Processos de Aprendizagem Formal e Informal na Universidade Brasileira 1
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- Dina Rosa Sousa
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1 Processos de Aprendizagem Formal e Informal na Universidade Brasileira 1 Heloisa Feichas 2 Universidade Federal de Minas Gerais Resumo Esse trabalho resulta de minha pesquisa de doutorado, realizada no período de 2002 a A pesquisa teve caráter qualitativo e abordagem etnográfica baseada em referencias teóricos no campo da sociologia da educação musical e alguns autores da etnomusicologia. O objetivo da pesquisa foi investigar as diferenças nas atitudes de alunos com relação ao aprendizado musical num curso superior de música, levando-se em consideração suas formações anteriores aqui categorizadas como aprendizado formal, informal e misto. Para isso foi necessário estar consciente das visões, conflitos e expectativas dos alunos assim como os tipos de habilidades e conhecimento musical usados no processo de aprendizagem. Um segundo objetivo da pesquisa foi discutir a lacuna existente entre a forma como a música é concebida e ensinada dentro da universidade e a realidade que os alunos vão enfrentar fora da Escola. Por um lado, a pesquisa sugere que as abordagens de ensino da Escola de Música são inadequadas para lidar com alunos com diferentes formações, especialmente aqueles que vêm para a universidade com aprendizagem mais informal; e por outro lado, isso implica numa inadequação na educação de músicos para as demandas do mercado de trabalho atuais. Ao compreender as atitudes dos alunos com relação ao processo de aprendizagem de música na universidade brasileira, necessitamos refletir sobre novas perspectivas e oferecer idéias para a mudança das abordagens didático-pedagógicas atuais. 1 Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual da ABEM e Congresso Regional da ISME na América Latina hfeichas@hotmail.com
2 Questões norteadoras e Metodologia O estudo, de caráter exploratório foi focado nas seguintes questões: Qual a natureza das atitudes, valores, crenças e comportamentos dos alunos de música da Escola de Música da UFRJ com relação aos processos de aprendizagem musical? Que tipos de habilidades e conhecimentos os alunos trazem para a universidade levando-se em conta seus processos de aprendizagem formal e informal? Quais as vantagens e desvantagens dos processos formais e informais em relação às experiências dos alunos na universidade? Que tipos de conflitos são causados pelo fato dos alunos com formações diferentes (processos formais e informais) estarem convivendo e estudando no mesmo ambiente? Essas perguntas foram abordadas através de questionários, entrevistas e observações de alunos de primeiro período dos Cursos de Música (bacharelados e licenciatura) de 2003 da EMUFRJ. O trabalho de campo durou três meses. Quase 80% dos alunos responderam ao questionário que levantava informações básicas e gerais sobre os processos de aprendizagem musical anterior a entrada para o curso superior na universidade. A partir da análise dos questionários foram selecionados alunos com perfil mais significativo dos processos de aprendizagem formal e informal e que foram chamados na pesquisa de clássico para o formal e popular para o informal. Quarenta alunos foram entrevistados no total e foram identificados quatro grupos: clássico, popular, misto-clássico e misto-popular. Os mistos se referem aqueles que tiveram ambas as formações com tendências mais formais ou informais. 2
3 Formal x Informal Uma das diferenças entre os modos de aprender formal e informal reside no fato de que o primeiro foca mais na figura do professor que tem sempre conteúdos a serem ensinados e os alunos tendem a ser receptores mais passivos no processo de ensino-aprendizagem (GREEN, 2001). O processo formal implica também numa escolha e sistematização de conteúdos legitimados pela Escola e que normalmente são transmitidos de forma gradativa, ou seja, do simples ao complexo. YOUNG (1977) elucida critérios que definem os princípios do conhecimento escolar que são: alfabetização, ou seja, a capacidade de ler e escrever; individualismo, que decorre do primeiro na medida em que há ênfase na aquisição das habilidades de escrita e leitura, o que gera tendências de aprendizado individualizado; excesso de abstração e falta de relação dos currículos acadêmicos com a vida cotidiana. Esses critérios podem ser encontrados também nas experiências dos alunos de música que vem de processos formais, uma vez que há ênfase no conhecimento da escrita e leitura da notação musical. Geralmente há um foco excessivo no domínio da técnica instrumental, que os leva a manifestar um tipo de comportamento individualista. Além disso, os assuntos estudados como percepção musical, harmonia, história da música, análise musical, dentre outros, tendem a ser fragmentados e compartimentalizados sem levar em conta as experiências dos alunos e consequentemente estarão desconectados da vida musical fora dos portões da escola. Essas características foram encontradas na maioria dos alunos clássicos pesquisados: excessiva ênfase nas questões teóricas e técnicas musicais e certa tendência à alienação com relação a outros aspectos da vida musical cotidiana. Para eles o processo de aprender e fazer música é totalmente relacionado à estudar música. Como eles estão acostumados a uma maneira sistemática de adquirir conhecimento musical, a forma como fazem música está associada aos conceitos da Escola de Música. O que foi encontrado com os alunos populares foi o oposto. Eles são considerados como não possuidores de conhecimento musical, ou como tendo pouca base musical, uma vez que não são tão alfabetizados nos códigos da escrita musical tradicional. Por outro lado eles desenvolvem um tipo de conhecimento auditivo 3
4 baseados nas atividades de tirar de ouvido e atitudes criativas presentes no ato de compor, improvisar e fazer arranjos, o que coincide com constatações de outros pesquisadores (GREEN, 2001; COHEN, 1991; FINNEGAN, 1989). O processo de aprendizagem tende a ser mais coletivo onde adquirem habilidades em processos de imitação como, por exemplo, nas bandas pop. Isso pode ser explicado pela teoria do aprendizado situado (LAVE & WENGER, 1991). 1 Eles não passam por um processo sistemático de aprendizado nem uma gradação de conteúdo curricular. Ao contrário, eles constroem seu conhecimento de acordo com suas necessidades e motivações, as quais são associadas com mais prazer e diversão. Consequentemente, o conhecimento e as habilidades adquiridas são mais significativos e concretos para a vida musical deles. Apesar das diferenças entre os dois mundos, é possível a integração de características dos processos formal e informal. Isso foi mostrado pela posição dos alunos mistos que apresentaram características de ambos os modos (estudaram música formalmente e tiveram experiências de aprendizado informal através da prática de música popular). O grupo misto-popular em particular demonstrou um equilíbrio entre as práticas de ambos os lados enquanto que o grupo misto-clássico tendeu a abandonar algumas das experiências informais a fim de absorver as demandas do aprendizado formal. Vantagens e desvantagens dos processos de aprendizagem formal e informal: alguns conflitos Os alunos clássicos relataram que sentem falta de habilidades auditivas como tocar de ouvido e de serem capazes de improvisar. Os pianistas apontaram à necessidade de acompanhar outros músicos sem o apoio da partitura, o que no caso remete a um conhecimento mais prático de harmonia. Por outro lado, os populares sentem falta de técnica instrumental, conhecimento teórico, inclusive habilidades de escrita e leitura e análise musical para melhorar a interpretação e para terem mais 1 Ver Stituated learning theory de Lave e Wenger (1991). 4
5 consciência do que fazem. Eles demonstraram grande entusiasmo em adquirir novos conhecimentos na Escola de Música. O fato dos alunos populares desenvolverem bastante o lado auditivo inclusive com excelente percepção harmônica através do tirar de ouvido nos leva a crer que o desempenho deles em aulas como, por exemplo, de percepção musical fosse bastante satisfatório. No entanto eles apresentaram grandes dificuldades em transpor o conhecimento prévio e toda a experiência anterior para as práticas dentro da sala de aula. Para eles muitas atividades e exercícios pareciam descontextualizados, fora da música o que dificultava o estabelecimento de conexões. Já alguns clássicos apresentaram problemas nas aulas de percepção musical e em aspectos teóricos no geral pelo fato de terem enfatizado muito os estudos da técnica instrumental. Muitos deles não eram conscientes do que estavam fazendo e agiam de forma mecânica. Os conceitos de talento e musicalidade são focos de grandes conflitos para os estudantes uma vez que excluem alunos que não se enquadram nos padrões da Escola de Música (Ver KINGSBURY, 1988; NETTL, 1995; SMALL, 1998, SLOBODA, 2005b). Interessante notar que o conceito de musicalidade, assim como formas de aquisição de técnica e conceitos de expressividade são diferentes para os alunos populares e clássicos. Para alguns alunos clássicos, os populares não têm tanta preocupação com a sonoridade e tocam com o som sujo enquanto que os populares acreditam que os clássicos gastam muito tempo preocupados com a técnica e nem sempre a aplica satisfatoriamente na interpretação do repertório. Na verdade surge um conflito para os populares na medida em que eles lutam para se adaptarem à nova forma de aquisição de técnica instrumental já que estavam habituados a formas mais intuitivas. A visão de música Eurocêntrica predomina na Escola de Música com o culto da música Européia do passado (Ver NETTL, 1995; KINGSBURY, 1988, SMALL, 1998, SHEPERD, 2003; TAGG, 2002). Alguns conflitos e preconceitos foram detectados nas visões dos alunos sobre a superioridade da música clássica. Com relação às atitudes em relação à escuta de música, os alunos clássicos tendem a ser mais restritos sobre o repertório; os populares tendem a ser mais abertos e curiosos 5
6 mesmo em relação à música clássica, e o grupo misto aparece aberto a ambos os estilos. Apesar de serem mais receptivos, os alunos dos grupos popular e misto demonstraram preconceitos nas suas atitudes em relação a certos gêneros e estilos, especialmente aqueles vistos como simples e com pouca sofisticação do ponto de vista harmônico. Uma implicação da superioridade da música clássica é a atitude extremamente respeitosa dos alunos populares com relação ao conhecimento e tradição presentes na Escola de Música, o que os leva a um sentimento de inferioridade. Como conseqüência, os valores e o conhecimento adquirido previamente tendem a ser negligenciados e não valorizados. Eles buscam o conhecimento considerado sagrado, ignorando o que eles vivenciaram e adquiriram anteriormente. Considerando tipos de conhecimento, preconceitos surgiram com relação ao nível de heterogeneidade entre os alunos. Esses são classificados de acordo com graus de conhecimento. Os que não estudaram música formalmente por muito tempo e adquiriram conhecimentos mais práticos e intuitivos são vistos como com pouca base e pouco conhecimento musical. No entanto, se os alunos que desenvolveram mais o lado intuitivo necessitam de mais consciência e explicação teórica e vem para a universidade em busca disso, aqueles que passaram pelo processo formal e tradicional necessitam um desenvolvimento da criatividade musical, de maior capacidade de escuta e mais soltura e liberdade. Portanto existem lacunas em ambos os processos. Conclusão: Integração e renovação das estratégias de ensino Uma vez que os professores de música das escolas de música foram educados segundo as bases da pedagogia ocidental européia (modelo dos conservatórios franceses), a maioria deles tende a usar estratégias de ensino baseada naqueles valores eurocêntricos. Dessa forma torna-se difícil a incorporação de outras concepções e principalmente de compreender outras formas de aprendizado diferentes do formal estabelecido pelas instituições. Esses modelos antigos devem ser questionados e reformulados para novos modelos que favoreçam a construção de pontes entre os 6
7 saberes prévios dos alunos e os novos saberes a serem adquiridos na Escola. Entretanto, antes disso, a própria concepção de música deve ser questionada e ampliada o que implica na quebra de um paradigma cujas forças internas vêm legitimando formas de pensar e agir em nossa sociedade. Com toda certeza não se trata de tarefa simples. Reconhecer, aceitar e valorizar outras formas de aprender e fazer música pode ser um primeiro passo na quebra do paradigma. Conhecer mecanismos de aprendizagem, outras competências e habilidades desenvolvidas em outros sistemas culturais assim como avaliar as vantagens e desvantagens de diversos processos de aprendizagem pode contribuir para a descoberta de novas abordagens e estratégias de ensino. Alunos de música devem ser estimulados a desenvolverem vários tipos de conhecimento musical (teórico e intuitivo) equilibrando as habilidades auditivas, técnicas e criativas. Alunos populares podem se beneficiar do convívio com os clássicos e vice-versa numa troca saudável. Práticas dos aprendizados informais, tais como o tirar de ouvido e outras especialmente pertinentes do universo da música popular deveriam ser incluídas nos processos formais. A conseqüência será a formação de músicos mais completos com uma diversidade de habilidades e competências e mais conectados com a realidade musical contemporânea. Bibliografia COHEN, Sarah. Rock Culture in Liverpool. Oxford: Clarendon Press, FINNEGAN, Ruth. The Hidden Musicians. Cambridge: University Press, GREEN, Lucy. How Popular Musicians Learn. London: Ashgate, GREEN, Lucy. Music Education, Cultural Capital, and Social Group Identity. In M. Clayton, T. Herbert and R. Middleton (Eds.) The Cultural Study of Music ( ). New York and London: Routledge, KINGSBURY, Henry. Music, Talent and Performance. Philadelphia: Temple University Press, LAVE, Jean. and WENGER, Ettiene. Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation. Cambridge: Cambridge University Press,
8 NETTL, Bruno. Heartland Excursions. Ethnomusicological Reflections on Schools of Music. Urbana: University of Illinois Press, SHEPHERD, John. Music and Social Categories. In M. Clayton, T. Herbert and R. Middleton (Eds.) The Cultural Study of Music (69-79). New York and London: Routledge, SLOBODA, John. 2005a. Emotion, Functionality, and the Everyday Experience of Music: Where Does Music Education Fit? In J. Sloboda Exploring the Musical Mind ( ). Oxford: Oxford University Press, 2005a. SMALL, Christopher. Musicking. The Meanings of Performance and Listening. Middletown: Wesleyan University Press, TAGG, Philip. Notes on how classical music became classical : Towards a Musicology of the Mass Media (forthcoming) in P. Tagg Ten Little Tunes YOUNG, Michael. An Approach to the Study of Curricula as Socially Organized Knowledge. In M. F. D. Young (Ed.), Knowledge and Control: New Directions for the Sociology of Education (19-46). London: Collier-Macmillan,
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