de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia
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1 Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia TRÁFICO DE MAMÍFEROS E AVES NA AMAZÔNIA CENTRAL Carlos Augusto Rodrigues do Nascimento; Ronis Da Silveira augustocrbio@gmail.com Realização Apoio
2 INTRODUÇÃO O tráfico de animais silvestres é considerado o terceiro maior comércio ilegal do mundo, sendo inferior somente ao tráfico de armas e drogas. No Brasil, o conhecimento deste mercado negro de fauna é limitado. O único levantamento nacional foi realizado recentemente, mas não incluiu o Estado do Amazonas, que representa a maior extensão territorial da Amazônia Central e possui mais de 90% da sua cobertura vegetal ainda intacta (RENCTAS, 2001; Nas regiões Sul e Sudeste, a grande maioria das espécies traficadas é de passarinho-de-gaiola para fins de lazer ou companhia - pet, sendo o comércio ilegal de mamíferos irrelevante naquelas regiões (FERREIRA & GLOCK, 2004; FIGUEIRA, 2007; BORGES et al, 2006; MELO & SANTOS, 2008). No bioma Amazônia, este padrão parece ser muito distinto. Os poucos estudos realizados na Amazônia Legal revelaram que no Acre os mamíferos de médio ou grande porte foram os mais comercializados (FUCCIO et al., 2003), enquanto no Estado do Amazonas a caça de aves para o comércio de proteína animal também é intensa (TERRA, 2008). Nas últimas décadas, o registro do tráfico de animais silvestres no Estado do Amazonas foi realizado basicamente pela Divisão de Controle e Fiscalização (DICOF) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), mas estas informações nunca foram detalhadamente analisadas. O nosso objetivo neste estudo foi avaliar o comércio ilegal de mamíferos e aves silvestres na Amazônia Central no período de 16 anos, segundo os registros da DICOF do IBAMA/AM. Nós identificamos as espécies comercializadas, avaliamos a contribuição relativa das espécies e a ocorrência mensal ou por região do Estado entre 1992 e MATERIAL E MÉTODOS A coleta de dados foi realizada entre fevereiro e dezembro de 2008, mediante triagem do arquivo físico (não informatizado) da DICOF do IBAMA em Manaus/AM. Os dados foram obtidos a partir de planilhas de auto de apreensão lavrados pelos fiscais da instituição. RESULTADOS E DISCUSSÃO No total foram apreendidos 2600 exemplares de mamíferos ou aves entre 1992 e 2007 no Estado do Amazonas. Os mamíferos foram representados pelas famílias Tayassuidae, Cervidae, Tapiridae, Atelidae, Cebidae, Hydrochoeridae, Agoutidae, Dasyproctidae, Bradypodidae, Felidae, Procyonnidae, Musteliedae, Trichechidae e Iniidae. As aves pertenciam às famílias Anatidae, Cotingidae, Icteridae, Fringillidae, Psittacidae e Ramphastidae. O número máximo de mamíferos apreendidos por ano foi 469 (média = 128 ± 153). Do total de indivíduos registrados, 88% foram apreendidos em 1995, entre 1999 e Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 2
3 2001, e entre 2003 e 2004 (Figura 1A). O número máximo de mamíferos por auto de apreensão foi 71 (média = 4,7 ± 8,6). A maioria (75%) das apreensões foram inferiores a 20 animais (Figura 1B). Figura 1. Número de mamíferos apreendidos pelo IBAMA/AM por ano (A) e por auto (B) entre 1992 e 2007 no Estado do Amazonas. Cada círculo na parte B representa um auto de apreensão. Nº de mamíferos A) B) Ano Nº de mamíferos/auto Ano Apreensão de mamíferos. OS 1792 mamíferos apreendidos pertenciam a 21 espécies. Os mais frequentes foram os porcos-do-mato (Tayassu tajacu ou Tayassu pecari) com 1142 indivíduos, a paca (Cuniculus paca) com 264 e a capivara (Hidrochaeris hidrochaeris) com 87, totalizando 83% dos mamíferos apreendidos. O comércio da carne seria o destino de 92% dos mamíferos caçados. Os três exemplares de macaco-decheiro (Saimiri sciureus), as 15 preguiças (Bradypus spp.), os três quatis (Nasua nasua) e o único exemplar de onça-vermelha (Puma concolor) estavam vivos e provavelmente seriam utilizados como animal de Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 3
4 companhia (pet). Os sete exemplares de onça-pintada (Panthera onca) e os nove de gato-maracajá (Leopardus wiedii) foram apreendidos vivos, ou na forma de peles ou crânios. O número máximo de pacas por auto de apreensão foi 71 (média = 5,4 ± 10,5), 65 para os porcos-do-mato (média = 8,4 ± 11,5) e 15 no caso da capivara (média = 2,5 ± 3,2). Uma boa parcela (46%) dos porcos-do-mato foi apreendida entre junho e julho, e aproximadamente 85% das pacas foram apreendidas entre julho e setembro. As capivaras foram apreendidas ao longo de todo o ano, especialmente no segundo semestre, quando foram apreendidos 67% dos indivíduos desta espécie. Quinze exemplares de peixes-bois (Trichechus inunguis) foram apreendidos ao longo do período amostral. Não foi possível determinar a espécie em 104 casos dos 130 exemplares de primatas que foram apreendidos. No entanto, como estes se tratavam de animais abatidos pela carne, é muito provável que fossem macaco-barrigudo (Lagothrix lagothricha) ou guariba (Alouata seniculus), que foram os primatas mais comumente apreendidos. Somente sete dos 130 macacos apreendidos estavam vivos e provavelmente seriam destinados ao comércio de pet. Setenta macacos foram capturados no primeiro semestre e 60 no segundo semestre do ano. A maioria (58%) dos mamíferos foi apreendida no rio Solimões (1041), seguido de Manaus (269), e dos rios Purus (141) Atumã (134), Negro (127), Anamã (19), Amazonas (17), Juruá (16), Madeira (13), Japurá (10) e Nhamundá (5). Apreensão de aves O número máximo de aves apreendidas por ano foi 194 (média = 62 ± 67). Do total de indivíduos registrados, 93% foram apreendidos entre 1999 e 2001, e em 2003 (Figura 2A). O número máximo de aves por autos de apreensão foi de 71 (média = 8,9 ± 11,9). A maioria (82%) das apreensões foram inferiores a 20 exemplares de aves (Figura 2B). Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 4
5 Figura 2. Número de aves apreendidas pelo IBAMA/AM por ano (A) e por autos (B) entre 1992 e 2007 no Estado do Amazonas. Cada círculo na parte B representa um auto de apreensão A) 808 B) Nº de aves Nº de aves/auto Ano Ano No total foram apreendidas 808 aves, representadas por 12 espécies. Deste total, 203 indivíduos foram registrados nos autos de apreensão como passarinho-de-gaiola, e nos foi forçoso agrupá-los na ordem Passeriforme. Da mesma forma, o registro de outros 132 indivíduos foi descrito nos autos como ave-de-caça, os quais agrupamos na ordem Galliformes. Entre os exemplares restantes, 179 foram agrupados como gênero, uma vez que a espécie não foi identificada na ocasião em que os autos foram lavrados. Nessa situação foram registrados 82 periquitos (Brotogeris spp.), 65 papagaios (Amazona spp.), 31 araras (Ara macao ou Ara ararauna) e um tucano (Ramphastos sp.). Excluindo-se as aves cuja espécie não pode ser determinada, foram apreendidos 247 exemplares de aves utilizados geralmente para a alimentação, sendo 214 exemplares de patos-do-mato (Cairina moschata), 16 mutuns (Mitu spp.) e 17 marrecas-caboclas (Amazonetta brasiliensis). Entre as espécies geralmente comercializadas como pet, encontramos 21 exemplares de curiós (Oryzoborus angolensis), 18 rouxinois-do-rio-negro (Icterus chrysocephalus), cinco galos-da-serra (Rupícula rupícula), dois galos-da-campina (Paroaria gularis) e um currupião (Icterus croconotus). A quantidade de aves apreendidas no primeiro (349) foi inferior às do segundo (459) semestre. No entanto, 35% das aves foram apreendidas entre dezembro e janeiro. A maioria das aves foi apreendida em Manaus (415), seguido dos rios Solimões (272), Negro (55), Atumã (20), Purus (19), Amazonas (16), Madeira (4), Anamã (3), Juruá (2), Japurá (1) e Nhamundá (1). Uma das maiores diferenças entre o tráfico de animais silvestres nos estados do Norte em relação às regiões fora do bioma Amazônia é o fim a que se destina o animal comercializado clandestinamente (DA SILVEIRA, 2006). Nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná, por exemplo, no mínimo 86% do total de animais apreendidos destinavam-se ao comércio de animais de companhia pet (VIDOLIN et al., 2004; BORGES et al 2006; FIGUEIRA, 2007). No entanto, o presente estudo indicou que os mamíferos comercializados na Amazônia Central, especificamente no Estado do Amazonas, destinam-se Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 5
6 primariamente ao consumo humano, reforçando o padrão descrito para o Estado do Acre (FUCCIO et al., 2003). Os porcos-do-mato representaram 87% dos mamíferos apreendidos, coincidindo com o padrão geral de caça esperado nas florestas tropicais (ROBINSON & REDFORD, 1991). O fato de 58% desses porcos-do-mato terem sido oriundos do rio Solimões reforça a importância daquela região em termos de biomassa de mamíferos. Manaus figurou como um importante destino para os produtos de caça, onde 15% de todos os mamíferos foram apreendidos, sendo que 32% desses era carne de paca (Cuniculus paca). Na feira livre de Abaetetuba/PA, a mucura (Didelphis marsupialis) foi o mamífero mais ofertado e preferido pelo consumidor local (BAIA JR., 2006), mas exemplar algum deste marsupial foi detectado pela fiscalização da DICOF-IBAMA/AM durante os 16 anos que analisamos os dados de apreensão. O Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) da Prefeitura de Manaus resgatou, entre 2002 e 2008, 1295 exemplares de mamíferos, dos quais 55% eram preguiças-bentinho (Bradypus tridactylus), 14% preguiças-real (Choloepus didactylus), 12% mucuras (D. marsupialis), 8% sauins-demanaus (Saguinus bicolor), 6% macacos-prego (Cebus apella) e 5% tamanduás-mirim - Tamandua tetradactyla (MATA, 2009). Destas espécies, o nosso estudo constatou que somente 15 exemplares de preguiça (Bradypus spp.) foram registrados, indicando que a preferência alimentar do amazonense não reflete os mamíferos mais abundantes que ocorrem no município de Manaus, e que os animais que são resgatados pelo poder público municipal são fruto de desmatamento e não parte do tráfico de fauna na Amazônia Central. Anteriormente à realização deste estudo, tínhamos a expectativa de que a grande maioria das aves apreendidas pelo IBAMA/AM seria para consumo humano e não para pet. Mas a análise dos dados evidenciou que somente 47% das aves apreendidas entre 1992 e 2007 foram caçadas para obtenção de proteína animal. As 429 aves restantes eram destinadas ao comércio de pet. No entanto, vale o destaque de que 36% destas aves de pet foram apreendidas no município de Manaus, indicando uma possível particularidade regional no Estado do Amazonas. O rio Solimões, assim como ocorreu para os mamíferos, foi a região mais importante como fonte de aves, correspondendo a 33% de todas as aves apreendidas pelo IBAMA/AM. Nesta região, o pato-do-mato (C. moschata) representou 33% das aves apreendidas na calha deste rio. Ao contrário do que constatamos no Amazonas, espécie alguma de ave de caça foi aprendida no Estado do Acre (FUCCIO et al., 2003), destacando particularidades regionais. Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 6
7 CONCLUSÃO O tráfico de animais silvestres na Amazônia Central baseia-se no comércio ilegal de proteína animal. No entanto, as informações oficiais disponíveis seguramente são subestimativas da realidade. A construção ou revitalização iminente de rodovias federais na Amazônia Central certamente irão incrementar nas próximas décadas o tráfico de animais silvestres na região, especialmente no segmento de pet. Diante deste macabro cenário futuro torna-se relevante e urgente a construção de um serviço de inteligência envolvendo IBAMA, Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (IPAAM), Departamento de Polícia Federal, Batalhão Ambiental da Polícia Militar do Estado do Amazonas, Comissão Executiva Permanente de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (CODESAV-SEPROR/AM), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (RENCTAS). AGRADECIMENTOS Henrique dos Santos Pereira, então Superintendente do IBAMA/AM, permitiu o acesso amplo e irrestrito aos arquivos da DICOF. Todos os servidores do IBAMA/AM foram facilitadores durante a nossa internalização naquela casa. Este estudo foi parte da dissertação desenvolvida pelo primeiro autor junto ao PPG-CASA/UFAM. Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 7
8 REFERÊNCIAS BAÍA JR., P. C. Caracterização do uso comercial e de subsistência da fauna silvestre no município de abaetetuba f. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Pará, Belém, Pará. BORGES, C. R; OLIVEIRA, A; BERNARDO, N. & COSTA, R. M. M. C. Diagnóstico da fauna silvestre apreendida e recolhida pela Polícia Militar de Meio Ambiente de Juiz de Fora, MG (1998 e 1999) Revista Brasileira de Zoociências. n.08(1). p DA SILVEIRA, R. Cenários da Fauna Amazônica Sustentável. p In: CAVALCANTE, F. J. B et al. (Orgs). Políticas de fauna silvestre da amazônia. Brasília/ DF. IBAMA p. FERREIRA, C. M. & GLOCK, L. Diagnóstico da avifauna capturada ilegalmente no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Biociências, Porto Alegre v.12(1): p FIGUEIRA, C. J. M. Diagnóstico de apreensão de aves, répteis e mamíferos no Estado de São Paulo f. Tese (Doutorado) Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/SP. FUCCIO, H; CARVALHO, E. F & VARGAS, G. Perfil da caça e dos caçadores no Estado do Acre, Brasil. Revista Aportes Andinos, nº 6. Movimientos Sociales, Políticas de Seguridad y Democracia. 18 f MELO, M. C & SANTOS, D. G Trafficking In Wild Animals: Environmental Crimes Against Fauna Between 2004 And 2007 In The Region Of Jurisdiction Of Ibama (Regional Office Uberlândia). Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Uberlândia MG. MATA, V. C. A. Distribuição temporal e geográfica dos resgates de 6 espécies de mamíferos em Manaus entre 2002 e f. Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia II). Universidade Federal do Amazonas UFAM. Manaus. AM. RENCTAS º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre. Rede Nacional Contra o Tráfico de Animais Silvestres, Brasília. DF. ROBINSON, J. G. & REDFORD, K. H. Sustainable harvest of neotropical forest mammals. In: J.G. Robinson and K.H. Redford (eds.) Neotropical Wildlife Use and Conservation, p University of Chicago Press, Chicago. TERRA, A. K. A caça de subsistência na reserva de desenvolvimento sustentável piagaçu-purus e na terra indígena lago ayapuá, Amazônia Central, Brasil f. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Amazonas UFAM. Manaus/AM. VIDOLIN, G. P; MANGINI, P. R; MOURA-BRITTO, M & MUCHAILH, M. C. Programa Estadual de Manejo de Fauna Silvestre Apreendida - Estado do Paraná, Brasil, Revista. Cadernos da Biodiversidade/ IAP, v. 4, n.02, p Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 8
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