OURO PRETO FICHA DE INVENTÁRIO 17

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1 OURO PRETO FICHA DE INVENTÁRIO 17 categoria Patrimônio Imaterial sub-categoria Celebrações município Ouro Preto distrito Sede Povoado de Rancharia designação FESTA DE NOSSA SENHORA APARECIDA informações históricas A Virgem Maria é considerada consoladora dos aflitos, tamanha é a demonstração de amor atribuída a ela por seus fiéis. O culto a sua santidade dissemina-se, sobretudo nos ambientes insalubres e pervertidos onde cristãos estão jogados aos infortúnios da vida. Contexto mais doentio não existia quando nascia uma das mais belas devoções marianas já vistas: a adoração a Nossa Senhora Aparecida. O Brasil do início do século XVIII amargava anos difíceis por conta do declínio do açúcar nordestino, das colisões entre escravos e colonos portugueses, da nova corrida aurífera e de um conjunto de outros fatores que criavam um clima de tensão e incertezas quanto ao futuro da nação que se formava. A monarquia portuguesa, preocupada com os rumos que tomava sua colônia, elegeu o Conde de Assumar o novo governador para as províncias de Minas Gerais e São Paulo, dando-lhe a missão de apaziguar os conflitos das regiões mineradoras. Nos seu trajeto de reconhecimento do território para o qual foi eleito administrador Conde de Assumar passou pela vila de Guaratinguetá, em São Paulo, que o recebeu com festa. O governador do vilarejo, capitão-mor Domingos Antunes Fialho, encomendou aos pescadores Domingos Garcia, Filipe Pedroso e João Alves, peixes suficientes para alimentar toda a comitiva oficial. Os três tomaram a canoa e desceram o rio Paraíba do Sul na incumbência de agradar o seu dirigente, mas sob o temor de não obterem sucesso. Naqueles últimos meses que antecederam a chegada do conde à vila, a humilde população ribeirinha lamentava a falta de pescados. Embora ciente dessas limitações, o trio de pescadores se mantinha esperançoso do reverso. Depois de muito tentar e nada conseguir, desceram ainda mais o rio, até o porto de Itaguaçu, onde João Alves lançou a rede nas águas e apanhou uma escultura de Nossa Senhora da Conceição sem a cabeça. Arremessando outra vez, veio o que faltava da imagem. Espantados com aquilo, fizeram outro arremesso e, desta vez, fisgaram tantos peixes que não cabiam na canoa. Este fato foi difundido por toda região, atraindo muitos devotos da Virgem Maria até o pequeno oratório erguido pela família de Felipe Pedroso. A devoção foi crescendo no meio popular e muitas graças começaram a cair naquelas terras. Muitos tiveram suas preces atendidas pela santa que chamavam de Senhora Aparecida. Entre todos os milagres, um é mais simbólico e rico em significado de fé. Trata-se do milagre das velas, ocorrido durante a oração de devotos em torno da imagem. Repentinamente e sem motivos, todas as velas do recinto se apagaram. Para a surpresa dos presentes, quando Silvana da Rocha se levantou e procurou acendê-las novamente, elas se acenderam por si próprias, milagrosamente. Foi por meio de todos os milagres junto às camadas mais pobres que se espalhou o culto a Nossa Senhora Aparecida, hoje, padroeira do Brasil, por determinação do Papa Pio XI no ano de Do pequeno oratório, construiuse uma capela, depois outra maior no alto do Morro dos Coqueiros, próximo à vila. Em 1834, com a grande peregrinação até a imagem, iniciou-se a construção da atual Basílica Velha. Não cessando o crescimento de fiéis, em 1955 começou a edificação do maior santuário mariano do mundo, a Basílica de Aparecida, consagrada pelo papa João Paulo II em A ausência de fontes documentais com relação ao antigo povoado da Rancharia não nos assegura o apontamento exato da data inicial do processo de fixação populacional. A famosa Estrada Real que levava os caminhos das Minas até o porto do Rio de Janeiro cortava a povoação e era ali que os tropeiros arranchavam antes de seguirem viagem, daí o nome dado ao lugar: Rancharia. Decerto, próximo ao pouso desses tropeiros era comum o fluxo de comerciantes, quitandeiras, etc. O assentamento de sitiantes pode ser atribuído ao processo de fixação de culturas agrícolas de subsistência para abastecer a capital das Gerais, principalmente após a grande fome que acometeu os moradores de Vila Rica, nos anos de Porém, o lugarejo nunca teve um crescimento urbano que lhe desconfigurasse, permanecendo formado por fazendas e sítios dispersos, sem um traçado viário definido por ruas, becos ou vielas. A ausência de um marco religioso edificado em torno do qual se iniciasse e se expandisse a aglomeração, corroborou para o desarranjo da ocupação. Até hoje, a localidade segue o curso da Estrada Real. No que tange os aspectos religiosos dos habitantes de Rancharia, não há evidência de que existiu um templo para as práticas espirituais da população, estando essa dependente do Bairro Saramenha para assistirem às missas, novenas, se batizarem e tomarem a benção matrimonial. Assim, ao longo desses quase trezentos anos de existência, Rancharia provavelmente não contava com um padroeiro e não eram promovidos movimentos no sentido de levantarem uma capela no local. A festa de Nossa Senhora Aparecida, só foi adotada pelos habitantes de Rancharia muito recentemente, partindo de uma iniciativa particular. A Sra. Luzia Maria Nicodemos Epifânio foi a fomentadora da comemoração no local, a partir de sua fé e dedicação pessoal à padroeira do Brasil. Isso ocorreu há 26 anos. Dona Luzia, uma pessoa referencial da localidade era grande devota de Nossa Senhora Aparecida e conhecida por ter alcançado várias graças ao longo de sua vida. Em 1979, após uma viagem ao Santuário de Aparecida do Norte, São Paulo, ela trouxe a imagem da Virgem e iniciou o movimento para que ocorresse a festa dedicada à santa, em Rancharia. Foi iniciativa da própria Dona Luzia e de seus familiares, convidar o padre da Paróquia de Cristo Rei, em Saramenha, para realizar a missa no dia 12 de outubro, além de organizarem a procissão com a imagem e promoverem a novena nos nove dias que antecederam a data comemorativa. A persistência da devota moradora foi essencial para que desde o primeiro ano a festa alcançasse sucesso repentino, excedendo as expectativas. A movimentação em torno das comemorações de Nossa Senhora Aparecida foi crescendo ao longo dos mais de 20 anos em que ela esteve à frente das atividades. Se nos primeiros anos o evento se restringiu aos moradores locais e a alguns poucos visitantes dos distritos vizinhos, mais recentemente é intenso o fluxo de fiéis que se deslocam até Rancharia no feriado nacional dedicado à padroeira para acompanharem os festejos, vindos de todos os lugares de Ouro Preto e até de municípios vizinhos, em virtude das poucas ocorrências em homenagem à padroeira do país na região. O mais interessante é que não existe um templo religioso no local para a realização da missa e para abrigar a imagem original, adquirida por Dona Luzia Nicodemos. A celebração acontece em descampado próximo à antiga residência da devota inaugural. Nossa Senhora Aparecida protege o pequeno povoado, e é a padroeira informal da localidade, já que não existe nenhuma definição bispal de reconhecimento desse feito. Mas os seus habitantes e visitantes já adotaram-na página 103 I 148

2 informações iconográficas caracterização proteção legal Nenhuma informações descritivas bens relacionados intervenções como padroeira da Rancharia. E, mesmo após a morte de Dª Luzia, em 2002, as suas filhas e outros parentes continuaram à frente da organização da festa, que é a prática mais importante do lugarejo e que se firma a cada edição como tradição no pequeno povoado ouropretano. Apesar de se tratar de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, ao longo do tempo o próprio culto à santa conferiu atributos peculiares à Virgem Aparecida. Quando foi pescada, a escultura não apresentava a policromia original, devido aos anos em que esteve mergulhada nas águas e no lodo do rio. Sua cor era marrom-escura, e assim foi mantida como traço distintivo. Outros símbolos foram acrescentados: a coroa foi presenteada pela princesa Isabel em 1884 e o manto azul-marinho inserido em 1904, mostrando a bandeira e as insígnias das armas da República Brasileira à altura dos pés. Na imagem, vê-se apenas seu rosto e suas mãos postas junto ao peito em sinal de oração. Aquelas derivadas da original variam pouco quanto à indumentária. No máximo, percebe-se a ausência de alguns atributos (como a bandeira do Brasil) ou a presença de outros (como o rosário, provavelmente por influência de Nossa Senhora de Fátima), sempre diluídos harmoniosamente. A escultura de Rancharia, adquirida em uma peregrinação ao Santuário de Aparecida do Norte, São Paulo, na década de 80, enquadra-se perfeitamente no tipo oficial. Chama atenção apenas os traços dourados no corpo da santa e sua boca avermelhada. O pequeno povoado de Rancharia se prepara para comemorar o dia de sua padroeira e catalisa sobre o feito os sentidos de comunidade e de identidade dos moradores do lugar. A cada ano, a procissão com a imagem da santa sai de uma das residências do povoado. A casa de onde se origina o cortejo, durante a manhã do dia 12 de outubro, é enfeitada com balões e fitas com as cores da bandeira nacional: verde, amarelo, azul e branco. Tais tons exaltam a Virgem como padroeira do Brasil e da Rancharia e refletem o seu alcance nacional e local. A própria bandeira do Brasil conduz a procissão com a escultura. Essa, por usa vez, é enfeitada com manto, coroa, e flores. O andor é decorado com fitas e também com flores. Os balões, pendurados em bambus, enunciam o trajeto do séqüito e mais uma vez trazem as cores nacionais. As mesmas se destacam na decoração do pátio da casa de Dona Maria da Conceição Carlos, onde são realizadas as várias atividades, já que a localidade não conta com uma capela. Dona Maria cedeu o espaço já que ali funciona também um restaurante, o que facilita a promoção do almoço comunitário. O lugar é ornamentado com balões, flores, fitas e bambus para a realização da missa festiva campal, do teatro sobre a história de Nossa Senhora Aparecida, do almoço comunitário, do leilão de prendas, além da dança e da venda de bebidas. A festa de Nossa Senhora Aparecida, em Rancharia, tem um caráter bastante simples, inclusive por concentrar todas as suas atividades sob o mesmo espaço e em um único dia, 12 de outubro. Porém, nos nove dias que antecedem o data oficial dedicada à padroeira, há a realização de uma novena, que percorre nove diferentes residências do povoado, para onde é levada a imagem de Nossa Senhora Aparecida e rezado o terço. Pela manhã do dia 12, são iniciados os preparativos para a procissão com a imagem da padroeira. As pessoas se concentram na enfeitada casa de onde sairá o cortejo. Duas filas são formadas para acompanhar a imagem, carregada em um andor apenas por mulheres. A procissão, guiada pela bandeira do Brasil, segue pela rodovia que corta o povoado, ocupando uma das pistas. O trajeto também é decorado com balões e no percurso são lançados foguetes e entoados cânticos em homenagem à Nossa Senhora. Desde os primeiros anos de edição da festa, a missa é realizada no quintal da casa da senhora Maria da Conceição Carlos, cunhada de Dona Luzia Maria Nicodemos Epifânio, mentora do evento. É para esse local que se dirige a procissão e onde acontecem as outras atividades da festa. Ali tudo é preparado e ornado para que ocorra a missa festiva dedicada à padroeira de Rancharia e do Brasil. O coral de Sant Ana de Chapada acompanha a missa, cantando hinos e músicas religiosas. Após a celebração, há a encenação da aparição da imagem da Virgem, nos idos dos anos 1700, para pescadores de São Paulo. No curso das atividades do dia, tem-se um almoço comunitário, produzido com alimentos arrecadados entre os moradores locais. A renda da venda da refeição é revestida para o pagamento das despesas da festa e também para a provisão que viabilizará a construção de uma capela em Rancharia. Simultâneo ao almoço, ocorre um leilão de prendas, também doadas, bastante apreciado pelos participantes da Festa de Nossa Senhora Aparecida. As atividades adentram a tarde do feriado, com a venda de bebidas, música e dança. Pela estrutura bastante simples da festa de Nossa Senhora Aparecida e pelo pouco tempo de sua existência, o único bem plausível de se relacionar é a imagem da padroeira, em gesso, e adquirida por Dª. Luzia Epifânio, em 1979, na sua visita ao santuário de Aparecida do Norte, São Paulo. A aquisição da imagem desencadeou o processo, encabeçado por Dª. Luzia, para que se iniciassem os festejos dedicados à santa protetora do Brasil, em Rancharia, já naquele mesmo ano. A imagem não tem nenhum valor artístico ou histórico, mas a sua relação com a origem e a continuidade da festa é incontestável, sendo dotada de uma valorização simbólica inquestionável. A festa de Nossa Senhora Aparecida tem cerca de 26 anos e as atividades mais importantes que a compõem foram as mesmas ao longo desse anos: a novena nos nove dias anteriores ao 12 de outubro, a procissão com a imagem pela estrada que corta a cidade, a missa festiva, o almoço comunitário e as atividades de rua: música, dança e venda de bebidas. O leilão de prendas é uma prática mais recente e, segundo os moradores, tem cerca de 15 anos, sendo que sua realização não foi contínua. Outro elemento inserido há pouco nos festejos é a encenação teatral que conta a história de Nossa Senhora Aparecida: ela está na festa há apenas duas edições, ou seja, desde o ano de referências Bibliográficas ALVES, José Benedito. Os Santos de Cada Dia. São Paulo, Paulinas, CHAVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alan. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. Rio de Janeiro: José Olympio, CONTI, Dom Sevilio. O Santo do dia; Petrópolis:Vozes, FORTES, Solange Sabino Palazzi. Ouro Preto conta Ouro Preto: tradições da Terra do Ouro. Ouro Preto/MG: SOCIEDADE DAS CIÊNCIAS ANTIGAS, A Beatíssima Virgem Maria, in Orais EPIFÂNIO, Vera Aparecida. Entrevista. Rancharia, 12/10/2005. FLORES, Angelita. Entrevista. Rancharia, 29/09/2004. HÉLIO (...). Entrevista. Rancharia, 04/08/2003. MORAIS, Antônio. Entrevista. Rodrigo Silva, 04/08/2003. MORAIS, Maria José Cardoso. Entrevista. Rodrigo Silva, 04/08/2003. página 104 I 148

3 Eletrônicas < < imagens Patrícia Pereira, 12 de outubro de Programação Povoado de Rancharia página 105 I 148

4 Imagem de Nossa Senhora Aparecida Missa campal Rezadeiras página 106 I 148

5 Procissão ficha técnica levantamento Guga Barros (Comunicação) Guilherme Rodrigues (Sociologia) João Paulo Lopes (História) Patrícia Pereira (Arquitetura e Urbanismo) Sandra Fosque Sanches (Diretora de Promoção Cultural da Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio de Ouro Preto) data out/2005 elaboração Guilherme Rodrigues (Sociologia) João Paulo Lopes (História) data nov/2005 revisão Memória Arquitetura Ltda data jan/2006 página 107 I 148