Cinética e regulação enzímicas (a velocidade das reações enzímicas in vivo e in vitro)
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- Dalila Figueira Furtado
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1 Conceitos de substrato de via metabólica, coenzima, grupo prostético e cofator. Cinética e regulação enzímicas (a velocidade das reações enzímicas in vivo e in vitro) ruifonte@med.up.pt Departamento de Bioquímica da Faculdade de Medicina do Porto 1 Os conceitos de substrato da via metabólica e coenzima só têm sentido se analisamos uma via metabólica no seu contexto celular. Na glicólise o substrato da via metabólica é a que se consome gerando piruvato ou lactato... Os outros reagentes intervenientes (NAD +, por exemplo) são também substratos das enzimas... mas na células o somatório das concentrações de NADH + NAD + é de alguns µm e a via glicolítica só pode ter lugar se o NADH for reoxidado a NAD +. O NADH e o NAD + (assim como o NH e o N + e a coenzima A) costumam designarse como coenzimas: olhadas no contexto da célula (células isoladas ou organismos) 2não se consomem no metabolismo mantendo (tal como as enzimas) uma concentração estacionária. Os conceitos de apoenzima, grupo prostético e holoenzima podem ser definidos fora do contexto de uma via metabólica. O grupo prostético é um resíduo não aminoacídico ligado de forma estável (frequentemente covalente) à apoenzima. Exemplos: (1) O FAD nas desidrogénases dependentes do FAD (2) A biotina em determinadas carboxílases (como a carboxílase do piruvato) O conceito de cofator é o menos preciso. Cofator é uma substância (orgânica ou não) que não se encontra ligada de forma covalente à enzima, é essencial ao processo catalítico mas...não é reagente nem produto da reação. + X Mg 2+ + X-P Exemplo: as reações em que intervém o exigem a presença de Mg 2+ (que podemos designar de cofator) No entanto, muitos autores usam a palavra cofator para designar 3 compostos que definimos como grupo prostético ou como coenzima. As concentrações dos intermediários do metabolismo variam de indivíduo para indivíduo e com o estado metabólico mas mantêm-se em torno de determinados valores. As concentrações dos intermediários do metabolismo dizem-se estacionárias. Mas a concentração da frutose-1-p não é estacionária. Exemplo: A concentração de (e a maioria dos outros compostos existentes nos seres vivos) considerando as várias reações em que intervém como reagente ou produto não está em equilíbrio químico....mas a velocidade do conjunto de reações que formam é (quase) sempre igual à velocidade do conjunto de reações em que este se gasta... existe nas células uma concentração estacionária de. Os mecanismos que permitem manter o, os intermediários do metabolismo, a do plasma, etc. em concentrações estacionárias são muito complexos e denominam-se 4 de mecanismos homeostáticos.
2 A regulação do metabolismo de modo a adaptar-se a diferentes condições (atividade ou descanso, jejum ou estado absortivo, diferentes tipos de dieta, diferentes graus de atividade física ao longo da vida, etc.) é uma condição de sobrevivência. As enzimas são sensores do ambiente onde se encontram variando a sua atividade em função de variações nesse ambiente Glicólise nutrientes O 2 + trabalho mecânico transporte ativo Ca + Estado absortivo= Glicemia Estado de jejum = Glicemia A 1000 As enzimas que catalisam reações fisiologicamente reversíveis catalisam a conversão líquida no sentido direto ou inverso de acordo com a lei da ação das massas, mas não são determinantes no sentido nem na velocidade de fluxo (J) da via metabólica. 10,01 B CO 2 + ureia contração muscular A adaptação a diferentes condições só é possível porque a atividade das 5 enzimas se modifica quando se alteram essas condições. Na + S P 0,01 As enzimas marca-passo de uma via metabólica catalisam reações fisiologicamente irreversíveis e a sua atividade determina a velocidade de fluxo nessa via metabólica. Estas enzimas (1) têm baixa atividade, (2) tem um papel determinante na regulação do metabolismo e (3) são controladas por efetores que só às vezes coincidem com os substratos e produtos. 6 Aumentar a atividade de uma enzima que catalisa uma reação de desequilíbrio (M2 M3) pode significar um aumento transitório na concentração do intermediário M3 mas, a enzima a jusante que catalisa a conversão reversível M3 M4 rapidamente repõe a concentração de M3 num valor próximo do original. J 1 = (10) = ( ) = 10 É na barragem que se controla o caudal (fluxo) de um rio. Mudanças no valor do fluxo (J) na barragem provocam mudanças de fluxo idênticas a montante e a jusante da barragem. J 2 = (20) = ( ) = 20 7 Diferentes tipos de mecanismos podem participar na regulação das enzimas marca-passo das vias metabólicas: 1- De instalação lenta (horas ou dias): a quantidade de enzima como a resultante das velocidades da sua síntese e da sua degradação Modificação alostérica (, Ca 2+ ) 2- De instalação rápida (segundos ou milissegundos): 3- De instalação rápida mas, geralmente, com papel menos importante (pelo menos no metabolismo normal) 2.2- Modificação covalente (fosforilação e desfosforilação, clivagem hidrolítica ) 2.3- Ciclos de substratos ( fúteis ) 2.4- Acesso ao substrato por regulação do transporte transmembranar (GLUT4, CPT1 ) M e concentração de substratos 3.1- Inibição isostérica (competitiva) e inibição pelo produto 3.2- ph Temperatura M M-P M
3 1- Mesmo quando o que varia é apenas a concentração da enzima E sem que tenha variado a atividade de cada uma das suas moléculas, se a velocidade da reação que a enzima E catalisa aumentou (/diminuiu), dizemos que a atividade enzímica da enzima E aumentou (/diminuiu). É um mecanismo de instalação lenta. RNAm v1 Síntese proteica v2 RNAm 2.1- Quando uma fibra muscular se contrai aumenta a velocidade de hidrólise do e aumenta a concentração de (e ; 2 + ). O liga-se à fosforílase muscular induzindo uma conformação mais ativa o é um ativador alostérico da fosforílase muscular. Fosforílase muscular na conformação tensa (inativa) sítio alostérico Fosforílase muscular na conformação relaxada (ativa) Glicose-1-P v1 > v2 v2 > v1 Se a velocidade de síntese de uma determinada enzima (v1) é maior que a velocidade com que se degrada (hidrolisa) na célula (v2) a concentração e a atividade dessa enzima 9 aumenta. Na condição inversa a concentração e a atividade diminuem. centro ativo 10 CO 2 + Na cínase-1 da frutose-6-p (+ + Frutose-1,6-bisfosfato) o é, simultaneamente, substrato e inibidor alostérico. Para concentrações fisiológicas de, o (e o ) é um ativador alostérico. (1) Um dos substratos da cínase da frutose-6-p é o. (3) O (e o ) compete com o pelo mesmo sítio alostérico impedindo a sua ação inibidora. (2) Contudo, existe na enzima um sítio alostérico onde o se liga inibindo-a. Para concentrações fisiológicas de essa ação inibidora é muito 11 marcada. A complexidade dos processos de regulação de enzimas induzida por hormonas e neurotransmissores tem levado a que a expressão sítio alostérico não se use neste contexto mesmo quando seria adequada. Expressões equivalentes são: domínio regulador, local de ligação da hormona/neurotransmissor ao recetor que tem atividade enzimática. Efeitos da insulina Insulina ligada ao seu recetor O recetor da insulina pode ser visto como uma enzima alostérica com o seu centro alostérico ativador virado para o lado extracelular (onde se liga a insulina) e o centro ativo no lado citoplasmático. A ligação da insulina induz uma alteração conformacional no recetor que se torna capaz de catalisar a fosforilação de resíduos tirosina de proteínas designadas de Substratos do Recetor da Insulina (IRS). 12
4 A ligação entre os modificadores (ativadores ou inibidores) alostéricos e os sítios alostéricos das enzimas é reversível e é de tipo não covalente. Activador alostérico Inibidor alostérico e o mesmo acontece nas ligações dos substratos e dos inibidores isostéricos competitivos ao sítio ativo das enzimas A modificação da atividade de uma enzima pode envolver a sua modificação covalente (hidrólise irreversível ou fosforilação reversível) por ação catalítica de enzimas (normalmente outras enzimas). Certas enzimas são ativadas por hidrólise irreversível. São exemplos a ativação dos zimogénios na digestão dos nutrientes. Exemplo: O tripsinogénio é segregado pelo pâncreas. Converte-se em tripsina (protéase digestiva) por ação da enteropeptídase (uma ectopeptídase presente no polo apical dos enterócitos). Enteropeptídase Tripsinogénio Tripsina (ativa) + polipeptídeo inativo Inibidor isostérico competitivo Muitas enzimas são reguladas por mecanismos de fosforilação/desfosforilação catalisadas por enzimas (cínases e fosfátases). Forma desfosforilada (ativa) A fosfátase da piruvato catalisa a desfosforilação da piruvato que no estado desfosforilado fica ativa. Forma fosforilada (inativa) A cínase da piruvato catalisa a fosforilação da piruvato que no estado fosforilado fica inativa. A atividade da piruvato depende da percentagem da enzima total que está na forma ativa (desfosforilada). O valor desta percentagem depende das atividades relativas da (1) cínase15 da piruvato e da (2) fosfátase da piruvato. 2.2, 2.1 e 1- A controlo da atividade das enzimas pode envolver mais de um mecanismo sendo o conjunto dos mecanismos de análise complexa. O Ca 2+ entra nas fibras musculares quando estas são estimulas pelo nervo motor e um dos efeitos é a estimulação alostérica da fosfátase da piruvato Ca 2+ A insulina aumenta no sangue quando a glicemia aumenta: a insulina ativa a fosfátase e reprime o gene codificador da cínase da piruvato O Ca 2+ e a insulina estimulam a oxidação do piruvato. 16
5 2.3- A existência de ciclos de substrato (antigamente chamados de fúteis ) permite amplificar o efeito de um sinal. J=91; J=1; J=10-9 J=100-9 CO 2 + v = 9 v = 10 J=1; J=10-9 CO 2 + O ativa a glicólise muscular porque estimula a cínase da frutose-6-p. Se este aumento for de 10 vezes, o facto de esta enzima fazer parte de um ciclo de substrato 17 permite compreender que o aumento no fluxo (J) possa ser de 91 vezes. v = 9 v = 100 J=91; J= Também há ciclos de substrato no fígado (principal órgão da gliconeogénese). Aqui, o sentido do fluxo pode inverter-se. Após uma refeição que contenha glicídeos, a concentração intracelular de frutose-2,6-bisfosfato é alta e fica estimulada a cínase 1 da frutose-6-p (e a glicólise). No jejum, a concentração intracelular de frutose-2,6-bisfosfato é baixa e fica estimulada a frutose-1,6-bisfosfátase (e a gliconeogénese). Glicose-6-P Glicose-6-P J=10 J= - 10 Fosfoenolpiruvato J=10 v = 20 Frutose-2,6- v = 10 v = 20 bisfosfato Frutose- 2,6- bisfosfato Fosfoenolpiruvato J= v = A acessibilidade aos substratos. Nas fibras musculares a entrada de (e a sua subsequente metabolização) é limitada pelo número de transportadores (GLUT4) presentes na membrana sarcoplasmática. Contração muscular ou insulina Quer o exercício físico quer a insulina estimulam a entrada de para as fibras musculares porque nestas condições, de forma rápida, vesículas intracelulares contendo GLUT4 fundem-se com a membrana sarcoplasmática. Nos adipócitos o mesmo efeito é induzido pela insulina. A insulina e o exercício físico estimulam a remoção da do plasma para as células Nas enzimas marca-passo, geralmente, o efeito direto da variação da concentração do substrato é pequeno (que mais não seja porque, in vivo, as concentrações dos metabolitos são estacionárias). Mas, em alguns casos foi possível estudar in vivo a variação da atividade de enzimas com a concentração do substrato. Num estudo de Brindle et al. (1989) estimulou-se eletricamente o nervo ciático de ratos e mediu-se, na musculatura da perna, por NMR (1) a concentração de e (2) a incorporação de no (síntase do ). Baixa atividade contráctil Brindle et al. (1989) Biochemistry 28: Alta atividade contráctil 20
6 A entrada (GLUT2) e a fosforilação da no fígado (cínase da /hexocínase IV) é regulada diretamente pela concentração de na veia porta e nos hepatócitos. Atividade do GLUT2 Concentrações de possíveis na veia porta Atividade da Hexocínase IV Concentrações de possíveis no hepatócito Quando a concentração de aumenta no sangue após as refeições entra para os hepatócitos provocando a dissociação do complexo glicocínase proteína nuclear inibidora da glicocínase. Quer o GLUT 2 quer a hexocínase IV são sensíveis às variações fisiológicas da concentração de 21 Embora, na maioria dos casos, as concentrações dos intermediários do metabolismo varie entre limites estreitos, nem sempre é assim. Com exceção das vesículas seminais, a frutose só existe se for ingerida e, no caso da galactose, a sua concentração é próxima de zero se não houver ingestão. Cínase da frutose Gliceraldeído Frutose Frutose-1-P Dihidroxiacetona-P as atividades da cínase da frutose e, em grande medida, a da cínase da galactose dependem da ingestão destes açúcares (ou dos seus precursores). Cínase da galactose Gliceraldeído-3-P UDP-Glicose Glicose-1-P 22 Estudamos até agora os mecanismos 1, 2.1, 2.2, 2.3 e 2.4. Falta referir os 3.1, 3.2 e De instalação lenta: a quantidade de enzima como a resultante das velocidades da sua síntese e da sua degradação. 2- De instalação rápida: 3- De instalação rápida mas, geralmente, com papel menos importante (pelo menos no metabolismo normal) 2.1- Controlo alostérico (, Ca 2+ ) 2.2- Modificação covalente (fosforilação e desfosforilação, clivagem hidrolítica ) 2.3- Ciclos de substratos ( fúteis ) 2.4- Acesso ao substrato por regulação do transporte transmembranar (GLUT4, CPT1 ) e concentração de substrato 3.1- Inibição isostérica (competitiva) e inibição pelo produto 3.2- ph 3.3- Temperatura O produto como inibidor das enzimas marca-passo. Na reação catalisada pela desidrogénase da -6-P (via das pentoses- P) a reação inversa não existe mas o NH compete com o N + pelo local de ligação deste no centro ativo (inibição isostérica e competitiva). N + NH N + NH G -18 kj; Keq/QR fosfogliconolactona NH é induzida pela insulina) a descida da concentração intracelular de NH 24 + A desidrogénase da -6- fosfato é ativada sempre que a concentração intracelular de NH desce. Para além de regulada ao nível da transcrição (a desidrogénase da -6-P (um dos produtos) também estimula a atividade da enzima.
7 A PKA é uma enzima que na forma inativa tem o seu sítio ativo bloqueado pela ligação a subunidades reguladoras que contêm um domínio pseudosubstrato (inibição isostérica e competitiva). A ligação do cíclico às subunidades reguladoras induz a dissociação das subunidades catalíticas que são ativas. Subunidades reguladoras c Subunidades catalíticas PKA inativa (ligada e subunidades reguladoras) Domínio semelhante aos substratos c Sítio ativo P fosfodiestérase A PKA (cínase de proteínas dependente do c) dissociada das unidades reguladoras é ativa e catalisa a 25 fosforilação de enzimas 3.2- Pensa-se que a variação do ph não tem, em geral, um papel importante na regulação das enzimas intracelulares mas a) No estômago o ph do suco gástrico é ácido e as enzimas deste suco têm ph ótimo ácido. b) O suco pancreático neutraliza o quimo ácido que vem do estômago (H + + HCO 3- CO 2 + ) e as enzimas do suco pancreático e as enzimas digestivas intestinais têm ph ótimo neutro. c) Pensa-se que a diminuição da oxidação dos ácidos gordos durante a glicólise anaeróbia nas fibras musculares esqueléticas se deve à diminuição de atividade da carnitina-palmitil-transférase I cuja atividade diminui quando o ph desce. ph baixo Acidificação das fibras musculares durante glicólise anaeróbia No homem, a alteração de atividade das enzimas das células em situações de abaixamento da temperatura corporal ou de febre poderá ser importante mas não desempenha um papel relevante na regulação do metabolismo normal. As enzimas e transportadores humanos (ao contrário do que acontece com outros seres vivos) foram selecionados de forma a manterem velocidades de fluxo adequadas à vida (nas vias anabólicas e catabólicas) numa estreita gama de temperaturas. Francisco Lázaro ( ) Os órgãos para transplante são transportados a baixas temperaturas de forma a lentificar os processos catabólicos nomeadamente a hidrólise de proteínas (enzimas, transportadores, actina-miosina, etc.) 27 Estudar as enzimas in vitro (no tubo de ensaio) para quê? A) O estudo das enzimas é muito útil em análises clínicas A) O enzimas na investigação A1 - Doseamentos de enzimas plasmáticas (algumas enzimas só aparecem no plasma sanguíneo em determinadas patologias) A2 - Doseamentos de enzimas celulares (a deficiência de uma enzima pode ser diagnosticada ) A3 Uso de enzimas purificadas de bactérias ou fungos como instrumento no doseamento de substâncias (como a sanguínea e múltiplas outras substâncias ) B1-O estudo das enzimas é uma importante área da investigação bioquímica. B2-As enzimas purificadas são instrumentos imprescindíveis em múltiplas outras áreas de 28 investigação.
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