EM DEFESA DA ADVOCACIA CRIMINAL. Eduardo Alves da Costa, poeta niteroiense, nascido em 1936,

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Wagner Quintão Barateiro
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1 EM DEFESA DA ADVOCACIA CRIMINAL Ronaldo Lastres Silva Eduardo Alves da Costa, poeta niteroiense, nascido em 1936, escreveu em 1960 um poema, atribuído durante anos a Maiakovski, poeta russo que se suicidou (ou foi suicidado ) por volta de 1930, do qual destaco o seguinte trecho: - Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão. E não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada. Lembrei-me dessas reflexões ao ficar sabendo, estarrecido, da notícia, de grande repercussão, de que o procurador regional da República Manoel Pestana, que atua em Porto Alegre, representou na Procuradoria da República em Goiás contra o advogado (ex-ministro da Justiça) Márcio Thomaz Bastos por ter este assumido a defesa de Carlinhos Cachoeira, chegando a pedir, além da investigação, a quebra dos sigilos fiscal e bancário do criminalista. De acordo com o procurador, o cliente do representado não ostenta renda lícita, que justifique o pagamento de honorários de um advogado em início de carreira, a fortiori de um causídico do nível do ex-ministro da Justiça, que, segundo divulgado na imprensa, teria

Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão. E não dizemos nada.

2 cobrado R$15 milhões a título de honorários advocatícios. Segundo ele, a conduta do ex-ministro, que começou a advogar em 1956, está tipificada no crime de receptação culposa previsto no artigo 180, 3º, do Código Penal. Além disso, entende o membro gaucho do parquet federal que o dinheiro de Cachoeira, supostamente chefe de um organização criminosa, é de origem ilegal e, portanto, o advogado poderia ser responsabilidade pelo crime de lavagem. Ora, é completamente indevida a intromissão do Ministério Público Federal numa relação de direito privado entre advogado e cliente. Em questões relativas a contrato de honorários somente à OAB compete examinar se está conforme as regras legais e éticas. Por outro lado, não pode, com efeito, o M. P. impor a um advogado que, ao cobrar os honorários, examine a procedência dos valores que lhe estão sendo pagos. Ademais, é inadmissível, chegando mesmo a ser odiosa, a pretensão de se perseguir um advogado, por sua experiência e notória competência profissional, pretextando o crime de lavagem de dinheiro. Tal atitude é atentatória ao estado democrático de direito e à própria cidadania, além de ofender não só a advocacia criminal como a toda advocacia, pois, na ótica do procurador, qualquer advogado, mesmo em casos de natureza extra penal (família, sucessões etc.), que venha a receber honorários de Cachoeira, poderá responder por receptação culposa ou lavagem de dinheiro. Será que, na estapafúrdia visão desse procurador, o gerente da agência bancária, onde Cachoeira (que ainda não foi condenado)

Além disso, entende o membro gaucho do parquet federal que o dinheiro de Cachoeira, supostamente chefe de um organização criminosa, é de origem ilegal e, portanto, o advogado poderia ser

3 mantém conta-corrente ou investimentos, poderia estar cometendo o crime de favorecimento real (art. 349, do Código Penal)? Em bom momento, o Conselho Federal da OAB, pronunciandose sobre o assunto, emitiu nota em favor do ex-ministro, asseverando que a partir do momento em que se imputa ao advogado a prática de crime por ele estar exercendo, dentro dos limites da lei, o direito de defesa, por óbvio se está a atentar contra as liberdades e contra o legal exercício de uma profissão, constitucionalmente protegida. Adiantou ainda, referida nota, que o oferecimento de queixa-crime, com finalidade meramente midiática, contra o advogado MÁRCIO THOMAZ BASTOS, com o objetivo de inibir o exercício da defesa de seu constituinte, tem efeito perverso à democracia e à cidadania, não podendo ser tolerado. Na verdade, a pretensão descabida do procurador regional de Porto Alegre, baseada em meras ilações, eis que destituída de provas, representa indesejável retrocesso autoritário, que não condiz com as tradições do Ministério Público. Tal atitude somente se compatibiliza com regimes ditatoriais, de triste memória, remontando inclusive à época da Inquisição, em que os defensores que, com riqueza de argumentos, se esforçavam demasiadamente em prol de seus patrocinados, acusados de blasfêmia, idolatria, bruxaria ou qualquer tipo de heresia ou pecados graves, eram submetidos às ordálias ou aos duelos de Deus, quando não se os lançavam

ele estar exercendo, dentro dos limites da lei, o direito de defesa, por óbvio se está a atentar contra as liberdades e contra o legal exercício de uma profissão, constitucionalmente protegida.

4 imediatamente à fogueira. Confundia-se, assim, o réu com o seu defensor (se se esforça tanto para defender um herege deve ser herege também). É o que agora faz aludido procurador, esquecendose de que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (art. 133, da CRFB). A ação desmedida desse procurador ofende, a um só tempo, diversos dispositivos da Constituição que jurou defender. Fere, com efeito, os princípios do devido processo legal (art. 5º, LIV), do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV), além da presunção de inocência (art. 5º, LVII), entre outros. Além do mais, há que se advertir que o ato de dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente pode configurar o crime de denunciação caluniosa (art. 339, do Código Penal), sem prejuízo da configuração de outros delitos de iniciativa privada, pelas palavras ofensivas utilizadas, como aqueles que ferem a honra das pessoas. Por fim, há que se dizer que a atitude do aludido procurador deve ser imediatamente repudiada, antes que vire moda e seja imitada por outros detratores da advocacia criminal. Há que se dizer alguma coisa em repulsa àqueles que invadem nossos jardins,

da lei (art. 133, da CRFB). A ação desmedida desse procurador ofende, a um só tempo, diversos dispositivos da Constituição que jurou defender.

5 colhendo indevidamente nossas flores, antes que matem nossos cães e façam ainda coisa pior. Há que se repelir ataques gratuitos a profissionais no lídimo exercício de suas tarefas e deveres. Os que hoje querem calar os advogados, criminalistas ou não, amanhã pretenderão, com certeza, calar a imprensa. Mostremos, pois, o nosso inconformismo agora, acima de tudo como cidadãos, antes que nos arranquem a voz da garganta e, então, porque não dissemos nada, já não poderemos dizer mais nada. ***** Ronaldo Lastres Silva é Advogado, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, fazendo parte da Comissão Permanente de Direito Penal; foi Defensor Público no antigo Estado da Guanabara e Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (pós fusão); é, ainda, aposentado como Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e como Professor Universitário. Fontes:1 thomaz-bastos ; 2 ; 3 * O texto publicado não reflete necessariamente o posionamento do IAB

Mostremos, pois, o nosso inconformismo agora, acima de tudo como cidadãos, antes que nos arranquem a voz da garganta e, então, porque não dissemos nada, já não poderemos dizer mais nada.

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