Determinação do valor de potencial hídrico por meio da entrada e saída de água de tecido de reserva
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1 1 Capítulo 7 Determinação do valor de potencial hídrico por meio da entrada e saída de água de tecido de reserva Carlos Henrique Britto de Assis Prado 3, Bruna Germano Bueno 1, Carlos Aparecido Casali 2 Josiane Baccarin Traldi 1, Juliana Taffarel Ferrari 1, Luana Walravens Bergamo 1, Miliany Oda Ferreira Campos 1, Paula Natália Pereira 1, Raiza Helena Jacomini 1 1 Ex-alunos de graduação do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil 2 Tecnólogo aposentado pelo Departamento de Botânica, Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil. 3 Professor Titular, Departamento de Botânica, Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil Materiais utilizados Material Biológico: tubérculos de batata (Solanum tuberosum L. Solanaceae) maiores que 9,0 cm de comprimento. Vidrarias: béqueres de 1,0 L e 250 ml, pipetas 5, 10 e 20 ml, placas de Petri com 9,0 cm de diâmetro. As placas de Petri podem ser de plástico. Outros materiais: estilete, papel milimetrado, termômetro de bulbo com escala para temperatura ambiente, fita adesiva tipo fita crepe, caneta ponta porosa, lápis preto, tábua fatiadora manual de cozinha, lâmina de barbear, placa de vidro com cerca de 20 x 10 cm, água destilada, solução de sacarose em concentração de 2,0 molal, peras para sucção manual em pipetas, régua de 30 cm. Introdução O potencial hídrico de um tecido vegetal pode ser determinado por uma metodologia simples e rápida utilizando soluções de sacarose e tubérculo de batata, Solanum tuberosum L. Solanaceae, cortado em fatias. Esse tecido
2 2 de reserva apresenta variações de tamanho de acordo com o ganho (entrada) e perda (saída) de água quando submerso em uma solução aquosa de sacarose. O balanço hídrico do tecido de reserva ocorre em função do potencial hídrico de cada solução em que estará submerso e o potencial hídrico do tecido. O material que permanecerá com o tamanho original indicará perda e ganho de água na mesma quantidade, mesmo volume de entrada e saída de água. Nessa situação de equilíbrio hídrico a energia livre da água da solução e do tecido apresentavam o mesmo valor e condicionam troca de água constante, mas em mesmo volume. Esse equilíbrio em que a água continua entrando e saindo em volumes iguais é uma oportunidade para calcular o potencial hídrico da solução e obter o potencial hídrico do tecido, pois assumem os mesmos valores. Sob soluções de sacarose com valor reduzido de potencial hídrico o tecido tenderá a diminuir perdendo água para solução. De maneira oposta, o aumento da área do tecido ocorrerá sob solução de sacarose com valores elevados de potencial hídrico, próximos de zero. Em nenhuma dessas situações de alteração da área temos a oportunidade de saber o valor do potencial hídrico do tecido, pois há perda ou ganhando de água alterando constantemente o tamanho original do tubérculo. Com a variação do tamanho do material vegetal durante a troca de água com a solução a pressão de parede pode mudar e o potencial osmótico certamente é alterado. A constante alteração do potencial osmótico e a possibilidade de alteração da pressão de parede nas células não plasmolisadas inviabiliza a obtenção do valor de potencial hídrico do tecido durante a troca de água fora do equilíbrio. Isso ocorre pelo fato do potencial hídrico em células vegetais ser o resultado do valor da pressão de parede mais o valor do potencial osmótico. Somente quando a entrada e a saída de água são iguais é possível saber o valor de potencial hídrico, pois esse valor não está sendo alterado nem pela
3 3 diluição dos solutos (variação do potencial osmótico) e nem pela variação da pressão de parede das células não plasmolisadas do tecido. Essa situação é a de área constante do tecido vegetal submerso em solução determinada pela entrada e saída de água em volumes iguais. A vantagem de usar a área ao invés do comprimento do tubérculo de batata é que consideramos a alteração em duas dimensões (área, cm 2 ) ao invés de em uma só dimensão (comprimento, cm). Por outro lado, não é necessário o uso de uma balança de precisão quando consideramos somente a área e não a massa como proposto por Salisbury e Ross (1992). Um experimento livre de balança pode ser repetido por vários grupos de alunos simultaneamente em locais onde não há equipamentos de precisão disponíveis. Objetivo da aula Determinar o valor do potencial hídrico de tecido de tubérculo de Solanum tuberosum, a batata inglesa, por meio da conservação da área de fatias submersas em soluções com diferentes valores de energia livre da água. Experimento A - Separar o tubérculo de batata ao meio com um corte longitudinal (Figura 1). Obter fatias da metade interna do tubérculo com o auxílio de um fatiador manual de cozinha (Figura 1). Não aplicar força excessiva para baixo durante o processo de corte do tubérculo no fatiador. Aplicar a maior força para empurrar o tubérculo e dessa forma obter fatias finas e homogêneas. Para cada metade do tubérculo é possível obter cerca de 8 fatias úteis para o experimento. As fatias devem apresentar cerca de 1,5 mm de espessura e devem ser translúcidas e homogêneas (Figura 1).
4 4 Figura 1 - O tubérculo de batata (Solanum tuberosum L. - Solanaceae) é cortado ao meio (A). Posteriormente são obtidas fatias por meio de um fatiador manual de cozinha (B e C). Não forçar o tubérculo para baixo durante o corte evitando a obtenção de fatias grossas (C e D). A fatia deve apresentar espessura de aproximadamente 1,5 mm (D). B - Com o auxílio de uma lâmina de vidro e de um desenho servindo de gabarito para a determinação da área (3,0 x 6,0 cm) é possível obter retângulos de 18,0 cm 2 cortando as laterais da fatia do tubérculo de batata (Figura 2). Figura 2 - Uma lâmina de vidro de aproximadamente 20,0 x 10,0 cm é colocada sobre o desenho de uma área de 18,0 cm 2 em papel milimetrado (A). Com o auxílio de uma lâmina de barbear a fatia do tubérculo sobre a lâmina de vidro é ajustada para uma área de 3,0 cm x 6,0 cm desenhada no papel milimetrado (B) resultando em um retângulo com contorno e área definidos (3,0 cm x 6,0 cm, C). C - Preparar simultaneamente soluções com diferentes valores de energia livre da água durante a obtenção dos tecidos retangulares. As soluções são preparadas utilizando água destilada e solução estoque de sacarose na concentração de 2,0 molal (Figura 3). O volume total necessário de solução estoque a 2,0 molal para todo o experimento é de cerca de 100 ml (Tabela 1). Para calcular a molalidade da solução estoque em concentração de 2,0 molal
5 5 use a fórmula abaixo atribuindo o valor de 342,24 g por mol de sacarose. Molalidade = mol de soluto (no caso sacarose) kg do solvente (no caso água) (I) Figura 3 - Béqueres contendo água destilada, béquer à esquerda com a pipeta, e solução de sacarose na concentração de 2 molal, béquer à direita. A água e a solução serão misturadas proporcionalmente para a obtenção de soluções com diferentes valores de potencial hídrico. D - A água destilada e a solução estoque de sacarose são misturadas em diferentes proporções resultando em um volume final de 40 ml em cada energia livre, em cada placa de Petri. O total de água destilada utilizado para todas as 10 placas nas diluições é de cerca de 352 ml (Tabela 1). Note que a energia livre da água na solução final corresponde também ao potencial osmótico da solução, pois nesse caso não há pressão de parede ou qualquer outra interferência significativa sobre a água da solução. Para diluir a solução estoque com o volume de água destilada e obter a concentração desejada em 40 ml como volume final (Vf) em cad aplaca de Petri use a fórmula de diluição: Ve Ce = Vf Cf (II) Onde: Ve = volume da solução estoque
6 6 Ce = Concentração da solução estoque (2,0 ml) Vf = volume final da solução desejada (40,0 ml) Cf =- Concentração final da solução desejada Os resultados dos cálculos de diluição para encontrar o volume de solução estoque de sacarose e de água destilada necessários em cada solução final de 40 ml estão na Tabela 1. Esses valores resultam em soluções com energia livre entre 0,0 e -2,0 MPa. Para o cálculo da energia livre da água utilizando a concentração de sacarose em cada solução diluída em cada placa de Petri utilize a equação de Van t Hoff: Ψπ = i C R T (MPa) (III) Onde: i = constante de dissociação do soluto na solução. Essa constante é dependente da temperatura, mas não da pressão. Cada soluto apresenta um valor de constante de dissociação, expressa em um número adimensional. A constante de dissociação pode ser definida como a relação entre o número de moléculas do soluto originados da dissociação e o número inicial de moléculas desse soluto. C = concentração do soluto na solução, expressa em molalidade (molal, número de moles do soluto pela massa em kg do solvente) R = constante dos gases (0,00831 kg MPa mol 1 K -1 ) Tabs = temperatura absoluta (graus Kelvin = graus Celsius + 273)
7 7 Os resultados para a energia livre da água em cada solução final estão na Tabela 1. Esses valores são obtidos utilizando a equação III acima e as concentrações correspondentes das soluções após cada diluição sob a temperatura ambiente de 25 C (Tabela 1). Tabela 1 Volume de solução estoque de sacarose na concentração de 2,0 molal e volume de água destilada a serem misturados com a concentração (molal) obtida após a diluição. Os volumes da solução de sacarose e da água destilada juntos resultam em um volume total de 40 ml, soma dos volumes das duas primeiras colunas. O volume representado na primeira linha apresenta apenas água destilada e, portanto, a energia livre é igual a zero mega Pascal (MPa). Cada uma das 10 soluções apresentará um valor negativo correspondente de energia livre da água representado na última coluna. Volume da solução de sacarose 2,0 molal (ml) Volume de água destilada (ml) Concentraçã o da solução diluída (molal) Energia livre da água da solução sob 25 C (MPa) 0,00 40,00 0,000 0,00 1,62 38,38 0,081-0,20 3,22 36,78 0,161-0,40 4,84 35,16 0,242-0,60 6,46 33,54 0,323-0,80 8,08 31,92 0,404-1,00 9,70 30,30 0,485-1,20 11,32 28,68 0,566-1,40 12,94 27,06 0,647-1,60 14,56 25,44 0,728-1,80 16,18 23,82 0,809-2,00
8 8 E - Cada solução final deve ser preparada separadamente em placas de Petri de vidro ou de plástico com cerca de 9,0 cm de diâmetro e identificadas na tampa com o valor correspondente da energia livre da água (MPa, Figura 4). A placa de Petri deve ser levemente agitada para que ocorra a mistura homogênea dos volumes de água e de solução de sacarose antes de submergir os tecidos. Duas fatias retangulares do tubérculo devem ser submersas completamente em cada placa de Petri contendo os 40 ml da solução final de sacarose (Figura 4). Figura 4 - Preparação das soluções finais com diferentes valores de energia livre da água. A sacarose e a água destilada são colocadas separadamente (A) após serem pipetadas em volumes correspondentes indicados na Tabela 1, resultando em 40 ml de solução final em cada placa de Petri. As fatias de tubérculo em um par em cada placa de Petri são submersas completamente na solução por uma hora (B). Note o valor de potencial hídrico da solução na etiqueta da tampa (B). F - As fatias do tubérculo devem ser retiradas após uma hora de submersão nas soluções finais. O comprimento e a largura das fatias devem ser determinados para o cálculo da área. As medições lineares de largura e comprimento são determinadas com o auxílio da placa de vidro e do papel milimetrado utilizados anteriormente (Figura 2). Para cada par de fatias do tubérculo é obtida uma média da área na solução correspondente. Os valores médios de área obtidos em cada solução são colocados em função da energia livre da água da solução correspondente como mostra a Tabela 2.
9 9 Tabela 2 Área de tecido de reserva do tubérculo de Solanum tuberosum (batata inglesa) submersos após 1 h em soluções de sacarose com diferentes valores de energia livre da água. O valor da área em negrito (18,0 cm 2 ) indica a área inicial original e a situação de equilíbrio energético entre a solução e as células do tubérculo. Valor médio da área (cm 2 ) do tecido. Valor inicial = 18 cm 2 Valor da energia livre da água da solução de sacarose (MPa) 18,4 0,00 18,4-0,20 18,0-0,40 17,7-0,60 17,5-0,80 16,6-1,00 16,5-1,20 16,4-1,40 15,6-1,60 15,5-1,80 15,0-2,00 G A área inicial das fatias em todas as placa de Petri era de 18 cm 2 antes de serem submersas nas soluções com diferentes valores de energia livre da água. O valor original de 18,0 cm 2 foi encontrado somente no par de fatias submersas na solução com - 0,40 MPa de energia livre (Tabela 2). Dessa forma, as fatias com - 0,40 MPa perderam e ganharam água na mesma quantidade (volume de água) o que indica que as células do tecido estavam em equilíbrio energético com a solução. Essa condição de equilíbrio é estabelecida quando os valores do potencial hídrico são iguais, nesse caso -0,40 MPa. Portanto, o valor original do potencial hídrico do tecido de reserva de S. tuberosum era de - 0,40 MPa, igual ao valor da energia livre da água da solução.
10 10 Sob -0,4 MPa as fatias do tubérculo ganharam e perderam água na mesma quantidade e permaneceram com a mesma área (18,0 cm 2 ). Portanto, houve perda e ganho simultâneo continuamente sem alteração da área inicial, pois havia equilíbrio entre perda e ganho de água. Equilíbrio pelo fato do mesmo volume perdido ter sido ganho simultaneamente e dinâmico pelo fato da água estar sempre passando pela plasmalema de dentro para fora (perda) e de fora para dentro (ganho). Como a água líquida não pode ser comprimida a água que entra aumenta o tecido em área e volume e a água que sai diminui o tecido em área e volume. Nas soluções com valores maiores que -0,40 MPa (0,00 e - 0,20 MPa) ocorreu um aumento da área do tecido, ou seja, o ganho de água foi maior que a perda e os tecidos aumentaram (Tabela 2). Nesse caso a indicação é que a energia livre da água era maior na solução que no tubérculo e ocorreu um movimento preferencial da água da solução em direção ao interior das células do tecido de reserva. De forma contrastante, sob energia livre menor que - 0,40 MPa ocorreu diminuição da área média das fatias (Tabela 2). Nessa condição de contato com uma solução de reduzido valor de energia livre (menor que -0,40 MPa) a fatia perde mais água que ganha da solução resultando na diminuição da área do tecido. O valor encontrado aqui de -0,40 MPa pode variar dependendo do estado hídrico inicial do tecido de reserva que for utilizado para o experimento.
11 11 Síntese Por meio de um procedimento simples com soluções de sacarose em diferentes valores de energia livre da água é possível obter o potencial hídrico de um tecido vegetal de reserva como o do tubérculo de batata (Solanum tuberosum L. Solanacea). Em cada uma das soluções o tecido ganha ou perde água variando suas dimensões (área). No valor de energia livre da solução em que a área do tecido permaneceu igual à área inicial ocorreu ganho e perda de água na mesma quantidade, mesmo volume de água. Nessa situação a energia livre da água, o potencial hídrico, só pode ser igual entre o tecido e a solução revelando o valor do potencial hídrico original do tecido. Quando o valor do potencial hídrico da solução é inferior ao do tecido ocorre maior perda que ganho de volume de água e o tecido diminui sua área. Essa diminuição da área aconteceu na maioria das soluções preparadas onde os tecidos foram submersos. De forma contrastante em duas soluções ocorreu maior ganho que perda de água resultando em um aumento de área do tecido de reserva. Em menos de duas horas e sem equipamentos de precisão é possível preparar o experimento e obter e discutir os principais resultados tendo como referência o estado hídrico em que o tecido manteve sua área original de 18 cm 2. Essa área original pode ocorrer em diferentes valores de energia livre da água, diverso do obtido (-0,40 MPa). Isso pode ocorrer devido ao estado hídrico do tecido de reserva que se utiliza no início do experimento. Referência Salisbury, F.B.; Ross, C.W. (1992) Plant Physiology. Wadsworth Publishing Company, California, Belmont, 682 p.
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