Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível

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1 APELANTE: APELADOS: RELATOR: CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - CASSI SEBASTIÃO RODRIGUES LIMA e THEREZINHA BECKER LIMA Desembargador MARIO ASSIS GONÇALVES Ação de obrigação de fazer cumulada com indenizatória. Medicamento indicado para tratamento médico. Quimioterapia. Negativa de fornecimento. Conduta abusiva. Dano moral. Configuração. Os contratos de planos de saúde sujeitam-se insofismavelmente às normas consumeristas, caracterizando-se a relação entre as partes como de consumo, por se encaixarem perfeitamente nos ditames dos artigos 2º e 3º, 2º, do Código de Defesa do Consumidor. Entendimento aplicável à CASSI. Precedentes TJERJ. Tanto o referido diploma legal quanto o Código Civil indicam a boa-fé como elemento essencial às relações negociais. Nas relações consumeristas, inclusive, a boa-fé é tida não somente como um elemento subjetivo, mas como um princípio que se efetiva e é demonstrado nas ações das partes, no modo como conduzem o negócio (boa-fé objetiva). Desta forma, até por envolver contrato de adesão, as cláusulas devem ser interpretadas da forma mais favorável ao consumidor. Observe-se que o inciso V do artigo 18 do Regulamento do Plano de Associados prevê a cobertura de exames e procedimentos complementares, indispensáveis para o controle da evolução e elucidação diagnóstica. Portanto, inclusa está no contrato a cobertura para realização de quimioterapia, sendo abusiva a conduta da ré ao negar o tratamento adequado à segunda autora. Ao contrário do afirmado pela recorrente, o ofício encaminhado ao Juízo pela Agência Nacional de Saúde Suplementar é expresso ao afirmar que os medicamentos descritos na inicial são indicados para o tratamento de câncer, possuem registro na ANVISA e são de cobertura obrigatória pelas operadoras, inclusive o Avastin. Além do mais, cabe ao médico e ao paciente deliberarem sobre a terapia a ser utilizada, não competindo ao judiciário, tampouco à burocracia do plano de saúde, aprovar ou não medicamento indicado por um perito. Precedentes STJ e TJERJ. Configuração de dano moral. O montante de R$ ,00 (quinze mil reais), para cada autor, arbitrado na sentença, mostra-se compatível com a repercussão dos fatos narrados nestes autos e consentâneo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, devendo ser mantido. Recurso ao qual se nega seguimento. D E C I S Ã O (art. 557, caput CPC) Cuida-se de ação de obrigação de fazer cumulada com indenizatória ajuizada por Sebastião Rodrigues Lima e Therezinha Becker Lima em face de Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil - CASSI. Alegam possuírem plano de saúde administrado pela ré desde 1952 e que em setembro de 2008 a segunda autora foi diagnosticada com carcinoma 1

2 indiferenciado de grandes células do pulmão sendo determinado tratamento com utilização de 3 (três) medicamentos: Fauldcarbo, Biopaxel e Avastin. A ré, entretanto, não autorizou a utilização do último medicamento. Por tais motivos requer, em antecipação de tutela, autorização de utilização de Avastin na quimioterapia e, ao final, confirmação da tutela e condenação da ré ao pagamento de indenização pelos danos morais causados. Decisão (fls. 27) deferindo a tutela antecipada para determinar que a ré autorize a realização da quimioterapia na forma requerida, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais). Contestação (fls. 37/46). Réplica na qual é comunicado o óbito da segunda autora (fls. 87/96). Ofício da Agência Nacional de Saúde (fls. 127/128). Sentença (fls. 133/137) julgando procedente o pedido para confirmar a tutela antecipada deferida e condenar a ré ao pagamento de indenização no valor de R$ ,00 (quinze mil reais) para cada um dos autores. Condenou-a, ainda, ao pagamento das custas processuais e aos honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação. Apelação da empresa ré (fls. 139/153) alegando inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto, tendo em vista classificar-se como entidade de autogestão, sem finalidade lucrativa. Afirma, ainda, que o medicamento solicitado não consta do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde, previsto na Lei 9.656/98, além da empresa fabricante não indicar sua utilização em casos como o da apelada. Destaca que o artigo 33, X do capítulo IX do contrato firmado com os autores exclui cobertura para procedimentos experimentais, sendo este o caso do Avastin que ainda se encontra em estudos; impossibilidade de declaração de nulidade de cláusula contratual; inexistência de dano moral e excesso do quantum fixado a título de indenização. Contrarrazões (fls. 161/180). Manifestação da Procuradoria de Justiça afirmando inexistência de interesse de atuação no feito (fls. 200/201). 2

3 Despacho determinando a regularização da representação processual do espólio de Therezinha Becker Lima (fls. 202). É o relatório. Tudo visto e examinado, passo a decidir. Inicialmente, cumpre destacar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na relação jurídica em questão. Os contratos de planos de saúde sujeitam-se insofismavelmente às normas consumeristas, caracterizando-se a relação entre as partes como de consumo, por se encaixarem perfeitamente nos ditames dos artigos 2º e 3º, 2º, do Código de Defesa do Consumidor. A jurisprudência deste Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que tal entendimento é aplicável à Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (CASSI) não podendo prevalecer a tese de não incidência do Código de Defesa do Consumidor por esta classificar-se como entidade de autogestão, sem finalidade lucrativa. Neste sentido: CONSUMIDOR - PLANO DE SAÚDE - CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL (CASSI) - Plano de saúde. Relação contratual que se sujeita às regras do Código de Defesa do Consumidor. Caracterização da figura do fornecedor e do consumidor (arts. 2º e 3º, da Lei nº 8078/90). Precedentes. Obrigação da seguradora de saúde de custear o material apontado pelo médico como necessário ao procedimento cirúrgico. Alegação de ineficácia e ausência de segurança do material não comprovada. Dano moral. Cabimento. Honorários advocatícios que devem ser fixados de acordo com a regra do 3º, do art. 20, do CPC. Conhecimento e provimento do segundo recurso e desprovimento do primeiro. (Apelação Cível nº Rel. DES. RICARDO COUTO - Julgamento: 16/03/ SETIMA CAMARA CIVEL). Grifei. E mais: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE ADMINISTRADO PELA CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DE BRASIL. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO PELA SEGURADORA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. FALHA DA OPERADORA DE SAÚDE EM COMPUTAR AS MENSALIDADES DEVIDAMENTE PAGAS. INADIMPLEMENTO NÃO CONFIGURADO. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DO CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA QUE INDEPENDE DA COMPROVAÇÃO DE CULPA. INDEVIDA NEGATIVA DE ATENDIMENTO QUE GERA DANO MORAL. LEGÍTIMA EXPECTATIVA DEPOSITADA AO LONGO DOS ANOS DA VIGÊNCIA DO CONTRATO. VERBA INDENIZATÓRIA ARBITRADA EM EXCESSO. 3

4 REDUÇÃO QUE SE IMPÕE. PROPORCIONALIDADE AO AGRAVO SOFRIDO. MANUTENCAO. Independentemente da operadora de plano de saúde visar ou não o lucro, ter ou não autogestão, comercializar ou não planos de saúde, aplica-se, à hipótese, o Código de Defesa do Consumidor, que determina a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços pelos danos causados ao consumidor. Inadimplência, afastada pela prova produzida. Parte autora que comprovou que estava em dia com o pagamento das mensalidades do plano. Assim, afigurou-se indevido e ilegal o cancelamento unilateral do plano e, conseqüentemente, a negativa de atendimento. Rescisão unilateral do contrato e negativa de atendimento hospitalar, que geram aflição e angústia no segurado, ante a impossibilidade de obter o tratamento indispensável à manutenção da saúde e da vida. Situação fática que fundamenta e autoriza o dever da reparação pecuniária. Verba indenizatória que, contudo, deve ser fixada em patamar proporcional aos danos morais sofridos pela consumidora, razão pela qual deve ser reduzida a valor razoável. Conhecimento do recurso para dar-lhe parcial provimento, na forma do 1º-A, do artigo 557 do Código de Processo Civil. (Apelação Cível nº Rel. DES. ROGERIO DE OLIVEIRA SOUZA - Julgamento: 29/06/ NONA CAMARA CIVEL). Grifei. Tanto o referido diploma legal quanto o Código Civil indicam a boafé como elemento essencial às relações negociais. Nas relações consumeristas, inclusive, a boa-fé é tida não somente como um elemento subjetivo, mas como um princípio que se efetiva e é demonstrado nas ações das partes, no modo como conduzem o negócio (boa-fé objetiva). Desta forma, até por envolver contrato de adesão, as cláusulas devem ser interpretadas da forma mais favorável ao consumidor. Observe-se que o inciso V do artigo 18 do Regulamento do Plano de Associados (fls. 61), prevê a cobertura de exames e procedimentos complementares, indispensáveis para o controle da evolução e elucidação diagnóstica. Portanto, inclusa está no contrato a cobertura para realização de quimioterapia, sendo abusiva a conduta da ré ao negar o tratamento adequado à segunda autora. Afirma a apelante, ainda, que o medicamento solicitado não consta do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde, previsto na Lei 9.656/98, além da empresa fabricante não indicar sua utilização em casos como o da apelada e destaca que o artigo 33, X do capítulo IX do contrato firmado com os autores exclui cobertura para procedimentos experimentais, sendo este o caso do Avastin que ainda se encontra em estudos; 4

5 Ao contrário do afirmado pela recorrente, o ofício encaminhado ao Juízo pela Agência Nacional de Saúde Suplementar é expresso ao afirmar que os medicamentos descritos na inicial são indicados para o tratamento de câncer, possuem registro na ANVISA e são de cobertura obrigatória pelas operadoras, inclusive o Avastin. 128): Para melhor análise da matéria transcrevo trecho do documento (fls. Os medicamentos Fauldcarbo, Biopaxel e Avastin possuem registro ativo na Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA e de acordo com os registros, estão indicados para o tratamento do câncer e não constituem medicamentos de uso domiciliar. Dessa foram, os medicamento em questão, assim como quaisquer outros medicamentos previstos para administração em ambulatório que façam parte do procedimento quimioterapia oncológica ambulatorial, anteriormente definido, são de cobertura obrigatória pelas operadoras. Além do mais, cabe ao médico e ao paciente deliberarem sobre a terapia a ser utilizada, não competindo ao judiciário, tampouco à burocracia do plano de saúde, aprovar ou não medicamento indicado por um perito. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é taxativa, verbis: Seguro saúde. Cobertura. Câncer de pulmão. Tratamento com quimioterapia. Cláusula abusiva. 1. O plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura. Se a patologia está coberta, no caso, o câncer, é inviável vedar a quimioterapia pelo simples fato de ser esta uma das alternativas possíveis para a cura da doença. A abusividade da cláusula reside exatamente nesse preciso aspecto, qual seja, não pode o paciente, em razão de cláusula limitativa, ser impedido de receber tratamento com o método mais moderno disponível no momento em que instalada a doença coberta. 2. Recurso especial conhecido e provido. REsp / SP. RECURSO ESPECIAL 2004/ Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Terceira Turma. Data do Julgamento Data da Publicação: DJ , Nesse sentido, trago à colação trecho do voto proferido no Recurso Especial nº pelo então Ministro Carlos Alberto Menezes Direito do Superior Tribunal de Justiça: 5

6 (...) De fato, não se pode negar o direito do contrato de estabelecer que tipo de doença está ao alcance do plano oferecido. Todavia, entendo que deve haver uma distinção entre a patologia alcançada e a terapia. Não me parece razoável que se exclua determinada opção terapêutica se a doença está agasalhada no contrato. Isso quer dizer que se o plano está destinado a cobrir despesas relativas ao tratamento, o que o contrato pode dispor é sobre as patologias cobertas, não sobre o tipo de tratamento para cada patologia alcançada pelo contrato. Na verdade, se não fosse assim, estar-se-ia autorizando que a empresa se substituísse aos médicos na escolha da terapia adequada de acordo com o plano de cobertura do paciente. E isso, pelo menos na minha avaliação, é incongruente com o sistema de assistência à saúde, porquanto quem é senhor do tratamento é o especialista, ou seja, o médico que não pode ser impedido de escolher a alternativa que melhor convém à cura do paciente. Além de representar severo risco para a vida do consumidor. Justiça: Nesse sentido, trago à colação jurisprudência deste Tribunal de Direito do Consumidor. Responsabilidade Civil. Seguro Saúde. Portador de adenocarcinoma de pulmão com metástase óssea.quimioterapia. Medicamentos Cisplatina, Permetrexed (Alimta) e Ácido Zolendrônico (Zometa). Recusa de custeio sob o fundamento de que o tratamento indicado seria experimental. Havendo previsão contratual de cobertura de quimioterapia, não pode o plano de saúde limitar esse procedimento, impedindo a utilização de medicamentos mais modernos e eficazes à condição do paciente. No mais, a parte ré não logrou comprovar a natureza experimental do procedimento, ônus que lhe competia nos termos do artigo 333, II, do Código de Processo Civil. Incensurável a sentença que condenou a seguradora a custear as despesas relativas ao tratamento de quimioterapia indicado pelo médico. Recurso desprovido. (Apelação Cível nº Rel. DES. MARCO ANTONIO IBRAHIM - Julgamento: 08/06/ VIGESIMA CAMARA CIVEL). Grifei. No que tange aos danos morais, faz-se mister ressaltar que a configuração destes em hipótese de inadimplemento contratual, como a dos autos, gera controvérsias em sede doutrinária e jurisprudencial. Este Tribunal de Justiça se posicionou, em princípio, pela inexistência de danos morais quando se trata de descumprimento de dever contratual, nos termos do verbete sumular nº 75: O simples descumprimento de dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atenta contra a dignidade da parte. 6

7 Todavia, é possível, como ressalta a parte final do referido enunciado, que ao analisar a situação concreta, o juiz venha a entender configurado o dano moral. Para tanto, deverá valorar a relevância das consequências do inadimplemento, analisando se houve ofensa à dignidade da vítima. No caso em análise, a segunda autora encontrava-se, inegavelmente, em situação de grande fragilidade psicológica em do diagnóstico de câncer de pulmão, sendo a recusa da ré em autorizar a cirurgia fato capaz de gerar sofrimento que vai além de mero aborrecimento quotidiano, caracterizando o dano moral, dano este que abrange o primeiro autor. Via de consequência, tem-se, nesse ponto, que, sendo presumíveis a angústia e o sofrimento psicológico resultantes do ocorrido, evidencia-se no caso a presença do dano moral in re ipsa, ou seja, ínsito na própria ofensa, decorrendo do ilícito em si, de tal modo que, provada a ofensa, demonstrado está o dano moral a guisa de uma presunção natural, nada mais sendo exigido provar. Pereira ensina: Com relação à fixação dos danos morais, Caio Mário da Silva "O problema de sua reparação deve ser posto em termos de que a reparação do dano moral, a par do caráter punitivo imposto ao agente, tem de assumir sentido compensatório. Sem a noção de equivalência, que é própria da indenização do dano material, corresponderá à função compensatória pelo que tiver sofrido. Somente assumindo uma concepção desta ordem é que se compreenderá que o direito positivo estabelece o princípio da reparação do dano moral. A isso é de se acrescer que na reparação do dano moral insere-se uma atitude de solidariedade à vítima." (in Responsabilidade Civil, 6ª edição, Editora Forense, 1995, pág. 60). Ainda no que tange à fixação da verba indenizatória, é necessário se levar em conta a intensidade do sofrimento da vítima, a reprovabilidade do ato do causador do dano e o caráter punitivo da reparação, o qual deve ser suficiente para dissuadi-lo de igual e novo descuido. O montante de R$ ,00 (quinze mil reais), para cada autor, arbitrado na sentença, mostra-se compatível com a repercussão dos fatos narrados nestes autos e consentâneo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, devendo ser mantido. 7

8 Por conta de tais fundamentos, com fulcro no art. 557, caput, do Código de Processo Civil, nego seguimento ao recurso consignando, apenas, que o valor da indenização relativo à segunda autora deverá ser depositado em nome do espólio e à disposição do Juízo da 5ª Vara de Órfãos e Sucessões da Comarca da Capital. Rio de Janeiro, 12 de abril de Certificado por DES. MARIO ASSIS GONCALVES A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço Data: 18/04/ :33:43Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: Tot. Pag.: 8 8