XII Congresso Brasileiro de Meteorologia, Foz de Iguaçu-PR, 2002

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1 A FREQÜÊNCIA DE FENÔMENOS METEOROLÓGICOS NA AMÉRICA DO SUL: UMA CLIMATOLOGIA MARIA GERTRUDES ALVAREZ JUSTI DA SILVA UFRJ / IGEO / Departamento de Meteorologia Cidade Universitária Ilha do Fundão Rio de Janeiro RJ justi@acd.ufrj.br MARIA ASSUNÇÃO FAUS DA SILVA DIAS mafdsdia@model.iag.usp.br ABSTRACT The objective of this paper is to verify if some proxy data could be used to determine the frequency of weather phenomena that characterized the climate of South America. The NCEP reanalysis data from has been used to establish the frequencies of frontal systems and jet stream in all season of the year and the frequencies of South America Convergence Zone (SACZ) and the Low Level Jet (LLJ) during summer. The indicators chosen can capture quite well the principal characteristics of the seasonal and interannual variability of the transients in subtropical South America including the sea saw between ZCAS and the LLJ intensity during the summer season. INTRODUÇÃO As reanálises do NCEP do período de (KALNAY et al., 1996) foram usadas para o estabelecimento de uma climatologia das freqüências de alguns dos fenômenos de tempo relevantes que ocorrem nas regiões subtropicais e extratropicais da América do Sul. O estabelecimento desta climatologia tem como motivação verificar a adequação de alguns indicadores simples que possam representar tais fenômenos, de tal modo que esses indicadores possam ser usados na comparação de previsões climáticas sazonais nas quais se têm muitas informações que precisam ser verificadas automaticamente e com critérios homogêneos (ver também JUSTI DA SILVA e SILVA DIAS, 2002). Foram determinadas as freqüências dos sistemas frontais e das correntes de jato em todas as estações do ano e a freqüência dos jatos de baixos níveis (JBN) à leste dos Andes e a freqüência do estabelecimento da ZCAS durante o verão. Os campos contendo estas freqüências foram comparados com o que se conhece da variabilidade sazonal e interanual destes fenômenos de tempo para se verificar a adequação dos indicadores usados. METODOLOGIA Foi usada basicamente a metodologia já descrita em JUSTI DA SILVA e SILVA DIAS (2000). Para a região de interesse, limitada pelos paralelos de 10 e 60 0 S e os meridianos de 30 e 90 0 W, foi estabelecida para cada ponto de grade: (a) a freqüência dos sistemas frontais durante uma estação do ano, contando-se o número de vezes (K F ) em que a componente meridional do vento mudou seu sinal, passando de direção norte para direção sul; (b) a freqüência de jatos em 200 hpa, definida pelo número de vezes (K UJ ) em que a velocidade do vento neste nível esteve maior do que 50 m/s; (c) a freqüência de ZCAS como o número de vezes durante o verão (K S ) em que a componente meridional do vento muda da direção norte para a direção sul e permanece nesta direção por mais de quatro dias consecutivos, na região limitada pelos paralelos de 15 a 30 0 S e pelos meridianos de 35 a 55 0 W e (d) a freqüência de ocorrência dos JBN como o número de vezes (K LJ ) em que a componente meridional do vento em 850 hpa é negativa (de direção norte) e com intensidade maior do que 8 m/s, na região centrada em 20 0 S e 60 0 W. A definição de um indicador para um fenômeno meteorológico baseia-se em modelos conceituais de sua evolução. Quando o interesse é a passagem de sistemas frontais pelas regiões subtropicais da América do Sul, um indicador simples é a reversão do sinal da componente meridional do vento. Nas regiões Sul e Sudeste do Brasil os ventos em níveis baixos têm direção de nordeste influenciados pela presença da alta subtropical que fica climatologicamente situada sobre o Oceano Atlântico. Numa situação pré-frontal o vento gira tipicamente para noroeste e depois para sudoeste e sudeste na medida em que a frente passa. Justifica-se assim o uso da estatística K F para a determinação da freqüência de ocorrência de sistemas frontais sobre uma específica estação do ano. 860

2 A localização e a ocorrência dos jatos de altos níveis traduzem a existência dos gradientes térmicos entre o pólo e o equador e a influência coletiva dos transportes de momento a partir das regiões convectivas tropicais. O estabelecimento da freqüência dos jatos em altos níveis torna-se importante quando o objetivo final é comprovar a adequação de previsões comparando-as com as freqüências realmente observadas. A Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), descrita inicialmente por KODAMA (1992 e 1993), é um tipo de sistema frontal estacionário que ocorre na parte mais quente do ano que não pode ser descrito adequadamente por K F. Podemos classificar um sistema estacionário como ZCAS se ele permanece por pelo menos quatro dias sobre uma região, onde em superfície o vento é tipicamente de norte, ao norte da ZCAS, e é de sul na parte ao sul do sistema. Por isso se propõe K S como um indicador da ZCAS na estação de verão. Outro aspecto importante do tempo na região da América do Sul é o fluxo de umidade que tem origem na região tropical e se desloca para as regiões subtropicais. Um bom indicador deste deslocamento é a presença dos jatos de baixos níveis. A presença deste jato tem sido associada à formação dos Complexos Convectivos de Mesoescala observados à leste dos Andes (VELASCO e FRITSCH, 1987) e outros sistemas convectivos de mesoescala que aparecem no sul e sudeste do Brasil, no Uruguai, Paraguai e norte da Argentina. Neste trabalho usa-se o critério sugerido por SUGAHARA et al. (1994) para a definição da presença do JBN, conforme descrito acima. Os valores de K F, K UJ, K S e K LJ foram estabelecidos considerando os meses de junho, julho e agosto como sendo os meses de inverno; setembro, outubro e novembro como os meses de primavera; dezembro e os meses de janeiro e fevereiro consecutivos como sendo os representantes do verão e os meses de março, abril e maio como os meses de outono. Foram calculadas as médias dos indicadores, para todo o período de 18 anos, em cada uma das estações do ano, e verificada a variabilidade interanual destes indicadores, comparando os campos obtidos com as condições da temperatura da superfície do mar na região do Pacífico Equatorial. Neste caso, estarão sendo usados neste trabalho os símbolos de Q, F ou N, para designar eventos quentes (El Niño), eventos frios (La Niña) e eventos neutros ou de condições climatológicas normais, segundo os critérios do Climate Prediction Center do NCEP (ver em Além disso, os símbolos (+) e (-) indicarão eventos mais ou menos intensos, respectivamente. RESULTADOS E DISCUSSÃO As penetrações frontais são responsáveis pela maior parte da precipitação que ocorre no norte da Argentina, no Uruguai, no Paraguai, na Bolívia, no sul do Peru e nas regiões sul, sudeste e central do Brasil. OLIVEIRA (1986) e LEMOS e CALBET (1996) mostraram que, embora a entrada de frentes no continente seja comum em todas as estações do ano, existe uma variação sazonal na atividade convectiva a elas associadas, sendo extremamente baixa durante o inverno, principalmente nos meses de junho e julho, quando a entrada de tais sistemas no continente sul-americano não traz tanta chuva quanto no verão. A Figura 1 mostra os valores médios de K F, tomados sobre o período de em cada uma das estações do ano. Nela fica evidenciada a grande semelhança em todas as estações do ano da estrutura dos campos de K F, a alta freqüência em torno da latitude de 35 0 S e os valores mais altos no litoral comparativamente com o interior do continente. A região entre 15 0 e 40 0 S sobre o continente é fortemente frontogenética (SATYAMURTY e MATTOS, 1989), correspondendo ao colo formado pelas duas cristas das altas subtropicais (sentido leste-oeste) com os dois cavados da direção norte-sul. Além disso, os ciclones das latitudes médias, vindos do Pacífico, cruzam os Andes e a Argentina, em torno de 35 0 S, tomando um curso de leste para sudeste no Atlântico, enquanto que a frente fria associada com o centro de baixa pressão move-se para nordeste. Pelo exame da Figura 1, pode-se perceber essas configurações climatológicas básicas no campo de K F. Em termos de variabilidade interanual, percebe-se a semelhança dos campos de K F quando são agrupados os anos correspondentes a eventos semelhantes do fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS). Vale ressaltar a extrema semelhança dos campos de K F, durante os verões de 83/84, 88/89, 95/96 e 98/99, todos correspondentes a eventos frios, sendo os de 88/89 e 98/99, classificado como F+ e os de 83/84 e 95/96 classificados como F-. Podese comparar tais campos com os campos correspondentes aos verões de eventos quentes de ENOS, os verões de 8 7/88, 90/91, 91/92 e 92/93 em 861

3 Figura 1 Freqüência média de sistemas frontais em cada uma das estações do ano, sobre o período de , usando-se as reanálises do NCEP. A climatologia dos jatos em altos níveis pode traduzir muitos dos aspectos ligados às penetrações frontais, estabelecimento e localização da ZCAS e a ocorrência de CCM s e demais sistemas convectivos organizados sobre a região subtropical da América do Sul. Os campos médios para cada estação do ano com a freqüência de jatos em 200 hpa, K UJ, mostram, coerentemente com a climatologia, uma maior intensidade durante o inverno assim como um deslocamento desta freqüência para o Equador nesta época do ano (ver em Em termos de variabilidade interanual percebe-se, por exemplo, a semelhança nos campos correspondentes às ocorrências de fases quentes (Figura 2) do evento ENSO durante o inverno, fases frias durante o inverno ( e fases quentes durante o verão (Figura 3). 862

4 Q+ Q Q Q+ Figura 2 Freqüência de jatos em altos níveis correspondentes aos invernos de 87, 93, 94 e 97, todos correspondendo com fases quentes do fenômeno ENOS. 863

5 Q- Q+ Q+ Figura 3 Freqüência de jatos em altos níveis correspondentes aos verões de 87/88, 91/92 e 97/98, todos coincidindo com fases quentes do evento ENOS. O que mais se destaca quando se analisa a variabilidade interanual dos campos de K UJ é a extrema diferença entre os campos quando a situação no Pacífico Equatorial corresponde à normalidade ou à climatologia. Na Figura 4, mostra-se para comparação, o campo médio de K UJ correspondente ao inverno (Figura 4c), e os campos desta freqüência correspondentes aos invernos de 82, 83, 89 e 95. Em situação de TSM próxima à normalidade, encontramos desde campos de K UJ com baixíssimas freqüências (invernos de 82 e 89) até o extremo oposto, com as altíssimas freqüências nos invernos de 83 e 95. Os campos médios para o período de com os valores K S e de K LJ para o verão podem ser vistos em De uma maneira geral a freqüência de JBN, K LJ, nos anos de El Niño é maior do que a média, enquanto que esta freqüência apresenta valores abaixo da média em anos de La Niña. NOGUÉS-PAEGLE e MO (1997) investigaram a variabilidade intrasazonal da ZCAS com dados de OLR e reanálises do NCEP e verificaram uma estrutura de gangorra (ou dipolo) na atividade convectiva sobre a ZCAS e as regiões adjacentes a sudoeste. Quando a ZCAS está mais forte, ocorre supressão de precipitação no sul do Brasil, no Paraguai, Uruguai e norte da Argentina e quando a ZCAS se enfraquece, esta região tem uma intensificação de precipitação. NOGUÉS-PAEGLE e MO (1997) associaram este dipolo na precipitação com as mudanças no fluxo meridional de umidade. No caso do enfraquecimento da ZCAS, e de uma forte precipitação fora da ZCAS, existe uma anomalia bem definida de fluxo meridional de umidade em torno de 60 0 W fluindo de norte para o norte da Argentina. Na outra fase, este fluxo meridional é substituído por um fluxo de oeste, de tal modo que a ZCAS tem seu suprimento de umidade intensificado. A Figura 5 mostra as freqüências K LJ e K S calculadas para os verões de 84/85 e 97/98. Observa-se que no verão de 84/85 a freqüência de JBN foi fraca enquanto que a freqüência de ZCAS foi intensa, observando-se o efeito contrário no verão de 97/98. Isso é uma evidência de que os indicadores 864

6 usados estão capturando adequadamente as variações interanuais destes fenômenos meteorológicos e mostrando seus efeitos relativos em relação à alimentação de umidade nas regiões subtropicais da América do Sul. (a) Inverno de 82. (b) Inverno de 83. (c) Campo K UJ médio de inverno. (d) Inverno de 89. (e) Inverno de 95. Figura 4 Freqüência de jatos em altos níveis correspondentes aos invernos de (a) 82, (b) 83, (c) 89 e (d) 95, todos correspondendo a situações de neutralidade ou normalidade em relação ao fenômeno. ENOS na região do Pacífico Equatorial. 865

7 (a) Freqüência de JBN Verão 84/85. (b) Freqüência de JBN Verão 97/98. (c) Freqüência de ZCAS Verão 84/85. (d) Freqüência de ZCAS Verão 97/98. Figura 5 Comparação entre as freqüências de Jatos em Baixos Níveis e de ZCAS nos verões de 84/85 e 97/98. CONCLUSÕES Neste trabalho foram propostos alguns indicadores para o estabelecimento de freqüências de fenômenos meteorológicos relevantes para as regiões subtropicais e extratropicais da América do Sul. Foram analisados, separadamente para cada estação do ano, os dados das reanálises do NCEP visando o estabelecimento de uma climatologia para a freqüência de sistemas frontais, jatos em altos níveis, presença de ZCAS e a ocorrência de JBN. Os campos médios obtidos e a variabilidade verificada entre os campos em períodos de ocorrência de diferentes eventos ENOS, quando comparados com resultados na literatura corrente, permitem afirmar que os indicadores propostos demonstram adequação na caracterização dos fenômenos citados podendo ser usados no estabelecimento de uma climatologia para estes transientes. 866

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS KALNAI, E., M. KANAMITSU, R. KISTLER, et al., 1996, "The NCEP/NCAR 40-Year Reanalysis Project". Bull. Amer. Meteor. Soc., 77, pp KODAMA, Y. M. 1992, "Large-scale common features of subtropical precipitation zones (the Baiu frontal zone, the SPCZ and the SACZ), Part I: Characteristics of subtropical frontal zones". J. Meteor. Soc. Japan, 70, pp , 1993, "Large-scale common features of subtropical precipitation zones (the Baiu frontal zone, the SPCZ and the SACZ), Part II: Conditions of the circulations for generating the STCZs". J. Meteor. Soc. Japan, 71, pp JUSTI DA SILVA, M. G. A. & M. A. F. DA SILVA DIAS, 2002: Análise da freqüência dos transientes nas previsões climáticas sazonais. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Meteorologia, Foz do Iguaçu. LEMOS, C.F. & N. O. CALBET, 1996, "Sistemas frontais que atuaram no litoral do Brasil (período )". In: Climanálise Especial Edição Comemorativa de 10 anos. MCT/INPE/CPTEC. cap. 14. NOGUÉS-PAEGLE, J. & K. C. MO, 1997, "Alternating wet and dry conditions over South America during summer". Mon. Wea. Rev., 125, pp OLIVEIRA, A. 1986, Interações entre sistemas frontais na América do Sul e a convecção da Amazônia. INPE TDL/239. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 115 p. São José dos Campos, SP. SATYAMURTY, P. & L. F. MATTOS, 1989, "Climatological lower tropospheric frontogenesis in the midlatitudes due to horizontal deformation and divergence". Mon. Wea. Rev., 117, pp SUGAHARA, S., R. P. ROCHA & M. L. RODRIGUES, 1994, "Condições atmosféricas de grande escala associadas a jato de baixos níveis na América do Sul". In: Anais do VIII Congresso Brasileiro de Meteorologia, v.2, pp , Belo Horizonte. VELASCO, I. & J. M. FRITSCH, 1987, "Mesoscale convective complexes in the Americas". J. Geophys. Res. 92, pp