JULIANA FERREIRA VASQUES EXPRESSÃO E PROCESSAMENTO DA PROTEÍNA PRECURSORA DO AMILÓIDE NO COLÍCULO SUPERIOR DE RATOS SUBMETIDOS À ENUCLEAÇÃO MONOCULAR
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- Alfredo Vilarinho Rocha
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1 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS INSTITUTO DE BIOLOGIA PROGRAMA DE NEUROCIÊNCIAS JULIANA FERREIRA VASQUES EXPRESSÃO E PROCESSAMENTO DA PROTEÍNA PRECURSORA DO AMILÓIDE NO COLÍCULO SUPERIOR DE RATOS SUBMETIDOS À ENUCLEAÇÃO MONOCULAR DISSERTAÇÃO SUBMETIDA À UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE VISANDO A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM NEUROCIÊNCIAS Orientadores: Adriana da Cunha Faria Melibeu Claudio Alberto Serfaty Niterói 2012
2 JULIANA FERREIRA VASQUES EXPRESSÃO E PROCESSAMENTO DA PROTEÍNA PRECURSORA DO AMILÓIDE NO COLÍCULO SUPERIOR DE RATOS SUBMETIDOS À ENUCLEAÇÃO MONOCULAR Dissertação submetida ao curso de pósgraduação em Neurociências da Universidade Federal Fluminense, como requesito parcial para obtenção do título de Mestre em Neurociências. Orientadores: Adriana da Cunha Faria Melibeu Claudio Alberto Serfaty Universidade Federal Fluminense Niterói 2012 ii
3 JULIANA FERREIRA VASQUES EXPRESSÃO E PROCESSAMENTO DA PROTEÍNA PRECURSORA DO AMILÓIDE NO COLÍCULO SUPERIOR DE RATOS SUBMETIDOS À ENUCLEAÇÃO MONOCULAR Dissertação submetida ao curso de pósgraduação em Neurociências da Universidade Federal Fluminense, como requesito parcial para obtenção do título de Mestre em Neurociências. BANCA EXAMINADORA: Prof. Dr. Ricardo Augusto de Melo Reis Universidade Federal do Rio de Janeiro Profª. Drª. Paula Campello-Costa Lopes Universidade Federal Fluminense Prof. Dr. Marcelo Cossenza Pettezzoni de Almeida Universidade Federal Fluminense Profª. Drª. Priscilla Oliveira Silva Universidade Federal Fluminense Revisora e Suplente iii
4 Este trabalho foi desenvolvido nos Laboratórios de Neurobiologia do Desenvolvimento, Neuroplasticidade e Plasticidade Neural, todos do Departamento de Neurobiologia, localizado no Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense, sob a orientação da Profª. Adriana da Cunha Faria Melibeu e do Profº. Claudio Alberto Serfaty e na vigência de auxílios concedidos pela PROPPI UFF (Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós- Graduação e Inovação), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX MCT). iv
5 Se eu fui capaz de ver mais longe é porque estava de pé nos ombros de gigantes. Isaac Newton v
6 A minha família vi
7 AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a minha família. Aos meus pais, Marinha e Carlos, por todo o amor, carinho e apoio, tanto nas horas boas quanto nos momentos de preocupação, frustração e dúvida que fazem parte de qualquer jornada. Obrigada por estarem sempre lá para mim! Agradeço também à minha irmã Thais pelas conversas, desabafos, habilidades no photoshop e pelas opiniões sempre válidas. À minha orientadora e, mais do que isso, amiga, Professora Adriana. Lá se vão 5 anos desde que entrei no laboratório, e agradeço muito a paciência, carinho e amizade com que você sempre me recebeu. Obrigada também por me acalmar nas horas de desespero, e pelas muitas palavras de encorajamento. Só nós sabemos os obstáculos que enfrentamos até aqui, e sou muito grata por ser sua aluna! Ao Professor Claudio Serfaty, pelas opiniões, pelo bom-humor e por ter me adotado na hora em que eu precisei. Muito obrigada, Claudio! Agradeço muito também à Professora Paula, por ter aceitado avaliar esse trabalho, por ter sido quem me apresentou à Neuro e, principalmente, pela amizade. Sou grata também a Professora Priscila, pela minuciosa revisão dessa dissertação e por toda a ajuda nos experimentos de zimografia. Ao querido professor Ronald, cujas brincadeiras sempre tornam o dia mais agradável. E, claro, a mais nova aquisição do departamento: Professora Ana Lúcia! Obrigada pela enorme ajuda desde os meus tempos de IC! Você com certeza é um modelo para nós! Obrigada, amiga! Agradeço também aos demais professores do Departamento de Neurobiologia, seja por suas aulas, opiniões ou pelos reagentes emprestados na hora do aperto! vii
8 Agradeço bastante aos Professores Ricardo Reis e Marcelo Cossenza por terem aceitado meu convite para ler e avaliar esse trabalho. Dedico um agradecimento especial a minha amiga muito querida Renata: pela amizade, pelo carinho, pelo companheirismo (seja no laboratório ou nas madrugadas insones no gmail), pelas muitas risadas, pelas conversas... Sua ajuda foi indispensável, seja na minha vida profissional ou na sentimental. Nossa parceria e, principalmente, nossa amizade, vão durar para sempre! As minhas amigas mais que especiais Ana Carolina (pelos muitos momentos de riso proporcionados, pela enorme amizade e por toda ajuda sempre obrigada, mendigo!), Luciana (pela ajuda incrível nos experimentos, no inglês, pelo abrigo após as noitadas em Niterói, entre outras coisas) e a queridíssima artilheira Vanessinha (quero ser que nem você um dia!). Muito obrigada e muito sucesso a todas! Adoro vocês! Ao Pablo, um amigo muito querido, por toda a ajuda, sugestões, opiniões. E, principalmente, pela elaboração do tampão com inibidor de proteases! Brincadeira, Pablito! Meu carinho por você é abusivo de grande! A todo o pessoal do lab, que contribuem para um ambiente de trabalho delicioso (espero não esquecer de ninguém): o casal 20 Henrique&Sheila, que eu adoro; Rachel (por segurar minha mão nos momentos difíceis); André (pela amizade e muitas risadas no lab), Michelinha, Pat Velasco, Wandilson (dá-lhe Gonga!), Ericka, Bruna, Luana, Grasi(s), Felipe (mesmo tendo nos trocado pelo Fundão), Kay, Dominique, Flávia... Obrigada a todos e a cada um! Agradeço também ao suporte técnico fornecido pela Tita, Maria e Arnaldo. E, por fim, a todos que venham a ter a oportunidade ou interesse em ler essa dissertação. Muito Obrigada! viii
9 SUMÁRIO LISTA DE ILUSTRAÇÕES... XI LISTA DE ABREVIAÇÕES... XIII RESUMO... XV ABSTRACT... XVI INTRODUÇÃO Proteína Precursora do Amilóide (APP) Estrutura Processamento Proteolítico Funções APP Transmembrana APP Solúvel α (sappα) APP Solúvel β (sappβ) Peptídeo β-amilóide (Aβ) Domínio Intracelular da APP (AICD) APP e Plasticidade Sináptica Sistema Visual Retina Expressão de APP na Retina Projeções Subcorticais Colículo Superior Expressão de APP no Colículo Superior Desenvolvimento Topográfico Plasticidade da Via Retinotectal Plasticidade Natural e Período Crítico Plasticidade Induzida OBJETIVOS MATERIAIS E MÉTODOS Enucleação Monocular Western Blotting ix
10 2.1- Homogeinização do Tecido Dosagem de Proteínas e Concentração das Amostras Corrida Eletroforética, Transferência e Revelação Imunohistoquímica de Fluorescência Zimografia Obtenção das Amostras Análise Zimográfica Análise dos Resultados RESULTADOS Expressão da APP total no CS após a Enucleação Monocular dentro do Período Crítico Expressão da APP total no CS após a Enucleação Monocular fora do Período Crítico Expressão da sappα no CS após a Enucleação Monocular fora do Período Crítico Expressão do Peptídeo Aβ no CS após a Enucleação Monocular fora do Período Crítico Atividade da MMP-9 no CS após a Enucleação Monocular fora do Período Crítico DISCUSSÃO Expressão da APP durante o Desenvolvimento da Via Retinotectal APP como Fator Trófico para as CGRs APP e Plasticidade Neuronal Localização Sináptica da APP Expressão da sappα e do Aβ no Modelo de Enucleação Monocular Atividade da MMP-9 no Modelo de Enucleação Monocular MMP-9 como Possível α-secretase CONCLUSÕES PERSPECTIVAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS x
11 LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA LEGENDA PÁGINA Esquema ilustrando os domínios da APP e de suas proteínas homólogas, APLP1 e APLP2. Representação esquemática do processamento proteolítico da APP Representação esquemática da estrutura das secretases Agregação e deposição do Aβ Desenho esquemático representando os principais mecanismos moleculares envolvidos na LTP e LTD. Desenho esquemático ilustrativo da organização laminar da retina. Imunohistoquímica para APP em cortes transversais de retina de rato. Representação esquemática dos principais alvos subcorticais das projeções retinianas Esquema da estrutura laminar do CS Ontogênese da APP no CS de ratos Gradientes de efrinas regulam a organização topográfica Fotomicrografias de campo escuro de cortes coronais de CS ilustrando o refinamento progressivo das projeções ipsolaterais. Fotomicrografias de campo escuro de cortes coronais do CS demonstrando o rearranjo topográfico induzido pela enucleação monocular dentro e fora do período crítico. Representação esquemática do modelo de enucleação monocular. Expressão da APP total nas camadas visuais do CS após enucleação monocular em DPN xi
12 Expressão da APP total nas camadas visuais do CS após enucleação monocular em DPN 21. Imunorreatividade para APP no CS de ratos submetidos à enucleação monocular em DPN 21 após 2 semanas de sobrevida. Expressão de sappα nas camadas visuais do CS após enucleação monocular em DPN 21. Expressão de Aβ nas camadas visuais do CS após enucleação monocular em DPN 21. Atividade da MMP-9 nas camadas visuais do CS após enucleação monocular em DPN 21. Esquema ilustrando o balanço no processamento da APP em diferentes situações. Diagrama ilustrando os efeitos da enucleação monocular em DPN21 na atividade da MMP-9 e na expressão de sappα e de Aβ, e a possível interação entre essas proteínas xii
13 LISTA DE ABREVIAÇÕES Aβ ADDLs AICD AMPA APOE APP APLP1 APLP2 CCG CGRs CNE CNI CPE CPI CS DA DPN E_ KPI LTD LTP Peptídeo β-amilóide Amyloid-Beta Derived Diffusible Ligands / Ligantes Difusos Derivados do Amilóide APP Intracellular Domain / Domínio Intracelular da APP Alfa-Amino-3-Hidroxi-5-Metil-4-Isoxazol Propionato Apolipoproteína E Proteína Precursora do Amilóide APP-like protein I / Proteína Semelhante à APP I APP-like protein II / Proteína Semelhante à APP II Camada de Células Ganglionares Células Ganglionares da Retina Camada Nuclear Externa Camana Nuclear Interna Camada Plexiforme Externa Camada Plexiforme Interna Colículo Superior Doença de Alzheimer Dia Pós-Natal Dia Embrionário Kunitz Protease Inhibitor / Inibidor de Protease de Kunitz Depressão de Longa Duração Potenciação de Longa Duração xiii
14 NGL NMDA PBS PT SCh SAI SAP sappα sappβ SCh SDS SGI SGP SGS SN SNC SO SZ TBS TBS-T Núcleo Geniculado Lateral do Tálamo N Metil D Aspartato Salina tamponada com fosfato Pré-Tecto Núcleo Supraquiasmático Stratum Album Intermediale Stratum Album Profundum APPα Solúvel APPβ Solúvel Núcleo Supraquiasmático Dodecil-Sulfato de Sódio Stratum Griseum Intermediale Stratum Griseum Profundum Sratum Griseum Superficiale Sistema Nervoso Sistema Nervoso Central Stratum Opticum Stratum Zonale Salina Tamponada de Tris Salina Tamponada de Tris com Tween xiv
15 RESUMO A proteína precursora do amilóide (APP) está envolvida em processos fisiológicos importantes, como sinaptogênese e plasticidade neural, e ainda desempenha um papel crucial na doença de Alzheimer (DA). A APP pode ser clivada por duas vias proteolíticas: a não-amiloidogênica, que leva a formação da sappα neuroprotetora; e a amiloidogênica, onde é gerado o peptídeo neurotóxico Aβ. A patogênese da DA não foi completamente entendida, mas evidências indicam um desbalanço entre essas vias, levando a um aumento nos níveis de Aβ e uma redução na sappα. O colículo superior (CS) tem sido usado para estudo da organização topográfica durante o desenvolvimento e em modelos de indução de plasticidade. Nosso grupo verificou uma alta expressão de APP no CS até a terceira semana pós-natal, período no qual os axônios retinotectais sofrem reorganização uso-dependente, levando a um preciso padrão de conexão. Axônios retinotectais ipsolaterais também sofrem reorganização plástica após procedimentos como a enucleação monocular (EM). Nosso objetivo foi analisar a expressão de APP, sappα e Aβ no CS após a EM para investigar se a indução de plasticidade interfere na expressão e processamento da APP. Também analisamos a atividade da MMP-9, uma enzima associada com o processamento da APP pela via não-amiloidogênica. Ratos pigmentados foram submetidos à EM no dia pós-natal 10 (DPN 10) ou 21 (DPN 21). Após diferentes sobrevidas, os animais foram eutanasiados e as camadas visuais do CS extraídas e processadas para western blotting para APP, sappα e Aβ, ou para análise zimográfica para atividade da MMP-9. A EM tanto em DPN 10 quanto em DPN 21 induziu uma redução transitória na expressão da APP. A EM em DPN 21 induziu ainda um aumento na expressão de sappα e na atividade de MMP-9, e uma redução na formação de Aβ, após 2 semanas de sobrevida. Essa janela temporal corresponde ao período de reorganização das projeções ipsolaterais induzida pela EM. Assim, sugerimos que a EM regule a expressão da APP no CS, e induza seu processamento pela via não-amiloidogênica, possivelmente pela atividade da MMP- 9, levando a uma maior liberação de sappα, importante para a reorganização estrutural que ocorre após a EM. Consequentemente, a formação de Aβ é inibida. Palavras-chave: APP; Plasticidade Sináptica; Colículo Superior. xv
16 ABSTRACT The amyloid precursor protein (APP) has been involved in important physiological processes such as synapse formation and neural plasticity and also plays a central role in Alzheimer's disease (AD). APP can be processed by two antagonic proteolytic pathways: the non-amyloidogenic, leading to the formation of the neuroprotective sappα; or the amyloidogenic, generating the Aβ peptide, which is prone to aggregate in neurotoxic oligomers. The mechanism of AD pathogenesis is not yet fully understood, however current data indicate the existence of an imbalance between these two pathways leading to increased levels of Aβ and reduction in sappα. The superior colliculus (SC) have been used to study topographic organization during development and in models of induction of plasticity. Our group has demonstrated higher APP levels in rat SC until the third postnatal week, a period in which retinotectal axons undergo use-dependent remodeling, leading to precise patterns of connections. Ipsilateral retinotectal axons also undergo plasticity under conditions such as monocular enucleation (ME) of the contralateral eye. Our goals were then to analyze the expression of APP, sappα and Aβ in the SC after ME to investigate if the induction of plasticity interferes in the APP content and processing. We also analyzed the activity of MMP-9, an enzyme associated with APP processing by the nonamyloidogenic pathway. Pigmented rats were submitted to ME at postnatal day 10 (PND 10) or 21 (PND 21). After different survival times, the animals were sacrificed and the visual layers of the SC extracted and processed for western blotting for APP, sappα and Aβ, or for zymographic analysis of MMP-9 activity. ME at DPN 10 and DPN 21 induced a transient reduction in APP content in SC. ME at DPN 21 also induced an increase in sappα and MMP-9 activity and a decrease in Aβ content, after 2 weeks of survival. This time course correlates with the reorganization of the uncrossed retinotectal projection following ME. Due to already known neurotrophic effects of sappα, we suggest that ME regulates APP content in SC, inducing it s cleavage by the non-amylodoigenic pathway, possibly by MMP-9, releasing more sappα, which in turns regulates the structural reorganization that occurs in the SC after ME. Consequently, the formation of aβ is inhibited. Keywords: APP; Synaptic Plasticity; Superior Colliculus. xvi
17 INTRODUÇÃO 1- Proteína Precursora do Amilóide (APP) A proteína precursora do amilóide (APP) é uma glicoproteína transmembrana unipasso altamente conservada evolutivamente e amplamente expressa no organismo humano. Essa proteína está geralmente associada com a Doença de Alzheimer (DA), pois um de seus subprodutos, o peptídeo β-amilóide (Aβ), é um dos principais marcadores dessa doença (Kang, 1987). Fisiologicamente a APP também apresenta importantes papéis na regulação de diversas funções celulares, em especial no sistema nervoso (SN), onde participa dos processos de sinaptogênese e plasticidade sináptica, dentre outros (Chow et al., 2010 para revisão). O gene codificante da APP está localizado no cromossomo 21 e possui 19 éxons. O splicing alternativo em diferentes éxons gera diversas isoformas dessa proteína, sendo a APP 751 e a APP 770 as formas predominantes na maioria dos tecidos (Kitaguchi et al., 1988), e a APP 695 a isoforma prioritária nas células neuronais (Kang & Müller-Hill, 1990). Duas proteínas homólogas à APP também são encontradas em mamíferos, a APP-like protein I (Proteína semelhante à APP I - APLP1) (Wasco et al., 1992) e APP-like protein II (Proteína semelhante à APP II - APLP2) (Wasco et al., 1993), e há ainda proteínas ortólogas à APP em Drosophila (APPL) (Luo et al., 1990), C. elegans (Daigle & Li, 1993), peixe-zebra (Musa, Lehrach & Russo, 2001) e Xenopus laevis (Okado & Okamoto, 1992), reforçando a questão da conservação evolutiva. Apesar de todas essas proteínas apresentarem um alto grau de conservação em sua estrutura, a APP é a única que possui a 17
18 sequência do Aβ (Wasco et al., 1993), a qual inclui parte dos éxons 16 e 17 e contém de 40 a 43 aminoácidos. A APP e suas proteínas homólogas parecem apresentar funções parcialmente redundantes. Dessa forma, animais nocaute para qualquer uma dessas três proteínas são viáveis e apresentam apenas pequenas anormalidades (Dawson et al., 1999). Já os nocautes triplos para APP, APLP1 e APLP2 morrem logo após o nascimento, sugerindo uma importante ação fisiológica dessas proteínas (Herms et al., 2004). Pacientes portadores de Síndrome de Down (trissomia do cromossomo 21) expressam mais APP que o normal e desenvolvem por volta dos 40 anos uma demência com as mesmas características neuropatológicas da DA (Isacson et al., 2002). Outras mutações no gene codificante da APP, assim como mutações em genes que codificam a expressão de proteínas que controlam o seu processamento (como as presenilinas), induzem um aumento na produção do Aβ. Quando a doença é desencadeada por um componente genético o disparo da patologia acontece precocemente, por volta dos 40 anos de idade e, nesses casos, é chamada de Alzheimer Familiar. Esses dados sugerem que a expressão exacerbada de APP e/ou Aβ esteja intimamente relacionada com a cascata fisiológica do disparo da doença (Wisniewski et al.,1985) Estrutura A porção extracelular da APP, que representa a maior parte da proteína, é dividida em dois domínios principais: E1 e E2 (Figura 1). O domínio E1 funciona como um sítio onde ocorre a homodimerização da APP (Soba et al., 2005). Essa 18
19 capacidade de dimerização é especialmente importante pois possibilita a adesão da APP a outras células e a moléculas da matriz extracelular, assim como entre duas moléculas de APP de uma mesma célula (Scheuermann et al., 2001). Essa capacidade é uma forte evidência de que a APP possa atuar como um receptor celular, visto que a homodimerização é um mecanismo clássico de ativação de receptores transmembrana. O domínio E1 é seguido por uma região ácida rica em ácido glutâmico e ácido aspártico e por um domínio inibidor de protease de Kunitz (Kunitz protease inhibitor, KPI). Dados recentes sugerem que esse domínio regule a dimerização, o transporte intracelular e o processamento da APP, inibindo a produção de Aβ (Ben-Khalifa et al., 2012). O domínio KPI é restrito às isoformas APP 751 e APP 770, estando ausente na isoforma neuronal APP 695 (Kang & Muller-Hill, 1990; Rohan de Silva et al., 1997). Entretanto, altos níveis de APP contendo KPI são encontrados nos neurônios de portadores da DA (Menendez-Gonzalez et al., 2005), indicando que durante a doença ocorre uma alteração no padrão de splicing da APP nas células neuronais, reduzindo a formação da APP 695 e favorecendo a produção de APP 751 e APP 770. Esse mesmo tipo de alteração, juntamente com um aumento da liberação de Aβ, é visto após a ativação de receptores NMDA (Bordji et al., 2010), indicando uma possível correlação entre a ativação excessiva desses receptores, a transdução da APP e o disparo da doença. No domínio E2 também pode ocorrer a dimerização da APP, contudo em menor intensidade do que em E1 (Wang & Ha, 2004). Em seguida ao domínio E2 vem a região do Aβ, já parcialmente inserida na membrana. A porção citoplasmática 19
20 da proteína contém a seqüência YENPTY, uma região através da qual outras proteínas intracelulares podem se ligar e interagir com a APP (Borg et al., 1996), entre elas a X11, que estabiliza a APP, diminuindo seu processamento (Lee et al., 2003), e a Fe65, que favorece a produção do Aβ (Sabo et al., 2003). Já foi demonstrado em Drosophila que esse domínio é essencial para o crescimento neurítico e arborização induzidos por APP (Leyssen, 2006) (Figura 1). Figura 1: Esquema ilustrando os domínios da APP e de suas proteínas homólogas, APLP1 e APLP2. Reparar que o Aβ é encontrado exclusivamente na APP. Adaptado de Jacobsen, Processamento Proteolítico Após sua síntese no retículo endoplasmático, a APP pode sofrer diversas alterações pós-translacionais como glicosilação, fosforilação e sulfatação (De Strooper & Annaert, 2000 para revisão). Após sua inserção na membrana celular, a APP pode ser clivada e gerar diferentes fragmentos solúveis. Existem duas vias proteolíticas principais e antagônicas: a via amilodoigênica, que culmina na formação 20
21 do peptídeo neurotóxico Aβ; e a via não-amilodoigênica, onde o metabólito gerado é a α-app solúvel (sappα) que possui, por sua vez, conhecidos efeitos neurotróficos e neuroprotetores (Mattson et al., 1993; Goodman & Mattson, 1994; Furukawa et al., 1996). Em situações fisiológicas normais, a clivagem da APP ocorre na maior parte das vezes pela via não-amilodoigênica. Nessa via, a APP transmembrana é inicialmente clivada pela α-secretase (Figura 3). Hoje se sabe que diversas proteases da familía das ADAMs (enzimas com atividade de desintegrinas e metaloproteinases) exercem o papel de α-secretases, como a ADAM10 e a ADAM17 (também chamada de TACE) (Slack, Ma & Seah, 2001). Os níveis de ADAM10 se encontram significativamente reduzidos no cérebro de pacientes da DA, assim como os de sappα (Colciaghi et al., 2002). Outra enzima com grandes possibilidades de possuir função de α-secretase é a metaloproteinase-9 (MMP-9), pois já foi demonstrada uma estreita relação entre a atividade dessa enzima e a produção de sappα (Talamagas et al., 2007). Essas enzimas clivam a APP exatamente na região do Aβ, no 17º aminoácido da sequência do peptídeo, impedindo sua formação. São gerados então dois componentes: o C83, que é o domínio C-terminal que permanece na membrana; e a sappα, que fica livre no meio extracelular. O domínio C83 pode ser então clivado novamente, dessa vez pelo complexo enzimático γ- secretase, gerando o peptídeo livre p3 e o domínio citoplasmático AICD (Figura 2). O peptídeo p3 é rapidamente degradado, e nenhuma função associada a ele foi identificada até então. 21
22 Dados da literatura indicam que o AICD participa da regulação da transcrição gênica no núcleo (Cao e Südhof, 2001; Pardossi-Piquard et al., 2005). Já foi demonstrado que a ligação de Cu ++ favorece a clivagem da APP pela via nãoamiloigênica (Borchardt et al., 1999). Diversos outros fatores induzem a ativação dessa via: os hormônios sexuais estrogênio (Xu et al., 1998) e testosterona (Gouras et al., 2000), a ativação da proteína cinase C (PKC) (Gabudza, Busciglio & Yankner, 1993) e da proteína cinase A (PKA) (Xu et al., 1996), entre outros. Altos níveis de APP tendem a estimular a ação da via amilodoigênica em detrimento da não-amilodoigênica, de forma similar ao que acontece na DA e na síndrome de Down. Nesse caso, a APP é então reinternalizada por vesículas recobertas por clatrina, e o seu processamento acontece preferencialmente em endossomosos que contém as secretases (Greenfield et al., 1999). Na via amilodoigênica, a clivagem inicial é feita pela β-secretase (Figura 3). São conhecidas até então duas proteínas que podem atuar como β-secretases: a BACE1 e a BACE2, sendo a BACE1 a isoforma predominante nos neurônios (Cai et al., 2001), e a BACE2 preferencialmente glial (Laird et al., 2005). Após a clivagem são gerados dois novos componentes: a β-app solúvel (sappβ) e o domínio transmembrana C99. Caso permaneça por muito tempo na membrana, esse fragmento C-terminal se torna citotóxico e induz degeneração neuronal (Oster-Granite et al., 1996). Por isso, é importante que ele seja rapidamente metabolizado. Assim, o fragmento C99 é então clivado pela γ-secretase, gerando AICD e liberando o peptídeo Aβ, que pode se acumular no interior da célula, ser lançado no meio extracelular ou ser degradado em lisossomos (Figura 2). 22
23 Podem ser formadas duas principais isoformas do Aβ: o Aβ 40 e o Aβ 42, sendo este último o mais neurotóxico. O Aβ 42 é mais hidrofóbico e mais propenso a se agregar na forma de fibrilas, que são extremamente tóxicas aos neurônios. Em condições normais, apenas 10% dos peptídeos liberados são do tipo Aβ 42. Na doença, porém, há uma alteração nessa proporção, aumentando a produção da forma mais neurotóxica (Burdick et al., 1992). A presença de BACE1 é o fator limitante na liberação do Aβ e, por isso, o metabolismo e expressão dessa enzima têm sido amplamente estudados, como um possível alvo terapêutico para o controle da DA. Diversos estudos já demonstraram que a expressão e atividade da BACE1 estão elevadas nas regiões do cérebro mais afetadas pela doença (Yang et al., 2003; Johnston et al., 2005). Além disso, a deficiência de BACE1 em modelos animais de DA foi capaz de reestabelecer a circuitaria colinérgica, reduzir a perda neuronal e os déficits de memória, além de provocar uma intensa redução nos níveis de Aβ 42 (Luo et al., 2001; Ohno et al., 2004 e Ohno et al., 2007). Porém, camundongos nocaute para BACE1 apresentam hipomielinização e sensibilidade elevada à dor (Laird et al., 2005; Hu et al., 2006). Isso provavelmente ocorre pois a BACE1 possui outros substratos além da APP, que tem suas funções alteradas nesses animais. Um exemplo é a neuregulina1 que, após clivada pela BACE1, direciona o processo de mielinização dos nervos periféricos durante o desenvolvimento (Willem et al., 2006). 23
24 Figura 2: Representação esquemática do processamento proteolítico da APP. Na via nãoamiloidogênica, a clivagem seqüencial pela α-secretase e γ-secretase leva à liberação da sappα. Já na via amiloidogênica, a clivagem da APP pelas β-secretase e γ-secretase culmina na formação do peptídeo Aβ. Em ambas as vias, é gerado ainda o fragmento AICD. Adaptado de Lichtenthaler, Além da β-secretase, outros importantes alvos de estudo sobre a patologia da DA são os componentes da γ-secretase. Acredita-se atualmente que duas presenilinas, proteases transmembrana multipasso, sejam responsáveis pela ação catalítica dessa enzima: a PS1 e a PS2 (Maiorini et al., 2002) (Figura 3). Mutações nos genes que codificam essas proteínas induzem um significativo aumento na expressão de Aβ 42, e estão intimamente relacionadas com casos prematuros de Alzheimer Familiar (Sherrington et al., 1995). Durante o desenvolvimento, as presenilinas participam da clivagem e ativação do receptor Notch, responsável por ativar vias de sinalização envolvidas com sobrevivência celular. Essa é uma das principais funções biológicas das presenilinas, pelo que se sabe até então (De Strooper et al., 1999; Golde et al., 2009). Porém, elas sozinhas não possuem a ação proteolítica necessária para a clivagem da APP. Para tal, é necessário que formem 24
25 um complexo com outras três proteínas: a nicastrina (Kaether et al., 2002), a APH-1 e a PEN-2. O resíduo Glu333 da nicastrina reconhece e se liga às proteínas que servem de substrato para a γ-secretase, como a APP (Dries et al., 2009). Já a APH- 1 e a PEN-2 são importantes para a manutenção da integridade desse complexo enzimático. Esses quatro componentes são necessários e indispensáveis para a ação enzimática da γ-secretase (Francis et al., 2002). Figura 3: Representação esquemática da estrutura das secretases. Assim como a APP, α- secretase e β-secretase são proteínas de membrana unipasso. Já a γ-secretase é um complexo enzimático formado por quatro componentes, dois deles ilustrados na figura acima: a presenilina, proteína multipasso responsável pela ação catalítica do complexo; e a nicastrina, que medeia a ligação da γ-secretase aos seus substratos. A APH-1 e a PEN-2 (não ilustradas) são importantes na estabilização do complexo. Adaptado de Ling et al.,
26 Fisiologicamente, há um balanço altamente controlado na ativação das duas vias de processamento da APP: há uma grande liberação constitutiva de sappα, enquanto apenas uma pequena quantidade de peptídeo Aβ é gerada. Na DA, ocorre uma inversão nessas proporções. Os altos níveis de Aβ levam à degeneração sináptica e neuronal, ao mesmo tempo em que a redução na disponibilidade de sappα culmina em uma perda dos efeitos neurotróficos e neuroprotetores induzidos por esse fragmento. Sabe-se que durante o envelhecimento ocorre naturalmente uma redução do processamento da APP pela via não-amilodoigênica, o que pode resultar em uma maior susceptibilidade dos neurônios ao estresse oxidativo induzido por Aβ e contribuir para a neurodegeneração vista na DA (Kogel, Deller & Behl, 2011). Porém, as razões dessa alteração do perfil de processamento da APP ainda não são conhecidas. Portanto, uma maior compreensão dos mecanismos que regem esse delicado balanço entre sappα e Aβ e das ações biológicas desses metabólitos é de grande importância para um melhor entendimento tanto das bases moleculares da DA quanto da própria fisiologia da APP no SN Funções A função exata da APP, de seus derivados e de suas proteínas homólogas no organismo ainda não foi totalmente esclarecida. Apesar disso, muitos estudos já demonstraram sua participação em diversos mecanismos celulares importantes, principalmente no SN, tanto no adulto quanto durante o desenvolvimento. A APP está envolvida em adesão celular a elementos da matriz extracelular (Kibbey et al., 1993), sobrevivência neuronal (Cheng et al., 2002), crescimento neurítico (Leyssen et al., 2005), sinaptogênese (Priller et al., 2006), transporte vesicular (Kamal et al., 2000), modulação da plasticidade sináptica (Turner et al., 2003 para revisão) e na 26
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