Na análise da hipótese colocada verificam-se seis actos/situações que cumpre analisar:
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- Luciano da Conceição Gameiro
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1 Resolução do Caso Prático 11 da colectânea Direito Administrativo, casos práticos, (Fausto de Quadros, Margarida Cabral, João Tiago Silveira e Mafalda Carmona), Lisboa, AAFDL, 2002 Na análise da hipótese colocada verificam-se seis actos/situações que cumpre analisar: 1. Deliberação do Conselho Directivo do Instituto de Protecção da Criança; 2. Concessão da licença pelo Presidente do Conselho Directivo; 3. Ordem de revogação da licença, por parte do Conselho Directivo; 4. Recusa do Presidente em cumprir a ordem do Conselho Directivo; 5. Revogação da licença atribuída pelo Presidente, por parte do Conselho Directivo; 6. A revogação da delegação de competências, pelo Conselho Directivo. Vejamos cada um destes actos/situações separadamente. 1. Deliberação do Conselho Directivo do Instituto de Protecção da Criança Em primeiro lugar importa averiguar as regras do quórum de reunião e deliberação foram satisfeitas. Na reunião do Conselho Directivo apenas estavam presentes 5 dos 12 membros do órgão. Não se verificava, portanto, o quórum exigível pelo artigo 22.º-1 CPA, pois seria necessária a presença de metade dos membros do órgão, ou seja, mais de 6. Assim, o procedimento de marcação de uma nova reunião foi correcto (artigo 22.º-2 CPA). Nesta segunda reunião teria sido necessária a presença de um terço dos membros, num número nunca inferior a três. Ou seja, pelo menos, 4. No caso que nos é apresentado apenas estavam presentes 3 membros, sendo necessário um número mínimo de 4 membros, como vimos. Portanto, não se verificava a existência do quórum exigível. Logo, o acto padece de um vício de forma, sendo nulo (artigo 133.º-2-g) CPA). Não produz, por isso, qualquer efeito jurídico (artigo 134.º-1 CPA). Em segundo lugar, é necessário verificar se a aprovação da deliberação do Conselho Directivo foi bem efectuada. Isto é, se foi atingida a maioria necessária para se considerar a deliberação como aprovada. 1
2 Para que a votação tivesse sido bem executada, teria de ser feita pela maioria exigível por lei, ou seja, através da maioria absoluta dos votos dos membros presentes na reunião. Assim sendo, e estando presente três membros, com um resultado de dois votos a favor e uma contra, pode dizer-se que a deliberação, ao nível da votação, atingiu a maioria absoluta do voto dos presentes (66,6% dos votos a favor), cumprindo-se o disposto no artigo 25.º-1 CPA. Em terceiro lugar é necessário verificar-se se a acta poderia ter sido aprovada em minuta. Tal como se verifica através da leitura do artigo 27.º-3 CPA, a acta pode ser aprovada em minuta, o que permitirá acelerar o procedimento necessário para a deliberação produzir efeitos, pois não será necessário aguardar pela reunião seguinte do Conselho Directivo para aprovar a acta da reunião. Em quarto lugar, é necessário verificar se poderia existir uma delegação de poderes do Conselho Directivo no Presidente. Segundo o artigo 35.º-3 CPA, o órgão colegial pode delegar poderes no respectivo Presidente. Não é clara a interpretação de tal disposição. Para alguns, esta norma permite a delegação de qualquer competência de um órgão colegial - Conselho Directivo, no nosso caso -, no seu presidente. Para outros, tal norma habilitante apenas permite a delegação de competências do órgão colegial no seu presidente em matéria de administração ordinária, uma vez que a letra do n.º 3 do artigo 35.º CPA remete para o número anterior, onde apenas se refere esse tipo de competências. Por seu turno, o artigo 23.º -1-d) da Lei n.º 3/2004, de 15/1 (LQIP) prevê que o Presidente possa exercer competências que lhe sejam delegadas pelo Conselho Directivo. Para alguns, esta norma deve ser considerada como uma norma habilitante, que permitirá a delegação de qualquer competência de um órgão colegial de um instituto público no seu presidente. Para outros, será apenas uma norma reflexa, destinada a explicitar que o Presidente pode exercer competências que lhe sejam delegadas, quando exista uma norma habilitante que permita tal delegação. Portanto, várias soluções são possíveis. Se entendermos que o artigo 35.º-3 CPA é uma norma habilitante para delegar competências, mas apenas em matéria de administração ordinária, e que o artigo 23.º-1-d) LQIP não é uma norma habilitante, das duas, uma: ou entendemos que o licenciamento para comercialização de brinquedos se inscreve no âmbito da administração ordinária do Instituto em causa, ou não. Se entendermos que tal competência se enquadra na administração ordinária do Instituto, então o artigo 35.º-3 CPA será uma norma 2
3 habilitante para delegar esta competência. Caso contrário, a delegação não é possível. Parece que esta competência se inscreverá na actividade regular ou habitual do Instituto, pelo que não haverá grande dificuldade em sustentar que, mesmo que só exista norma habilitante para a delegação de competências em matéria de administração ordinária, esta matéria se enquadra no âmbito desses poderes, pelo que a delegação poderia ter sido efectuada. Numa segunda situação, se entendermos que o artigo 35.º-3 CPA é uma norma habilitante que permite a delegação de qualquer competência do órgão colegial no seu presidente, ou que o artigo 23.º-1-d) LQIP é uma norma habilitante que autoriza a delegação de qualquer poder do conselho directivo de um instituto no seu presidente, a competência poderá ser delegada sem problemas. Em quinto lugar temos de averiguar, se é possível existir uma delegação de todas as competências do Conselho Directivo no respectivo Presidente. Ou seja, se existirá algum problema em delegar, não apenas algumas, mas todas as competências do Conselho Directivo. Duas posições são admissíveis. Para uns, todas as competências poderão ser delegadas, desde que exista lei habilitante, o que será o caso nesta hipótese prática. Tal não significa que o órgão delegante abdique ou se dispense de exercer competências nessa matéria, uma vez que ele mantém extensos poderes ligados ao exercício das competências em causa, como sejam a possibilidade de avocar esses poderes, de revogar os actos do delegante, de revogar a própria delegação de competências (artigos 39.º e 40.º CPA) e, mais importante, de orientar e coordenar o exercício dos poderes delegados através da emissão de directivas ou instruções (artigo 39.º- 1 CPA). Outros discordam, defendendo que a delegação de poderes não pode ser total, porque assim o delegante estaria a renunciar ao desempenho do seu cargo. Para esses não seria possível uma delegação de todas as competências de um dado órgão. 2. Concessão da licença pelo Presidente do Conselho Directivo Relativamente a este acto levanta-se, em primeiro lugar, a questão de saber se o Presidente era competente para licenciar a comercialização de novos brinquedos. Ou seja, se poderia, no dia seguinte, utilizar a delegação de competências que lhe havia sido atribuída. Ou seja, é necessário verificar se a delegação de poderes efectuada já produz efeitos jurídicos. 3
4 O artigo 37.º-2 CPA determina que os actos de delegação de competências necessitam de ser publicados, o que, neste caso, implica a sua publicação no Diário da Republica. Segundo o artigo 130.º-2 CPA, a ausência de publicação gera a ineficácia do acto de delegação. Consequentemente, a circunstância de a publicação ainda não ter ocorrido (pois a reunião do órgão ocorreu apenas há um dia) faz com que a delegação ainda não possa ser utilizada. Ou seja, esta delegação de competências do Conselho Directivo no seu Presidente não produz qualquer efeito jurídico. Assim, verifica-se um vício de incompetência relativa do lado do acto do Presidente, com a consequente anulabilidade (artigo 135.º CPA). Um segundo problema levantado relativamente a este acto é o de saber se o Presidente poderia não invocar a delegação de poderes para licenciar a comercialização de novos brinquedos, no uso de uma delegação de competências. Tal como consta no artigo 38.º CPA, os actos do delegante devem conter menção expressa de que são praticados por delegação, identificando o órgão delegante. Conclui-se, assim, que o Presidente teria de invocar a delegação de poderes na prática do acto em causa. 3. Ordem de revogação da licença por parte do Conselho Directivo O Conselho Directivo pode emitir directivas e instruções ao Presidente, pois tais poderes inscrevem-se no âmbito daqueles que o delegante mantém (artigo 39.º-1 CPA). A questão que se pode colocar é a de saber se uma ordem para que o órgão delegado proceda à revogação da licença se inscreve no âmbito dos conceitos de instrução ou directiva. Em bom rigor, uma ordem é um comando individual e concreto e uma instrução um comando geral e abstracto. Como tal, sendo uma determinação para revogar um acto específico uma indicação individual e concreta, tal comando não poderia ser exercido pelo delegante. De qualquer forma, não parece estar fora de causa a possibilidade de se entender que o conceito de instrução do artigo 39.º-1 CPA deve ser interpretado de forma ampla, ai incluindo comandos gerais e abstractos e individuais e concretos. Nesse caso, tal ordem para revogar um acto já poderia ser dada. 4. Recusa do Presidente em cumprir a ordem do Conselho Directivo Caso se considere que a possibilidade de emitir uma ordem para revogar um acto se inscreve nos poderes do delegante para efeitos do artigo 39.º-1, o Presidente não poderia ter recusado o cumprimento da indicação dada pelo Conselho Directivo, uma vez que não se verifica qualquer ilegalidade. 4
5 Caso se entenda que tais poderes não se incluem no âmbito das competências que o delegante detém sobre o delegado, também parece que, apesar da eventual invalidade que aí se verifique, o delegado não pode recusar o cumprimento de tal indicação. Com efeito, na ausência de norma que regule a matéria, parece que se deverá aplicar o regime da hierarquia, o qual impõe que o subalterno (neste caso, o órgão delegado) cumpra as ordens do superior hierárquico (neste caso, do delegante), excepto quando as mesmas constituam um crime ou afectem direitos, liberdades e garantias. Ora, como não nos encontramos em nenhum desses casos, uma vez que uma indicação para revogar uma licença de comercialização de brinquedos não constitui um crime, nem afecta um direito, liberdade ou garantia, o órgão delegado deveria ter cumprido a indicação do órgão delegante. 5. Revogação da licença atribuída pelo Presidente, por parte do Conselho Directivo Em primeiro lugar, é necessário verificar se o órgão delegante pode revogar os actos do órgão delegado. De acordo com os artigos 39.º-2 e 142.º-2 CPA, o órgão delegante pode revogar os actos praticados pelo delegado no âmbito da delegação de poderes. Consequentemente, o Conselho Directivo, enquanto órgão delegante, pode fazê-lo. Uma questão diferente é a de saber se um acto de licença de comercialização de brinquedos poderia, nestas condições, ser revogado. Ou seja, se actos que concederam uma permissão a uma entidade privada podem ser revogados livremente. A questão deve ser resolvida nos termos dos artigos 141.º e 142.º CPA. Se o acto em causa for inválido, como parece que é, uma vez que o Presidente não era competente para praticá-lo, tal revogação poderá ocorrer (artigo 142.º CPA). 6. A revogação da delegação de competências, pelo Conselho Directivo O órgão delegante pode fazer cessar a delegação de competências quando entenda, nos termos do artigo 40.º-a) CPA. Porém, neste caso, tal revogação não faz sentido. De facto, quando mude a pessoa do delegante ou do delegado, a delegação de competências deixa de produzir efeitos, pois caduca (artigo 40.º-b) CPA). Portanto, não faz sentido pretender revogar o que já deixou de produzir efeitos. 5
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