Se não houver direitos reais contraditórios ou que tenham preferência em relação ao ato pretendido, seria possível atender ao pedido?
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- Yago Balsemão Wagner
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1 O PROTOCOLO E O PRINCÍPIO DA PRIORIDADE Túlio Teixeira Campos Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Santa Cruz das Palmeiras, São Paulo. 1. Introdução Tradicionalmente, o princípio da prioridade é compreendido e ganha importância quando há, na serventia, mais de um título cujos direitos reais neles contidos são contraditórios ou reflitam uma graduação de direitos. Aliás, pode conceber-se a validade deste princípio pela possibilidade da existência de dois ou mais títulos contraditórios. E esta contradição pode ser de dois tipos: a) Porque se trata de dois (2) direitos cuja coexistência seja impossível: por exemplo, duas vendas de um mesmo imóvel por um só titular afigura-se como hipótese de impenetrabilidade ou de preclusão registral ; b) Mesmo que se trate de direitos que podem coexistir, como duas (2) hipotecas onerando um (1) mesmo imóvel, tal coexistência é juridicamente possível, só que em ordem diferente denominada de grau 1. Essa compreensão a respeito do princípio da prioridade é clara o suficiente para resolver conflitos ou graduação de direitos reais a serem inscritos. O problema abordado neste texto, no entanto, não é a compreensão do princípio da prioridade relativamente a esses conflitos ou à graduação de direitos reais; aborda-se o princípio da prioridade simplesmente a partir do número de ordem atribuído aos títulos no Livro Protocolo. Um pedido bastante frequente que é feito ao oficial de registro de imóveis por parte de alguns usuários dos serviços de registro de imóveis é o de rápido atendimento de uma demanda específica (por exemplo, registro de uma hipoteca, alienação fiduciária ou venda e compra), sob a justificativa, na grande maioria das vezes, da necessidade de se comprovar o ato inscrito como condição para que seja realizado um determinado pagamento. Se não houver direitos reais contraditórios ou que tenham preferência em relação ao ato pretendido, seria possível atender ao pedido? Os argumentos a seguir expostos sugerem uma resposta. 2. A igualdade no tratamento dado aos usuários do serviço público O artigo da Lei n , de 31 de dezembro de 1973, é taxativo quanto à necessária obediência, por parte do oficial de registro de imóveis, à prioridade 1 MELO FILHO, Álvaro. Princípios do Direito Registral Imobiliário. Disponível em: < Acesso em: 26 de agosto de 2010.
2 estabelecida em razão do número de ordem atribuído ao título no Livro Protocolo. Mais do que isso, o artigo determina a preferência dos direitos reais. O número de ordem retrata o lançamento do título no protocolo em razão da rigorosa sequência de sua apresentação. [...]. O lançamento do título no protocolo, com aquisição de número de ordem, determina precedência do direito real. Prioridade e precedência, como qualidades do número de ordem e da prenotação, provocam um resultado final: asseguram predominância de um direito real sobre outro, em decorrência da anterioridade de seu lançamento no registro imobiliário, momento em que a realidade passa ser oponível a todos os terceiros [...] 3. Boa parte da doutrina refere-se ao princípio da prioridade na hipótese de direitos reais contraditórios ou de direitos reais que reflitam uma graduação de direitos. Uma possível análise feita a partir da redação do artigo 186 e doutrina majoritária levaria, pois, à aplicação do princípio da prioridade tão-somente quando inscritos no Livro Protocolo títulos cujo conteúdo fosse ou contraditório ou excludente 4. No entanto, uma interpretação do princípio da prioridade baseada no princípio da igualdade 5 faria com que a ordem cronológica dos títulos inscritos, segundo os números a eles atribuídos no Livro Protocolo, devesse ser a regra no procedimento de registro, ainda que os títulos não tenham como conteúdo direitos contraditórios ou uma graduação de direitos reais. Numa fórmula sintética, sistematicamente repetida, escrevia Anschütz: as leis devem ser executadas sem olhar às pessoas. A igualdade na aplicação do direito continua a ser uma das dimensões básicas do princípio da igualdade constitucionalmente garantido e, como se irá verificar, ela assume particular relevância no âmbito da aplicação igual da lei (do direito) pelos órgãos da administração e pelos tribunais 6. 2 Art O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente. 3 CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p Interpretação neste sentido é feita por Alyne Yumi Konno (Registro de Imóveis: teoria e prática. São Paulo: Memória Jurídica, 2007, p. 29): O princípio da prioridade também não significa que todos os títulos devam ser registrados na mesma ordem em que prenotados. E isso é evidente quando se observa que na prática títulos são devolvidos diariamente para serem corrigidos, devoluções são contestadas em processos administrativos e judiciais, atrasando o registro desses documentos, o que não poderia impedir o registro de todos os outros títulos prenotados posteriormente. Somente títulos contraditórios, ou seja, que envolvam o mesmo imóvel e gerem direitos concorrentes estão subordinados à rigorosa ordem de prenotação. 5 Para essa interpretação já apontava Flauzilino Araújo dos Santos (Algumas linhas sobre a prenotação. In: JACOMINO, Sérgio (Coord.). Registro de Imóveis: estudos de Direito Registral Imobiliário. XXV e XXVI Encontros dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil São Paulo/1998 Recife/1999. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, pp , p. 35): Merece destaque que face ao princípio da igualdade dos usuários perante o serviço público, segundo o qual, conforme magistério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, desde que a pessoa satisfaça às condições legais, ela faz jus à prestação do serviço, sem qualquer distinção pessoal, todos os títulos ingressados na Serventia, quer sejam prenotados ou simplesmente recepcionados para exame e cálculo dos emolumentos, são examinados segundo a precedência, para o que o oficial deve adotar o melhor regime interno atendendo ao disposto no artigo 11 da Lei de Registros Públicos [...]. 6 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedia, 200(?), p. 426.
3 A regra da igualdade no tratamento dos usuários dos serviços públicos é a maneira com que se pode evitar o cometimento de arbitrariedades e, consequentemente, a existência de privilégios 7. A fórmula o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente não contém o critério material de um juízo de valor sobre a relação de igualdade (ou desigualdade). A questão da igualdade justa pode colocar-se nestes termos: o que é que nos leva a afirmar que uma lei trata dois indivíduos de uma forma igualmente justa? Qual o critério de valoração para a relação de igualdade? Uma possível reposta, sufragada em algumas sentenças do Tribunal Constitucional, reconduz-se à proibição geral do arbítrio: existe observância da igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente (proibição do arbítrio) tratados como desiguais. Por outras palavras: o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária. O arbítrio da desigualdade seria a condição necessária e suficiente da violação do princípio da igualdade 8 9. Quando, pois, deixa-se de obedecer ao princípio da prioridade no procedimento de registro de títulos inscritos no Livro Protocolo, há, em regra 10, um arbítrio, que, por si, seria condição bastante para a violação do princípio da igualdade e, por consequência à legislação vigente. Dessa forma, ainda que não existam direitos reais contraditórios a serem inscritos, o princípio da prioridade determinaria uma ordem para a qualificação dos títulos que tiveram ingresso na Serventia. 3. A prioridade na qualificação de um título A compreensão do princípio da prioridade como baseado no princípio da igualdade o que determinaria uma ordem para a qualificação dos títulos ainda que não tenham 7 O conteúdo do princípio da igualdade é tratado, também, pelo Direito Administrativo que tem entre seus princípios o da impessoalidade. Este princípio [o da impessoalidade], que aparece, pela primeira vez, com essa denominação, no art. 37 da Constituição de 1988, está dando margem a diferentes interpretações, pois, ao contrário dos demais, não tem sido objeto de cogitação pelos doutrinadores brasileiros. Exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 67). A norma do artigo 37 da Constituição da República representaria, segundo estrutura sugerida por Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 431) a concretização do princípio da igualdade, valendo, este, como lex generalis. 8 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 428) reconhece, ainda, a necessidade de um critério material para se avaliar o adequadamente o atendimento ao princípio da igualdade: Embora ainda hoje seja corrente a associação do princípio da igualdade com o princípio da proibição do arbítrio, este princípio, como simples princípio de limite, será também insuficiente se não transportar já, no seu enunciado normativo-material, critérios possibilitadores da valoração das relações de igualdade ou desigualdade. Esta a justificação de o princípio da proibição do arbítrio andar sempre ligado a um fundamento material ou critério objetcivo. Ele costuma ser sintetizado da forma seguinte: existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável. 10 Vale advertir, desde logo, sobre os prazos excepcionais, estabelecidos na própria Lei n /73 e em legislações diversas, que impõem a não-obediência ao princípio da prioridade.
4 como conteúdo direitos contraditórios ou graduais não pode, no entanto, fazer que com a rotina de atividades de uma serventia fique amarrada ao cumprimento de tal princípio. O exercício da função revela [...] que na prática títulos são devolvidos diariamente para serem corrigidos, devoluções são contestadas em processos administrativos e judiciais, atrasando o registro desses documentos, o que não poderia impedir o registro de todos os outros títulos prenotados posteriormente 11. Não se pretende, pois, que os títulos submetidos a inscrição, tal qual ingressados no Livro Protocolo, sejam registrados ou averbados em outros Livros seguindo a mesma ordem. A razoabilidade de se interpretar o princípio da prioridade com suporte no princípio da igualdade está na compreensão de que a prioridade refere-se ao momento em que os títulos prenotados devam ser submetidos à qualificação registral. É praticamente impossível, em uma serventia com grande volume de títulos prenotados diariamente, determinar que os registros decorrentes de uma qualificação positiva dos títulos sejam feitos seguindo a ordem do Livro Protocolo. Essa impossibilidade advém, inclusive, da maior complexidade para exame de um título, o que pode demandar maior tempo de estudo até a qualificação positiva. Assim, interessante seria diferenciar o momento de qualificação e de registro de títulos submetidos à inscrição em um registro de imóveis com expressões diversas: prioridade e preferência 12. A prioridade seria um atributo para determinar a qualificação dos títulos, ela determinaria o início da atividade de qualificação. A preferência, uma característica que determinaria a ordem para o registro de direitos reais contraditórios ou que se submetam a uma graduação. Prioridade é atributo do instrumento submetido ao registro primeiro que outro; precedência é qualidade do direito real que, adquirido antes que outro, tem primazia sobre este A prioridade no dia-a-dia da atividade de registro e a precedência para a inscrição de direitos reais contraditórios O controle do princípio da prioridade no dia-a-dia da atividade de registro de imóveis é simples: basta examinar o número atribuído ao título a partir do lançamento dele no 11 KONNO, Alyne Yumi (Registro de Imóveis: teoria e prática. São Paulo: Memória Jurídica, 2007, p. 29). 12 Parte-se da ênfase dada por Walter Ceneviva (Lei dos Registros Públicos comentada, p. 412) a essas expressões ao comentar o disposto no artigo 182 da Lei n , de 31 de dezembro de Não se pode, contudo, deixar de mencionar que a própria Lei n , fala em prioridade de registro e o próprio Walter Ceneviva faz referência ao atributo prioridade como vinculado ao registro (CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada, p. 415). O registro, porém, só possui prioridade em razão de ela (prioridade) decorrer da prenotação. 13 CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada, p. 412.
5 Livro Protocolo. Os números de ordem mais baixos devem ser submetidos à prévia qualificação em relação àqueles com números mais altos. Uma única ressalva deve ser feita para essa regra: quando, na serventia, houver um título cujo prazo para inscrição do direito nele contido não siga a regra geral do artigo 188 da Lei n , de 31 de dezembro de 1973, como, por exemplo, na cédula de crédito rural, cujo prazo para registro ou averbação é de 3 dias úteis o princípio da prioridade no início da qualificação dos títulos deve ceder. Observe-se que o que deve ceder é o princípio da prioridade no início da qualificação dos títulos e não a precedência de um direito real que possa decorrer do número de prenotação 14. Isso significa que ainda que um determinado título disponha de um prazo reduzido para inscrição, quando for ele prenotado no Livro Protocolo posteriormente a outro que se submeta à regra geral do prazo para inscrição, [...] enquanto o procedimento de registro [do primeiro título] não terminar, outro título que reflita direito real contraditório ao primeiro não poderá ter acesso ao cadastro imobiliário 15. Essa não-obediência ao princípio da prioridade no início da qualificação dos títulos é a única forma de se atender à norma especial que determina o registro ou a averbação em prazo inferior a trinta dias. Já o controle da precedência para a inscrição de direitos reais segue outra rotina. No Estado de São Paulo, as Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais, contidas no Provimento n. 58/89 da Corregedoria Geral da Justiça, estabelecem, no item 10 do capítulo XX, o seguinte: É obrigatório o lançamento no indicador pessoal, ou a organização de fichário, ou criação de mecanismo de controle de tramitação simultânea de títulos contraditórios ou excludentes de direitos sobre um mesmo imóvel. Para aquelas serventias que disponham de sistema de processamento de dados que permita lançar no próprio sistema as informações necessárias ao controle de tramitação de títulos contraditórios, a rotina sugerida pelo dispositivo citado se torna mais fácil, pois o próprio sistema, desde que alimentado com as informações necessárias, seria consultado antes da inscrição de cada ato para se verificar, por exemplo, se há na serventia mais de um título cujo objeto seria a mesma propriedade imobiliária. Quando inexistente tal sistema de processamento de dados ou, ainda, quando não permita a inserção de tais informações, indispensável se mostra o recurso a métodos de escrituração mecânica, contendo, por exemplo, nomes das partes, número de matrícula da propriedade imobiliária ou até mesmo um mínimo de elementos que permitam identificar a propriedade imobiliária. 14 Vale lembrar, aqui, que há exceções quanto à própria regra que determina a ordem de inscrição de direitos reais, conforme numeração atribuída aos títulos no Livro Protocolo, como, por exemplo, a regra contida no artigo 189 da Lei n , de 31 de dezembro de Proc. 1963/96. DOJSP São Paulo. Relator: Juiz Auxiliar da Corregedoria Dr. Francisco Eduardo Loureiro. In: JACOMINO, Sérgio (Org.). THESAURUS 2007/2008. CD-ROM.
6 5. Conclusão A prioridade desempenha o seu papel de maneira diferente, conforme os direitos que se confrontam sejam, ou não sejam, incompatíveis entre si. Quando os direitos que acorrem para disputar o registro são reciprocamente excludentes, a prioridade assegura o primeiro, determinando a exclusão do outro. Quando, ao contrário, não são reciprocamente excludentes, a prioridade assegura o primeira, concedendo graduação inferior ao outro 16 Além de ser compreendido o princípio da prioridade como relacionado à graduação ou exclusão de direitos reais que se pretende inscrever no registro de imóveis, não há como deixar de se aplicar esse princípio para o momento em que se inicia a atividade de qualificação de um título. A incidência do princípio da prioridade na qualificação de um título é a maneira de se atender ao princípio da igualdade no tratamento dos usuários do serviço público. Essa prioridade deve, pois, ser a regra para o início da atividade de qualificação e somente pode ceder diante de exceções que reconheçam um prazo para inscrição de um direito que não siga a regra geral do artigo 188 da Lei n , de 31 de dezembro de No entanto, mesmo diante de exceções previstas em lei, que permitam fazer ceder a regra do início da atividade de qualificação de um título, a precedência de direitos reais excludentes ou graduais deve ser obedecida. 16 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 182.
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