TRIBUNAL MARÍTIMO PROCESSO Nº /2004 ACÓRDÃO

Transcrição

1 TRIBUNAL MARÍTIMO PROCESSO Nº /2004 ACÓRDÃO Comboio R/E SM e Balsa NB II. Colisão de comboio contra casas de palafitas, provocando danos materiais, sem ocorrência de vítimas. Falta de condições físicas do comandante do comboio que veio a dormir no comando, fazendo com que as embarcações navegassem sem governo. Imprudência. Condenação. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. Trata-se de analisar a colisão com casas residenciais do comboio formado pelo R/E SM e Balsa NB II, de propriedade de Batista Navegação e Comércio Ltda., quando, cerca de 0h30min do dia 22/08/2003, navegava no rio Negro, nas proximidades do bairro de São Raimundo, Manaus, AM, provocando danos materiais, sem ocorrência de vítimas. Dos depoimentos colhidos e documentos acostados nos autos do inquérito e a requerimento da PEM, extrai-se que o comboio colidiu contra casas de palafitas localizadas na margem do rio; que, de acordo com a Certidão de fls. 67, a balsa NB II é de armação da empresa Miranda Prestadora de Serviços Marítimos, Comércio Representação Ltda., sendo que o rebocador era de armação da empresa Batista Navegação e Comércio Ltda., não registrada no Tribunal Marítimo como armadora, conforme documentos de fls.117, 123 e certidões emitidas pela Divisão de Registro do Tribunal Marítimo; que a armação do comboio, naquela ocasião, era da empresa Batista Navegação e Comércio Ltda.; que chegaram ao porto da Panair (Manaus) no dia 21/08/2003 às 6h, sendo que a carga da balsa era composta de 3 carretas e 3 tanques que continham asfalto que seriam descarregados somente no dia seguinte no porto de

2 Compensas, distante cerca de 5 km do porto da Panair; que o comandante do comboio, Aureo Lopes Palheta, tinha a determinação de desatracar do porto Panair às 3h de 22/08/2003 com direção ao porto de descarga, sendo que optou por não descansar após longa faina de navegação e baldeação, resolvendo preparar o comboio por volta das 23h de 21/08, antecipando, desta forma, a viagem para o porto de Compensas; que o comboio zarpou por volta das 23h30min e cerca de 30 minutos após, ou seja, as 0h de 22/08/2003, em frente ao porto de Rodway, o condutor do comboio, em razão do excesso de horas acordado (aproximadamente 48 horas) e do cansaço, dormiu no comando do comboio, fazendo com que este navegasse sem governo por alguns minutos, saindo de seu rumo indo em direção ao porto de São Raimundo onde veio a colidir com duas casas de palafitas situadas na margem do rio, as quais se quebraram em razão do impacto. Em seu depoimento, o comandante do comboio, Aureo Lopes Palheta, declarou que saiu do porto da Panair por volta de 23h3min em direção ao porto Zé de Oito, quando, cerca de 10 minutos depois da saída, a embarcação apresentou falha na manete, tentou fazer a embarcação parar mas não conseguiu, ocasionando o acidente; que dormiu quando estava no comando da embarcação por estar a cerca de 36 horas sem dormir, sendo que tinha previsão para sair com a embarcação apenas às 3h de 22/08, mas suspendeu às 23h de 21/08, não lhe restando horário para descanso; e que o engate da manete deixou-a emperrada, dificultando a manobra, sendo que devido ao cansaço acabou cochilando e esquecendo o problema. Laudo de exame pericial, ilustrado com fotos, concluiu que o fator humano contribuiu para o acidente pois segundo os relatos dos demais tripulantes, o comandante do comboio dormiu no comando por estar muito cansado devido a viagem realizada dias antes; e que o fator operacional também contribuiu, tendo em vista que o comandante do comboio não desviou a embarcação, colidindo com as casas na beira do rio. 2

3 Documentação de praxe anexada. No relatório, o encarregado do inquérito concluiu que a colisão do comboio com as duas casas foi por imprudência do comandante do comboio, ao conduzir o comboio sabendo as condições físicas em que se encontrava. Apontou como possível responsável direto pelo acidente o Sr. Aureo Lopes Palheta. Notificação formalizada. Defesa prévia juntada, onde o indiciado declara que apesar de ter sido comprovado o cansaço físico, é necessário informar que o peticionário é profissional exemplar, sem nunca ter cometido qualquer infração ao longo de mais de 20 anos. A PEM requereu em diligência que fosse enviado o despacho do referido comboio; que fosse enviado os seguros obrigatórios DPEM, dentro do prazo de validade quando do acidente; que fosse informado se as Vistorias e Inspeções de ambas as embarcações encontravam-se em dia por ocasião do acidente; que fosse informado quem era o quarto tripulante a bordo e se era habilitado; se os dois tripulantes do comboio eram habilitados como fluviários e em qual categoria; que fosse procedida reinquirição do comandante do comboio, para que responda porque razão permaneceu tanto tempo sem dormir a bordo, e mesmo assim ter participado de faina de baldeação da balsa; que fosse tomado o depoimento da armadora Batista Navegação e Comércio Ltda.; e que fosse informado por certidão da Divisão de Registro do Tribunal Marítimo se a empresa Batista Navegação e Comércio Ltda. e Eliel Nunes Batista, são registrados como armadores e desde que data. Em resposta o encarregado do inquérito informou que de acordo com o item 0203 da NORMAM 08/DPC, a movimentação de embarcação entre portos da mesma área portuária será efetivada por meio de parte de saída e parte de entrada, não sendo necessário despacho, sendo que o representante da empresa informou que o seu despacho foi via fax e como tem validade de poucos dias são destruídos logo após o 3

4 término da validade; que foram apresentados os bilhetes de seguro DPEM de ambas as embarcações dentro do prazo; foi apresentado o Certificado de Segurança da Navegação (CSN) da balsa, mas não é o que estava em vigor na época do acidente, não tendo sido encontrado o documento vigente à época; que quanto ao quarto tripulante era o cozinheiro, que não estava guarnecendo porque navegando dentro do quadro não é obrigatório; e que foram realizadas as oitivas das duas testemunhas solicitadas. A D. Procuradoria, após as diligências, ofereceu representação contra Aureo Lopes Palheta, com fulcro no art.14, letra a, da Lei 2.180/54, sustentando, em resumo, que dos depoimentos do representado, às fls.9 e 104, extrai-se sua confissão de culpa exclusiva para com o acidente, sendo que, nas horas livres, entre a chegada a Manaus e a saída para a pernada entre os portos de Panair e o de Compensas, não dormiu nem mesmo descansou, pois preferiu divertir-se e tratar de problemas pessoais a dormir ou mesmo descansar; que os peritos atestam que a balsa não apresentou qualquer tipo de avaria em sua estrutura que pudesse comprometer a sua navegabilidade, e nem algo que a impossibilitasse para o serviço de transporte, antes ou depois do acidente, sendo que o rebocador não sofreu qualquer impacto ou colisão, e, depois de vistoriados os seus sistemas de governo e propulsão, não apresentaram nenhum defeito ou avaria que causasse algum descontrole nos mesmos, inclusive a praça de máquinas apresentava ótimas condições de trabalho, não sendo fatores contribuintes ou determinantes para a colisão; que diante das provas dos autos, em especial a confissão de culpa do representado, requer que a presente representação seja aceita pelo Tribunal Marítimo, em razão da conduta imprudente do representado, condutor do comboio, ao colocá-lo para navegar, durante período noturno, conscientemente sem estar em condições de efetuar uma navegação segura, pois sabia estar cansado, sem dormir por um período aproximado de 48 horas, uma vez que preferiu passear em sua hora de descanso; e que, inclusive, antecipou a viagem, que resultou no acidente, desprezando o bom senso e as 4

5 recomendações de ordem trabalhista e de segurança da navegação, sem ter efetuado o indispensável período de descanso, necessário para que um trabalhador possa executar suas atribuições com segurança. Apontou, ainda, a PEM a infração ao art.15 da Lei 7.652/88 Lei de Registro, ausência de registro da empresa Batista Navegação e Comércio Ltda. como armadora no Tribunal Marítimo e infração ao art.19 do RLESTA por falta de Certificado de Segurança da Navegação válido à época do acidente, tendo apresentado certificado emitido em data posterior ao acidente. Recebida a representação e citado, o representado, que não possui antecedentes neste Tribunal, foi regularmente defendido. A defesa de Aureo Lopes Palheta, por I. advogado constituído, alega, em resumo, que preliminarmente o representado por muitos anos exerce a função de comandante fluvial na bacia amazônica e sua folha de serviço nunca registrou qualquer anomalia, pois sempre ateve ao cumprimento das normas da navegação, todavia, desta vez querendo resolver o problema de descarga do comboio, veio a colidir a embarcação com algumas casas construídas nos barrancos a beira da água, sem registrar vítimas, mas apenas danos materiais, já reparados; que diante desses fatos, o representado requer relevância na aplicação da lei e seja determinado o arquivamento da presente representação, por motivo alheio a vontade do representado; que o representado há muitos anos trabalha para a Empresa Batista Navegação e Comércio Ltda. que é sucessora da firma Miranda Prestadora de Serviços Marítimos, Comércio Representação Ltda.; que o pelo item 9.3 da representação reconheceu desde o início as condições desfavoráveis que levou ao acidente como uma condição alheia a sua vontade, mas que confessava e chamava para si a responsabilidade; e que, ante o exposto, requer seja relevado o procedimento do representado, pela folha corrida de seu trabalho sem nunca ter dado causa a qualquer acidente e que sempre procurou desde o início desempenhar 5

6 muito bem sua função e considerando, ainda, o fato de que não houve vítimas e que os danos materiais todos foram reparados e por fim seja dada uma oportunidade ao representado continuar a trabalhar para prover as necessidades de seus familiares, absolvendo-o de qualquer apenação. Na instrução, nenhuma prova foi produzida. Em alegações finais, a PEM manifestou-se quanto ao preliminarmente aposto na defesa do representado, dizendo que nada tem a ver com preliminares em direito admitidas, determinadas no art. 301 e seus incisos do Código do Processo Civil. Quanto ao mérito, entende que a defesa do acusado não trouxe provas que elidissem as acusações contra ele interpostas, razão pela qual mantém seus argumentos de acusação e requer a condenação do representado na forma da lei. O representado não se manifestou em alegações finais. Decide-se. De tudo o que consta nos presentes autos, conclui-se que a natureza e extensão do acidente da navegação sob análise, tipificado no artigo 14, letra a, da Lei nº 2.180/54, ficaram caracterizadas como colisão de comboio contra casas de palafitas, provocando danos materiais, sem ocorrência de vítimas. A causa determinante foi a falta de condições físicas do comandante do comboio que veio a dormir no comando, fazendo com que as embarcações navegassem sem governo. Quanto ao preliminarmente aposto pela defesa do representado Aureo Lopes Palheta trata-se de apenas uma argumentação inicial, nada tendo a ver com as preliminares em direito admitidas, não devendo ser, portanto, apreciada como uma preliminar. Analisando-se os autos, verifica-se que o representado em seu depoimento de fls. 09 declarou que dormiu quando estava no comando da embarcação por estar a cerca 6

7 de 36 horas sem dormir, assumindo a responsabilidade pelo acidente, ficando deste modo, diante das provas produzidas nos autos, caracterizada a sua conduta imprudente ao conduzir o comboio, durante período noturno, sabendo estar sem condições de efetuar uma navegação segura, pois estava reconhecidamente cansado, sem dormir por um período longo, desprezando o bom senso e as recomendações de ordem trabalhista e de segurança da navegação. Pelo exposto, deve-se considerar procedente a fundamentação da PEM, julgando o acidente como decorrente de imprudência, condenando Aureo Lopes Palheta. Levando-se em consideração que o representado não possui antecedentes neste Tribunal, que do acidente não resultaram vítimas, somente danos materiais que foram ressarcidos e que o representado assumiu a responsabilidade pelo acidente, deve ser aplicada a pena de repreensão. Em complemento deve-se oficiar à DPC informando as infrações ao art.15 (ausência de registro da empresa como armadora no Tribunal Marítimo) da Lei 7.652/88 Lei de Registros e ao art.19 do RLESTA (falta de Certificado de Segurança da Navegação válido na época do acidente) cometidas pela Empresa Batista Navegação e Comércio Ltda. Assim, ACORDAM os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à natureza e extensão do acidente da navegação: colisão de comboio contra casas de palafitas, provocando danos materiais, sem ocorrência de vítimas; b) quanto à causa determinante: falta de condições físicas do comandante do comboio que veio a dormir no comando, fazendo com que as embarcações navegasse sem governo; c) decisão: julgar o acidente da navegação previsto no art. 14, letra a, da Lei 2.180/54, como decorrente de imprudência, condenando Aureo Lopes Palheta à pena de repreensão, de acordo com o art.121, I, da Lei 2.180/54, com a redação dada pela Lei 8.969/94 e ao 7

8 pagamento das custas processuais. Oficiar à DPC informando as infrações ao art.15 (ausência de registro da empresa como armadora no Tribunal Marítimo) da Lei 7.652/88 Lei de Registros e ao art.19 do RLESTA (falta de Certificado de Segurança da Navegação válido na época do acidente) cometidas pela Empresa Batista Navegação e Comércio Ltda. P.C.R. Rio de janeiro, RJ, em 4 de outubro de SERGIO CEZAR BOKEL Juiz-Relator WALDEMAR NICOLAU CANELLAS JÚNIOR Almirante-de-Esquadra (RM1) Juiz-Presidente 8