Débora Reis Tavares mestranda do programa de literatura inglesa da FFLCH USP. Artigo destinado ao GT8 Cultura, capitalismo e socialismo
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- Maria Júlia Santiago Carneiro
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1 Débora Reis Tavares mestranda do programa de literatura inglesa da FFLCH USP Orientador: prof. Doutor Daniel Puglia Artigo destinado ao GT8 Cultura, capitalismo e socialismo SOBRE A CONSCIÊNCIA DE CLASSE NO LIVRO NINETEEN EIGHTY- FOUR DE GEORGE ORWELL O objetivo deste trabalho é discutir como o conceito de consciência de classe aparece na obra Nineteen Eighty-Four 1 do escritor George Orwell. Desta forma, a discussão sobre um conceito chave na teoria marxista se torna mais rica pela possibilidade de analisar um conceito em um objeto literário no contexto do pós-guerra na Europa. A base do texto é o livro de Orwell, sobre o qual irei me debruçar em uma passagem em específico, demonstrando por meio do pensamento dialético materialista, as relações entre sociedade e arte. A obra Nineteen Eighty-Four conta a história de Winston Smith, parte de uma sociedade dominada por um partido de regime totalitário e repressivo cujo líder se intitula Big Brother. Esta sociedade se divide entre aqueles que são membros do Partido do regime e os proletários, totalmente alheios e excluídos das regras do sistema, simplesmente marginalizados na sociedade. A elaboração do enredo tem como intenção mostrar em uma época futura (no caso o ano de 1984, considerando que o livro foi escrito em 1948 e publicado em 1949) as últimas conseqüências do capitalismo: a instauração de uma ditadura opressora, onde valores como liberdade individual um conceito caro para a difusão do capitalismo desde o final do século XIX são completamente extintos. O enredo da obra gira em torno deste universo distópico 2, em que a personagem principal tenta se rebelar contra o sistema, com a ajuda de sua amante Julie. Dividido 1 ORWELL, George São Paulo: Companhia das Letras: O conceito de distopia, também empregado como antiutopia, é o processo discursivo baseado em uma ficção, cujo valor representa a antítese da utopia, ou promove a vivência em uma utopia negativa. As distopias são geralmente caracterizadas pelo totalitarismo, autoritarismo e pelo controle opressivo de uma sociedade. É típico deste gênero a sociedade se mostrar altamente corruptível, as normas criadas para o bem comum serem alteráveis, fazer o uso da tecnologia como ferramenta de controle, seja do Estado, seja
2 2 em três partes e narrado em terceira pessoa, Nineteen Eighty-Four apresenta na primeira parte, o cotidiano de Winston e sua vida no trabalho. Através do narrador, o leitor tem acesso aos pensamentos da personagem com relação ao Partido, que são de extrema revolta e insatisfação. Aqui a liberdade só existe na abstração do pensamento, o único lugar ainda não controlável pelo sistema, considerando que as residências e os lugares públicos são monitorados por uma tela interativa, a telescreen, com a qual os membros de maior escalão do Partido controlam e observam a sociedade vinte e quatro horas por dia. Na segunda parte do livro, Winston conhece Julie, também uma trabalhadora do Partido, e se relaciona com ela. Este relacionamento amoroso significa o ápice da rebeldia contra a opressão do sistema: o sexo por puro prazer. Juntos, o casal procura um colega de trabalho de Winston, que se diz de uma organização de resistência que pretende derrubar o Big Brother, denominada Brotherhood. Mas na verdade, no final do livro, este colega, chamado O Brien, se mostra um agente infiltrado do Partido que capturava e prendia revolucionários. Começa então a terceira parte do livro, com a prisão e tortura de Winston, que confessa diversos crimes que não cometeu e entrega sua amante, simplesmente na tentativa de se livrar da tortura. Após muito sofrimento, Winston percebe que precisa demonstrar que o ódio que sentia pelo Partido e pelo Big Brother acabou, e a personagem termina a trama declarando seu amor pelo Partido, a pura demonstração de que Ignorância é Força 3, aceitando a convenção social e de instituições ou mesmo de corporações. Esta ferramenta literária é frequentemente criada como sátira (no caráter de ridicularizar alguma situação, que não necessariamente precisa ser cômica), mostrando convenções sociais e limites extrapolados ao máximo. Nesse aspecto, diferem fundamentalmente do conceito de utopia, uma vez que a utopia é a idealização de determinada situação. 3 O Partido que governa a Oceânia (A trama se desenvolve em um ambiente de formação geográfica diferente do mapa mundi convencional, uma vez que Orwell o desenvolveu como um cenário futurista em que os continentes se dividem entre: Oceânia, o equivalente à América do Norte, Central e do Sul, o Reino Unido, metade da África e a Oceania; Eurásia, equivalente à Europa ocidental e oriental, parte da Ásia e Lestásia, equivalente ao leste asiático.) possui um lema que serve como doutrina para a sociedade: Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força e possibilita uma interpretação muito rica dos diversos acontecimentos da obra, uma vez que o lema expressa a ambiguidade da ideologia do regime criado na obra, considerado uma forte crítica a todo sistema totalitário.
3 3 oprimindo seu espírito revolucionário, que o havia levado à tortura. Winston escolhe ser oprimido para salvar a própria vida. Nos capítulos iniciais da obra, Winston começa a escrever um diário no qual exprime seus sentimentos de descontentamento com relação ao sistema em que vive. Precisamente no capítulo sete da primeira parte do livro, há uma passagem de extrema importância na qual um dos escritos do diário de Winston se dá da seguinte forma: Until they become conscious they will never rebel, and until after they have rebelled they cannot become conscious. 4 (ORWELL, pág 81). Neste trecho a questão da consciência de classe surge de forma clara e passa ser uma questão abordada em todo o romance por meio da revolta das personagens contra o sistema criado pelo partido. O Dicionário do Pensamento Marxista 5 define a questão da consciência de classe como integrante no contexto do sistema capitalista, uma vez que a divisão em classes sociais subjugadas aos meios de produção é uma característica exclusiva deste sistema. Assim, para o materialismo dialético, a noção de consciência de classe está presente dentro do conceito de classe em si, proveniente das bases materiais de relações comuns de trabalho e dos meios de produção, e ao mesmo tempo, a noção de classe só se consolida a partir do momento da tomada de consciência de sua existência. Desta forma, é preciso que o indivíduo e/ou um grupo de indivíduos (ou seja, uma classe) perceba a posição em que está inserido neste processo, considerando que muitas vezes esta condição se mantém desconhecida por muito tempo, causando a alienação do indivíduo, que vive anos a fio sendo explorado pelo sistema sem perceber, que é a intenção do capital. Ou seja, ao tomar consciência de todo este processo, surge a noção de classe, e dialeticamente, o ato da tomada de consciência só acontece por causa da divisão da sociedade em classes no processo de produção. 4 Respectiva tradução da versão brasileira de 2010 pela Companhia das Letras: Enquanto eles não se conscientizarem, não serão rebeldes autênticos e, enquanto não se rebelarem, não têm como se conscientizar. 5 BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 1988
4 4 O trecho destacado da obra de Orwell é um exemplo claro da manifestação dialética da consciência de classe, sendo a discussão central de todo o livro. Isso pode ser observado logo de início, através da forma em que o autor escolheu para apresentar a discussão: por meio de um recurso metalinguístico, onde, dentro da obra, a personagem cria uma escrita paralela à do romance, no caso, em forma de um diário. Esta escrita aparece destacada na página, como uma citação, o que chama atenção do leitor para o momento em que a personagem se expressa da forma mais direta possível. Considerando o contexto do enredo, a forma do diário é o jeito mais explícito e íntimo com a qual o leitor pode ter acesso aos pensamentos da personagem, uma vez que na ditadura na qual Winston se encontra os diálogos são artificiais e mecânicos e, mais importante, monitorados, impedindo com que o recurso do discurso direto um mecanismo considerado na literatura como uma forma de contato direto entre os pensamentos e falas dos personagens com o leitor seja empregado, pois se a personagem expressasse em voz alta, seria pego e preso pela polícia. O conteúdo da frase (until they become conscious they will never rebel, and until after they have rebelled they cannot become conscious) possui um caráter reflexivo enorme, sendo um contato direto do leitor com os pensamentos do personagem. O emprego do pronome they, na terceira pessoal do plural, possui um caráter abrangente de classe. O autor poderia muito bem ter especificado o sujeito da frase, mas ao utilizar um pronome no plural, faz com que a totalidade da sociedade seja o sujeito. Em outras palavras, Orwell insere toda a classe trabalhadora na problematização da questão da tomada de consciência de classe. É praticamente uma paráfrase de trabalhadores do mundo, uni-vos 6, contido em apenas um pronome com função de sujeito em toda a oração. Ainda analisando gramaticalmente a frase, é possível observar que o tempo verbal de cada oração é diferente. Na primeira oração o verbo está no presente (until they become conscious), na segunda oração o verbo está no futuro (they will never rebel), na terceira oração o verbo está no particípio passado (and until after they have rebelled) e por último, a quarta oração está novamente no presente (they cannot become conscious). É possível perceber que há um ciclo de tempo verbal neste trecho, iniciando e 6 MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 2001
5 5 terminando no presente, como se se tratasse de um movimento com começo, meio e fim, um recorte concluído: a ação de conscientização de classe está sempre apresentada no presente, e subordinada a esta ação está o ato de se revoltar tanto no futuro, quanto no passado, finalizado com a consciência no presente. Isso pode significar que o ato de se conscientizar é linear e constante, o que realmente se modifica é o modo com o qual o resultado dessa conscientização (revolta) se manifesta. A maneira com a qual a frase foi construída é espelhada no modo com o qual a sociedade se apresenta: na maioria da vezes há a consciência de pertencimento de classe, seja em um indivíduo, seja em um grupo de indivíduos, mas isso pode gerar ou não uma revolta. Aqui o processo da revolta não caminha ao lado da conscientização, ele oscila entre o passado e o futuro, como se nas situações anteriores (revoluções do passado) não interferissem no presente e, ao mesmo tempo, este presente está em vias de organizar uma revolta que só irá ocorrer em um futuro próximo. Por último, ainda sintaticamente, é possível observar o uso da conjunção until. Por se tratar de uma palavra invariável que liga duas orações entre si, o emprego da conjunção equaliza o valor das orações, ou seja, as orações têm o mesmo grau de importância e se desenvolvem unidas. Esta relação sintática pode ser observada na semântica da frase, isto é, na relação dialética entre conscientização de classe e revolta. O paradoxo do conteúdo desta frase de Orwell pode ser tido como insolúvel se não for utilizado o raciocínio dialético, que permite com que a revolta aconteça ao mesmo tempo da tomada de consciência da classe trabalhadora sobre suas condições precárias de vida. Rosa Luxemburgo 7 já destacava o papel da experiência social e da luta de classes na formação da consciência de classe, e por consequência, na possibilidade de instituir uma transformação histórica na sociedade. Ou seja, por meio da percepção e vivência de desigualdades sociais, característica fundamental do sistema capitalista, a classe trabalhadora começa a se organizar e reivindicar seus direitos, com a intenção de impor mudanças substantivas na ordem da sociedade. Trata-se de um processo onde a revolta ocorre juntamente com a tomada de consciência, pois caso ocorresse o contrário, se uma surgisse sem a outra, não seria possível haver nenhum tipo de transformação social. Isto é, no caso de haver somente a 7 LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou revolução? São Paulo: Flama, 1975.
6 6 revolta, o caos e a violência iriam se instaurar, sem que fosse possível chegar a lugar nenhum; e por outro lado, se houver somente a tomada de consciência, sem que nenhuma providência fosse, o capital continuará a manter sua soberania. Infelizmente, como a história tem provado, esse movimento divergente é muito mais frequente do que a concomitância dialética, é muito mais fácil haver a conscientização sem nenhuma tomada de ação, de luta e de transformação social, o que pode ser classificado como um marxismo vulgar, ou seja, por ter incorporado à base ideológica pensamentos não originários de Karl Marx, uma vez que uma das maiores ênfases do autor alemão era a de incorporar na prática as reflexões abstratas. É importante destacar que, por causa do estilo objetivo de Orwell, a escolha do recurso metalinguístico em que a personagem escreve um diário no romance, é fundamental, pois expressa a materialização da revolta que se desenvolve no decorrer do livro, um traço muito específico do autor, uma vez que ele possuía consciência da classe da qual ocupava na sociedade inglesa dos anos 1930 e 1940, e materializava sua revolta por meio da escrita de artigos e livros e pela participação efetiva na sociedade. Um dos exemplos de maior destaque na trajetória de Orwell, que combinou experiência política com a escrita, foi sua participação no combate no front espanhol. 8 A questão da consciência de classe em Orwell passa por diversos contextos, desde a experiência na Guerra Civil Espanhola, quanto na sociedade inglesa, uma imagem que é retratada em toda sua obra, com destaque para o livro-relato Road to Wigan Pier 9, em ensaios, com destaque para The Lion and the Unicorn: Socialism and the English 8 Uma das participações mais notáveis de Orwell foi no fronte da Guerra Civil Espanhola, onde se afiliou ao POUM (Partido Obrero de Unificación Marxista) em Barcelona e serviu no front em Aragão, entre outras cidades, e tentou se alistar em Madri. Segundo Raymond Williams, esta experiência de guerra fortificou a posição ideológica e política de Orwell de muitas formas e o resultado desta experiência foi a obra Homage to Catalunia, onde Orwell descreve sua experiência no front e o contato com a prosperidade efêmera do socialismo na Espanha, que depois foi corrompido pelos stalinistas do partido comunista. 9 ORWELL, GEORGE. O Caminho Para Wigan Pier. Lisboa: Antigona, Obra onde Orwell relata a vida da classe trabalhadora de Lancanshire e Yorkshire antes da Segunda Guerra Mundial e reflete sobre a liberdade no socialismo e, ao mesmo tempo, atacando as formas organizadas do socialismo na classe média inglesa.
7 7 Genious e The English People 10, quanto no seu último romance Nineteen Eighty-Four. Orwell toma consciência do império que era o Reino Unido e compreende seu funcionamento 11, uma noção de que muitos cidadãos ingleses não possuíam. Isto significava saber que o proletariado que movimentava a economia inglesa, em sua maioria estava nas colônias asiáticas e africanas, considerando que na sociedade inglesa a noção de proletariado tende a ser velada. Sendo assim, o resultado da exploração desses povos ou seja, a mercadoria surge para os ingleses praticamente do nada, já que não era visível para o cidadão inglês que a exploração existia, então ele assumia que ela nunca existiu. Orwell começa a lidar com uma consciência dupla e dialética da realidade inglesa: a de que os ingleses burgueses desprezavam os pobres, e somente por causa da mão de obra do proletariado é que a burguesia existia. Segundo Raymond Williams 12, esta consciência dupla é central em Orwell: um dos resultados disto é o doublethink de Nineteen Eighty-Four, onde: Duplipensar é a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias, e aceitá-las ambas. 13. Muitos ignoraram a repugnância que Orwell tinha pelo imperialismo inglês, principalmente sua hegemonia. E justamente pelo império inglês estar no topo da sociedade era impossível convencê-los de que não eram eles que faziam a máquina da Inglaterra funcionar na verdade, e sim a mão de trabalho escravo a milhares de quilômetros de distância. Este distanciamento retoma a questão do mito que é a Inglaterra, do arquétipo do inglês, que na verdade é uma pequena parcela da sociedade, uma parte representando um todo, comandando um império. E dentro desta classe dominante havia outra divisão: daqueles que viviam dos lucros de suas propriedades e investimentos (uma minoria da minoria) e a maior parte que eram servos de um sistema, 10 ORWELL, George. The Collected Essays, Journalism and Letters of George Orwell Volume 2: My Country Right or Left. Londres: Penguin, Outra participação política de Orwell foi ter trabalhado na Birmânia (República da União de Myanmar ) como policial do império inglês. Foi a partir desta experiência da vivência sob o aspecto da colônia asiática, onde a Inglaterra como ele conhecia soava longínqua, que ele viu de perto a exploração e as injustiças que o império inglês impunha aos colonizados. Este período o inspirou a escrever o relato Burmese Days (ORWELL, GEORGE. Dias na Birmânia. São Paulo: Companhia das Letras, 2009) 12 WILLIAMS, Raymond. George Orwell. New York: The Viking Press, ORWELL, George São Paulo: Companhia das Letras, 2010
8 8 funcionários que dependiam de um trabalho assalariado para se sustentarem. E justamente esta parcela trabalhadora era quem lidava com os extremos da sociedade, com os pobres, como é o caso de Orwell, que se classifica como membro da lowerupper-middle-class, o equivalente a uma baixa classe média-alta. Tratava-se então de um membro da classe dominante que tinha a ideia do mito e da ideologia da Inglaterra, localizado à beira do sistema, cuja dependência do trabalho assalariado, e por consequência, o medo de perdê-lo, produzia uma definição ainda mais grosseira do mito inglês, quando comparada à definição cômoda da aristocracia localizada no epicentro da sociedade. Segundo Williams 14, ver esta conjuntura social de fora é perceber uma tensão do homem que é, ao mesmo tempo, dominado e dominador. Esta tensão pode enriquecer o caráter ou, no caso do então Eric Blair, levar à crise que o transformou em George Orwell. E então esta visão dupla das coisas, enraizada na ambígua posição de dominador e dominado é, ao mesmo tempo, poderosa e perturbadora. Após perceber que não há escapatória desta ambiguidade, Orwell decide enfrentar as injustiças sociais, de toda e qualquer forma, o que Williams caracteriza como uma identificação negativa, onde a aproximação de um novo grupo é a função da experiência social inicial do sujeito em um todo. Considerando que, no começo do século XX, os diversos tipos de produções artísticas viraram uma indústria, e por consequência, uma forma de lucro, isso gerou a organização dos produtores de cultura (escritores, roteiristas, atores, pintores) em sindicatos que reivindicavam seus direitos, e por meio de seu trabalho, criavam obras que visavam conscientizar o restante da população para o que se passava na sociedade. A consciência e a luta de classes viraram um fator conscientizador e, por que não, transformador naquele contexto. O contexto literário em que Orwell está inserido na Europa atua como uma ruptura do movimento literário vigente, assim como o movimento americano foi no começo do século. A década de 1920, em meio ao modernismo e ao culto à forma tanto na Europa como nos Estados Unidos, que consistia na distinção entre prosa e poesia, ou seja, entre forma e conteúdo. Orwell vivia em um tempo dentro de uma classe em que a 14 WILLIAMS, Raymond. Idem, capítulo 2.
9 9 prática do escrever era problemática, em que a escrita deixou de ser vista somente como um entretenimento de uma atividade secundária para ser vista como uma commodity. Esta polarização de movimentos literários vem da crise do final do século XIX, ficando mais clara no começo no século XX: a distinção entre forma e conteúdo em seu sentido moderno, com o surgimento da linguística e sua categorização formalista, por exemplo. Para Orwell, com base de sua vivência com artistas europeus e americanos em Paris 15, os círculos de culto da arte pela arte eram uma adoração sem significado algum, onde a literatura se reduzia a uma mera manipulação de palavras. Desta forma, a escolha de Orwell de ser um escritor em meio a este contexto o leva para o lado oposto: pode-se dizer que ele escolheu, assim como o fizeram os artistas proletários americanos, o conteúdo acima da forma, a experiência acima das palavras por palavras em si, tornando-se assim um escritor consciente dos anos 1930, ao invés de um escritor estético dos anos Sendo assim, é possível considerar que o processo de tomada de consciência de classe e da revolta caminham juntos em um percurso dialético e transformador e o escritor George Orwell é um grande exemplo deste percurso, sendo que sua obra permite mostrar as fortes relações e influências que a realidade tem na arte. A concomitância dialética abrange a totalidade da questão, tornando possível a compreensão de um fator tão complexo como a consciência de classe e a revolta no sistema capitalista. 15 Um fenômeno evasivo muito comum na época, considerando a lost generation dos Estados Unidos, em que muitos artistas americanos iam para Paris para fugir da crise de 1929 e escrever.
10 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 1988 DENNING, Michael. The Cultural Front. The Laboring Of American Culture In The Twentieth Century. New York: Verso, 1997 LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou revolução? São Paulo: Flama, MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 2001 ORWELL, George São Paulo: Companhia das Letras, Nineteen Eighty-Four. Londres: Penguim Books, The Collected Essays, Journalism and Letters of George Orwell Volume 2: My Country Right or Left. Londres: Penguin, STEINBECK, John. Grapes of Wrath. New York: Penguim, Modern Classics, WILLIAMS, Raymond. George Orwell. New York: The Viking Press, 1971
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