EDUCAÇÃO CRISTÃ E HERMENÊUTICA: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO

Transcrição

1 EDUCAÇÃO CRISTÃ E HERMENÊUTICA: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO Roney Ricardo Cozzer Mestrando em teologia pela FABAPAR roneycozzer@hotmail.com RESUMO O texto que se segue reflete sobre a relação necessária entre a Educação Cristã e a Hermenêutica Bíblica. Pergunta de que maneira a Educação Cristã pode colher contribuições a partir da Hermenêutica na construção da subjetividade humana, na medida em que gera uma cosmovisão cristã. Pressupõe ainda que existe uma interdependência entre as disciplinas, uma vez que não se pode pensar e nem fazer um trabalho didático cristão sem que se atravesse a ponte da interpretação bíblica, objeto de estudo da Hermenêutica. Esse intercurso entre as duas disciplinas não só existe, como de fato deve ser explorado. Se a Educação Cristã tem por livro texto a Bíblia, e a Hermenêutica tem por alvo compreender a mensagem da Bíblia, é perfeitamente plausível presumir que essas duas áreas da Teologia dialoguem entre si, no sentido de produzir uma espécie de interdisciplinaridade teológica. Até mesmo a qualidade do ensino produzido pela Educação Cristã precisa ser pensada à luz das contribuições da Hermenêutica, para a correta compreensão da mensagem do evangelho. Para a produção deste artigo será usada a metodologia de caráter exploratório, uma vez que se baseia em bibliografia já disponível no mercado editorial evangélico e outros. Palavras-chave: Educação Cristã. Igreja. Hermenêutica.

2 CONSIDERAÇÕES A Educação Cristã é por natureza, um constante fazer interpretativo. De fato, por meio da Educação Cristã se procura interpretar a vida, o mundo, a sociedade, dentre outros elementos que circundam a realidade do ser humano. Mas, acima de tudo, a Educação Cristã é um fazer elucidativo em torno das Sagradas Escrituras. Conforme Carvalho (2015, p. 68), "A Bíblia, acima de tudo sempre será o ponto de partida e o Livro Texto por excelência, da Educação Cristã". Tal fato, por si só, exige que se empreenda um esforço interpretativo - hermenêutico - da Bíblia Sagrada. Edson Lopes (2010, p. 110) também concorda com esta premissa ao afirmar que "a educação cristã [...] contempla princípios cristãos de educação, que se centralizam na Bíblia Sagrada". A Educação Cristã permite a construção de uma cosmovisão a partir da leitura e do ensino do texto bíblico, buscando nele sentido ontológico e experiencial, para o indivíduo e para a coletividade eclesial. Nesse sentido, a Hermenêutica, enquanto ciência interpretativa do texto bíblico, será essencial, para que se produza uma Educação Cristã séria, coerente e fiel ao que o próprio texto bíblico de fato procura comunicar - este texto, objeto de estudo da Educação Cristã. O objetivo maior deste trabalho é considerar a relação que existe entre Educação Cristã e Hermenêutica Bíblica, partindo da simples definição de cada uma dessas ciências, suas aplicações concretas no mundo da vida e como elas podem interagir, não apenas em termos acadêmicos, mas na prática eclesial. O educador cristão e a educadora cristã tem diante de si o permanente desafio de produzir uma Educação Cristã que não seja cristianização, imposição de ideias, um constante "empurrar goela abaixo", mas sim evangelização (no melhor sentido da palavra), discipulado cristão, um trabalho contínuo, um construto sólido, que solidifica bases genuinamente bíblicas que gerarão resultados positivos para os contemplados por esse processo vital à Igreja e à sociedade. É válido mencionar ainda a distinção que existe entre "Educação Cristã", propriamente dita, e "educação religiosa". Esta última, as várias religiões desenvolvem; a outra, só o cristianismo. Todavia, a Educação Cristã é um tipo de educação religiosa (CARVALHO, 2015, p. 64). É importante traçar esta distinção até para que se tenha claro o papel e missão da Educação Cristã.

3 A Hermenêutica, que se ocupa da interpretação de textos bíblicos, pode e deve ser uma importante aliada do educador e da educadora cristã. É interessante considerar que até mesmo fora dos círculos evangélicos houve (e tem havido) crescente interesse pela hermenêutica, conforme é indicado de maneira ampla por Vanhoozer (2005). A palavra "Hermenêutica" deriva do nome do deus grego Hermes, que na mitologia grega, era o responsável por trazer as mensagens dos deuses aos homens e interpretá-las. Esse deus é sempre retratado como tendo asas nos pés, talvez para indicar justamente sua capacidade de transitar entre os homens e os deuses. Henry A. Virkler comenta: Em seu significado técnico, muitas vezes se define a hermenêutica como a ciência e arte de interpretação bíblica. Considera-se a hermenêutica como ciência porque ela tem normas, ou regras, e essas podem ser classificadas num sistema ordenado. É considerada como arte porque a comunicação é flexível, e portanto uma aplicação mecânica e rígida das regras às vezes distorcerá o verdadeiro sentido de uma comunicação. Exige-se do bom intérprete que ele aprenda as regras da hermenêutica bem como a arte de aplicá-las 1. O sentido que a palavra "Hermenêutica" assume no contexto da Teologia e mesmo em outras áreas, como na Jurídica, por exemplo 2, não deixa de estar associada ao ato de interpretar. Na Teologia, o interesse da Hermenêutica é sempre quanto ao ato interpretativo dos textos bíblicos. Representa o esforço para se chegar ao sentido pretendido pelo autor ou pelos autores 3 dos textos bíblicos, em seus mais variados gêneros literários. Ainda que os leitores contemporâneos da Bíblia possam estar condicionados culturalmente, o que por vezes produz certos anacronismos em relação aos textos do Antigo e do Novo Testamento, ainda sim é tarefa da 1 VIRKLER, 1987, p Fala-se de Hermenêutica Jurídica, que busca interpretar os cânones legais. 3 Este texto é produzido na perspectiva do método Histórico-Gramatical, e não segue a premissa das hermenêuticas pós-modernas que, via de regra, são sincrônicas e não se preocupam em chegar ao autor. Com efeito, essas hermenêuticas redigem o atestado de óbito do autor. Em Jacques Derrida, o texto fala sobre o texto, apenas, e nem tanto sobre eventos, pessoas, etc. O texto não comunica absolutamente nada. Desconstruir é preciso. Desse modo, o método Histórico-Gramatical distancia-se abissalmente dessa perspectiva, pois entende que o autor pretendeu comunicar algo, e para se chegar a esse sentido primário é preciso reduzir os distanciamentos por meio de recursos fornecidos pela própria Hermenêutica e também pela Exegese.

4 Hermenêutica e também da Exegese alcançar esse sentido primário, tornando audível a intenção do autor, naquele dado texto 4. Lopes (2013, pp ) menciona alguns fenômenos literários e teológicos presentes no texto sagrado que na Hermenêutica Bíblica são chamados de distanciamentos. O referido autor menciona os seguintes distanciamentos: Distanciamento temporal (o leitor contemporâneo distante da Bíblia em termos de tempo). Distanciamento contextual (circunstâncias que envolveram a produção do texto escriturístico já perdidas no tempo). Distanciamento cultural (a Bíblia foi escrita numa cultura muito diferente das contemporâneas). Distanciamento linguístico (as línguas bíblicas já não são mais existentes). Distanciamento autoral (o leitor contemporâneo está distante dos autores bíblicos). O esforço do hermeneuta é diminuir, na medida do possível, pelos instrumentos exegéticos e hermenêuticos, esses distanciamentos a fim de poder chegar ao sentido pretendido pelo autor sacro. Uma vez que a Bíblia é o Livro base da Igreja, seu guia de fé, de prática, de liturgia e de doutrina, entendê-la é primordial. E uma vez que a Educação Cristã é o "espaço" onde se ensina as Escrituras, é mesmo inviável dispensar a contribuição da Hermenêutica quando se pretende ensinar corretamente. O ato educativo pressupõe, por si mesmo, interpretação. O docente interpreta. O discente também interpreta. Nortear esse processo pelas vias hermenêuticas é um caminho saudável e até mesmo necessário, especialmente numa época em que tantos abusos são cometidos contra o texto bíblico e seu contexto. Essa relação entre Hermenêutica e Educação Cristã não só é possível, como também necessária. Virkler (1987, p. 10 ss) reconhece a relação da Hermenêutica com várias outras áreas de conhecimento na Teologia. Essa realidade demonstra que um dado saber teológico não necessita estar rigidamente fechado em si mesmo, 4 WEGNER, 1998, p. 23.

5 mas sim que deve caminhar em direção a outras ciências e ramos de conhecimento que permitam um enriquecimento mútuo. Nesse sentido, pode-se falar interdisciplinaridade também no "espaço" da Teologia, visando uma contribuição mútua, presumindo-se uma interdependência entre as disciplinas. Os resultados esperados, portanto, são a melhora do fazer educativo da Igreja a partir de uma apropriação mais estreita dos recursos ofertados pela Hermenêutica e um ensino de mais qualidade e mais comprometido com os valores do Reino de Deus.

6 REFERÊNCIAS BAUMAN, Zigmund. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, BENTO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. 3 ed. Rio de Janeiro: CPAD, CARVALHO, César Moisés. Uma pedagogia para a Educação Cristã: noções básicas da Ciência da Educação a pessoas não especializadas. Rio de Janeiro: CPAD, DYCK, Elmer (ed.). Hermenêutica: uma abordagem multidisciplinar da leitura bíblica. Trad.: Gordon Chown. São Paulo: Shedd Publicações, KEMPIS, Tomás de. Imitação de Cristo. São Paulo: Círculo do Livro. LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes. 3 ed. São Paulo: Cultura Cristã, LOPES, Edson. Fundamentos da educação cristã. São Paulo: Mundo Cristão, MORIN, Edgar. Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Cortez: VANHOOZER, Kevin J. Há um significado neste texto? Interpretação bíblica: os enfoques contemporâneos. Trad.: Álvaro Hattnher. São Paulo: Editora Vida, VIRKLER, Henry A. Hermenêutica avançada: princípios e processos de interpretação bíblica. Trad.: Luiz Aparecido Caruso. São Paulo: Vida, WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. São Leopoldo: Sinodal ; São Paulo: Paulus, ZABATIERO, Júlio. Novos caminhos para a educação cristã. São Paulo: Hagnos, 2009.