Anteprojecto de Lei da união civil registada
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- Vagner Aires Monteiro
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1 Anteprojecto de Lei da união civil registada Ivo Miguel Barroso * Anteprojecto de Lei da união civil registada, in O Direito, ano 144.º, 2012, I, pgs (também publicado in Lex Familiae. Revista Portuguesa de Direito da Família, Centro de Direito da Família, Coimbra Editora, ano 7, n.º 14, 2010, pgs ; et in Legislação. Cadernos de Ciência de Legislação, Instituto Nacional de Administração, n.º 53, Outubro- Dezembro de 2010, pgs ) Nota prévia Parece-nos que existe um há um consenso, entre os defensores da inconstitucionalidade da Lei n.º 9/2010 (que previu o casamento entre pessoas do mesmo sexo), no sentido da criação da união civil registada 1. Deixamos algumas sugestões ou linhas de orientação: a) Para a regulamentação mais exaustiva, em termos qualitativos e quantitativos, entendemos que existe uma reserva da instituição casamento (ou reserva de casamento). A regulamentação da união civil registada terá de ser mais fragmentária e parca: a união civil registada terá de ter um leque de direitos e deveres necessariamente inferior à do casamento, sob pena de esvaziamento * Mestre em Direito e Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 1 Defendendo esta via, DIOGO FREITAS DO AMARAL, parecer junto pelo Presidente da República ao pedido de fiscalização preventiva, em Março de 2010; JORGE DUARTE PINHEIRO, O Ensino do Direito da Família contemporâneo, AAFDL, Lisboa, 2008, pg. 82; Deputadas MARIA DO ROSÁRIO CARNEIRO / TERESA VENDA (PS), declaração de voto, Reunião plenária de 8 de Janeiro de 2010, in Diário da Assembleia da República, XI Legislatura, 1.ª sessão legislativa, 1.ª série, n.º 20, 9 de Janeiro de 2010, pg. 65 ( a vida comum de pessoas do mesmo sexo deve ser objecto por parte do Estado da definição de uma figura jurídica própria, que a proteja e lhe conceda o reconhecimento ); admitindo-a também, JORGE MIRANDA, declarações à Agência Lusa, em 16 de Março de 2007 ( defendendo-a com mais veemência, JORGE MIRANDA, O Tribunal Constitucional em 2009, in O Direito, ano 142.º, 2010, II, pg. 437; IDEM, O Tribunal Constitucional em 2010, in O Direito, ano 143º, 2011, I, pg Foi esse o sentido do Projecto de lei n.º 119/XI (cria e confere protecção jurídica às uniões civis registadas entre pessoas do mesmo sexo), apresentado pelo Grupo parlamentar do PSD, em 7 de Janeiro de Ambos os parceiros deveriam acordar sobre a orientação da vida em comum. (artigo 3.º, n.º 1).
2 do artigo 16.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, conjugado com o artigo 36.º, n.º 1, da Constituição (cfr. a regra hermenêutica, constante do artigo 16.º, n.º 2, da mesma) e de antinomias no ordenamento jurídico. b) Será esse instituto aplicável apenas a uniões entre pessoas do mesmo sexo; ou se deverá ser um instituto geral, de que os casais heterossexuais também poderiam gozar 2? Em nosso entender, por imperativo da regra da universalidade (artigo 12.º, n.º 1, da Constituição), deverá abranger tanto parceiros do mesmo sexo, como unidos de facto heterossexuais que pretendam deixar de o ser. A consagração da união civil registada, melhoria o ordenamento jurídico, num duplo sentido: i) preveniria lacunas (v. nota infra); ii) de jure constituendo, enriqueceria o mesmo ordenamento, com um instituto que, até agora, não existe (embora exista em muitos outros países), sendo uma reforma estruturante de fundo). Anteprojecto legislativo A Assembleia da República decreta, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Constituição, o seguinte: Artigo 1º (Noção) A união civil registada é o contrato celebrado entre duas pessoas adultas que pretendem constituir um projecto de vida em comum. Artigo 2.º (Âmbito de aplicação) 2 A Convenção sobre o reconhecimento das uniões registadas, elaborada pela Comissão Internacional do estado civil (CIEC) (que foi aberta à assinatura em 5 de Setembro de 2007, em Munique), contém tanto a via da restrição da união civil registada a pessoas do mesmo sexo, somente, quanto a abrangência, também, de casais heterossexuais (nos termos da definição dada da união registada, no artigo 1.º: un engagement de vie commune entre deux personns de même sexe ou de sexe différent, donnant lieu à un enregistrement par une autorité publique (cfr. PAUL LAGARD, La convention de la CIEC sur la reconnaissance des partenariats enregistrés, in Lebendiges Familienrecht. Festschrift für Rainer Frank zum 70. Geburtstag am 14. Juli 2008, Herausgegeben von TOBIAS HELMS / JENS MARTIN ZEPPERNICK, Verlag für Standesamtswesen, Francoforte sobre o Meno, 2008, pg. 130)).
3 Para constituir uma união civil registada, pelo menos um dos parceiros deverá: a) Ter nacionalidade portuguesa ou, b) Residir legalmente há pelo menos dois anos em território nacional. Artigo 3.º (Efeitos) 1. A união civil registada baseia-se na igualdade de direitos e deveres de ambos os parceiros, que devem acordar sobre a orientação da vida em comum. 2. Os efeitos patrimoniais são livremente convencionados pelos parceiros de acordo com a sua vontade, respeitando os seguintes limites: a) Sempre que um dos parceiros tiver idade igual ou superior a sessenta anos, o regime de bens será o da separação; b) Existindo descendentes de qualquer um dos parceiros, o regime será o da separação de bens; c) Demais limites previstos da lei. 3. Independentemente do estipulado pelos parceiros, as dívidas contraídas em benefício de ambos seguem o regime da responsabilidade solidária. 4. A convenção patrimonial é formalizada em anexo ao registo da união civil e permanece inalterada enquanto esta se mantiver. 5. A avaliação do respeito pelos limites referidos no n.º 2 é feita no acto do registo. 6. Na falta de convenção patrimonial, aplica-se o regime supletivo da separação. Artigo 4.º (Direitos dos parceiros) Os parceiros da união civil registada têm, nessa qualidade, direito a: a) Protecção da casa de morada de família, nos termos da lei; b) Beneficiar do regime jurídico das férias, faltas, licenças e preferência na colocação dos funcionários e agentes da Administração Pública equiparado ao dos cônjuges, nos termos da lei; c) Beneficiar do regime jurídico das férias, feriados e faltas aplicado por força de contrato individual de trabalho equiparado ao dos cônjuges, nos termos da lei; d) Protecção na eventualidade de morte do beneficiário, nos termos do regime geral da segurança social;
4 e) Protecção por morte resultante de acidente de trabalho ou de doença profissional, nos termos da lei; f) Pensão de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, nos termos da lei. Artigo 5.º (Herdeiro legitimário) 1. O parceiro da união civil registada tem o direito de ser herdeiro legitimário, mediante prévia manifestação expressa de vontade do outro parceiro, na convenção patrimonial O parceiro da união civil registada encontra-se em igualdade com os seguintes herdeiros legitimários, nos termos do 2133.º, n.º 1, alíneas a), b) e c): a) Descendentes; b) Ascendentes; c) Irmãos e seus descendentes. 3. O artigo 2157.º passa a ter a seguinte redacção: 3 Esta solução, de o parceiro ser chamado a sucessível virtual, justifica-se no intuito de prevenir antinomias normativas, evitando lacunas teleológicas (de segundo nível) (sobre esta espécie de lacuna, cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito (original: Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 6.ª ed., reformulada, Berlim, 1991), 3.ª ed., tradução de JOSÉ LAMEGO, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997, pp , ; JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, 9.ª (reimpressão), Almedina, Coimbra, 1996, pgs ; RUI PAULO COUTINHO MASCARENHAS ATAÍDE, A responsabilidade do representado na representação tolerada. Um problema de representação sem poderes, diss., AAFDL, Lisboa, 2008, pg. 51), ocultas no sistema. Em relação a unidos de facto de sexo diferente, não faz sentido aplicar o regime da sucessão legitimária uma vez que, a todo o tempo, tiveram a possibilidade de casar (o que, a ser feito, colocaria o cônjuge sobrevivo numa posição privilegiada, na sucessão legitimaria (ou mesmo na sucessão contratual)), mas, a despeito disso, o casamento não foi celebrado. Os putativos interessados tinham o ónus de contrair casamento, no intuito de obter esse benefício. Todavia, unidos de facto do mesmo sexo não podem contrair casamento, nem tão-pouco têm a possibilidade de beneficiar do regime da sucessão contratual. As situações não são, pois, idênticas. Ora, o princípio da igualdade impõe uma solução que dê guarida, pelo menos, a estes últimos casos; tal como o princípio da justiça (imagine-se uma coabitação entre unidos de facto, durante 30 anos, afastados das respectivas famílias de origem, sem descendentes). Haja em vista os dados do Direito positivo actual, em matéria sucessória: i) a rigidez da quota indisponível, na sucessão legitimária - sempre, pelo menos, metade da herança, podendo mesmo chegar a dois terços; ii) a consequente redução da quota disponível para metade ou para um terço, na sucessão testamentária. Todavia, a solução de consagrar a união civil registada é aberta a todos tanto parceiros do mesmo sexo, quanto parceiros heterossexuais, pela razão exposta na nota prévia (: o princípio da universalidade). Opta-se, todavia, por ter de haver uma manifestação de vontade, e não uma norma imperativa, para que o parceiro da união civil registada seja convocado como sucessível legitimário virtual.
5 São herdeiros legitimários o cônjuge, os descendentes e os ascendentes, o parceiro da união civil registada, seguindo a ordem prevista no artigo 2133.º, n.º É aditado ao artigo 2133.º o seguinte número: 4. O parceiro da união civil registada encontra-se em igualdade com todos os restantes herdeiros legitimários descendentes, ascendentes, irmãos e seus descendentes. Artigo 6.º (Outras consequências jurídicas) 1. Cada um dos parceiros tem poderes para actuar como representante legal do outro em caso de ausência ou incapacidade, nos termos da lei. 2. Cada um dos parceiros tem o direito a pedir informações sobre o estado de saúde do outro, a doar-lhe os seus órgãos e a beneficiar da extensão do seu seguro de saúde. Artigo 7.º (Impedimentos) 1. São impedimentos do registo da união civil: a) Idade inferior a 18 anos; b) Demência notória, mesmo nos intervalos lúcidos, e interdição ou inabilitação por anomalia psíquica; c) Casamento anterior não dissolvido; d) União civil registada anterior não dissolvida; e) União de facto reconhecida judicialmente não dissolvida; f) Parentesco na linha recta, no 2º grau da linha colateral, afinidade em linha recta e adopção restrita em linha recta; g) Condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o cônjuge ou parceiro do outro em união civil registada, ou que com ele tenha vivido em união de facto reconhecida judicialmente. 2. A união civil registada não dissolvida é impeditiva de posterior casamento, união civil registada ou reconhecimento judicial de uma união de facto. 3. Os impedimentos são verificados no acto do registo. 4. A decisão de recusa de registo pode ser impugnada nos termos gerais. Artigo 8.º (Registo)
6 1. O registo é condição de eficácia da união civil e do direito a beneficiar do regime estabelecido na presente lei. 2. O registo é efectuado no Registo Civil e constará do Registo Administrativo das Uniões Civis, criado para o efeito. Artigo 9.º (Inobservância dos requisitos legais) São inexistentes e insusceptíveis de produzir qualquer efeito as uniões civis registadas em violação das disposições da presente lei. Artigo 10.º (Dissolução) 1. A união civil registada dissolve-se: a) Por vontade unilateral de um dos parceiros notificado ao outro por qualquer das formas legalmente admitidas, sob pena de ineficácia; b) Por mútuo acordo; c) Por morte de um dos parceiros. 2. A extinção da união civil registada com fundamento nas alíneas a) e b) do número anterior tem que ser igualmente registada para produzir efeitos. 3. A extinção da união civil registada implica a divisão do património comum, quando existente, sem prejuízo do disposto na convenção patrimonial celebrada. 4. Aos restantes efeitos patrimoniais resultantes da dissolução aplica-se subsidiariamente o regime previsto para a dissolução do casamento, com as necessárias adaptações. Disposições finais Artigo 11.º (Disposição revogatória) 1. É revogada globalmente a Lei n.º 9/2010, de 31 de Maio 4. 4 A revogação desta Lei é urgente, pois, muito em resumo, há inconstitucionalidades evidentes e discrepâncias com regras supraconstitucionais (: o Direito Internacional costumeiro cimeiro, o Ius Cogens ) (como venho defendi e procurei demonstrar sucintamente noutra sede - v. IVO MIGUEL BARROSO, Casamento civil entre pessoas do mesmo sexo: um «direito fundamental» à medida da lei ordinária, publicado in Lex Familiae. Revista Portuguesa de Direito da Família, ano 7, n.º 13, Janeiro-Junho de 2010, pgs. 57 ss.; et in Revista de Direito Público, ano II, n.º 4, Julho-Dezembro de 2010, pgs. 183 ss.).
7 2. As relações familiares entre pessoas do mesmo sexo, constituídas ao abrigo da Lei n.º 9/2010, são convertidas em uniões de Direito, nos termos do presente diploma. 3. O disposto no número anterior aplica-se às relações familiares entre pessoas do mesmo sexo, constituídas no estrangeiro. Artigo 12.º (Regulamentação) Será publicada no prazo de 90 dias a regulamentação das normas da presente lei que dela careçam. Artigo 13.º (Início de vigência) O artigo 11.º da presente Lei entra imediatamente em vigor. As restantes disposições entrarão em vigor no prazo de 120 dias.
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