8; IL-12; IL-15; IL-17; IL-18; IFN-α e IFN-β. Adicionalmente, a activação do factor NF-kB (factor anti-apoptótico) na presença destes compostos é inibida, o que leva à apoptose das células activadas. Os glucocorticóides possuem efeitos anti-inflamatórios muito diversos, visto que lisam e induzem a redistribuição dos linfócitos, provocando uma redução rápida e transitória das contagens dos linfócitos nos gânglios linfáticos, baço e corrente sanguínea. A sua acção anti-inflamatória é conseguida também pela redução da proliferação e diferenciação dos linfócitos T e B e pela libertação de citocinas pelas células T, verificando-se assim uma diminuição da actividade bactericida/fungicida dos neutrófilos e monócitos (figura 3) [4]. Como já referido, a administração de glucocorticóides é profundamente antiinflamatória e imunossupressora, sendo a utilização deste fármaco justificada no tratamento de várias doenças inflamatórias, como a artrite reumatóide, e na rejeição de tecidos. No entanto, a sua utilização apresenta efeitos adversos relevantes a longo prazo, sendo necessário recorrer a uma investigação detalhada do histórico médico do paciente de forma a efectuar um melhor tratamento. A interrupção do tratamento de forma abrupta pode conduzir a uma insuficiência supra-renal aguda, pois os níveis de hormona adrenocorticotrófica (ACTH) demoram semanas a serem repostos pelo hipotálamo e pela hipófise, podendo verificar-se um agravamento da doença devido à desinibição do sistema imune. De forma a evitar tais problemas deve-se proceder a uma redução lenta do tratamento. Actualmente, o Hidrocortisona, o Prednisolona e o Dexametasona são os fármacos mais conhecidos [5].
14 Farmacologia da Imunossupressão 11 Figura 3. Mecanismos de regulação genética por parte dos glucocorticóides [11]. 2. Inibidores específicos da sinalização dos linfócitos 2.1 Inibidores da calcineurina A calcineurina pertence a uma superfamília de proteínas, fosfatases de serina/treonina, e a sua actividade é estreitamente regulada por Ca 2+ /calmudolina. Tratase de um heterodímero composto por uma subunidade catalítica, calcineurina A (CnA), e por uma subunidade reguladora, calcineurina B (CnB). A CnA possui duas isoformas, a CnA e a CnA, sendo a CnA a isoforma predominante expressa nas células T. A ligação do TCR ao seu ligando induz o aumento dos níveis intracelulares de Ca 2+ e, consequentemente, a activação da calmudolina. A calmudolina activada interage posteriormente com a CnA e liberta o domínio autoinibitório da CnA a partir do seu centro activo, levando à activação da sua actividade de fosfatase [12]. Um grande avanço no estudo da calcineurina foi o reconhecimento da sua importância clínica como alvo de fármacos imunossupressores como a Ciclosporina A (CsA) e o Tacrólimus (FK506), extremamente usados em transplantes. A CsA forma complexos com ciclofilinas e o Tacrólimus forma complexos com FKBP12 (proteína de ligação ao FK506), inibindo a actividade de fosfatase da calcineurina sobre proteínas e péptidos. A acção imunossupressora destes compostos resulta na prevenção da desfosforilação de factores de transcrição da família NFAT (Nuclear Factors of Activated T-cells) nas células T [13].
15 Farmacologia da Imunossupressão 12 i. Ciclosporina A Vinte anos após o início de transplantes de órgãos, a CsA continua a ser um dos fármacos imunossupressores mais utilizados. Este fármaco consiste num polipéptido cíclico formado por 11 aminoácidos e é isolado a partir dos fungos Cyclindrocarpon lucidium e Tricoderma polysporum (Figura 4) [12]. Figura 4. Estrutura química da Ciclosporina. O polipéptido é responsável pela inibição da activação das células T, bloqueando a transcrição dos genes de citocinas, incluindo os genes da IL-2 e IL-4. Após entrar nas células T, a CsA liga-se com elevada afinidade às ciclofilinas, especialmente à ciclofilina A (citosólica) que é a mais abundante cicloflina existente nas células T [12]. A IL-2 é uma citocina muito importante que actua de modo autócrino e parácrino, desempenhando um papel fundamental na activação de células T [1]. As ciclofilinas são proteínas citosólicas ubíquas que possuem actividade peptidil-prolina-cis-trans-isomerase (PPIase), ou seja, possivelmente uma actividade enzimática relacionada com o folding das proteínas. Segundo Liu e colaboradores, o complexo ciclofilina-csa pode associar-se a uma outra proteína citosólica, a calcineurina [14]. Este complexo liga-se directamente à CnA e inibe a sua actividade de fosfatase. No entanto, a CsA não consegue inibir algumas vias de activação de células T independentes de Ca 2+, como a estimulação através de CD28 na presença de PMA (Phorbol Myristate Acetate) [12]. Numa situação normal, a calcineurina desfosforila membros da família NFAT, permitindo que estes sejam translocados para o núcleo e seja activada a expressão de genes. Existem estudos que mostraram, inclusivé, que a calcineurina activada também é translocada para o núcleo em conjunto com membros da família NFAT, o que permite manter a activação [15]. Os membros NFAT1, NFAT2 e NAFT4 estão envolvidos na activação transcripcional dos genes que codificam citocinas, especificamente a IL-2 e IL-4, e também CD40L.
16 Farmacologia da Imunossupressão 13 A presença de CsA previne a desfosforilação mediada pela calcineurina, pois inibe a translocação nuclear de membros da família NFAT e, consequentemente, inibe a expressão de genes em células T activadas, bloqueando a sua proliferação clonal e diferenciação e inibindo a imunidade celular mediada pelas células T. A CsA aumenta também a expressão de TGF-β, um potente inibidor da proliferação de células T citotóxicas. Sem dúvida, a inibição da via calcineurina/nfat é um dos mecanismos de imunossupressão mediado pela CsA (Figura 5) [12]. Figura 5. Mecanismo de acção de alguns dos fármacos imunossupressores [16]. Porém, um dos grandes problemas deste fármaco deve-se à sua toxicidade renal (nefrotoxicidade) caracterizada pela vasoconstrição intra-renal, que é acompanhada de redução do fluxo sanguíneo renal e da taxa de filtração glomerular, o que provoca a retenção de Na 2+ e H 2 O, favorecendo a deterioração da função renal [17]. Além deste problema, a CsA apresenta efeitos adversos como hipertensão, hiperlipidemia, neurotoxicidade e hepatotoxicidade [5]. ii. Tacrólimus O Tacrólimus (também conhecido como FK506) é um imunossupressor cerca de 10 a 100 vezes mais potente que a CsA, extremamente utilizado em dermatologia. Possui uma estrutura distinta da CsA e consiste num macrólido isolado a partir de
17 Farmacologia da Imunossupressão 14 Streptomyces tsukubaensis (Figura 6), no entanto o seu mecanismo de acção é bastante semelhante (figura 4) [5, 18]. Figura 6. Estrutura química do Tacrólimus. O seu principal alvo são as células T, inibindo a sua activação e a expressão de genes que codificam para citocinas. O Tacrólimus liga-se a proteínas intracelulares designadas FKBP, formando um complexo que inibe a propriedade fosfatase da calcineurina. Ao inibir a desfosforilação da calcineurina é evitada a translocação de NFAT para o núcleo e a formação de complexo de NFAT activo para transcrição (Figura 5). O Tacrólimus intervém numa fase precoce de activação das células T, levando a várias consequências secundárias, as quais podem constituir medidas eficazes e terapêuticas que são necessárias à imunossupressão. No entanto, também apresenta efeitos adversos como nefrotoxicidade, neurotoxicidade, hiperglicémia e diabetes [18]. iii. CsA e Tacrólimus Alguns dos efeitos imunossupressores da CsA e do Tacrólimus têm sido atribuídos à habilidade destes fármacos induzirem a produção de uma potente citocina imunossupressora, a TGF-β. Esta citocina é cerca de vezes mais potente do que a CsA. O seu efeito está relacionado com a capacidade de mimetizar as características imunossupressoras da CsA e do Tacrólimus, inibindo a proliferação clonal das células T citotóxicas. No entanto, também apresenta efeitos secundários como hipertensão e fibrose, entre outros [5, 19]. Os mecanismos de acção destes dois fármacos estão representados na figura 7.
18 Farmacologia da Imunossupressão 15 Figura 7. Mecanismos de acção da Ciclosporina A e do Tacrólimus [5]. 3. Agentes citotóxicos Para além de serem usados na imunossupressão, os agentes citotóxicos também podem ser usados para quimioterapia neoplásica. Este grupo pode subdividir-se em dois: os antimetabolitos e os agentes alquilantes. Os antimetabolitos são análogos estruturais de metabolitos naturais e inibem vias essenciais envolvendo esses metabolitos. Os agentes alquilantes, através da conjugação de grupos alquilo no DNA, interferem na sua replicação e também na expressão genética [5]. 3.1 Antimetabolitos Durante muito tempo foram extremamente usados devido ao seu forte efeito imunossupressor, no entanto a sua baixa selectividade é causadora de vários efeitos adversos. Eles competem com os constituintes metabólicos nas reacções celulares, causando uma diminuição da velocidade dos processos. Os antimetabolitos são também responsáveis pela inibição da síntese de DNA e do ácido ribonucleico (RNA) e actuam na fase S do ciclo celular. A Azatioprina (AZA) afecta todas as células que sofrem divisão rápida, podendo causar efeitos lesivos na mucosa gastrointestinal e medula óssea. Os antimetabolitos mais recentes, como por exemplo o micofenolato mofetil, exercem menos efeitos adversos e podem ser utilizados em doses mais baixas. De uma forma geral, os antimetabolitos podem tanto afectar a imunidade humoral como a celular [5].
19 Farmacologia da Imunossupressão 16 i. Azatioprina A AZA é um fármaco imunossupressor amplamente usado para o tratamento de doenças autoimunes e transplantes. Pertence à classe das tiopurinas, pró-fármacos que necessitam de ser metabolizados para poderem exercer a sua acção citotóxica. Neste caso, é uma forma pró-fármaco do antimetabolito, a 6-mercaptopurina (6-MP), que é lentamente libertada à medida que a AZA reage de forma não enzimática com compostos sulfidrílicos, como a glutationa (Figura 8) [5, 20]. Figura 8. Formação da mercaptopurina a partir da azatioprina [5]. A libertação lenta de 6-MP a partir da AZA favorece a imunossupressão, caracterizada pela inibição da síntese de novo das purinas, levando à inibição da proliferação clonal das células T e das respostas humoral e celular. Isto acontece porque as células B e T são particularmente dependentes da via de novo para a síntese das purinas. Como efeitos adversos provoca supressão da medula óssea (leucopenia), toxicidade gastrointestinal, hepatoxicidade e diversas interacções medicamentosas [5]. ii. Micofenolato Mofetil O Micofenolato Mofetil (MMF) é um éster morfolinoetílico do ácido micofenólico (MPA) e existe sob a forma de pró-fármaco. O ácido micofenólico é um potente inibidor reversível não competitivo da inosina monofosfato desidrogenase, uma enzima crucial na síntese de purinas. Assim, o micofenolato mofetil actua como um inibidor da proliferação de células T e B através do bloqueio da produção de nucleótidos de guanosina e interfere com a glicosilação de moléculas de adesão. Relativamente à AZA, vários estudos têm mostrado que o seu efeito é mais potente como imunossupressor pós-transplante. Possui ainda a mesma acção que a AZA
20 Farmacologia da Imunossupressão 17 ao inibir a síntese de novo de purinas. Os efeitos indesejáveis caracterizam-se pela supressão da medula óssea e toxicidade gastrointestinal [21, 22]. iii. Metotrexato Este fármaco é um antagonista do ácido fólico com actividade antiproliferativa utilizado desde a década de 1950 no tratamento de neoplasias malignas, sendo o seu uso destinado a desordens reumáticas, psoríase e outras doenças inflamatórias autoimunes. A sua função é inibir competitivamente a dihidrofolato reductase, diminuindo assim a disponibilidade intracelular de tetrahidrofolato. Este último composto é um co-factor importante na síntese de timidilato monofosfato e, consequentemente, na síntese de novo de purinas o que resulta na inibição da síntese de DNA [5, 23]. iv. Sirólimus Este imunossupressor, também conhecido como rapamicina, trata-se de um metabolito antifúngico produzido Streptomyces hygroscopicus, responsável pela inibição da sinalização dos linfócitos. Este agente afecta a sinalização das células T via IL-2, propriedade que é partilhada também pelo Tacrólimus e pela Ciclosporina. Tem sido sugerido que estes três agentes exercem o seu efeito imunossupressor pela ligação a proteínas citosólicas (figura 5). Neste caso, o Sirólimus liga-se ao FKBP, formando o complexo Sirólimus-FKBP que bloqueia posteriormente uma proteína citosólica designada mtor (Molecular target of Rapamycin). Esta proteína é uma fosforilase que é activada pela IL-2 e regula diversas proteínas envolvidas na proliferação das células T. O Sirólimus não bloqueia a síntese de IL-2, mas bloqueia a activação das células T por IL-2 ao bloquear a via de transdução de sinal associada ao receptor da IL-2 [24]. Afecta ainda a imunidade celular e humoral, pois bloqueia a proliferação das células B e a produção de anticorpos, influenciando também a progressão do ciclo celular na fase de G1 para S. Uma das vantagens deste agente é não ser nefrotóxico, como a Ciclosporina e o Tacrólimus, no entanto, quando usado em conjunto com estes, agrava a sua nefrotoxicidade. Apresenta vários riscos quando usado em transplantes de pulmão e fígado e efeitos adversos como hiperlipidémia, leucopenia, anemia, febre e perturbações gastrointestinais [5].
21 Farmacologia da Imunossupressão Agentes alquilantes i. Ciclofosfamida Este fármaco é dos mais utilizados no tratamento de doenças do sistema imunitário (por exemplo, em transplantes de medula óssea) e o seu efeito pode ser exercido a nível da imunidade humoral e celular. No entanto, é essencialmente exercido a nível da imunidade humoral, concretamente na supressão da produção de anticorpos, apesar de poder intensificar a resposta das células T. A Ciclofosfamida é bem absorvida por administração oral e está relativamente inerte, até ser clivada a ligação fósforo-azoto e assim ser metabolizada pelo fígado numa mustarda fosfamida activa. Esta mustarda pode alquilar o DNA e suprimir a divisão celular, uma vez que os grupos alquilo provocam ligações cruzadas entre os locais nucleofílicos das cadeias de DNA, provocando uma replicação defeituosa [5]. A Ciclofosfamida apresenta alguns efeitos adversos como perturbações gastrointestinais, cardiotoxicidade, mielosupressão e cistite hemorrágica. No entanto, ainda é bastante usada, pois ainda não se descobriu um imunossupressor seguro para a formação de anticorpos [4, 5, 9]. 4. Anticorpos A utilização de anticorpos tem proporcionado um tratamento eficaz em doenças autoimunes, bem como na rejeição de transplantes, visto que, causam a depleção de células reactivas do sistema imunitário. Como já é conhecido, quando um sistema imunitário reage contra um antigénio há o desenvolvimento de uma resposta imunológica adaptativa, que se caracteriza por uma expansão clonal de células reactivas específicas contra o antigénio [1]. Assim sendo, a utilização de anticorpos exógenos específicos para antigénios expressos na superfície de células imunes reactivas pode ser encarada como um tratamento eficaz na medida em que pode levar à eliminação destas mesmas células. O uso de anticorpos monoclonais bem como de proteínas de fusão-fc permite uma modulação directa e indirecta do sistema imunológico com potencial para induzir imunossupressão e imunoestimulação [4]. 4.1 Anticorpos Policlonais Dentro dos anticorpos policlonais podem-se destacar as imunoglobulinas purificadas comercialmente a partir de soros de recipientes não humanos (coelho;
22 Farmacologia da Imunossupressão 19 cavalo; cabra) contra antigénios de linfócitos humanos. A globulina anti-timócito (ATG), por exemplo, é uma preparação de anticorpos induzidos pela injecção de timócitos humanos em coelhos. Os anticorpos de coelhos são policlonais e provavelmente dirigidos contra numerosos epítopos nas células T humanas. No que diz respeito ao seu mecanismo de acção, esta imunoglobulina contém anticorpos citotóxicos que se ligam a moléculas na superfície das células T. Estes anticorpos destroem os linfócitos circulantes por acção citotóxica directa, mediada por células e/ou pelo complemento, e bloqueiam a sua função, verificando-se contudo a manutenção da imunidade humoral [5]. Uma vez que a ATG é dirigida essencialmente contra todas as células T, o tratamento com esta imunoglobulina resulta numa ampla imunossupressão que normalmente leva a infecções. Este anticorpo foi aprovado para uso no tratamento da rejeição aguda do transplante renal e é administrado por via intravenosa durante uma a duas semanas. O tratamento com ATG é frequentemente complicado por febre, mialgia, náusea, cefaleia e diarreia, como componentes da Síndrome de Libertação de Citocinas. Esta síndrome, que é comum a muitos fármacos de anticorpos dirigidos contra linfócitos, resulta da activação das células T e da libertação de citocinas por estas, antes da sua remoção por macrófagos. A síndrome de libertação de citocinas ocorre normalmente após as primeiras doses do tratamento com ATG e os sintomas desaparecem à medida que as células T vão sendo eliminadas. Entretanto, a administração de doses sucessivas de ATG pode ser complicada pelo desenvolvimento de anticorpos contra epítopos específicos destas mesmas imunoglobulinas [5]. 4.2 Anticorpos Monoclonais i. Anticorpos anti-cd3 O OKT3 é um anticorpo monoclonal anti-cd3 de rato. O CD3 é um componente dos receptores das células T importante para a activação do TCR, sendo especificamente expresso tanto nas células T CD4 como nas células T CD8. O tratamento com este fármaco causa depleção da quantidade disponível de células T através da activação, mediada pelo anticorpo, do complemento e depuração dos imunocomplexos. Por exemplo, no tratamento da rejeição aguda do transplante renal é utilizado o OKT3. Em casos onde a CsA e os glucocorticóides não têm o efeito desejado, este anticorpo é encarado como opção alternativa. O seu mecanismo de acção traduz-se de pela ligação
23 Farmacologia da Imunossupressão 20 ao CD3, verificando-se uma dessensibilização do TCR, conduzindo a uma depleção das células T da corrente sanguínea e orgãos linfáticos secundários (Figura 5). Há, no entanto, uma manutenção da imunidade humoral [4, 5]. Como o OKT3 é dirigido contra todas as células T, o tratamento com esse anticorpo pode resultar em imunossupressão profunda. Contudo, essa imunossupressão é transitória, observando-se uma normalização dos níveis de células T dentro de uma semana após a interrupção da terapia. Além disso, como o OKT3 se liga ao CD3, a terapia com OKT3 pode activar amplamente as células T, resultando no Síndrome de Liberação de Citocinas. A administração de glucocorticóides antes da injecção do OKT3 evita a libertação de citocinas e reduz significativamente as reacções da primeira dose [5]. Outra limitação da administração do OKT3 está no facto de que este é reconhecido como estranho, logo, pode ocorrer a indução da produção de anticorpos contra regiões do OKT3 específicas. Para solucionar este problema, recorre-se à humanização dos anticorpos terapêuticos. Nesta abordagem, as porções do anticorpo não envolvidas na ligação ao antigénio específico são modificadas para as sequências humanas correspondentes. Os anticorpos podem ser parcial ou totalmente humanizados, fazendo com que a humanização limite a probabilidade de produção de anticorpos humanos contra o anticorpo terapêutico, aumentando a eficiência clínica deste e permitindo o seu uso a longo prazo (Figura 9). Por último, devido à sua natureza monoclonal, os efeitos na supressão da resposta imunitária são mais consistentes e previsíveis comparativamente com globulina anti-linfócito (anticorpo policlonal) [5]. Figura 9. Humanização de anticorpos através de modificações introduzidas em anticorpos recombinantes. Pode-se recorrer à fusão genética da região variável do anticorpo original (de rato) com a região constante de uma imunoglobulina humana, formando uma quimera. Apesar da introdução de uma região constante humana, este tipo de construção ainda mostra uma grande imunogenicidade devido à preservação da
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