Você finge não ver e isso dá câncer: o controle do câncer de mama no Ceará entre as décadas de 1960 e 1980.
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1 Você finge não ver e isso dá câncer: o controle do câncer de mama no Ceará entre as décadas de 1960 e THAYANE LOPES OLIVEIRA 1 Introdução [...] os médicos dedicaram uma atenção considerável aos aspectos dos seios como dador de vida e responsável pela morte, com a ênfase a mudar do primeiro para o segundo, e em especial para o cancro da mama no nosso século. (Marilyn Yalom) O aumento da atenção dada aos seios femininos como responsável pela morte, de acordo com a autora, tem no crescimento da incidência do câncer de mama a sua justificativa. No Brasil, atualmente, as neoplasias malignas ocupam o segundo lugar no ranking da mortalidade com 16% dos óbitos, ficando atrás apenas das doenças cardiovasculares (28%) 2. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva INCA- 596 mil novos casos de câncer são estimados para o ano de Destes, em mulheres. A partir de dados obtidos pelos Registros de Câncer, o câncer de mama configurou a maior taxa de incidência entre as mulheres em todas as regiões do país, exceto na região Norte. São estimados novos casos para este ano, sendo na região Nordeste. 3 1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. Casa de Oswaldo Cruz Fiocruz. Orientador: Luiz Antonio Teixeira. Bolsista CAPES
2 A expressividade desses números é decorrente de um processo que vem sendo construído há algumas décadas. O crescimento da presença do câncer está relacionado à transição demográfica. Os avanços da medicina e o controle de doenças epidêmicas, a modernização e urbanização das sociedades contribuíram para a modificação na expectativa de vida populacional, bem como para a transformação do quadro nosológico. Tivemos a diminuição e o controle das doenças agudas e surtos epidêmicos e, em contrapartida, o incremento das doenças crônico-degenerativas. Durante o século XX, este cenário colaborou para a transformação do câncer em problema de saúde pública no Brasil, exigindo a criação de instituições e políticas de saúde para o controle da doença. Dados epidemiológicos das décadas de 1970 e 1980 apontam para o crescimento da incidência de câncer em mulheres no Brasil. De acordo com as estatísticas de mortalidade de 1980, para mulheres acima de 15 anos de idade, as neoplasias malignas ocuparam a segunda causa de morte com 15,2%, ficando atrás apenas das doenças do aparelho circulatório. Considerando as principais localizações, os cânceres ginecológicos concentraram a maior porcentagem, sendo 15,2% os casos de óbitos por câncer de útero e 14,5% para os óbitos por câncer de mama. (FAERSTEIN, AQUINO e RIBEIRO, 1989) Diante do exposto, nosso objetivo é analisar historicamente o controle do câncer de mama no estado do Ceará, nas décadas de 1960 a Este trabalho faz parte do desenvolvimento da dissertação de mestrado do programa de pós-graduação em história das ciências e da saúde na Casa de Oswaldo Cruz Fiocruz. Para o encaminhamento da pesquisa utilizamos como fontes os jornais O Povo e Diário do Nordeste, de circulação no Ceará; as revistas médicas Ceará Médico e Revista da Faculdade de Medicina do Ceará; documentos e publicações oriundas dos dois principais serviços de atendimento ao câncer no estado, o Instituto do Câncer do Ceará e o Instituto de Prevenção do Câncer do Ceará. A atenção ao câncer ginecológico no Brasil
3 Considerando a bibliografia sobre câncer no Brasil 4, percebemos que a partir da segunda metade da década de 1960 e, principalmente, nos anos 1970, os cânceres ginecológicos ganharam maior atenção na esfera da saúde pública com o surgimento de iniciativas para prevenção, diagnóstico precoce e controle de tais doenças. A maior relevância dada aos cânceres ginecológicos pode ser observada pela criação do Programa Nacional de Controle do Câncer em Com o intuito de organizar as ações de controle do câncer em todo o território nacional, o PNCC pautava quatro metas principais, sendo elas: implantação do sistema; prevenção e detecção; ensino e pesquisa; tratamento, seguimento e reabilitação. Dentro das primeiras ações, o PNCC priorizou o câncer de colo uterino devido sua alta incidência e possibilidade de prevenção. Para isto, houve investimento financeiro para a instalação de laboratórios estaduais de colposcopia e o desenvolvimento de campanhas de rastreamento do câncer do colo do útero em todo o país. No que concerne ao câncer de mama, a ação direcionada pautava-se na detecção precoce. Isso seria feito, principalmente, através do exame clínico periódico das mamas e do auto-exame, por apresentarem menores custos. No caso das regiões que dispusessem de centros estaduais de câncer, o diagnóstico contava com o auxílio da mastografia, xerografia ou da termografia. No Ceará, esse atendimento era feito no ICC, IPC e na Faculdade de Medicina da UFC. O contexto social deste período é marcado pela intensificação da discussão sobre a saúde da mulher. Fruto das reivindicações dos movimentos de mulheres, o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher PAISM 1984, será de extrema importância para a visibilidade da saúde feminina para além do período gravídicopuerperal. A ideia de integralidade estabelecia o acompanhamento das mulheres desde a adolescência até a terceira idade. Ao identificar os principais problemas de saúde que atingem a população feminina, o câncer cérvico-uterino e mamário são postos em pauta. De acordo com o programa, 4 Ver por exemplo, Faerstein, Aquino e Riberio, 1989; Moraes, 2015; Porto, Teixeira e Silva, 2013; Teixeira, 2007, 2012; Lana, 2012.
4 O câncer do colo uterino e da mama tem apresentado altas taxas de morbimortalidade, devido às baixas coberturas dos serviços, em termos de identificação precoce da patologia, e das dificuldades de acesso aos serviços de maior complexidade por parte das pessoas com diagnóstico positivo. [...] No caso do câncer de mama, a técnica diagnóstica é ainda mais simples, pois se resume na apalpação sistemática das mamas e no ensino de técnicas de auto-exame. (Ministério da Saúde, 1985:11) Diferente do câncer de colo do útero, para o câncer de mama não existe prevenção. Esses conceitos são diversas vezes tomados como iguais em algumas falas, principalmente nos jornais. No período estudado, o diagnóstico precoce se tornou a chave para a eficácia do tratamento, podendo evitar a mutilação provocada pela mastectomia e a obtenção da cura. Este apelo será observado nas matérias dos jornais, assim como nas campanhas dos institutos e nas publicações médicas. As ações para o controle do câncer de mama foram elaboradas com base nessa orientação. Difusão do auto-exame e a busca rápida por um profissional caso fosse identificado qualquer nódulo nas mamas. Câncer de mama no Ceará A partir da primeira metade do século XX, o câncer foi cada vez mais reconhecido como um problema de saúde mundial e não restrito aos países industrializados. Na década de 1970, o estudo de Parkin, Stjernsward e Muir (1984) analisou a tendência de incidência dos doze principais tipos de câncer no mundo, sendo eles: boca e faringe, esôfago, estômago, cólon e reto, fígado, pulmão, mama, colo do útero, próstata, bexiga, linfático, leucemia. (PARKIN, STJERNSWARD e MUIR, 1984) Nesse estudo, os autores concluíram que a principal modificação na mortalidade por neoplasias em mulheres, nos países industrializados, é o decréscimo dos casos de
5 câncer de estômago e colo do útero, e o aumento dos casos de pulmão e mama. Estas seriam as neoplasias características das sociedades mais avançadas. Essa conclusão colabora para a lógica de que o câncer de colo do útero está relacionado à pobreza, e o câncer de mama é característico das sociedades industrializadas. Indícios dessa relação serão percebidos através dos jornais e publicações médicas. Ao falar sobre o problema do câncer de mama no Ceará, médicos e autoridades públicas retomam a afirmação de que este tipo de câncer é típico de sociedades mais civilizadas. Como observado, Apesar das limitações da informação disponível no país, é possível constatar, como já foi mencionado, um padrão de ocorrência de câncer decorrente da coexistência de riscos típicos de situações desenvolvidas e subdesenvolvidas. A similaridade das taxas de incidência para as neoplasias de colo uterino e mama em Fortaleza, por exemplo, poderia representar o retrato momentâneo de um processo onde a primeira estaria tendendo ao decréscimo e a segunda ao acréscimo. (Faerstein, Aquino e Ribeiro, 1989:174) Sob essa perspectiva, médicos e gestores da saúde se questionam sobre o padrão de vida em Fortaleza. Se a cidade apresentava condições similares a dos países mais urbanizados para justificar essa situação. Na matéria Grande incidência de câncer mamário vem preocupando autoridades médicas, os médicos Marcelo Gurgel e Melkon Fermanian falam sobre o problema, A incidência de câncer da mama entre as mulheres cearenses está preocupando cada dia mais às autoridades médicas locais. A mais recente pesquisa oficial feita pelo médico Marcelo Gurgel ( ) indica que esse tipo de doença atinge 20,65 por cento em relação aos demais. Em segundo lugar vem o do colo do útero com 20,53 por cento. Porém esses números vêm aumentando ano a ano e não há explicação quanto ao fato, principalmente porque nosso estado não se situa entre os que apresentam condições favoráveis à evolução da enfermidade. (grifos nossos)
6 [...] esse tipo de câncer, como já se demonstrou, atinge mais a população feminina dos grandes centros industriais, dos países frios e de classe sócioeconômica mais elevada. (Jornal O Povo, ) A ligação entre câncer de mama e desenvolvimento econômico fica evidente nas falas dos médicos. O crescimento das taxas de incidência no estado não correspondia às características econômicas e sociais do período, colocando um paradoxo para os cancerologistas cearenses. No jornal Diário do Nordeste, a matéria Câncer de mama Incidência em Fortaleza é das maiores, o Instituto de Prevenção do Câncer divulga a Semana de prevenção das doenças da mama. Ao falar sobre o local de realização do evento, o diretor do IPC Melkon Fermanian afirma, A escolha do Iguatemi, segundo Fermanian, foi para atingir a população de maior renda, pois apesar de não haver uma justificativa, as mulheres de status social mais elevado são as que mais contraem câncer mamário. (Diário de Nordeste, ) A escolha de um shopping frequentado pela classe média/alta se justifica pelo público que a campanha de prevenção deseja alcançar, as mulheres de renda mais alta. Em diversas reportagens outros aspectos das mulheres de status social mais elevado serão colocados como fatores de risco para o câncer de mama. São essas mulheres que engravidam tardiamente, ou não engravidam; não amamentam; utilizam pílula anticoncepcional e etc. Fatores da vida da mulher moderna, tipicamente das sociedades civilizadas e urbanizadas que colaboram para a maior frequência da doença. Conclusão
7 Este trabalho é um pequeno esboço na direção da escrita da dissertação. Muitos pontos aqui apenas pontuados serão melhor desenvolvidos, como a questão da relevância do diagnóstico precoce e a relação entre câncer de mama e desenvolvimento. A partir desse olhar, percebemos que há um esforço por parte dos cancerologistas cearenses em pautar o câncer de mama como problema de saúde pública. Isso será feito através da constante exposição de estatísticas sobre a doença. Esse esforço pode se relacionar ao processo de crescimento da própria capital cearense, uma cidade que se quer moderna e urbanizada, deve ter problemas sanitários similares aos dos grandes centros urbanos. Pensamos, dessa forma, contribuir para o campo da história das doenças que inclui, cada vez mais, as doenças crônico-degenerativas, na medida em que considera as transformações também no quadro de males que atinge a humanidade. Bibliografia ARAÚJO NETO, Luiz Alves. O Problema do Câncer no Ceará: Cancerologia, controle do câncer e a atividade coletiva da medicina ( ). Dissertação de mestrado: Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. Casa de Oswaldo Cruz Fiocruz, BARROSO, Carmen. A saúde da mulher. São Paulo: Nobel: Conselho Estadual da Condição feminina, BODSTEIN, Regina Cele de Andrade. (org.). História e Saúde Pública: A política de controle do câncer no Brasil. Rio de Janeiro: PEC/ENSP, 1987.
8 FAERSTEIN, Eduardo; AQUINO, Estela Maria Leão de; RIBEIRO, Dóra Chor de Souza. Câncer na mulher: uma prioridade no Brasil? In: LABRA, Maria Eliana. (org.). Mulher, Saúde e Sociedade no Brasil. Petrópolis: Vozes, IMBAULT-HUART, Marie-José. História do Cancro. In: LE GOFF, Jacques. (org.). As doenças têm história. Lisboa: Terramar, MESQUITA, Cecília Chagas de. Saúde da Mulher e redemocratização: ideias e atores políticos na história do PAISM. Dissertação de Mestrado em História das Ciências e da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Rio de Janeiro, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Assistência integral à saúde da mulher: Bases de ação de programática. Brasília: Ministério da Saúde, MORAES, Priscila dos Anjos. A trajetória do câncer de mama no Brasil: uma análise do Jornal O Globo ( ). Dissertação de mestrado em História das Ciências e da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Rio de Janeiro, PARKIN, D.M. STJERNSWARD, J. MUIR, C.S. Estimates of the worldwide frequency of twelve major cancers. Bulletin of the World Health Organization, 62 (2), , PORTO, Marco Antonio Teixeira. TEIXEIRA, Luiz Antonio. SILVA, Ronaldo Corrêa Ferreira da. Aspectos Históricos do Controle do Câncer de Mama no Brasil. Revista Brasileira de Cancerologia, 59 (3), SILVA, Marcelo Gurgel Carlos. Câncer em Fortaleza: Morbidade e Mortalidade no período Secretaria de Cultura e Desporto: Fortaleza, TEIXEIRA, Luiz Antonio (coord.). De doença desconhecida a problema de saúde pública: o INCA e o controle do câncer no Brasil. Luiz Antonio Teixeira; Cristina M. O. Fonseca. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, O câncer no Brasil: Passado e Presente. Luiz Antonio Teixeira, Marco Porto, Claudio Pompeiano Noronha. Rio de Janeiro: Outras Letras, YALOM, Marilyn. História do Seio. Lisboa: Teorema, 1997.
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